• Nenhum resultado encontrado

A vinculação das sociedades a atos dos seus sócios

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "A vinculação das sociedades a atos dos seus sócios"

Copied!
79
0
0

Texto

(1)

UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE DIREITO

Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Empresariais

A VINCULAÇÃO DAS SOCIEDADES A ATOS DOS SEUS SÓCIOS

Daniel Gonçalinho Rasteiro Lisboa

(2)

UNIVERSIDADE DE LISBOA FACULDADE DE DIREITO

Mestrado Profissionalizante em Ciências Jurídico-Empresariais

A VINCULAÇÃO DAS SOCIEDADES A ATOS DOS SEUS SÓCIOS

Dissertação de Mestrado, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Direito – Ciências Jurídico Empresariais, sob a orientação do Professor Doutor JOSÉ FERREIRA GOMES.

Daniel Gonçalinho Rasteiro Lisboa

(3)

Resumo

O estudo desenvolvido, visa a obtenção do grau de mestre em Direito – Ciências Jurídico Empresariais e centra-se na análise a um caso concreto.

O caso corresponde a uma situação, na qual dois sócios de uma sociedade por quotas, aceitaram uma letra de câmbio, apresentando-se perante o sacador como gerentes da sociedade, criando neste uma expectativa de que seria com a sociedade que estaria a negociar. A questões colocam-se, quando se tem em conta que os referidos sócios não exerciam funções de gerência, nem haviam recebido poderes de representação pela sociedade para realizar um ato dessa natureza.

O objetivo geral do trabalho é que este corresponda a um processo de investigação e aplicação de um conjunto de preceitos jurídicos aos problemas que do caso decorrem, nomeadamente, sobre as questões de representação das sociedades comerciais, a relação intraorgânica nas sociedades comerciais, o exercício da vontade e dos direitos da pessoa coletiva, a relação da sociedade com terceiros e principalmente, a vinculação da sociedade por atos praticados pelos seus sócios, quando estes não possuam poderes de representação.

Versando este nosso estudo sobre um caso concreto, ultrapassa de certa forma a classificação meramente teórica e analítica, para se situar num domínio prático e que vise responder a problemas reais decorrentes do tráfego jurídico.

A organização do trabalho assenta, num primeiro plano, no enquadramento do problema na ordem jurídica, seguida da aplicação de uma metodologia adequada a responder às questões que se levantam, através do estudo do direito substantivo e da sua aplicação ao caso.

A análise irá versar sobre a estrutura orgânica das sociedades comerciais, mais concretamente, do papel do órgão administrativo na atividade da sociedade e sobre a relação entre este e os sócios. Além disso o estudo versa, também, sobre o instituto da representação voluntária em processo civil e comercial e de outras teorias que nos pareceram úteis para a pesquisa na tentativa de responder às perguntas que inicialmente se colocaram.

Palavras chave: Sociedades comerciais, representação orgânica, representação voluntária, administrador de facto e procuração aparente.

(4)

Abstract

This study regards a mean to obtain a master's degree in Law - Business Law and focuses on the analysis of a real court case that we encountered by means of our professional activity.

This case corresponds to a situation in which two partners from a joint-stock company, accepted a bill of exchange, presenting themselves to the drawer as managers of the company, creating an expectation that it would be with the company that he would be negotiating. The problem arises in view of the fact that said partners did not have managerial functions, nor had they been given powers of representation by the company to carry out such an act.

The general objective of the study is to establish na investigation process and application of a set of legal precepts to the problems that arise from the case, namely, questions regarding representation of commercial companies, the relationship between the different internal structures of such companies, the exercise of the will and the rights of the company, the relationship of the company with third parties and especially the association of society to acts practiced by its members.

Thus, in dealing with a real case, the study goes beyond the mere theoretical and analytical classification, to be established in a practical field and aimed at responding to real problems arising from legal traffic.

The organization of this paper, is based on the legal framework of the problem, followed by the application of an appropriate methodology to answer the questions that arise, through the study of substantive law and its application to the case. The analysis will cover the organic structure of commercial companies, more specifically, the role of the administrative body in the activity of the company and the relationship between the company and its members. In addition, the study is also about the institute of voluntary representation in civil and commercial law, and also about other theories that seemed useful to the research, in an attempt to answer the questions that were initially posed.

Key words: Commercial companies, corporate representation, voluntary representation, de facto director and apparent power of attorney.

(5)
(6)

ÍNDICE

Capítulo I – Enquadramento ... 1

1. – Apresentação ... 1

2. – A realidade como «óculo da teoria» ... 3

3. - O caso: o aceite de uma letra de câmbio em nome da sociedade, por dois sócios ... 7

Capítulo II – Representação orgânica e vinculação da sociedade ... 11

4. – Introdução ... 11

5. – Os órgãos sociais e a representação orgânica. A importância da separação da qualidade de sócio e de gerente ... 13

6. – A vinculação da sociedade por quotas. ... 20

7. - O Administrador de facto. ... 22

7.1. – Introdução. ... 22

7.2. - Critérios para a aplicação da fórmula... 24

7.3. – A relevância da formula “de facto” para o caso em análise. ... 26

Capítulo III – A representação da sociedade pelos sócios. A representação voluntária. ... 35

8. – Introdução. ... 35

9. - A representação em face da ausência de procuratio. ... 37

9.1. – O abuso de representação e a representação sem poderes. ... 39

10. - A representação aparente no Direito civil e comercial. ... 41

10.2. – A representação aparente no ordenamento jurídico português. A extensão do artigo 23º da Lei da Agência e a procuração institucional. ... 53

Capítulo IV – Conclusões e breve proposta jure condendo. ... 63

11. Conclusões ... 63

12. Proposta juri condendo ... 67

Bibliografia ... 71

(7)

1 Capítulo I – Enquadramento

1. – Apresentação

O presente trabalho corresponde a dissertação de mestrado profissionalizante em Ciências Jurídico-Empresariais, com vista à obtenção do grau de mestre em Direito, a apresentar e a defender na Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa.

Arquitetámos a realização desta tese no momento em que, no âmbito da nossa atividade profissional, nos deparámos com um litígio judicial, que corre atualmente em instâncias de execução dos tribunais portugueses.

O desafio que configurou a análise e o trabalho desempenhado sobre o caso, e a abundância de interrogações com as quais nos íamos deparando sempre que estudávamos e refletíamos sobre o caso, levaram-nos a acreditar que os contornos do mesmo teriam o potencial de representarem o objeto de um estudo académico como este que. Foi com isso em mente, que decidimos partir novamente para análise do litígio, mas desta vez de uma perspetiva académica e científica. É a essa análise, que este ensaio corresponde.

Importa explicar qual a situação específica a que se reportam os factos em causa, mesmo que por agora de uma forma simplificada, já que a apresentação dos mesmos será realizada com mais detalhe a posteriori.

O thema decidendum da ação gira em torno da possibilidade de vinculação de uma sociedade comercial por quotas, ao conteúdo de uma letra de câmbio 1.

1 Por letra de câmbio entende-se um documento constitutivo de um direito de crédito,

através do qual o sujeito que o emite, o sacador, dá uma ordem de pagamento de uma quantia pecuniária, o saque, a um devedor, o sacado. Essa ordem de pagamento, é realizada a favor de quem esteja na posse da letra, o tomador. O devedor/sacado, assume a obrigação de pagamento da quantia aposta no título através do aceite, expresso através da sua assinatura no rosto do título, tornando-se dessa forma aceitante da letra. Importa ter em mente estes conceitos, para ideal compreensão dos factos que serão enunciados adiante e que assumem um papel importante para o desenvolvimento desta dissertação.

(8)

2

As dúvidas e indefinições que fomos encontrando durante a análise e interpretação dos factos, e a consequente eclosão do interesse académico nos mesmos, estão ligadas a uma particularidade específica do caso.

Acontece que, neste caso verídico, foi dado como facto provado que as assinaturas apostas no aceite na letra, em nome da sociedade por quotas, eram de dois sócios desta sociedade. Até aqui, estes contornos não despoletam um interesse excecional, ou pelo menos, um que justifique um trabalho de investigação.

Mas o sentimento é diferente, se se referir que, na altura em que esses sócios apuseram a sua assinatura no rosto da letra, não exerciam qualquer cargo de gerência na sociedade, não tendo sido nomeados por qualquer via prevista na lei, nem lhes tendo sido atribuído, por parte da gerência, qualquer espécie de poder representativo que lhes permitisse praticar atos cujos efeitos se reproduzissem na esfera jurídica da sociedade. Não obstante, no momento em que assinavam a letra, manifestaram expressamente ao sacador, que possuíam a qualidade de gerentes da sociedade.

Ora, em virtude desta situação, interroga-se se a sociedade em causa estaria, ou não, vinculada ao conteúdo dessa mesma letra, ou se os sócios, embora provado que possuíam apenas essa qualidade, de sócios, e não de membros do órgão administrativo da sociedade, podem, ainda assim, dispor de legítimos poderes de representação da sociedade.

Nas circunstâncias em que nos encontrávamos anteriormente, de nós era esperada uma exposição sobre os factos, que traduzisse um posicionamento final face aos mesmos. Agora, no domínio da investigação académica, as respostas a estas questões não podem, com certas exceções, ser apresentadas como soluções absolutas. Não é esse o objetivo que perseguimos, nem queremos que se entenda que é o que pretendemos estabelecer com o caminho analítico que formos trilhando. Responder ao problema que do caso emana, pressupõe, neste contexto, um estudo sobre uma multiplicidade de disciplinas, que considere diferentes institutos, teorias e normas. Por esse ângulo, acreditamos que, de igual importância das conclusões que se alcançarem, é o processo de estudo e de experimentação que lhes

(9)

3

antecede, e é nele que esperamos que se encontre parte significativa do valor deste trabalho.

Um trabalho que deverá refletir, assim, um processo de investigação jurídico analítico e refletivo, desencadeado por, e focado num caso com o qual, nas circunstâncias que mencionámos, nos deparámos.

2. – A realidade como «óculo da teoria»

Importa, preliminarmente a encetarmos pelo caminho da análise de cariz técnico-jurídica, perceber quais são as interrogações concretamente manifestadas por este caso judicial e qual a relação do mesmo com o domínio no qual este estudo é desenvolvido, o do Direito societário.

Presume-se que a decisão de utilizar um caso judicial verídico como ponto de partida para um estudo desta natureza, seja algo incomum. Admitimos, conceder um papel de destaque assinalável a um caso judicial, para que sirva de “bússola” e orientação para uma análise com a complexidade característica um trabalho com a essência de uma dissertação de mestrado, tanto pode ser interpretado como uma decisão original, como estranha.

Aceita-se qualquer uma das leituras, mas não abandonamos a nossa convicção da vantagem que é possuirmos um “suporte” verídico, que estimule e sustenha uma análise a ser desenvolvida num plano teórico e abstrato, especialmente tendo em conta o que se deve procurar com a realização deste estudo.

Para perceber porquê, é importante, primeiro, compreender quais são os problemas derivados destes factos, quais as questões que irradiam do caso judicial e qual a relação e utilidade das mesmas para o estudo a desenvolver. Consubstanciando, há que perceber qual é o problema com o qual nos deparamos, e ao qual será do nosso interesse dar resposta.

Ora, como enunciámos há pouco, o thema decidendum prendia-se com a vinculação da sociedade ao conteúdo da letra. A questão é controversa, porque quem apôs as suas assinaturas no espaço reservado para o aceite da letra, fê-lo agindo, supostamente, em nome da sociedade, na qualidade de seu representante, sem que seja evidente que essa posição jurídica seja correspondente à realidade.

(10)

4

No nosso entender, poder-se-á dividir a ordem de problemas que daqui emergem, na forma de duas interrogações. São elas: tendo em conta os factos

apresentados, existe fundamento para considerar que os sócios que assinaram a letra de câmbio, atuavam como legítimos representantes da sociedade? e: em virtude do resultado alcançado, é possível concluir pela vinculação da sociedade às obrigações decorrentes da letra?

Em termos simples, e sem querermos estar a iniciar uma abordagem técnica ao problema, a resposta a estas interrogações terá que envolver uma análise, em primeiro lugar, à natureza jurídica das sociedades comerciais, como entidades com personalidade jurídica reconhecida, mas sem capacidade para praticarem atos da mesma forma das pessoas singulares, por serem “pessoas fictícias”. Tendo isso em conta, um tratamento dos institutos da representação orgânica e voluntária, como formas de resolver a limitação associada à coletividade, no que ao exercício do Direito diz respeito, será fulcral.

Com base nesta análise, prevemos ter elementos suficientes para apresentar mais do que uma via de resolução, bem como para classificar e avaliar a validade e relevância de cada uma delas para o problema do caso.

Se queremos resolver o problema da forma cientificamente precisa conotada com um estudo deste género, é fundamental examinar as normas legais e institutos jurídicos adequados, identificando contornos dos quais nos possamos servir para compreender se, nas circunstâncias encontradas no caso em análise, os sócios que apuseram a sua assinatura na letra, podem, de algum modo, estar, ou não, a representar a sociedade, ou se é possível concluir pela vinculação da mesma ao conteúdo da letra de câmbio.

É a multiplicidade de institutos e teorias, e a sua relação e utilidade para o problema que deste caso desponta, que serve para nós, aqui na qualidade de observadores e analistas do Direito, de objeto a este estudo. Igualmente, deve-se à amplitude institucional e teórica, a justificação para conceituarmos os factos constitutivos deste caso judicial como parte integral deste estudo, por suscitarem um problema com esta relevância no âmbito científico, que compele o estudo de uma variedade de abordagens para o resolver.

(11)

5

Por isso se explica a decisão de conferir relevo a um caso judicial em concreto. Não só por ter sido o confronto com os seus factos que desencadeou a nossa reflexão acerca do problema, mas, mais relevante de um ponto de vista analítico, porque este litígio se mostra tão perfeitamente exemplificativo e simbólico da multiplicidade de abordagens e institutos apropriados ao problema da representação e vinculação de uma sociedade comercial, quando está em causa a inexistência de evidentes poderes de representação.

Além disso, o interesse científico associado com este caso concreto decorre, também, da possibilidade de estudar o problema da representação sem poderes, com enquadramento na relação entre a sociedade comercial, os sócios e o órgão administrativo, com a qualidade importante de permitir uma contextualização e enquadramento na prática jurídica, tendo em conta a origem factual do problema e considerando que, por isso, demonstra como a questão é tratada numa conjuntura jurisdicional autêntica.

Portanto, no nosso entender, possui o presente estudo o atributo de oferecer uma perspetiva prática do problema, não só por ser desencadeado por um litígio judicial verídico, mas, especialmente, pela maneira como permite demonstrar o tratamento a que o problema é sujeito num contexto jurisdicional genuíno, sendo-nos possível apreciar as consequências práticas provenientes, quer da aplicação das normas positivas do ordenamento jurídico português, quer da forma de interpretar a lex scripta, quer até da disposição do julgador para valorizar ou não determinados institutos extralegais.

Desta forma, não limitamos a construção desta dissertação, e principalmente das conclusões e soluções que dela advenham, a um plano substancialmente teórico e abstrato, permitindo o desenvolvimento e exposição de conhecimentos numa perspetiva prático-jurídica e da sua integração numa realidade jurisdicional.

Conforme explicita CARNEIRO DA FRADA, o «óculo é o caso» e é com recurso a ele que se conhece e vislumbra a ordem jurídica. A análise deste caso verídico, oferece um plano para estudar e investigar o sistema jurídico e as soluções jurídico-normativas. Como explica o Professor, «o método do caso é propugnado enquanto método estruturante, válido e potencialmente pleno, de transmissão e

(12)

6

desenvolvimento de conhecimentos; coordenado (…) com a exposição de matérias de pendor abstrato e generalizador» 2. Não se imagina melhor contexto do que este

para preenchermos este preceito.

Com recurso ao estudo de uma situação verídica, cremos também ir de encontro aos requisitos estabelecidos pela Faculdade de Direito da Faculdade de Lisboa para a conceção do grau de Mestre, não só devido à prova de conhecimentos e capacidade de investigação, mas também por apresentarmos uma base original, única e verídica, onde possamos integrar os conhecimentos obtidos através da análise multidisciplinar, confrontando os problemas jurídicos práticos do dia-a-dia

3.

Esclarecemos que não se pretende, de modo algum, assumir um papel de julgador no exercício da sua atividade jurisdicional. Interessa-nos sim, através do escrutínio e do exame do ordenamento jurídico português e internacional, especificamente no domínio do direito civil, comercial e societário, explorar as melhores formas de abordar e resolver o problema.

Também não pretendemos que se assuma que este trabalho corresponde a uma extensa crítica à decisão de 1ª instância e aos seus respetivos fundamentos. Antes, queremos aplicar ao problema a maior variedade possível de soluções que retirarmos da lei e de outras teorias, nunca prescindido da nossa prerrogativa de manifestar as nossas convicções a respeito dos instrumentos e institutos encontrados, valorizando ou censurando a sua aplicabilidade ao problema de partida, conforme a nossa perceção.

Antes, procuramos a construção de um argumento jurídico-científico, que classifique conceptual e dogmaticamente o problema, utilizando as soluções que o Direito vigente oferece, que identifique soluções paradigmáticas compatíveis com o

2 Cit. Manuel A. CARNEIRO DA FRADA – Direito Civil, Responsabilidade Civil, o método do caso,

1ª edição, Coimbra: Almedina, 2006, p. 134.

3 Assim, indo de encontro com o estabelecido pelo artigo 17 º do Regulamento do Mestrado

e do Doutoramento da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, Despacho n. º 6322/2016, publicado em Diário da República, 2 ª série – n.º 92 – 12 de maio de 2016.

(13)

7

sistema jurídico corrente e que, idealmente, potencie a solução de outros problemas de qualidades semelhantes ao daquele em exame neste estudo científico 4.

Por outras palavras, pretendemos que este seja um trabalho académico no qual se teorize para responder, ou seja, onde se possa encontrar uma análise cuidada e clara a sistemas e instrumentos legais de relevo para o problema no nosso ordenamento jurídico, recorrendo também, quando acharmos que seja no melhor interesse do objeto do estudo, a doutrina, jurisprudência e disposições normativas de outros ordenamentos jurídicos. Em simultâneo com este processo de análise, elaborar-se-á uma reflexão pessoal sobre os méritos e/ou as insuficiências dos institutos que se investigam para, em conclusão, exibir as teorias mais adequadas e os instrumentos com maior capacidade de fornecer resposta ou esclarecimento à nossa interrogação de partida, bem como a outras que possam surgir com o desenvolvimento da dissertação 5.

Em resumo, sempre com as perguntas que formulámos em mente, pretendemos com a presente dissertação, enveredar por um processo de descoberta de uma ponderada e devidamente fundamentada resposta, ou respostas, às mesmas, através de um estudo detalhado de todos os institutos jurídicos relevantes para as encontrar.

3. - O caso: o aceite de uma letra de câmbio em nome da sociedade, por dois sócios

A ação judicial está relacionada com uma mescla de factos que originaram um processo judicial executivo, que segue os seus trâmites legais na 1ª Secção de Execução da Instância Central de Lisboa. Note-se, para efeitos da descrição dos factos, as firmas das pessoas coletivas e os nomes das pessoas envolvidas que serão

4 Seguindo esta estrutura dogmática, cremos estar a cumprir a via para a edificação da teoria

jurídica, conforme defendida por Claus-Wilhem CANARIS, na qual nos apoiamos para este estudo. Cfr. Claus-Wilhem CANARIS – Función, estrutura y falsación de las teorias jurídicas (Tradução de Daniela BRÜCKNER e José Luis de CASTRO), 1ª edição, Madrid: Editorial Civitas, 1995, p. 28-36.

5 Deste modo, desempenhando a atividade de criação jurídico-científica nos três planos

distintos, embora interligados, conjeturados por João BATISTA MACHADO. São eles o plano da descrição ou captação dos dados, que corresponde à procura e interpretação das normas existentes no Direito vigente, o plano da explicação, que se reporta à construção e sistematização de conceitos e instituições jurídicos fundamentais e o plano da aplicação da teoria contruída à realidade, que não é mais que aplicar os resultados obtidos aos casos concretos. Cfr. João BATISTA MACHADO - Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra: Almedina, 2014, p. 359.

(14)

8

utilizados não correspondem aos verdadeiros, em prol da privacidade e demais garantias e direitos dos intervenientes e para asseverar a integridade e confidencialidade com que o presente estudo será conduzido. Pela mesma razão, as datas e quantias pecuniárias em causa também serão distintas daquelas envolvidas no caso verídico.

Para mais, tenha-se em conta que, para efeitos e no melhor interesse do objeto da nossa dissertação, assumiremos apenas a relação mediata inerente à letra de câmbio, ignorando as relações imediatas. Daqui dever-se-á entender, que não serão neste estudo discutidos os negócios e as relações subjacentes à letra que lhe deram origem, mas o seu conteúdo e exequibilidade 6.

Igualmente no interesse do nosso objeto de estudo, a descrição que faremos dos factos será amplamente simplificada, para cumprir os efeitos da utilidade científica e prática da dissertação, que, no nosso entender, se perderia se elaborássemos uma desnecessária descrição extensa e excessivamente meticulosa dos eventos. Dito isto, passemos finalmente a enumerar os dados elementares inerentes ao caso.

O que para os efeitos desta dissertação importa saber, é o seguinte: foi instaurada uma ação executiva contra A, B e Albatroz Lda., para pagamento de quantia certa decorrente de letra de câmbio, que, embora tenha sido apresentada a protesto à executada Albatroz Lda., não foi objeto de pagamento.

Nos respetivos autos de execução, foram dados como provados os factos que passamos a enumerar:

1) C, exequente no processo, é titular de uma letra no valor de 500.000€

(quinhentos mil euros), datada de de 20/06/2016. C figura nessa letra como sacador, sendo o sacado a sociedade Albatroz Lda., executada, que tem por objeto a exploração e gestão de unidades de restauração e similares;

6 Aqui, conforme o princípio de autonomia do título de crédito face ao direito subjacente ou

fundamental. A esse respeito, refere Miguel PUPO CORREIA que o direito cartular é independente da relação mediata subjacente à relação jurídica anterior ao surgimento da letra. Em respeito a esta exigência dos títulos de crédito, e por não possuírem utilidade para o estudo, as relações anteriores entre os intervenientes não serão levadas em conta. Cfr. Miguel PUPO CORREIA – Direito Comercial, Direito da Empresa, 10ª edição, Lisboa: Ediforum, 2007, p. 445-446.

(15)

9

2) A letra tem apostas duas assinaturas no aceite, a de A e a de B, sócios,

juntamente com o carimbo da sociedade Albatroz Lda.;

3) À data de emissão da letra a Albatroz Lda. tinha como sócios A, B, D e E.

Nenhum dos sócios exercia o cargo de gerente. Esse cargo competia a F, que não era sócio da Albatroz Lda.;

4) A não era gerente da sociedade desde 2011. B não era, nem nunca havia

sido, gerente da sociedade. Não foi dado por provado que a algum dos sócios, houvesse sido conferido um poder de representação da sociedade, quer decorrente do contrato de sociedade, quer por parte da gerência, quer por deliberação dos restantes sócios;

5) Na letra consta a frase “Pague-se à ordem da sociedade Magnífica Unip.

Lda.”, sociedade da qual C é sócio-gerente, bem como a assinatura do sacador C e o carimbo da Magnífica Lda.;

6) Os restantes sócios não tinham, na altura, conhecimento da existência da

letra, só descobrindo através da notificação do protesto apresentado pela exequente;

7) C e A conheciam-se há 10 anos, tendo durante uma tranche desse período,

A exercido funções de gerente na sociedade. A, quando aceitou a letra, informou o sacador C que mantinha a qualidade de gerente da sociedade Albatroz Lda., omitindo as mudanças ocorridas na gerência;

8) À data de emissão da letra, A e B eram titulares de 90% das quotas da

sociedade Albatroz Lda.;

9) F, gerente da sociedade, confirmou que teve conhecimento da existência

da letra, nunca se opondo ao seu uso, nem tendo questionado os sócios sobre a sua existência;

10) A Albatroz Lda. obrigava-se, dentro e fora da sociedade, com a assinatura

de um gerente.

Em face destas circunstâncias, o tribunal de 1ª instância, decidiu que, não tendo a letra sido aceite por um representante legal da Albatroz Lda., a sociedade não poderia ser demandada, porque nenhuma das assinaturas a vinculava. Em

(16)

10

resultado, somente os seus subscritores, A e B poderiam responder pelo conteúdo da letra, concluindo pela absolvição da executada.

Tendo em conta esta dezena de factos, e a respetiva decisão judicial, pergunta-se: tendo em conta os factos apresentados, existe fundamento para

considerar que os sócios que assinaram a letra de câmbio, atuavam como legítimos representantes da sociedade, vinculando-a ao conteúdo do documento?

Segundo um processo de investigação com os contornos e os objetivos que delimitámos, é esta a questão que pretendemos estudar.

(17)

11

Capítulo II – Representação orgânica e vinculação da sociedade

4. – Introdução

Em regra, é o próprio sujeito que transmite a sua vontade e que acarreta os efeitos que decorram dessa proclamação. Contudo, limitar o exercício dos direitos de um indivíduo a estes termos é apenas exequível numa sociedade extremamente simples, com um sistema jurídico, também ele, muito rudimentar. Um corpo social e jurídico dessa natureza só pode existir, nos dias de hoje, num plano meramente teórico.

Ao longo da história, assistimos a uma crescente aglomeração de indivíduos, em números cada vez maiores, em espaços físicos cada vez mais limitados. Em consequência dessa concentração, as comunidades tornaram-se cada vez mais complexas e em função disso, as relações interpessoais tomaram contornos, também eles, mais intrincados. Para além disso, nestas comunidades emergentes foram concebidas entidades fictícias, que viriam a ser dotadas plenamente de direitos, as pessoas coletivas. Ora, esta crescente complexidade das nossas comunidades, das relações interpessoais e do próprio Direito, justificava uma ampliação na forma de os indivíduos exercerem a sua vontade e os seus direitos.

Assim se explica o surgimento do instituto da representação. Sucintamente, por representação, entende-se a atuação de alguém, ora representante, em prol de outrem, ora representado. Essa atuação, se exercida com a capacidade e nas circunstâncias impostas pelo Direito vigente, vai produzir efeitos na esfera jurídica do beneficiário, leia-se, representado, e não na esfera de quem age, como seria normal se uma posição jurídica só pudesse ser exercida pelo seu titular 7. Podemos

falar assim de uma «legitimidade indireta» em agir, de uma ficção jurídica se quisermos, já que aquele que age, fá-lo como “substituto” do titular dos direitos e deveres que são exercidos 8.

7 António MENEZES CORDEIRO – Tratado de Direito Civil, Volume V, 3ª edição, Coimbra:

Almedina, 2018, p. 66.

(18)

12

O instituto da representação pode ser dividido em três modalidades: legal,

voluntária e orgânica 9.

Na primeira, o âmbito dos poderes de representação emana diretamente da lei, como é exemplo o poder de representar os filhos que está legalmente confiado aos pais e tutores, conforme o disposto nos artigos 1878º n. º 1 e 1881º n. º 1 do Código Civil (CC). No caso da representação voluntária, cabe ao representado decidir se concede poderes representativos a outrem e qual o alcance desses poderes. Já a representação orgânica, refere-se à representação das pessoas coletivas pelos seus órgãos.

É através do estudo e da dissecação dos dois últimos conceitos, representação orgânica e representação voluntária, que esperamos encontrar conceitos e teorias jurídicas que nos permitam alcançar, num primeiro plano, uma decifração do problema de partida, e depois, num delineamento mais amplo, que permitam, como foi proposto, a apresentação de um elenco dogmático que demostre utilidade, não só num contexto teórico-científico, mas também numa perspetiva prática.

Por conseguinte, segue-se a nossa análise, em primeiro lugar, e incontornavelmente, dado desenvolvermos esta dissertação no plano do Direito societário, à representação orgânica.

Antes disso, porém, há que referir que é discutível a precisão científica de qualificar a representação orgânica, tal como a representação legal, como

verdadeiras formas de representação, como é o caso da representação voluntária.

Optamos por ignorar a discussão a respeito da conceção da representação legal como uma forma de representação em sentido técnico, já que o âmbito do estudo não abrange a matéria da representação legal.

Contudo, uma querela semelhante, mas acerca da representação orgânica, desperta em nós uma outra atenção, dada a relevância basilar da mesma para o trabalho. Por isso, discorreremos, com algum detalhe, sobre a ideia.

9 António MENEZES CORDEIRO - Direito Comercial, 4ª edição, Coimbra: Almedina, 2016, p.

(19)

13

Diga-se que somos do entendimento que, independentemente da posição que se tome, acerca do grau de exatidão técnica de se considerar a representação orgânica como verdadeira representação, não cremos estar a incorrer numa imprecisão por utilizar a expressão representação, para nos referirmos à atuação das pessoas coletivas.

Isto porque estamos a falar de um esquema de imputação de efeitos que deve, em termos históricos e dogmáticos, muito ao instituto da representação. Além disso, a nomenclatura é a mais comumente utilizada, por falta de uma construção concetual adequada para descrever a forma de atuar da pessoa coletiva pelos seus órgãos 10.

Como «intérpretes-aplicadores» de normas e teorias, teremos o cuidado de não alargar o esquema da representação, no correto sentido técnico, a situações onde não seja aplicável 11. Ainda assim, com base nos argumentos expostos supra,

não nos abstemos de utilizar a denominação representação para nos referirmos ao regime do exercício de direitos das pessoas coletivas.

Feita esta ressalva, passemos sem mais demora para a análise da representação orgânica das sociedades, particularmente da sociedade por quotas, por ser o tipo da sociedade que aqui se discute, e sobre as respetivas formas de vinculação.

5. – Os órgãos sociais e a representação orgânica. A importância da separação da qualidade de sócio e de gerente

Qualquer sociedade comercial precisa de uma estrutura orgânica que lhe permita manifestar a sua vontade. Afinal, as pessoas coletivas, pela sua natureza, não são capazes de exprimir a sua vontade de forma escrita nem verbal, não são capazes de agir por si próprias.

Não quer isto dizer, que são completamente incapazes de agir e de exprimir a sua vontade, muito pelo contrário. São tal como as pessoas singulares, pessoas reais e completas, capazes de direito, de vontade e de atuação. Embora

10 MENEZES CORDEIRO – Direito Comercial, 4, p. 661. 11 MENEZES CORDEIRO – Tratado…V, 3, p. 82.

(20)

14

singularmente não se caraterizarem por uma essência humana, como as pessoas singulares, possuem uma estruturação interna, dividida em órgãos, cada um deles com diferentes funções, que possibilitam a sua organização no plano interno e o exercício dos seus direitos 12. Deste modo, podemos dizer que é através dos seus

órgãos que a sociedade atua, de forma a transmitir a sua vontade negocial, de forma livre e pessoal.

Importa revisitar a problemática que mencionámos de, ainda que de forma breve, no ponto anterior, acerca da existência de uma verdadeira representação na forma de exercício dos direitos das pessoas coletivas.

Ao contrário da relação entre o representante e o representado, que são consideradas pessoas diferentes, entendemos que a atuação dos titulares dos órgãos socias corresponde, juridicamente, à atuação da pessoa coletiva. O órgão não surge como representante da pessoa coletiva, mas sim como elemento integrante da mesma, sendo que a sua atuação corresponde, para efeitos jurídicos, à atuação da própria sociedade 13.

Isto significa que, ao contrário do representante, que apenas pode atribuir ao representado os efeitos dos atos que levou a cabo, se praticados dentro dos limites estabelecidos previamente, o ato praticado pelo titular do órgão social é juridicamente imputado à pessoa coletiva, por se captar que foi a mesma que, materialmente, o praticou 1415.

12 José FERREIRA GOMES – Da Administração à Fiscalização das Sociedades, a Obrigação de

Vigilância dos Órgãos da Sociedade Anónima, Coimbra: Almedina, 2017, p. 700.

13 Não é uniforme o entendimento acerca das diferenças entre a representação voluntária e

a representação orgânica, no que toca ao “titular” do ato praticado, gerando disputa a dúvida em saber se quem o pratica é a sociedade ou o titular do órgão administrativo. Suplantando essa contenda, FERREIRA GOMES esclarece que o Direito valoriza os efeitos do ato e não a “titularidade” do mesmo. Citando o Ilustre Professor: «o Direito não necessita de atribuir um facto a um sujeito para lhe imputar os correspondentes efeitos (…) se a imputação de factos (…) se traduz afinal numa imputação de efeitos, tal como na representação voluntária, então a diferença entre uma e outra é de natureza quantitativa e não qualitativa». Ou seja, mais relevante do que precisar se a prática do ato deve ser reconduzida à sociedade ou ao titular do órgão, é compreender a quem os efeitos do mesmo serão imputados, uma posição que subscrevemos, e que tão bem concretiza o escopo deste estudo. Cit. FERREIRA GOMES – Da Administração à Fiscalização…, p. 708.

14 Ibidem, p. 701-703.

15 Essa parece ser igualmente a posição de MENEZES CORDEIRO, que constata: «A atuação

dos órgãos é a da pessoa coletiva, numa lógica própria do modo coletivo do funcionamento do Direito». Cit. MENEZES CORDEIRO – Tratado…V ,3, p. 82.

(21)

15

Esta teoria é importante para a definição de órgão social como um «regime jurídico», integrado no “corpo” da pessoa coletiva, que se destina a balizar e a «regular a conduta» das pessoas singulares que integram a sociedade, de forma a garantir a prossecução do objeto social da mesma. O órgão, demonstra subjetividade nas relações internas com os restantes órgãos e membros sociais, mas no panorama das relações externas, é apenas um “veículo” de transmissão da vontade da pessoa coletiva 16.

Mais do que a imputação dos efeitos de um ato, típico resultado da representação voluntária, a representação orgânica tem o efeito de imputar juridicamente o próprio ato à pessoa coletiva. Por outras palavras, a prática do ato não é exercida por um representante, mas sim pela própria pessoa coletiva, através dos titulares dos seus órgãos 171819.

Sumarizando, não são os administradores que agem pela sociedade, é a sociedade que age por meio dos administradores 20.

No caso das sociedades por quotas, como a Albatroz Lda., a sociedade do caso de estudo, é a gerência o órgão que tem a seu cargo a administração da sociedade, ou seja, ao qual cabe formar e exprimir a vontade imputável à última.

A composição deste órgão está estabelecida no artigo 252º do Código das Sociedades Comerciais (CSC). Como se denota imediatamente através da leitura do n.º 1 do artigo, os titulares do órgão são os gerentes, e é a eles que compete a representação e a administração da sociedade.

16 Cfr. FERREIRA GOMES – Da Administração à Fiscalização…, p. 708. 17 Ibidem, p. 703.

18 Acreditamos que a teoria da prática do ato pela própria pessoa coletiva, através da teoria

orgânica, afigura-se mais adequada do que entender, por exemplo, que os administradores ou gerentes da sociedade a representam com base numa relação de mandato com a mesma ou com os sócios e a assembleia geral. Por um lado, pela dificuldade em identificar o mandante (é pouco claro se serão os sócios ou a própria sociedade), por outro lado, a autonomia própria dos administradores e gerentes é totalmente contrária com o regime do contrato de mandato. Ibidem, p.701.

19 Não obstante a se atribuir, para efeitos jurídicos externos, a prática dos atos à sociedade,

não quer isto dizer que os órgãos sociais não possam ser também alvo de imputação de normas jurídicas. No plano interno das relações interorgânicas, a cada órgão social podem ser aplicadas normas e imputadas ações de forma individualizada. Cfr. Ibidem, p. 711.

20 Cfr. Ricardo COSTA – Os Administradores de Facto das Sociedades Comerciais, Coimbra:

(22)

16

Aos gerentes é concedida a designação para o órgão de administração por quatro vias possíveis: designação no contrato de sociedade, designação posterior, eleição pelos sócios ou por nomeação judicial. Sendo nomeados, os gerentes exercem as suas funções, ou num sistema de gerência singular, composta por apenas um gerente, ou plural simultânea, se composta por mais do que um gerente 21.

Os gerentes tanto podem ser sócios da sociedade, como não sócios. O facto do artigo 259º do CSC permitir a nomeação de estranhos à sociedade para o cargo de gerente, consagra a hipótese de se separar a qualidade de sócio, da qualidade de gerente. Caso a sociedade escolha pela opção de nomear pessoas externas como gerentes, é importante, para garantir o regular funcionamento da atividade social, promover e preservar a clareza da separação das funções e denominações dos gerentes e os sócios. Essa distinção deve ser cristalina, sob pena de, em caso contrário, desencadear situações que coloquem em causa a própria organização da sociedade.

Permitir que não apenas os sócios, mas também indivíduos externos à sociedade, possam exercer funções de gerência, é uma forma de melhorar a eficiência das funções administrativas, porque garante a possibilidade de munir o órgão de profissionalização e especialização. Indo mais longe, é uma forma de «negação do amadorismo» 22.

Nos primórdios da realidade das pessoas coletivas, aos sócios atribuía-se uma tripla qualidade: sócios, dirigentes internos e representantes externos. Com a evolução das sociedades e da atribuição de personalidade jurídica às mesmas, estas funções foram separadas e distribuídas, numa estruturação mais adequada à cresceste complexidade da pessoa coletiva.

Por isso, é hoje admitido que os órgãos de administração social sejam preenchidos por pessoas que não detêm participações sociais na sociedade, mas que possuem competências técnicas que lhes permitem desempenhar da melhor forma as funções atribuídas a estes órgãos.

21 João ESPÍRITO SANTO – Sociedades por Quotas e Anónimas, vinculação: objeto social e

representação plural, 1ª edição, Coimbra: Almedina, 2000, p.363-366.

22 Cit. VÁRIOS - Código das Sociedades Comerciais Anotado, Coordenação Prof. Doutor António

(23)

17

Embora ainda seja possível que uma pessoa assuma a qualidade de sócio e de gerente simultaneamente, ambos esses atributos funcionam em meios orgânicos distintos, uma noção que não deve ser desconsiderada 23.

Ainda assim, a separação da propriedade da sociedade, que pertence aos sócios e o controlo da mesma, atribuído aos gestores e administradores, é uma matéria de interpretações diversas.

Imagine-se uma sociedade comercial onde o capital social esteja tremendamente disperso. Essa difusão das participações sociais traduz-se numa dificuldade para os sócios exercerem a sua vontade sobre a administração, ou seja, será para eles mais custoso “controlar” o órgão administrativo, de forma a garantir que o último prosseguirá os interesses da sociedade. Neste caso, embora possuam a

propriedade da sociedade, os sócios não têm o seu controlo 24.

Numa situação completamente inversa, concebamos uma sociedade na qual o controlo societário está visivelmente aglomerado, num número muito reduzido de sócios. A aglomeração do capital social em apenas um ou dois sócios, significa que o domínio do sócio, ou sócios, sobre o órgão administrativo, é muitíssimo intenso.

Não se conclua, no entanto, que este controlo acentuado sobre a atividade do órgão administrativo, se traduz numa maior eficiência da prossecução do interesse social. A relação de domínio do sócio controlador sobre a sociedade, permite que este pressione e guie a administração nos termos que lhe aprouver, eventualmente em oposição dos interesses da própria sociedade e dos restantes sócios 25.

A subordinação do órgão administrativo às instruções e ordens do sócio controlador, deve-se, precisamente, à posição de domínio que este exerce sobre a sociedade, e consequentemente, sobre os seus órgãos. Esta posição de obediência do órgão administrativo, como explica FERREIRA GOMES, é consequência da « pressão exercida pelo sócio controlador, do qual depende para assegurar a continuidade do seu mandato à frente dos destinos da sociedade(…)», pelo que «não

23 Pedro Leitão PAIS DE VASCONCELOS – A Preposição, 2ª edição, Coimbra: Almedina, 2018,

p. 397-398.

24 FERREIRA GOMES – Da Administração à Fiscalização…, p. 40. 25 Ibidem, p.45.

(24)

18

será de estranhar que a administração privilegie os interesses particulares deste sócio em prejuízo do interesse comum» 26.

Deduz-se então que uma relação de domínio económico de um sócio sobre a sociedade, pode converter-se numa posição de comando e de orientação sobre o núcleo orgânico da representação e administração, e até sobre a própria vontade social, no caso desta soberania influenciar também os restantes sócios.

Devido à reduzida influência do mercado bolsista e do reduzido número de sociedades abertas em Portugal, são mais comuns as sociedades com um perfil de relação entre o controlo e a propriedade, mais facilmente identificável com a última descrição 27.

Tendo isso em conta, cremos estar logicamente consumada a ligação do tema da relação entre o controlo e a propriedade da sociedade, e das consequências para a administração social, e este estudo. Se é assinalável a abundância de sociedades comerciais onde o controlo e a propriedade estão agregados numa só pessoa, ou num conjunto limitado de pessoas, diga-se que o case study é um reflexo prático disso mesmo.

Se bem nos recordamos dos factos, a percentagem das participações sociais detidas pelos sócios A e B era de 90%. Contemplando esta percentagem, há, obviamente, lugar a uma presunção de relação de domínio expresso e absoluto de ambos sobre a administração e os restantes órgãos. E se tivermos em conta que o gerente da sociedade, mesmo conhecendo da existência da letra, da elevada quantia associada à mesma e da sua utilização em nome da sociedade, não se opôs em momento algum, nem sequer tendo indagado junto dos sócios, ou ter sido por eles informado, acerca desse negócio e da sua relação com a sociedade, essa hipótese parece manifestamente factual.

Efetivamente, no caso de estudo, o domínio exercido pelos sócios A e B sobre o núcleo administrativo da sociedade, é de tal forma palpável, que nem sequer está em causa a tomada do controlo da sociedade pela via da influência e comando sobre o gerente. Antes, os sócios “substituíram-se” a este.

26 Cit. Ibidem, p. 45. 27 Cfr. Ibidem, p.46.

(25)

19

Relembramos que o exercício do poder administrativo, não compete aos sócios nem à assembleia geral, mas sim aos gerentes. Ignorando essa prerrogativa, os sócios A e B encetaram atos reservados à gerência, inclusivamente assumindo perante um terceiro, que perante ele se apresentavam como gerentes da sociedade. Em causa não está, portanto, uma forma de subordinação da gerência aos critérios e deliberações dos dois sócios, mas sim um “apoderamento” dos poderes de gerência por parte destes.

Admite-se que certas decisões dos sócios tenham eficácia externa, e que as posições negociais de terceiros que com a sociedade se relacionem, possam ser afetadas por essas deliberações. O que não significa que os sócios possam, tal como os gerentes, relacionar-se diretamente com o exterior, como “condutores” da vontade da sociedade.

A atividade deliberativa dos sócios terá impacto sim, na definição da vontade da sociedade. Mas, de um ponto de vista externo, a vontade social irá desenvolver-se através da atuação dos gerentes, que previamente foram instruídos a desenvolver-seguir o arbítrio social 28.

Um preceito explicado nas palavras de João ESPÍRITO SANTO, que refere que «essas deliberações não são, via de regra, absolutamente auto-suficientes para a produção dos efeitos jurídicos que a tendem. É que a deliberação, de per si, corresponde normalmente à formação de uma vontade da sociedade, mas não á sua declaração perante terceiros» 29.

Aos sócios não cabe, numa sociedade onde sócios não acumulem funções de gerência obviamente, produzir a vontade social e declará-la externamente. É necessário que a mesma seja manifestada por um titular do órgão administrativo da sociedade, leia-se, um gerente ou por alguém a quem um gerente haja conferido poderes de representação, por via da representação voluntária.

É o gerente que, consciente das decisões dos sócios, expressa a vontade da sociedade, formada pelos últimos, exercendo assim, a sua competente função

28 João ESPÍRITO SANTO – Sociedade por Quotas…,1, p. 381. 29 Cit. Ibidem, p. 384.

(26)

20

representativa. Sintetizando, é através dos gerentes que age a sociedade, não através dos sócios.

Não se calcule que aqui se retrata alguma forma de transmissão de competência dos sócios para o órgão administrativo. São sim, órgãos de natureza e de funções diferentes. Os sócios, sendo também um órgão da sociedade, e assumindo até um posicionamento de superioridade face aos outros órgãos, têm funções de caráter deliberativo e a sua atividade é de índole interna 30, cabendo à gerência as

competências externas e representativas 3132.

Visto isto, chega a altura de questionar se se depreende do ato de A e B um exercício de representação orgânica. Tendo em conta o que contatámos, a resposta é, a nosso ver, manifestamente negativa.

Afinal, A e B, no momento em que assinaram a letra, eram apenas sócios da sociedade. Não foram designados para funções de gerência no contrato social, não houve lugar a qualquer deliberação social que produzisse esses efeitos, nem se verifica a ocorrência de qualquer outra forma de designação.

Na qualidade de sócios, não lhes estão atribuídas as competências necessárias para representar a sociedade, “personalizado” a sua vontade. A eles caberá formá-la.

6. – A vinculação da sociedade por quotas.

Visto isto, colocamos a pergunta: poderá, ainda assim, a veemência do controlo que os sócios exerciam sobre o órgão administrativo, ser fundamento para que a sociedade se vincule ao conteúdo da letra?

30 Interna, como vimos, porque transmitem aos órgãos representativos, internamente, a

vontade da sociedade. Repetimos, embora esta delimitação da vontade social se crie no seio da sociedade, terá obviamente efeitos externos, embora esses sejam resultados dos atos representativos do órgão administrativo.

31 Raúl VENTURA – Sociedades por Quotas, Volume II, 1ª edição, Coimbra: Almedina, 1989, p.

164.

32 Adicionalmente, convém esclarecer que fazer referência ao órgão composto pelos sócios,

não é equivalente a falar de A e de B. Tal como um gerente não é um órgão, mas sim um membro do órgão administrativo, dois sócios também não representam em si a qualidade de órgão, independentemente do seu domínio sobre o capital social da sociedade. A qualidade orgânica dos sócios reporta-se à totalidade dos sócios da sociedade, e não apenas A e B.

(27)

21 Em princípio, a resposta é negativa.

Vimos como funciona a representação orgânica nas sociedades comerciais, chegando à conclusão de que a sociedade desempenha o exercício dos seus direitos e vontades no exterior, através do órgão social de administração, embora se devam interpretar esses comportamentos, como da própria sociedade.

Nas sociedades por quotas, cabe ao órgão administrativo, a gerência, a administração e representação da sociedade. Por sua vez, serão os titulares do órgão administrativo, os gerentes, a cumprir com esses encargos, quer pessoalmente, quer através da atribuição de poderes representativos a outras pessoas, uma possibilidade que estudaremos mais à frente.

Vimos também que não se confundem, e é no melhor interesse da sociedade não se confundirem, as qualidades de sócio e de gerente, apesar de poderem coincidir, nos casos em que um sócio haja sido designado como gerente no contrato de sociedade ou através de deliberação social, cenários que não correspondem à situação de A e de B.

Por fim, em vista do concluímos, não avistamos possibilidade de integrar A e B num esquema de representação orgânica.

Ora, à luz desta conclusão, parece difícil, com os elementos que possuímos de momento, concluir pela vinculação da sociedade ao conteúdo de uma letra subscrita por estes dois sócios.

A vinculação da sociedade por quotas define-se nos termos do artigo 260º CSC. Nele, fixam-se as circunstâncias em que a gerência vincula a sociedade. De modo simples, do n. º 1 do artigo conclui-se que, não obstante limitações provenientes do contrato de sociedade ou de deliberações sociais, a sociedade vincula-se com terceiros pelos atos praticados pelos gerentes, que devem ser escritos, com a menção da qualidade de gerente 33.

33 Fala-se de uma ilimitação de poderes representativos da gerência. Isto é, quando os

gerentes atuem dentro dos poderes que a lei lhes confere, as limitações resultantes quer do contrato de sociedade, quer de deliberações sociais, não são oponíveis a terceiros, não se colocando em causa a vinculação da sociedade.

(28)

22

Ora, uma vez que A e B não são membros do órgão administrativo da sociedade, não há lugar a uma atuação que se possa identificar como de representação orgânica. Logo, por essa via, está afastada a vinculação da sociedade ao conteúdo da letra.

Porém, como indicámos no enquadramento do trabalho, para alcançarmos o resultado pretendido com a presente dissertação, devemos analisar, com algum detalhe, diversas estruturas jurídicas e institutos legais intrinsecamente relacionados com o caso concreto, mesmo que não os encontremos no Direito positivo. É com esse objetivo em mente, que explorámos a figura que apresentamos de seguida.

7. - O Administrador de facto. 7.1. – Introdução.

Como tivemos oportunidade de assimilar aquando da nossa descrição da representação orgânica, cabe, nos termos da lei, aos administradores e gerentes da sociedade, definir as orientações da atividade social, e atuar como forma de exteriorizar a sua vontade.

Mas, na realidade, como é bem visível através do caso de estudo, nem sempre são os gerentes e administradores que exercem as tarefas de controlo e gestão que lhes estão legalmente imputadas.

Como vimos, pode suceder que numa qualquer sociedade comercial, a pessoa que desempenha as atividades que normalmente estão conferidas aos administradores, ou que dirige as atividades dos mesmos, que, no fundo, possui o

controlo da sociedade, não é, de facto, administrador. É uma situação que se pode

verificar em diversos casos, por exemplo, no caso de o título de administrador ou de gerente que possui se encontrar caducado, extinto ou inválido.

Mas esse título pode nem sequer existir. Quem atua como administrador pode ostentar um título relativo à sociedade diverso, que não lhe confira qualquer

A exceção a esta regra está no n. º 2, que estabelece que as limitações de poderes são oponíveis a terceiro, se este soubesse, ou devesse saber, que o ato estava a ser praticado em inobservância de uma limitação imposta pelo pacto social ou pelos sócios.

(29)

23

espécie de poderes de administração, mas, não obstante, pratica atos dessa natureza. Noutros casos ainda, quem exerce o controlo pode até nem ter uma relação com a sociedade, efetivando-o somente através da influência que exerce sobre os administradores ou gerentes de direito.

No caso em análise, é claro que quem exercia concretamente o controlo da sociedade e quem praticava ativamente funções destinadas aos gerentes, não estava munido de um título formal de gerente.

Por certo, as funções e atividades comuns da gerência ou administração de uma sociedade comercial, não são necessariamente desempenhadas por quem haja sido designado administrador ou gerente pela via tradicional da concessão de um título constitutivo de tal qualidade ou através de nomeações ou eleições dos órgãos sociais 34.

O que significa que, sem embrago do exercício de administração ou gerência estar, legalmente, reservado para quem possui a investidura orgânica de um título válido para o exercer, o que sucede na realidade é que o exercício efetivo das funções de gerência e administração, não é exclusivamente exercido por quem possui um título material dessa natureza.

Efetivamente, uma sociedade comercial pode ser gerida por quem atua sem título de investidura orgânica, por quem atua com base num título suspenso, extinto ou caducado ou ainda por quem atua com base num título nulo ou que se tenha vindo a declarar anulado. Em todos estes casos estaremos, perante possíveis administradores de facto. 35

Embora estas situações sejam comuns, nem a lei societária portuguesa, nem nenhum diploma legal referente qualquer outro ramo do Direito diga-se, adota um conceito de administrador de facto. Dada a inexistência de uma descrição legal da figura da administração de facto, teremos que nos suster nas reflexões da doutrina sobre este mote.

34 RICARDO COSTA - Administrador de Facto e Representação das Sociedades, in Boletim da

Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. XC, Tomo II, Coimbra: Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, 2014, p. 719.

(30)

24

No nosso entendimento, a mais cabal é a de RICARDO COSTA, que define administrador de facto como aquele que «exerce concreta e efetivamente os poderes de gestão-administração de uma sociedade, mesmo que não tenha legitimidade formal», sendo necessário «surpreender na sua ação uma atividade é de real e positiva administração» 36.

Ou seja, a administração de facto compreende, na sua génese, o exercício efetivo de funções e o desempenho concreto de atividades e comportamentos afetos, tipicamente, a administradores sociais, com a particularidade de que quem os pratica não é, formalmente, administrador.

Logicamente, uma vez que o legislador não procedeu à construção de um conceito legal de administrador de facto, não existe de igual modo no Direito positivo, um enunciação de padrões a identificar para a apreensão do fenómeno da administração de facto.

Como não é, obviamente, um precito que possamos utilizar desmesuradamente, há que definir parâmetros.

7.2. - Critérios para a aplicação da fórmula

Se queremos dotar o conceito de alguma utilidade prática, é mister a criação de uma mescla de requisitos cuja verificação seja necessária para discernir, em determinada situação, uma que espelhe a existência de um fenómeno de administração fática.

Relembramos como no início do subcapítulo, ao pronunciar-nos sobre o exercício efetivo do poder de administração por parte de quem não possui título formal válido, indicámos a eventualidade da presença de um possível administrador de facto. O uso da expressão é deliberado, porque antes da análise, sob a “lupa” dos requisitos indicadores de uma qualidade de administrador de facto, essa qualidade não pode ser atribuída 37.

36 Cit. Ibibem, p. 719.

37 Por exemplo, condicionar a qualificação da administração de facto à verificação de uma

nomeação por via legal irregular seria uma solução escassa, porque se assim fosse, estaríamos a limitar a aplicação do sistema a administradores cuja nomeação estivesse inquinada de um vício, ignorando o exercício da administração material por parte de quem haja sido destituído, a quem

(31)

25

Falta-nos agora encontrar um quadro de requisitos que responda a essa necessidade.

Foram já elencados inúmeros parâmetros e características da administração de facto, estejam eles relacionados com a continuidade, efetividade, durabilidade, ou regularidade do exercício das funções típicas de administração. Nem todos os requisitos já indicados, quer por doutrina quer por jurisprudência, nos são particularmente úteis nem são mormente necessários 38.

Mais uma vez, acreditamos que a melhor delimitação desse quadro é da autoria de RICARDO COSTA 39.

Os requisitos sine qua non elencados pelo autor para atribuição da qualidade de administrador de facto, são os seguintes:

nunca tenha sido titular do órgão administrativo ou de quem não possua qualquer ligação material à sociedade.

38 Elencamos alguns pressupostos, que, no nosso entender, não parecem essenciais para

subsumir a existência de um fenómeno de administração fáctica, embora sejam por vezes referenciados. Por um lado, exigências do ponto de vista do relacionamento com terceiros. Alguma jurisprudência e doutrina defendem a necessidade de existência de uma aparência de qualidade de administrador, perante sujeitos externos que se relacionem com a sociedade. No direito alemão, a jurisprudência e o próprio BGH, fixaram como princípio a necessidade da prática de atos associados à administração, não bastando a influência interna exercida sobre os administradores. Na opinião da autora, tal não deve ser exigível, já que as finalidades da construção do conceito apontam no sentido de proteção de terceiros, mas através da tutela da própria sociedade, de forma a evitar situações potencialmente lesivas para terceiros que se relacionem com a mesma. Tendemos a concordar, porque não nos parece que para exercer uma influência categórica e decisiva, quer no seio da sociedade, quer face a terceiros que com ela se relacionem, terá que existir uma “aparência de administração” aos olhos de terceiros. Como vimos, a tónica da administração de facto passa pelo o efetivo desempenho das funções próprias de administrador, funções que podem englobar o relacionamento com terceiros, ou não. Nas palavras da autora: «As finalidades de proteção tidas em conta pela construção de um conceito de administrador de facto apontam em sentido contrário: não se procura pura e simplesmente, proteger a confiança dos terceiros, mas também tutelar a própria sociedade e os sócios, o que torna incompreensível o requisito adicional em causa». Outro requisito que é ocasionalmente estabelecido, é a exigência de que o potencial administrador de facto seja uma pessoa singular. Novamente, o BGH e a doutrina germânica defenderam esta posição, sustentando que a qualificação de pessoas coletivas como administradoras de facto seria impossível. Mais uma vez, rejeitamos a posição, já que, implica também um privilégio para o qual não encontramos justificação plausível, atribuído às pessoas singulares face às pessoas coletivas. Cfr. ANA PERESTRELO DE OLIVEIRA - Administração de facto: do conceito geral à sua aplicação aos grupos de sociedades e outras situações de controlo interempresarial, in A Designação de Administradores, Coimbra: Almedina, 2015, p. 229-230.

39 Como explica o autor acerca da necessidade da construção deste elenco: «Não basta essa

outra condição – e as suas circunstâncias ou outras circunstâncias e situações que favorecem a administração de facto, mesmo que vista como situação fenomenológica potencialmente típica de administração de facto, para qualificar por si só e como que automaticamente o respectivo titular como administrador de facto. Por outras palavras, se assim não fosse, arriscaríamos a introdução do conceito de administrador de facto virtual (…)» Cit. RICARDO COSTA- Administrador de Facto…, p. 724.

(32)

26

1) Atuação positiva no círculo de funções típicas de administração,

nomeadamente no patamar da alta administração;

2) Autonomia própria de um administrador de direito;

3) Cariz sistemático e continuado, com a mesma frequência dos atos

administrativos de um administrador de direito;

4) Recetividade e tolerância da sociedade e dos administradores de direito.

É a verificação destes requisitos, que consubstancia, no entender do autor, uma administração de facto relevante 404142.

7.3. – A relevância da formula “de facto” para o caso em análise.

Para o Professor, a verificação destes requisitos caracterizadores de um fenómeno de administração de facto fundamenta, em virtude da execução de tarefas

40 Ibidem, p. 723.

41 Análoga à do administrador de facto é a figura do administrador de facto indireto. Embora

não mereça neste estudo um destaque semelhante ao primeiro, por não revelar o mesmo interesse prático, não queríamos deixar de apresentar uma breve definição do conceito. Este tipo de administrador de facto, exerce os seus poderes de administração através da influência e domínio que possui sobre os administradores de direito, ou até sobre administradores de facto diretos, mantendo-se mantendo-sempre “na sombra” na perceção de terceirose da sociedade. Dada a particularidade da figura, os critérios sine qua non a observar para a sua qualificação como administrador de facto são ligeiramente distintos. Uma vez mais, encontramos em RICARDO COSTA a melhor delimitação dos mesmos. Da mesma forma que os poderes exercidos pelo administrador de facto direto têm que se equivaler àqueles do patamar da alta administração social, a influência exercida pelo administrador de facto indireto terá que incidir sobre os administradores de direito ou de facto direto, de forma a que se traduza numa influência sobre a alta administração social. A influência de que falamos, sobre os círculos da alta administração, tem que se traduzir em ordens e imposições concretas, e não em meras instruções ou indicações, de forma que se possa considerar que tal influência condicione e obrigue os administradores a atuarem da forma indicada pelo administrador de facto indireto. Por último, a influência exercida sobre a alta administração, traduzida no acatamento de ordens e direções por parte dos membros da mesma, tem que ser exercida de forma sistemática e recorrente, não sendo possível classificar um sujeito como administrador de facto indireto, se exercer uma influência meramente pontual sobre os órgãos sociais e administradores. Assim, e aproveitando os requisitos referentes ao administrador de facto direto, concluímos que o administrador de facto indireto é aquele que, apesar de não possuir título administrativo válido para exercer funções de administrador, e embora não exerça tais funções de forma direta, ou seja, através do exercício de uma atividade típica de administração na primeira pessoa, exerce-as através de uma influência instigadora apontada diretamente ao núcleo da alta administração social. Temos, portanto, uma influência que se traduz num exercício de administração positivo, de imposição e direção sobre os administradores de direito, ou mesmo até sobre administradores de facto diretos, exercido de forma sistemática, e tolerada pela sociedade e por esses administradores, que acatam recorrentemente as suas imposições e ordens. Ibidem, p. 719 ss.

42 Neste ponto, citamos de novo o autor, que refere: «É justamente a natureza e a fisionomia

do exercício das funções e atribuições que se realizam pelo sujeito oficiosamente administrador que se configuram como instrumento para chegarmos a uma condição jurídica adicional e distintiva sempre que o sujeito apresente essa outra condição, qualificação ou denominação jurídica na sua relação com a sociedade». Cit. Ibidem, p. 722.

Referências

Documentos relacionados

Opinião da liderança comunitária:     Nome da entidade: Nossa Senhora da Piedade  Parceiro: João Brito  Profissão: secretário  Município: Salvador  

• The definition of the concept of the project’s area of indirect influence should consider the area affected by changes in economic, social and environmental dynamics induced

De acordo com o Instituto Ethos (2013), a GRI foi criada com o objetivo de aumentar o nível de qualidade dos relatórios de sustentabilidade. O conjunto de diretrizes e indicadores da

Analisando a metodologia de produção de materiais da FIAP, é possível verificar que existem processos mais complexos se comparados à proposta de Kilpatrick (1918), pois as

Destaca-se, também, a intensa utilização desse sistema de ensino pelas empresas, o que caracteriza o que se chama de Educação a Distância Corporativa. É visível o

Este estudo teve como objetivo descrever a mani- festação de distúrbios ortopédicos do desenvolvimento, particularmente a osteocondrite dissecante (OCD), em potros da

[r]

Em que pese a peculiaridade atinente ao modelo de sociedade limitada, qual seja, a limitação de responsabilidade de seus sócios ao montante do capital social, consoante dispõe o