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Conservação de fauna selvagem: maneio e atuação clínica em centros de recuperação e jardins zoológicos

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Academic year: 2021

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Conservação de Fauna Selvagem

Maneio e Atuação Clínica em Centros de Recuperação e Jardins Zoológicos

Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária

Vila Real, 2017

Nome da candidata:

Francisca Falcão Vaz Hilário Nome dos orientadores:

Professor Doutor José Manuel de Melo Henriques de Almeida Doutora Filipa Raquel Fernandes Loureiro

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Universidade de Trás-os-Montes e Alto Douro

Conservação de Fauna Selvagem

Maneio e Atuação Clínica em Centros de Recuperação e Jardins Zoológicos

Dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária

Nome da candidata:

Francisca Falcão Vaz Hilário

Nome dos orientadores:

Professor Doutor José Manuel de Melo Henriques de Almeida Doutora Filipa Raquel Fernandes Loureiro

Composição do júri:

Professor Doutor Filipe da Costa Silva

Professor Doutor José Manuel de Melo Henriques de Almeida Professora Doutora Maria da Conceição Medeiros Castro Fontes

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Declaração

Nome: Francisca Falcão Vaz Hilário C.C.: 14086199

Telemóvel: (+351) 935 084 307

Correio eletrónico: francisca.hilario@gmail.com

Designação do mestrado: Mestrado Integrado em Medicina Veterinária Título da dissertação de Mestrado em Medicina Veterinária:

Conservação de Fauna Selvagem: Maneio e Atuação Clínica em Centros de Recuperação e Jardins Zoológicos

Orientador: Professor Doutor José Manuel de Melo Henriques de Almeida Co- Orientadora: DoutoraFilipa Raquel Fernandes Loureiro

Ano de conclusão: 2017

Declaro que esta dissertação de mestrado é resultado da minha pesquisa e trabalho pessoal sob orientação do meu supervisor. O seu conteúdo é original e todas as fontes consultadas estão devidamente mencionadas no texto e na bibliografia final. Declaro ainda que este trabalho não foi apresentado em nenhuma outra instituição para obtenção de qualquer grau académico.

Vila Real, 2017,

Francisca Falcão Vaz Hilário

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A nossa maior tragédia é não saber o que fazer com a vida.

- José Saramago

Felizmente, eu descobri.

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Agradecimentos

Em primeiro lugar agradeço à mui nobre academia de Trás-os-Montes e Alto Douro e a todos os professores que, de alguma forma, contribuíram para a minha formação durante os últimos seis anos.

Ao meu orientador, por toda a paciência, rigor e humor com que me acompanhou durante esta aventura e por ter sido um verdadeiro “pai científico”.

À minha co-orientadora por todos os elogios que me deram alento e também pelas suas opiniões que deram luz a novas perspetivas.

Ao Zoo da Maia e em especial ao Dr. Nuno Alvura, Enf. Cláudia Batista, Eng. Andreia Silva e Eng. Sílvia Pinto por me continuarem a receber e a aturar durante todos estes anos e por todo conhecimento, ajuda e diversão com que contei e sei que posso continuar contar, dentro e fora do zoo.

To Paignton Zoo, a “thank you” to the Veterinary Department and to the keepers with whom I’ve worked, particularly to Dr. Christa van Wessem for all the knowledge and experiences she shared and for giving me confidence in my abilities.

To Cikananga Wildlife Rescue Center for introducing me to a family from everywhere on the other side of the world and for allowing my dream to come true. To Dr. Wahyu Hananto and to Pak Alen for sharing their culture and ways, terima kasih untuk menjadi keluarga.

Aos Falcões, Hilários e Sampaios que me encorajaram a chegar até aqui e contribuíram para me tornar em quem sou. Ao meu pai por todas as manhãs de domingo BBC (acho que a relação a este trabalho é lógica).

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Aos meus amigos, que me escolheram assim como eu os escolhi a eles e que foram tudo aquilo que precisei e mais em todos os momentos da minha vida. Um especial obrigada àqueles que ficarão para sempre na história como os melhores de Vila Real porque não sei o que teria sido de mim estes seis anos sem vocês.

Por fim ao Rafa por ter dito em todos os momentos de dúvida “Vais conseguir” e, acima de tudo, por me fazer feliz.

E um obrigada especial à minha mãe, que me deu asas para voar para destinos longínquos em busca dos meus sonhos e que toda a minha vida acreditou que eu ia chegar aqui e fez tudo por isso.

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Resumo

Com o crescente continuum entre as populações domésticas e selvagens, decorrente do desenvolvimento das civilizações humanas, torna-se cada vez mais clara a relação entre a saúde do Homem, dos animais domésticos, das populações selvagens e do ambiente tornando-se, por isso, evidente a necessidade de empregar uma abordagem holística para a resolução dos problemas daí resultantes. A medicina da conservação é uma área em desenvolvimento que, segundo Vitali et al. (2011), se dedica à “investigação da relação da saúde e doença com os ecossistemas” e que cada vez requer o recrutamento de mais profissionais. Assim, nos dias que correm, o estudo das populações selvagens e das em cativeiro realizado de forma independente é uma abordagem obsoleta, e a conservação in situ e ex situ deverão ser vistas como complementares. Graças à sua formação, os veterinários possuem habilidades e conhecimentos únicos tendo um valor imensurável para os esforços de conservação e os interessados nesta área deverão desenvolver o seu treino de forma a abranger temas que, por vezes, vão para além da atuação clinico-cirúrgica.

No presente relatório serão desenvolvidas várias temáticas que considero terem um papel relevante a nível da conservação/medicina da conservação e com as quais contactei durante o meu período de estágio em dois jardins zoológicos e um centro de recuperação de animais selvagens. Inicialmente, será abordado o enriquecimento ambiental, um tema de elevada importância tanto para as populações em cativeiro como para indivíduos selvagens em reabilitação uma vez que, além de contribuir para o bem-estar dos animais, também permite o desenvolvimento e treino de comportamentos indispensáveis à vida na Natureza. Seguidamente, será contemplada a educação ambiental e a sua importância na criação de cidadãos conscientes e informados das repercussões que as suas ações têm no ambiente, sendo estas boas ou más. No terceiro capítulo será apresentado um caso clínico de um indivíduo da espécie Nycticebus coucang, que considero assumir uma elevada relevância nos esforços de conservação in situ no sudeste asiático tendo em conta a frequência de casos semelhantes. Por fim, descrevo as atividades desenvolvidas no Cikananga Wildlife Rescue Center (Indonésia), referindo especialmente o trabalho de reabilitação de dois orangotangos órfãos (Pongo abelii).

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Palavras-chave: Medicina da conservação, Enriquecimento ambiental, Educação ambiental,

Nycticebus coucang, Pongo abelii

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Abstract

With the increasing continuum between domestic and wild populations, caused by the development of human civilizations, the relation between humans, domestic animals, wildlife and environment’s health becomes more and more clear, as does the certainty that an holistic approach should be implemented in order to solve the resulting problems. Conservation medicine is a developing field that, according to Vitali et al. (2011), is devoted to the “investigation of the relation between health and disease and the ecosystems”, and is employing a growing number of professionals. Therefore, nowadays, the separation between wildlife and captive populations research is an obsolete approach, and the in situ and ex situ conservation should be understood as complementary. Thanks to their background, veterinarians have unique skills and knowledge that are immensely valuable for conservation efforts and those who are interested in this field should seek to develop their training in matters that, sometimes, go beyond the clinical or surgical procedures.

During the following report, I will develop several subjects that I consider important for conservation/conservation medicine, and with which I had contact during my externships spent at two zoos and one wildlife rescue center. First, I will approach environmental enrichment, a relevant subject for both captivity and wildlife populations since it contributes to the welfare of animals but also to the development and training of important behaviors for life in the wild. Then, I will proceed to the environmental education topic, highlighting its significance to nurturing conscientious and knowing citizens aware of the repercussions of their actions, both good and bad, on the environment. The third chapter will be a case report of a slow loris (Nycticebus coucang), that I consider particularly important for conservation efforts in Southeast Asia because of the high frequency of similar cases. In the final part of this document, I will describe the activities developed at Cikananga Wildlife Rescue Center (Indonesia), notably referring to the rehabilitation work of two orphan orangutans (Pongo abelii).

Key words: Conservation medicine, Environmental enrichment, Environmental education,

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Índice

Introdução ... 1

Capítulo 1. Cikananga Wildlife Rescue Center ... 5

1.1. Funcionamento geral ... 5

1.2. Reabilitação de orangotangos ... 8

1.2.1. Introdução ... 8

1.2.2. Rosi e Femi ... 10

1.2.3. Avaliação específica dos orangotangos ... 12

1.2.3.1. TBT ... 13

1.2.3.2. Testes genéticos ... 14

Capítulo 2. Enriquecimento ambiental ... 15

2.1. Introdução geral ao enriquecimento ambiental ... 15

2.2. Enriquecimento ambiental nos locais de estágio ... 19

2.2.1. Zoo da Maia ... 21 2.2.1.1. Felinos ... 21 2.2.1.2. Primatas ... 32 2.2.2. Paignton Zoo ... 36 2.2.2.1. Gorila ... 36 2.2.2.2. Ordem Crocodylia ... 40

2.2.3. Cikananga Wildlife Rescue Center ... 41

2.2.3.1. Leopardos ... 41

2.2.3.2. Lontras ... 45

2.2.3.3. Ursos ... 46

2.3. Discussão ... 48

Capítulo 3. Educação Ambiental e Conservação ... 53

3.1. Introdução geral à educação ambiental ... 53

3.2. Educação ambiental nas Escolas ... 56

3.3. Zoos e educação ambiental ... 57

3.4. Centros de recuperação de animais selvagens e educação ambiental ... 60

3.5. Educação ambiental nos locais de estágio ... 61

Capítulo 4. Caso clínico... 65

4.1. Introdução ... 65

4.2. Apresentação do caso ... 69

4.3. Discussão ... 71

Conclusão ... 75

Bibliografia ... 79

ANEXO 1 – Outras atividades realizadas durante o estágio ... 97

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Índice de Figuras

Figura 1 - One Health Approach ...4

Figura 2 – Planta CWRC... 5

Figura 3 - a) Acesso ao CWRC; b) clínica e jaulas exteriores da clínica ... 6

Figura 4 – Orangotango orfão: Rosi ... 10

Figura 5 - Orangotango orfão: Femi ... 11

Figura 6 – Instalações dos orangotangos órfãos. a) exterior; b) interior ... 12

Figura 7 - Linces a interagir com as bolas de palha com fezes. a) e b) Interação com bolas suspensas; c) Interação com bolas no chão ... 24

Figura 8 – Leoa a interagir com bola de palha com fezes ... 25

Figura 9 – Leoa a interagir com melancia ... 26

Figura 10 – Tigre a interagir com a melancia ... 27

Figura 11 - Tigre a) a interagir com melancia; b) escondendo-se na vegetação ... 28

Figura 12 – Pantera levando o enriquecimento para a zona de vegetação densa ... 29

Figura 13 – Linces a interagir com planta de kiwi. a) linces mordendo a matéria vegetal; b) e c) lince esfregando a face ... 31

Figura 14 – Leopardo e pantera a interagir com a planta do kiwi ... 32

Figura 15 – Mandril a interagir com a abóbora. a) comportamento de marcação; b) a selecionar o alimento; c) porco-espinho a demonstrar interesse no enriquecimento ... 35

Figura 16 – a) Comedouro de casca de coco; b) sagui aproximando-se do comedouro ... 37

Figura 17 – Gorilas: a) e b) dois dos machos mais jovens; c) macho mais velho com o qual se fez sessões de treino ... 38

Figura 18 – Alimentação de vários indivíduos da ordem Crocodylia ... 41

Figura 19 – Alimentação dos leopardos com frango sobre a grade do recinto ... 44

Figura 20 – Alimentação dos leopardos com peixe vivo ... 45

Figura 21 – a) Objeto de enriquecimento ambiental para alimentação de lontras; b) e c) lontras a interagir com as caixas com peixe ... 46

Figura 22 – a) Alimento distribuído e preso em folha de palmeira; b) melancia escondida dentro de um tronco de bananeira; c) urso interagindo com o objeto b) ... 47

Figura 23 – a) Tronco com orifícios ocupados por mel; b) urso a interagir com o objeto a) ... 48

Figura 24 – Objetivo definido na Conferência de Tblisi, 1977 ... 55

Figura 25 – Apresentação das atividades do centro aos alunos da JIS ... 63

Figura 26 – Alunos da JIS a construir objetos de enriquecimento ambiental ... 64

Figura 27 – Nycticebus coucang ... 66

Figura 28 – a) e b) objetos de enriquecimento ambiental para a estimulação de comportamento de procura e obtenção de exsudados; c) planta do género Calliandra rica em exsudados utilizada para enriquecimento ambiental ... 68

Figura 29 – Distribuição geográfica da espécie Nycticebus coucang (Retirado de IUCN (IUCN Red List maps, [s.d.])) ... 69

Figura 30 - a) e b) Terceira intervenção para a extração de dentes; c) dentes extraídos ... 71

Figura 31 - Animal 1 minuto após a administração ID de tuberculina ... 71

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Índice de Tabelas

Tabela 1 - Protocolos de quarentena do CWRC ... 6 Tabela 2 - Doses de ketamina, medetomidina ou a sua combinação em prossímios ... 72

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Lista de abreviaturas, acrónimos e siglas

AAZV – American Association of Zoo Veterinarians CCBC – Cikananga Conservation Breeding Center CDC – Centers for Disease Control and Prevention CWRC – Cikananga Wildlife Rescue Center

EAZWV – European Association of Zoo and Wildlife Veterinarians EAZA – European Association of Zoos and Aquaria

ELISA – Enzyme-linked Immunosorbent Assay FELV – Feline Leukemia Virus

FIV – Feline Imunodeficiency Virus ID – Intra-dérmico

IM – Intra-muscular

IUCN – International Union for Conservation of Nature IV – Intra-venoso

JIS – Jakarta Intercultural School PO – Per os

SC – Subcutâneo

WAZA – World Association of Zoos and Aquariums

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Introdução

“Conservação de fauna selvagem: maneio e atuação clínica em centros de recuperação e jardins zoológicos” é o fruto que surge do trabalho desenvolvido durante os meus estágios onde procurei entender qual o papel de um médico veterinário atual na conservação.

Hoje em dia, conservação é definida pelo IUCN (IUCN Definitions ─ English, [s.d.]) como a “proteção, cuidado, gestão e manutenção de ecossistemas, habitats, espécies e populações selvagens, dentro ou fora do seu ambiente natural…”, sendo, portanto, reconhecida a importância tanto do trabalho in situ como ex situ, mas nem sempre foi assim.

Desde as primeiras civilizações, o Homem mostra interesse pela manutenção de coleções de animais selvagens e, com o passar do tempo, estas coleções foram sofrendo constantes mudanças (Kisling, 2000). Ao longo dos séculos, a propriedade privada de uma elite vai-se transformando, gradualmente, em exposições abertas ao público, as menageries, com o objetivo do entretenimento do público, sendo também uma representação do poder dos seus proprietários. Mais tarde, estas tornam-se parques zoológicos, onde já há alguma preocupação a nível técnico e educacional. Nos dias que correm, um jardim zoológico não só é um local de recreio mas, acima de tudo, um centro de conservação, assumindo um papel de elevada relevância na sobrevivência da vida selvagem (Deem, 2007; Kisling, 2000; Rabb e Saunders, 2005). Além do valor genético dos animais em cativeiro, o seu estudo permite o preenchimento das lacunas existentes no dos seus semelhantes na Natureza, o que se revela uma ferramenta extremamente eficaz para a gestão destas populações (Aguirre, 2009).

Lado a lado com esta evolução, evoluiu também o papel do médico veterinário de zoo (Deem, 2007) que, classicamente, consistia apenas na manutenção da saúde dos indivíduos de uma coleção, garantindo o seu bem-estar e longevidade (Robinson, 2004).

Com a redefinição dos zoos como centros de conservação, as suas coleções deixam de ser individuais passando a fazer parte de uma grande população, assim, também o médico veterinário deixa de atuar só ao nível de animais individuais, tornando-se essencial para a gestão das populações como um

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todo, a chamada metapopulação (Deem, 2007; Lanfranchi et al., 2003). A permuta de animais entre zoos é talvez a atividade que torna mais clara esta realidade evidenciando que o trabalho de um veterinário de um zoo refletir-se-á na saúde da população de outros, e quando consideradas libertações ou reintroduções de animais na Natureza, esse trabalho terá implicações na sobrevivência de populações selvagens (Vitali, Reiss e Eden, 2011).

Por outro lado, a abordagem tradicional destes profissionais não deve ser descartada, pelo contrário. Além da necessidade de manutenção de indivíduos saudáveis em cativeiro, tanto para fins educativos como para reprodução (Deem, 2007), esta metodologia toma particular valor na reabilitação e sobrevivência de indivíduos selvagens de espécies cujos valores demográficos são alarmantes (Hutchins, Foose e Seal, 1991; Vitali, Reiss e Eden, 2011).

Além disso, é cada vez mais difícil encontrar lugares pristinos (Deem, 2007) e até os maiores parques naturais são cercados criando, pelas palavras de Hutchins et al. (1991), “megazoos”, devendo ser feita uma gestão das populações como tal. A distinção que existia entre médicos veterinários de zoo e os de vida selvagem torna-se, por isso, ténue, passando a falar-se de medicina da conservação (Deem, 2007; Vitali, Reiss e Eden, 2011).

Mesmo assim, a atuação médico-veterinária não teve, e por vezes ainda não tem, um lugar cativo em programas de conservação, tendo sido desencorajada por alguns profissionais de outras áreas que defendem que esta interferiria com a evolução natural das espécies, só a requerendo a nível de imobilização ou outras ações de suporte (Deem, Karesh e Weisman, 2001; Lanfranchi et al., 2003; Vitali, Reiss e Eden, 2011). No entanto, a intervenção humana que estes tentam evitar já ocorreu de alguma forma e até em locais considerados mais pristinos por muitos, como a savana africana ou o deserto australiano, não o são (Ancrenaz et al., 2010; Bird et al., 2008; Deem, 2007; Deem, Karesh e Weisman, 2001; Pyne, 1991), tornando este argumento inválido.

Atualmente, os desafios que a biodiversidade enfrenta são de uma escala nunca antes vista e, infelizmente, estão intimamente relacionados com a atividade humana (Deem, Karesh e Weisman, 2001). A constante destruição e fragmentação de habitats para a supressão das necessidades do

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Homem está a levar ao desaparecimento e isolamento de indivíduos de inúmeras espécies e, consequente, à diminuição da sua variabilidade genética, condição esta que torna as populações mais suscetíveis a doenças (Aguirre, 2009; Deem, 2007; Deem, Karesh e Weisman, 2001). Os médicos veterinários possuem uma formação e capacidades únicas que os torna indispensáveis para enfrentar estes problemas e a necessidade da sua inclusão em programas de conservação, ao contrário do que acontecia no passado, torna-se inquestionável (Aguirre, 2009; Deem, 2007; Hutchins, Foose e Seal, 1991; Karesh e Cook, 1995; Lanfranchi et al., 2003; Vitali, Reiss e Eden, 2011).

Outro problema que surge devido à expansão da população humana é o aumento da proximidade geográfica das espécies domésticas com as selvagens facilitando a transmissão de doenças, tanto comuns como emergentes, entre as quais possíveis zoonoses (Aguirre, 2009; Barrett et al., 2011; Deem, 2007; Deem, Karesh e Weisman, 2001; Lanfranchi et al., 2003; Osofsky, Karesh e Deem, 2000). O relativamente recente surto do vírus Ébola é apenas um exemplo da escala em que as populações selvagens, neste caso de morcegos e primatas, podem afetar o Homem e vice-versa (CDC, 2015; Funk e Piot, 2014).

Figura 1 - One Health Approach

Estas circunstâncias apenas salientam a necessidade de uma abordagem multidisciplinar para a prevenção e controlo destas doenças, na qual os veterinários de conservação devem estar integrados (Aguirre, 2009; Barrett et al., 2011; Osofsky, Karesh e Deem, 2000; Scoones et al., 2017), sendo

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dos ecossistemas são mutuamente dependentes (Aguirre, 2009; Cuthbert et al., 2014; Michel et al., 2006; Miller et al., 2015; Osofsky, Karesh e Deem, 2000). Para que esta abordagem funcione, é importante que os quatro estejam em equilíbrio, devendo ser tomadas precauções para que não seja dada mais importância a um, tendencialmente o Homem (Deem, Karesh e Weisman, 2001; Osofsky, Karesh e Deem, 2000).

Atualmente, é inaceitável pensar em conservação sem reconhecer a necessidade da contribuição de várias áreas porque o sucesso está dependente desta. Tendo em conta os desafios impostos por esta área, os profissionais envolvidos têm de estar preparados para ir além da sua formação base e os veterinários não são exceção. Segundo Lanfranchi et al. (2003) e Aguirre (2009) apesar do seu currículo abrangente, os médicos veterinários que queiram trabalhar em medicina da conservação deverão procurar expandir a sua formação, e esse foi o meu objetivo ao realizar este estágio.

No presente relatório explorarei temas relevantes a nível de conservação com os quais tive oportunidade de me deparar. O meu período de estágio dividiu-se em três instituições, teve início no Zoo da Maia, Portugal, seguido do Paignton Zoo, Inglaterra, e terminando no Cikananga Wildlife Rescue Center, Indonésia, tendo cada um contribuído de forma diferente para a minha aprendizagem.

Entre outros, serão desenvolvidos temas como enriquecimento e educação ambientais, que apesar de não serem temas da área clínico-cirúrgica, não deixam de serem temas onde o veterinário pode e deve intervir na sua abordagem necessariamente holística desta área e são ferramentas indiscutivelmente essenciais para a conservação e, consequentemente, para a medicina da conservação, de forma direta ou indireta.

Sendo locais tão distintos, fui confrontada com diferentes realidades que apenas reforçaram a ideia de que um veterinário da conservação necessita de uma formação extremamente vasta de forma a estar apto para ultrapassar os vários desafios que esta área impõe.

O presente documento aplicou a Norma Portuguesa 405 para gestão de elementos bibliográficos contidos na referência bibliográfica.

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Capítulo 1. Cikananga Wildlife Rescue Center

1.1. Funcionamento geral

O CWRC é uma organização sem fins lucrativos localizada na zona ocidental da ilha de Java, Indonésia. Tem como objetivo a reabilitação e a devolução à natureza de várias espécies de animais e para tal, além das atividades médico-veterinárias e de maneio, alguns membros da equipa do centro são responsáveis por analisar e avaliar zonas para possíveis devoluções e libertações, no caso de as espécies serem nativas da ilha da Java, ou então centros para onde possam ser transferidos os animais de outras áreas geográficas.

Figura 2 – Planta CWRC

Ao contrário de outras estruturas mais especializadas, este centro recebe vários tipos de animais. Na altura do meu estágio tinha nas suas instalações 24 espécies de aves, 17 espécies de mamíferos e 11 espécies de répteis não sendo todas oriundas desta região. A maior parte dos animais são provenientes

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com a população que não puderam passar por um processo de translocação devido ao seu mau estado ou à falta de habitat onde os recolocar.

Figura 3 - a) Acesso ao CWRC; b) clínica e jaulas exteriores da clínica

Ao chegar ao centro, todos os animais passam por um período de quarentena e a testes para despiste de doenças (tabela 1), ficando alojados na clínica ou num dos edifícios de quarentena, dependendo do seu estado de saúde.

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Comparando os protocolos utilizados (tabela 1) com a bibliografia:

• Primatas: tanto a hepatite B como a tuberculose estão descritas nestes animais (Calle e Joslin, 2015; Loris Husbandry Manual, [s.d.]; Murphy, 2015; Starkman et al., 2003; Williams, 2015), no entanto a hepatite C não está, sendo o chimpanzé o único primata não humano suscetível quando inoculado o agente (Akari et al., 2009; Pfaender et al., 2014).

• Ursos: as três estão descritas em ursos, mas não todas especificamente nesta espécie (Collins, 2015; Crum, Nettles e Davidson, 1978; Gai e Marks, 2008; Rogers e Rogers, 1976).

• Lontras: tal como no caso dos ursos, as doenças estão descritas nestes animais, mas nem todas nesta espécie (Kimber e Kollias, 2000; Kollias e Fernandez-Moran, 2015). O FELV está descrito noutros mustelídeos (Kimber e Kollias, 2000) não tendo encontrado informação quanto à infeção por FIV.

• Aves: ambas são doenças endémicas da Indonésia, mais concretamente de Java, tendo até sido neste local o primeiro caso de doença de Newcastle (Brandsma, 2011; McLaws et al., 2015; Yune e Abdela, 2017).

Também lhes são administradas vitaminas e um antiparasitário preventivo, normalmente ivermectina, que poderá, ou não ser reforçado dependendo das análises fecais feitas mais tarde.

Depois deste período, os animais são mudados para instalações exteriores, ficando ao cuidado da equipa de tratadores até serem devolvidos à Natureza ou transferidos para outros centros. Aí começa o processo de reabilitação o mais adaptado possível a cada espécie com recurso a instalações seminaturalistas, enriquecimento ambiental e socialização com indivíduos da mesma espécie, no caso de espécies sociais.

Nas instalações do centro está sediada ainda uma organização independente, o Cikananga Conservation Breeding Centre (CCBC), que se dedica à reprodução e libertação de cinco espécies nativas da indonésia consideradas ameaçadas ou criticamente ameaçadas: Sturnus melanopterus

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financeiro, também providencia apoio técnico e durante o meu estágio tive a oportunidade de acompanhar uma semana de treino do veterinário do CCBC (que é comum ao CWRC) conduzida por um veterinário do Chester Zoo.

Na minha opinião, o CWRC é uma organização bastante bem sucedida e importante ao nível da conservação da fauna selvagem. Além do trabalho de reabilitação, reintrodução e libertação de várias espécies de animais selvagens, também tem um foco bastante grande na educação da comunidade não só local, mas de toda a ilha de Java o que, como descrito no segundo capítulo, assume um imenso valor nos esforços para a conservação. Além de outras atividades que serão mencionadas ao longo deste relatório, as minhas funções neste local de estágio foram auxiliar o médico veterinário em todos os procedimentos médico-veterinários, tanto no CWRC como no CCBC, e assegurar a rotina da clínica e maneio dos animais aí alojados.

1.2. Reabilitação de orangotangos

1.2.1. Introdução

Os orangotangos são os únicos grandes símios presentemente encontrados no continente asiático, habitando apenas a ilha de Bornéu (Pongo pygmaeus, espécie subdividida em P. pygmaeus

pygmaeus, P. pygmaeus morio e P. pygmaeus wurmbii) e a de Sumatra (Pongo abelii). Ambas as

espécies estão classificadas como criticamente ameaçadas pelo IUCN (2016, 2016), sendo a população de Sumatra a que tem uma população menor (Marshall et al., 2009; Wich et al., 2008).

A perda de habitat natural é o principal fator para esta condição (Ancrenaz et al., 2010; CampbellSmith et al., 2011; Felton et al., 2003; Swarna Nantha e Tisdell, 2009; Wich et al., 2008) uma vez que são animais de grande porte, principalmente frugívoros e para obterem a alimento suficiente para a sua subsistência necessitam de grandes áreas de floresta (Carne, Semple e Lehmann, 2015; Singleton e Schaik, van, 2001) que cada vez são mais escassas. A contínua expansão de grandes plantações, como o óleo de palma, e a exploração madeireira intensiva continuam a destruir e fragmentar zonas de floresta impedindo a alimentação e movimentação dos indivíduos,

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fragmentando a população (Campbell-Smith et al., 2011; Carne, Semple e Lehmann, 2015; Carter et

al., 2007; Felton et al., 2003; Nijman, 2005; Swarna Nantha e Tisdell, 2009; Wich et al., 2008).

Por outro lado, a agricultura de menor escala, não contribuindo tão significativamente para a destruição do habitat, tem impacto na conservação da espécie pelos conflitos causados pela invasão dos terrenos agrícolas pelos orangotangos que leva, por vezes, a que sejam ilegalmente mortos (Campbell-Smith et al., 2010; Campbell-Smith, Sembiring e Linkie, 2012; Wich et al., 2008). Enquanto a perda de território natural continuar, a frequência destes encontros aumentará porque os orangotangos passarão a integrar os frutos destas produções na sua alimentação habitual de forma a diminuir a necessidade de deslocação por grandes áreas (Campbell-Smith et al., 2011, 2011).

Outra atividade que não pode deixar de ser considerada responsável pela diminuição destas populações é o tráfico, principalmente de crias, que continua a ser frequente apesar de ilegal (Nijman, 2005, 2005). Além da procura destes animais especificamente para este fim, a sua captura também ocorre secundariamente às atividades já referidas, como a exploração madeireira, que ao criar a oportunidade de encontro com estes animais, normalmente termina com a morte de progenitoras para captura das crias (Campbell-Smith et al., 2011; Nijman, 2005, 2005).

Tendo em conta a diversidade de ameaças a estas espécies, a sua conservação requer esforços a vários níveis. A nível governamental, a expansão das atividades agrícolas e madeireiras deverá ser restringida (Ancrenaz et al., 2010; Campbell-Smith et al., 2011; Wich et al., 2016). Realisticamente, estas não irão cessar, no entanto, é possível um desenvolvimento sustentável que se coadune com a preservação destes animais (Ancrenaz et al., 2004, 2010).

A educação ambiental também tem um papel fundamental na gestão de áreas de conflito entre populações e orangotangos. A adaptação de soluções e a integração das populações em programas de conservação torna as pessoas mais compreensivas e tolerantes (Campbell-Smith et al., 2010; Campbell-Smith, Sembiring e Linkie, 2012), diminuindo a probabilidade de estas atacarem letalmente estes animais.

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Instituições, como o CWRC, atuam não só a nível de educação mas também da recuperação de animais afetados por estas ameaças, o que lhes confere uma grande relevância na sobrevivência destas espécies. Uma parte central do meu trabalho neste local de estágio foi com duas crias de orangotango bastante jovens que se encontravam alojadas na clínica devido ao seu maneio específico que requeria bastante atenção.

1.2.2. Rosi e Femi

A Rosi é um orangotango (Pongo abelii) fêmea identificada como sendo proveniente de Sumatra. Foi confiscada em Java a um proprietário privado que a mantinha em casa como animal de estimação e que não se mostrou cooperativo, não divulgando onde nem quando a tinha adquirido.

Figura 4 – Orangotango orfão: Rosi

Estimou-se que a Rosi teria cerca de 6 meses de idade, pesava 5,1 Kg e mostrava-se ativa e saudável. A sua dentição ainda era incompleta, não apresentando caninos que começaram a ser visíveis dois meses depois. Fooden e Izor (1983) referem que normalmente os caninos são os últimos dentes da dentição decídua a aparecer, tendo, em média, a sua erupção aos 361 dias de idade (em fêmeas) o que indicaria que a Rosi era mais velha do que o estimado aquando da sua chegada. No entanto, a relação entre o desenvolvimento da dentição e a idade dos grandes símios não é absoluta, havendo variações entre indivíduos tanto na sequência de erupção dos diferentes dentes como na idade em que isso acontece (Schultz, 1935; Winkler, Schwartz e Swindler, 1996).

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A Femi é, também, um orangotango fêmea de Sumatra (Pongo abelii) resgatado apenas uma semana depois da Rosi. Foi encontrada dentro de um caixote de cartão numa paragem de autocarros em Jacarta por transeuntes que chamaram as autoridades. As informações contidas no caixote permitiram a detenção do traficante em Sumatra e a Femi tornou-se uma prova legal do caso.

Figura 5 - Orangotango orfão: Femi

Apesar de se ter estimado que tinha cerca de um ano de idade, só pesava 5,5 Kg e inicialmente, ao contrário da Rosi, mostrava-se inativa, dormindo grande parte do dia, ingerindo pouco leite e rejeitando o contato com pessoas.

Inicialmente, eram mantidas, durante a noite e parte do dia, em jaulas separadas na mesma divisão, sendo levadas para a floresta que rodeava a clínica duas vezes por dia, de manhã e à tarde, altura em que tinham contacto direto uma com a outra, voltando sempre para a jaula interior. Nessa altura eram alimentadas com leite cinco vezes por dia e fruta duas vezes na jaula, mais duas vezes na floresta. Quando no exterior, a Femi exibia o comportamento de construção de ninhos e escolha de folhas para comer, que terá aprendido com a progenitora.

Dois meses depois de terem chegado, começaram a estar na jaula interior apenas durante a noite ficando, entre as saídas para a floresta, numa jaula exterior anexa à clínica onde ficavam em contacto sem supervisão. Uma das refeições de leite foi eliminada e a quantidade de fruta oferecida aumentada.

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Figura 6 – Instalações dos orangotangos órfãos. a) exterior; b) interior

Ao longo do meu estágio, foi percetível uma enorme evolução no comportamento da Rosi que começou a imitar a Femi a nível comportamental. No entanto, o ideal seria que ambas fossem transferidas para uma organização especializada na recuperação de orangotangos para que tivessem contacto com indivíduos da mesma espécie e pudessem ter um desenvolvimento o mais aproximado do normal possível de forma a aumentar a probabilidade de sucesso na sua devolução à Natureza. Estas operações de transferência, além das questões financeiras, levantam várias questões legais e também requerem que outro centro tenha disponibilidade para receber os animais. Neste caso, a Femi era uma prova legal no caso contra o traficante que a comercializou estando impedida de sair do CWRC até o processo legal estar encerrado. Situações como esta mostram que, na área da conservação, não só é necessário agir no campo como também a nível político e legislativo.

1.2.3. Avaliação específica dos orangotangos

Nestas espécies há uma série de procedimentos para fazer a avaliação específica dos animais em determinados campos. Há pelo menos duas áreas que devem ser avaliadas, o estado sanitário relativamente à tuberculose e, uma vez que há duas espécies e uma delas subdividida em três subespécies, os animais devem ser avaliados a nível genético.

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1.2.3.1. Despiste de tuberculose

A tuberculose, causada por Mycobacterium tuberculosis e M.bovis, é uma doença que afeta primatas em geral sendo pouco comum em orangotangos. Até hoje, foram apenas reportados casos em zoos e centros de recuperação e nunca em orangotangos selvagens pondo-se a hipótese de o contacto humano ser responsável pela exposição destes animais a este agente (Dench et al., 2015; EAZWV, 2003; Haberle, 1970; Kehoe, Phin e Chu, 1984; Shin et al., 1995). Assim, o diagnóstico desta doença é essencial para que os animais reintroduzidos não sejam disseminadores da doença nas populações selvagens (Beck, 2007), principalmente na Indonésia, um dos países do mundo com maior número de casos de tuberculose em humanos (WHO, 2016).

Normalmente, em primatas, o diagnóstico desta doença é feito através da administração intradérmica de tuberculina nas pálpebras e da avaliação da reação a esta, no entanto, em orangotangos, os falsos positivos são muito comuns sem que haja sinais de doença in vivo ou em necrópsia (Calle, Thoen e Roskop, 1989; EAZWV, 2003; LéCu e Ball, 2011; Munson e Montali, 1990). Calle, Thoen e Roskop (1989) referem a presença de várias espécies de micobactérias não patogénicas na lavagem gástrica de orangotangos saudáveis que podem ser responsáveis pelos resultados falsos positivos, tanto no teste de sensibilidade à tuberculina, como no ELISA e cultura microbiológica feitos neste estudo. Assim, estes meios de diagnóstico deverão ser complementados com outros como a imagiologia (Calle, Thoen e Roskop, 1989; Dench et al., 2015; EAZWV, 2003; LéCu e Ball, 2011).

Tanto quanto fui informada, em centros com equipamento de raio-x é comum ser feito o exame radiológico complementarmente ao teste de tuberculina, no entanto, no CWRC não era esse o caso pois o acesso a este meio de diagnóstico era extremamente difícil. Apesar de nenhuma das duas orangotangos ter apresentado sinais clínicos, uma vez que não tinha sido feito o despiste desta doença, sempre que havia contacto com estes animais tinham de ser usadas luvas e máscara descartáveis e vestuário e calçado exclusivo para esse fim.

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1.2.3.2. Testes genéticos

Segundo Beck (2007), a reintrodução de grandes primatas deve seguir o “princípio de precaução” e por isso não pôr em risco as populações existentes, não só no que respeita a disseminação de doenças, mas também, por exemplo, o risco de hibridação não intencionada.

Em casos como estes, em que não há certezas sobre a proveniência dos animais, é necessário que sejam realizados testes genéticos para conhecer a espécie dos indivíduos e, assim, determinar a sua origem. A Rosi e a Femi foram sujeitas a uma recolha de sangue para este fim, tendo sido determinado que ambas eram da espécie Pongo abelii, como já referido. Só com esta informação é que poderá ser procurado um centro para onde possam ser transferidas para continuar a sua reabilitação até poderem ser reintroduzidas no seu habitat natural.

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Capítulo 2. Enriquecimento ambiental

2.1. Introdução geral ao enriquecimento ambiental

Na atualidade, é inconcebível não pensar em enriquecimento ambiental quando consideramos animais em cativeiro, seja por um longo período de tempo ou não. Este é um conceito extremamente abrangente cujo objetivo é o bem-estar animal passando pela expressão dos comportamentos naturais das espécies e que requer o conhecimento da biologia, comportamento e capacidade física e psicológica, não só do indivíduo mas também estrutura social do grupo em que este está inserido e da espécie em geral (Mason, 2010; McDougall et al., 2006). Preferivelmente, este deve ser usado como prevenção e não como solução para situações de mal-estar (Kleiman, Thompson e Baer, 2010). Além dos benefícios para os animais, torna-se cada vez mais importante, principalmente em jardins zoológicos, como estratégia de marketing, tendo em conta que há uma preocupação crescente da população por conservação e bem-estar animal requerendo uma exposição ética destes (Catibog-Sinha, 2008).

O bem-estar animal é um termo que engloba o “bem-estar físico, comportamental e social dos animais, conseguido através das condições apropriadas para cada espécie” (EAZA, 2014). Todos estes componentes do bem-estar estão interligados, por exemplo, o mal-estar social pode manifestar-se sob a forma de comportamentos como a automutilação ou agressões entre o grupo, que por sua vez poderão ter graves repercussões na saúde física do indivíduo ou grupo (Newberry 1995).

Enquanto o bem-estar físico é relativamente fácil de avaliar de forma objetiva, o comportamental e o social são mais subjetivos tendo em conta que apenas podem ser avaliados através da observação e interpretação do comportamento dos animais. A impossibilidade de quantificar objetivamente o estado emocional de um animal torna difícil a sua avaliação (Newberry, 1995). Todavia, a monitorização dos sinais fisiológicos de stress como os níveis de cortisol e a frequência e ritmo cardíaco, poderão ser usados como indicadores (Kleiman, Thompson e Baer, 2010).

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Os comportamentos estereotipados, isto é, “comportamentos não variados, repetitivos e sem função/objetivo aparente” (Mason e Rushen, 2006), são frequentemente conotados com situações de maneio e instalações inadequadas, sendo comuns em animais em jardins zoológicos (Dallaire, Meagher e Mason, 2012; Latham e Mason, 2010). Contudo, segundo Mason (1991) e Latham e Mason (2010), esse tipo de comportamentos pode estar presente sem que hajam fatores adversos podendo, assim, não estar relacionados com mal-estar do animal no momento da observação, mas sim num passado não necessariamente próximo. Assim, apesar de constituírem um sinal de alerta, os comportamentos estereotipados não podem ser considerados um indicador absoluto de mal-estar (Mason e Latham, 2004).

Tendo em conta as dificuldades na avaliação do conceito de bem-estar animal, por vezes, em vez de se incluírem nas abordagens de enriquecimento ambiental apenas as situações em que é possível validar resultados positivos no bem-estar do animal, consideram-se também enriquecimento ambiental todas as situações em que houve alterações no ambiente sem que seja avaliado o desfecho (Kleiman, Thompson e Baer, 2010; Newberry, 1995).

Há ainda um problema na definição de “comportamento natural”, principalmente quando nos deparamos com linhagens genéticas que já não estão em liberdade há várias gerações, tendo em conta que poderão ter sido adquiridos (ou perdidos) comportamentos consoante a necessidade de adaptação à vida em cativeiro não podendo ser considerados comportamentos anormais (Newberry, 1995).

Este tema do “comportamento natural” é fraturante entre investigadores e gestores de fauna selvagem, existindo uma divisão clássica em duas abordagens diferentes. Alguns autores defendem um conceito naturalista, ou seja, se os indivíduos se comportarem em cativeiro como na natureza significa que apresentam bem-estar, pois demonstram um “comportamento natural” (Kleiman, Thompson e Baer, 2010) e as interações com objetos artificiais poderão levar ao desenvolvimento de comportamentos não naturais (Quick, 1984). Logo, o enriquecimento ambiental deverá ser direcionado de maneira a que as instalações se assemelhem o mais possível aos habitats na natureza. Poderão ser usadas tecnologias ou materiais artificiais desde que estes sejam direcionados para a mimetização do ambiente natural (Quick, 1984). Esta perspetiva dá importância a comportamentos

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como presa-predador que, muitas vezes, não estão presentes em cativeiro pois não existe esse confronto (Young, 2003). Normalmente, os jardins zoológicos mais focados na educação ambiental seguem os princípios naturalistas de modo a que os visitantes possam observar os animais no seu “meio original” (Davey, 2006; Fernandez et al., 2009).

Por outro lado, há quem defenda a abordagem não naturalista, isto é, o uso de materiais artificiais ou tecnologia sem que estes tenham de se parecer com o ambiente de que proveio o animal. Segundo esta vertente, esses deverão ser usados de maneira a promover a interação dos animais com brinquedos ou máquinas com o objetivo de estimular física ou psicologicamente um animal podendo, ou não, fazer uso de um sistema de recompensas (Young, 2003). Muitas vezes, apesar de estarem a lidar com um objeto visivelmente artificial, expressam comportamentos também vistos na natureza (Bloomsmith, Hasenau e Bohm, 2017; Young, 2003), o que se opõe à ideia naturalista de que um objeto artificial provocará um comportamento não natural. O uso da tecnologia, com por exemplo ecrãs tácteis, é cada vez mais comum, principalmente em grandes primatas, não causando aversão por parte do público (Clark, 2017; Clay et al., 2011; Perdue et al., 2012), ultrapassando assim a ideia de que ambientes não naturalistas poderão ser um obstáculo à educação/perceção deste (Jacobson et

al., 2017). Além disso, o uso desta vertente de enriquecimento permite superar algumas das

limitações do enriquecimento ambiental tradicional como por exemplo a constante necessidade de produção de objetos inovadores para que continuem a despertar interesse (Kim-McCormack, Smith e Behie, 2016).

Segundo Quick (1984), “o cativeiro será sempre um estado não natural” e, por isso, as duas visões devem ser complementares de forma a proporcionar o melhor para o bem-estar do animal e não dois ramos opostos em que um impossibilita a existência do outro. Além disso, uma instalação que tenha um aspeto naturalista sem que haja elementos estimulantes não confere melhorias ao bem-estar animal e vice-versa (Fàbregas, Guillén-Salazar e Garcés-Narro, 2012; Kleiman, Thompson e Baer, 2010; Quick, 1984).

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Kleiman, Thompson e Baer (2010) enumeram os seguintes:

• “Diminuição de comportamentos anormais • Aumento da diversidade de comportamentos • Aumento da utilização do espaço

• Aumento da duração/frequência de comportamentos alvo • Diminuição de sinais fisiológicos de stress”

Young (2003), substitui o último por “Aumento da capacidade de lidar com desafios”, havendo, no geral, concordância na definição destes objetivos.

O enriquecimento ambiental divide-se em vários tipos: social, físico, ocupacional, sensorial e nutricional (Bloomsmith, Brent e Schapiro, 1991) que podem ser utilizados singularmente ou em conjunto de forma a conseguir atingir melhor os objetivos mencionados.

A escolha de um plano de enriquecimento ambiental depende das instalações, do objetivo que se pretende alcançar, do orçamento, tempo e pessoal disponível e, claro, do indivíduo alvo, e existem inúmeras opções para cada situação (Bloomsmith, Brent e Schapiro, 1991). Outro fator importante a considerar é o destino dos indivíduos, ou seja, se se pretende a sua libertação na Natureza ou se o animal ficará em cativeiro até ao final da sua vida. No primeiro caso, pretende-se que a instalação se assemelhe o mais possível ao ambiente natural onde este será libertado (Newberry, 1995), e que haja o menor contacto possível com o Homem, podendo até ser do melhor interesse do animal que seja criada uma aversão a este, principalmente em espécies para as quais haja mercado para captura ilegal ou caça (Olney, Mace e Feistner, 1994). No entanto, o contacto humano poderá ser desejável noutros casos diminuindo a aversão a este no futuro e sendo compreendido pelos profissionais que a sua relação com os animais tem efeitos benéficos no bem-estar de ambos (Claxton, 2011; Hogan et al., 2011; Hosey e Melfi, 2012).

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O caso dos animais com interesse para libertação/devolução levanta ainda a questão do bem-estar quando em cativeiro vs hipóteses de sobrevivência depois de libertado. Tendo em conta a realidade dos animais nos seus habitats naturais, o enriquecimento ambiental para estes animais é uma importante maneira de os preparar para situações adversas, estimulando comportamentos de procura e caça de alimento, fuga de predadores, procura de abrigo, etc. Por isso, nestes animais o conceito de bem-estar em cativeiro deve ser visto de outra perspetiva, podendo até ser desejável que este não seja atingido totalmente uma vez que na Natureza o bem-estar não é uma realidade constante (Olney, Mace e Feistner, 1994; Reading, Miller e Shepherdson, 2013).

2.2. Enriquecimento ambiental nos locais de estágio

Durante o meu estágio, tive a oportunidade de observar várias estratégias de enriquecimento ambiental em que variavam os responsáveis pela atividade, os materiais utilizados, o orçamento disponível, os objetivos, a perspetiva (naturalista ou não) etc.. Tendo estagiado em três instituições muito diferentes Zoo da Maia, Paignton Zoo e CWRC, pude ter contacto com três abordagens completamente distintas.

O Zoo da Maia é um jardim zoológico de pequenas dimensões mas com uma coleção que inclui uma grande variedade de espécies. O número de trabalhadores não é muito elevado em relação ao número de animais e, por isso, não há muita disponibilidade de tempo para trabalhar a área do enriquecimento ambiental, porém, esta dificuldade é colmatada com o facto de ser comum aceitarem estagiários que, muitas vezes, têm interesse em participar nesta atividade. Tendo em conta que a equipa é reduzida, não há a sua fragmentação em departamentos, o que permite que um estagiário de qualquer área tenha a possibilidade de participar em todas as atividades do dia-adia e, neste caso, também na introdução de enriquecimento ambiental. Este foi o local em que pude pôr em prática mais ideias de enriquecimento ambiental e que fui melhor acompanhada e ajudada nesta área, tendo sido determinante para o desempenho que demonstrei nos meus locais de estágio seguintes.

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Aqui, existe um elevado número de trabalhadores que estão divididos em departamentos distintos: mamíferos, répteis, aves, botânico, equipa veterinária e administrativo. Estes departamentos, apesar de estarem, obviamente, ligados, trabalham de forma independente. O enriquecimento ambiental é da total responsabilidade dos tratadores que o fazem diariamente. Como estagiária do departamento de veterinária, foi com essa equipa que realizei quase todo o meu trabalho, no entanto foi-me dada a possibilidade de, durante dois dias, acompanhar alguns tratadores (répteis e mamíferos), e desta forma pude ter um contacto mais próximo com as suas práticas comuns de enriquecimento ambiental. Além disso, foi iniciado treino em alguns animais, o que foi bastante interessante de observar enquanto acompanhava as médicas veterinárias.

O terceiro local onde estagiei foi em CWRC e uma vez que era uma instituição sem fins lucrativos num país em desenvolvimento, o principal problema era ao nível de fundos monetários. Assim, o número de trabalhadores era muito reduzido comparado com a carga de trabalho existente dependendo quase totalmente do número de estagiários/voluntários. O enriquecimento ambiental era feito pelos tratadores e voluntários, no entanto, as tarefas nem sempre eram cumpridas por falta de tempo. Além disso, quase a totalidade dos voluntários nunca tinha tido contacto com áreas relacionadas com o maneio de animais e esse fator tornava difícil o planeamento e desenvolvimento de ações de enriquecimento ambiental. Por outro lado, havia um grande leque de matérias-primas naturais que nos rodeava, tendo em conta que o centro se localizava na floresta tropical e os tratadores eram bastante habilidosos.

Ao longo deste capítulo irei descrever e discutir algumas das técnicas que implementei ou observei serem implementadas, bem como a minha interpretação/opinião dos resultados limitada pela minha experiência, mas sempre que possível apoiada em bibliografia.

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2.2.1. Zoo da Maia

O Zoo da Maia foi o primeiro local onde estagiei e experimentei algumas ideias. Já tendo sido voluntária nesta instituição mais que uma vez, tinha tido a oportunidade de entrar em contacto com o enriquecimento ambiental e de conhecer os indivíduos com quem quis implementar as minhas ideias. Apenas tive de manter o aspeto naturalista das exposições e de me adequar aos horários dos tratadores e técnicos de maneira a poder introduzir o enriquecimento ambiental, fora isso, foi-me dado livre arbítrio para implementar os meus conceitos.

A escolha dos animais alvo não se baseou em nenhum estudo prévio do comportamento ou bemestar dos animais, tendo sido determinado pela minha preferência pessoal. Além disso, ao contrário do defendido na bibliografia, não criei um plano de enriquecimento ambiental antecipado nem observei o comportamento dos animais antes da introdução do enriquecimento ambiental. Este último ponto deveu-se, em parte, à falta de tempo, que impossibilitou um estudo detalhado e completo, com robustez científica e estatística, mas que ainda assim me permitiu adquirir conhecimentos inestimáveis.

2.2.1.1. Felinos

A primeira ideia que surgiu foi criar um estímulo sensitivo para os dois linces (Lynx lynx) fêmeas que se encontravam na quarentena enquanto a sua instalação definitiva não estava terminada por estarem num espaço mais reduzido do que os animais que estavam expostos ao público. Uma delas apresentava algum grau de claudicação resultante de uma queda no passado.

Os felinos dependem muito do olfato, sendo este bastante sensível, assim, enriquecimento ambiental sensitivo ligado ao olfato é uma boa opção para estes animais (Wells, 2009; Wooster, 1997). Um possível obstáculo seria o momento em que o enriquecimento ambiental era fornecido, pois tendo em conta que este era colocado na altura em que o tratador estava a trabalhar na área desses animais, coincidia com o momento em que a comida era fornecida podendo criar um conflito no interesse do

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Os odores encontrados na natureza, como fezes, urina, etc. são comummente usados como enriquecimento ambiental (Wells, 2009) assim, recolhi fezes de zebra (Equus quagga) e de cabra (Capra hircus), espécies existentes no zoo, e com estas construi duas esferas distintas. O exterior era composto por palha, criando uma camada que revestia completamente o interior que, por sua vez, era composto pelas fezes, que não foram misturadas. A estrutura era mantida numa forma “esférica” por várias folhas de fiteira atadas a si mesmas. Posteriormente, as bolas foram colocadas no recinto suspensas do teto de maneira a tornarem-se mais desafiantes e fisicamente estimulantes, visto que os animais teriam de se colocar na vertical para que as alcançassem. Tendo em conta o estado físico de uma das fêmeas de lince (já descrito anteriormente), pensei que este pudesse vir a ser um fator que iria dificultar o acesso desta às esferas, no entanto o seu comportamento não se revelou diferente do da outra lince.

Assim que os animais tiveram acesso à zona em que o enriquecimento ambiental foi colocado, demonstraram bastante interesse pelos objetos. Cheiraram ambas as esferas e começaram, imediatamente, a tentar alcançá-las, tanto com as patas como com a boca, apoiando-se apenas nas patas traseiras e, por vezes, na parede contígua. Devido à manipulação, começaram a desprender-se e a cair pedaços de palha no chão que ambas cheiraram e mordiscaram com interesse e no quais esfregaram ligeiramente o corpo. Ao fim de algum tempo de “brincadeira”, conseguiram soltar ambas as bolas, que caíram no chão. Aí, começaram a tentar desfazê-las de modo a atingir as fezes, que se espalharam pelo chão e onde começaram a deitar-se e a esfregar o corpo. Não observei preferência por nenhum dos tipos de fezes uma vez que cada uma das linces se aproximou de uma das bolas, alternando de posições esporadicamente. No entanto, para chegar a uma conclusão acerca da preferência deveriam ter sido colocadas quatro bolas para haver hipóteses de escolha ou então, usar fezes diferentes em dias diferentes.

Considerei que esta foi uma experiência de enriquecimento ambiental muito positiva tendo em conta que foram estimulados vários aspetos simultaneamente, sendo observada uma interação de aproximadamente 30 minutos que provavelmente continuou sem a presença de observadores. Fisicamente, os animais foram encorajados a utilizar três dimensões num espaço em que só costumam utilizar duas, fazendo mais esforço físico do que o habitual. Além disso, também podemos

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considerar que este foi um enriquecimento ambiental do tipo sensitivo (olfativo) atendendo a que houve a introdução de um cheiro com que ainda não tinham contatado e que, claramente, lhe despertou interesse.

Figura 7 - Linces a interagir com as bolas de palha com fezes. a) e b) Interação com bolas suspensas; c) Interação com bolas no chão

Ainda com as linces, também foi introduzida uma bola de vólei coberta de fezes de zebra. Desta vez, apesar de demonstrarem interesse (brincaram e roeram) esta reação não foi tão entusiástica como a anterior. Na minha opinião, poderá ter sido por vários fatores. Talvez por ser uma estrutura lisa e compacta e, por isso, ter uma textura menos interessante ou pelo estímulo olfativo já ser conhecido, uma vez que já tinha sido usado com o enriquecimento ambiental que descrevi anteriormente. Teria sido interessante reintroduzir novamente as bolas de palha para o determinar. Apesar disto considerei ter sido positivo, visto que houve demonstração de interesse pelos animais. Esta variação com a bola de vólei apenas foi testada nestes animais visto que não obedecia à temática naturalista e apenas estes não estavam expostos ao público.

No recinto dos leões (Panthera leo), foram também introduzidas as esferas de palha com fezes (também de cabra e zebra) mas com algumas modificações. Além da dimensão das esferas ser maior, visto que os leões são consideravelmente maiores do que os linces, estas também não se encontravam suspensas uma vez que a estrutura do recinto era completamente diferente e não o permitia. Por este motivo, os objetos foram apenas pousados no chão do recinto exterior pela manhã, antes dos animais

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terem acesso a este. Quando saíram da sua recolha interior, o primeiro a ter contacto com um dos objetos (o que continha fezes de zebra) foi o macho que o cheirou e calcou durante cerca de 1 ou 2 minutos. Quando este se afastou, a fêmea demonstrou mais interesse, pegando-lhe com a boca e atirando-o ao ar. Por fim pegou na bola e levou-a para um local mais afastado de onde a estava a observar, onde se deitou a desfazê-la.

A palha causou uma reação interessante (e, para mim, inesperada), uma vez que se prendia à língua e ao pelo da leoa e esta tentava desprendê-la mas, seguidamente, voltava a mostrar interesse por esta a pondo-a na boca novamente. Tendo esta repetição acontecido algumas vezes.

Figura 8 – Leoa a interagir com bola de palha com fezes

No caso dos leões, os resultados que observei foram completamente diferentes do das linces. Estes não demonstraram um comportamento de brincadeira, nem tiveram tanto interesse que eventualmente pode ser explicado por serem animais mais velhos e, principalmente no caso da leoa, menos ágeis, devido a um historial de problemas neurológicos. Além disso, tenho conhecimento de que já tinham sido expostos ao mesmo estímulo olfativo, o que pode ter sido uma causa para estes não demonstrarem tanto interesse como as linces. Todavia, foi interessante observar que os leões apenas interagiram com a esfera que continha fezes de zebra não tendo visto nenhuma interação durante os dois dias com a que continha fezes de cabra. Inicialmente ponderei se esta resposta se devia ao fato da primeira se encontrar mais próxima do local de entrada para o recinto exterior suscitando interesse imediato mas, posteriormente, observei ambos perto da segunda bola e nenhum se aproximou desta. Na minha opinião há duas justificações que podem ser consideradas, a primeira

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é que o recinto das cabras é muito próximo do dos leões podendo criar desinteresse, a outra é que, sendo as zebras uma presa natural desta espécie, o cheiro das suas fezes pode despertar um maior interesse (Wells, 2009). Estes resultados são coerentes com os verificados por Pereira (2015).

Outra forma de enriquecimento ambiental que utilizei consistiu em usar melancias, fazer pequenos orifícios por toda a superfície destas, introduzir nestes pequenos pedaços de carne e por fim congelá-las. É um enriquecimento ambiental bastante comum no Zoo da Maia mas que depende da altura do ano devido à sazonalidade das melancias. Apesar de os animais já terem tido contacto com esta forma de enriquecimento ambiental, continuaram a demonstrar interesse pelas melancias e verifiquei que há grandes diferenças na reação dos vários indivíduos.

No caso dos leões, mais uma vez a fêmea demonstrou muito mais interesse que o macho. No entanto a ordem de aproximação ao elemento novo manteve-se, o que é normal tendo em conta a organização social desta espécie (Abell et al., 2013).

Figura 9 – Leoa a interagir com melancia

Durante breves minutos o leão não permitiu a aproximação da leoa à melancia e exibiu o comportamento de marcação com urina e o reflexo de flehmen. Quando se conseguiu aproximar, a fêmea apenas cheirou a melancia durante os primeiros minutos exibindo também o mesmo reflexo que o macho. Sabendo a história clínica da leoa, sabe-se também que a agilidade e mobilidade são

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abaixo do normal e, provavelmente por esse motivo, este animal é bastante cauteloso ou até evita certas áreas do recinto, especialmente uma que tem uma grande diferença de altitude com a zona contígua criando um desnível acentuado. Esperava, por isso, que a abordagem do animal à melancia fosse bastante calma e sem muito movimento mas não foi isso que verifiquei. A leoa adotou uma postura de brincadeira em que tocava/empurrava a melancia com a pata e também a abocanhava. Além disso, sempre que a melancia rebolava para fora do seu alcance, ela perseguia-a com alguma rapidez e até desceu a zona que descrevi anteriormente ao segui-la (o que surpreendeu alguns elementos da equipa técnica que estavam presentes). A melancia acabou por rolar para perto do limite do recinto e, quando o animal tentou voltar a empurrá-la, pareceu-me tocar na cerca elétrica. Depois desse momento o animal ainda caminhou nessa área sempre com a atenção direcionada para a melancia durante algum tempo mas acabou por perder o interesse visto que nunca mais tocou na melancia, provavelmente devido ao estímulo negativo do choque.

No caso dos tigres (Panthera tigris), apenas experimentei colocar o enriquecimento ambiental num dia em que ambas as fêmeas estavam presentes no recinto exterior, colocando duas melancias. Entre as duas, há uma diferença de idades de cerca de dez anos tendo, a mais velha, uma idade estimada em 15 anos. Numa espécie cuja longevidade ronda os 26 anos (Lamberski, 2015), esta é uma diferença de idades considerável que poderá justificar algumas diferenças no seu comportamento. Além disso, a tigre mais nova foi criada à mão e à partida era expectável um comportamento de brincadeira que lhe é característico.

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A primeira a sair para o recinto exterior foi a tigre mais nova, Asha, que foi imediatamente em direção à primeira melancia cheirando-a e mordiscando os pequenos pedaços de carne que sobressaiam no exterior. O interesse pela primeira dissipou-se assim que ela percebeu que havia uma segunda, em que começou por demostrar um comportamento semelhante ao anterior. De seguida começou a tocar nela com a pata fazendo com que rolasse e começou a persegui-la. Eventualmente a melancia entrou no lago que existe no recinto e a tigre seguiu-a. Inicialmente mostrava que não se queria molhar tentando trazer de volta a melancia com a pata, mais tarde mergulhou completamente o corpo. Houve até momentos em que se escondeu na vegetação para depois se atirar para a melancia, “caçando-a”.

Figura 11 - Tigre a) a interagir com melancia; b) escondendo-se na vegetação

A Jasmim, a tigre mais velha, também demonstrou interesse pela melancia, apesar de ser bastante mais calma (o que já seria de esperar, conhecendo o temperamento das duas). Esta saiu depois da Asha para o recinto exterior, por isso apenas mostrou interesse pela melancia que se encontrava livre. Lambeu-a e mordiscou os pedaços de carne, mas não demonstrou comportamentos de brincadeira. No entanto, pareceu interessar-se bastante pelo comportamento da outra tigre tendo-se aproximado e ficando a observar enquanto a outra brincava na água.

No recinto do leopardo/pantera (Panthera pardus) não foi possível fazer uma observação muito extensa uma vez que, assim que se dirigiu ao melão, a pantera a agarrou levando-a para uma zona de vegetação alta. No entanto, verifiquei uma diferença significativa em relação aos outros animais. Enquanto, nos casos descritos anteriormente, todos os indivíduos alteraram o seu trajeto habitual ao entrar no recinto exterior de forma a dirigirem-se imediatamente para o objeto de enriquecimento

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ambiental, neste caso, nem o macho nem a fêmea o fizeram, ambos mantiveram a rotina fazendo um trajeto perto da vedação.

Figura 12 – Pantera levando o enriquecimento para a zona de vegetação densa

Uma abordagem semelhante já tinha sido experimentada nestes mesmos animais, em que, em vez de conterem pedaços de carne, as melancias foram friccionadas com carne. Pereira (2015) descreve um comportamento da tigre mais nova muito semelhante ao descrito neste relatório e põe a questão da possível relação destes comportamentos com a idade do animal. Neste trabalho verifiquei que após dois anos este animal continua a exibir o comportamento de brincadeira como descrito anteriormente.

Em relação aos leões é difícil comparar os resultados com os obtidos por Pereira (2015) uma vez que aquando desse trabalho existia no zoo uma segunda leoa e que aquela a que me refiro neste relatório se encontrava alojada numa situação muito diferente. No entanto, se não analisarmos indivíduos específicos, é possível encontrar semelhança na reação dos animais.

Quando comecei a focar-me na área do enriquecimento ambiental, o Dr. Nuno Alvura, veterinário do zoo, propôs-me fazer uma experiência com a planta do kiwi (Actinidia deliciosa) nos felinos do zoo uma vez que já é conhecida a interação do gato doméstico com plantas deste género (Abramson, Bowser e Varnon, 2012; Bol et al., 2017; Zhao et al., 2006).

Imagem

Figura 1 - One Health Approach
Figura 2 – Planta CWRC
Figura 3 - a) Acesso ao CWRC; b) clínica e jaulas exteriores da clínica
Figura 6 – Instalações dos orangotangos órfãos. a) exterior; b) interior
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Referências

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