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O papel das mulheres Kaingangs em acampamento indígena no município de Passo Fundo R.S.

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Gênero e Etnicidade nos Processos Identitários: reconfigurações da “cultura” e do “político” na contemporaneidadeST 30

Luísa Grigoletti Dalla Rosa Universidade de Passo Fundo

Palavras-chave: gênero – cultura indígena – movimentos sociais

O papel das mulheres Kaingangs em acampamento indígena no município de Passo Fundo R.S.

As mulheres indígenas do planeta terão suas terras roubadas, suas culturas e espiritualidades dilaceradas, suas vidas ceifadas e gerações e gerações de filhos discriminados na sociedade urbana e rural e desprezados pelos políticos e empresários. (Eliane Potiguara)

Introdução

O município de Passo Fundo, localizado na região norte do estado do Rio Grande do Sul representa um local central para as áreas indígenas deste estado haja vista a localização da maioria das áreas indígenas Kaingangs estarem próximas e, também pelo estabelecimento da sede regional da Fundação Nacional do Índio, a FUNAI estar situada neste município, isto coloca este local como um ponto estratégico, em termos de encontros dos povos indígenas e também de suas reivindicações políticas.

O acampamento indígena, localizado neste município, possuindo uma caracterização provisória, deixou de representar apenas uma forma de resistência política e foi sendo modificado para novas relações e possibilidades de inserção comunitária, pois com sua existência, as possibilidades de novas relações foram sendo estabelecidas por estes agrupamentos indígenas.

Esta resistência política, inicialmente, representou para as pessoas que começaram o acampamento um abrigo de estabelecimento para pessoas que estavam descontentes com os rumos dos acontecimentos na área indígena de Ligeiro no município de Charrua, pois ali haviam disputas políticas e alguns grupos não aceitaram o cacique eleito, após algumas manifestações e solicitações junto à FUNAI estes grupos deixaram essa área e foram buscar resguardo em outra áreas indígenas, e alguns deles formaram esse acampamentos.

Uma das atividades desenvolvidas neste acampamento é o artesanato, sendo que esta atividade tem proporcionado um espaço de atuação significativo neste contexto, uma vez que a confecção de cestarias é praticada, em grande medida, pelas mulheres e por elas comercializadas junto de seus filhos.

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Esta prática realizada tem sido um fator de preservação cultural, pois, de alguma forma tem aglutinado alguns grupos femininos de outras áreas indígena vem ao município de tempos em tempos somando-se na realização de tais tarefas. Portanto, essa prática cultural tem colocado a possibilidade de obtenção de renda, configurando uma redefinição do papel feminino.

Contexto histórico cultural dos Kaingangs

As Terras Indígenas reconhecidas oficialmente como pertencentes aos Kaingangs no Estado do Rio Grande do Sul são as seguintes: Iraí, Rio da Várzea, Nonoai, Serrinha, Votouro, Monte Caseros, Ligeiro, Carreteiro, Cacique Doble, Guarita e Inhacorá. Sendo que existem algumas terras em processo de reconhecimento, uma vez que este processo foi iniciado a partir da constituição de 1988 possibilita a recuperação da posse de terras aos indígenas.

A história do contato entre os Kaingang e os colonizadores europeus teve início ainda no século XVI, quando alguns grupos que viviam mais próximos ao litoral atlântico tiveram contatos com os primeiros portugueses. No entanto, os registros históricos dessa época não especificam com segurança aqueles grupos que eram os ancestrais dos atuais Kaingang. Baseando-se em alguns registros históricos, é possível que os Kaingang no Rio Grande do Sul tenham sido influenciados pela redução jesuítica da Santa Tereza, na região de Passo Fundo. Como foram poucos os que aceitaram viver sob o comando dos jesuítas, os Kaingangs viveram livres nas regiões de campos e florestas do sul do país até o século XIX, quando, então foram conquistados pelos imigrantes europeus e disso resultou as suas expropriações, aldeamentos e conflitos remanescentes deste contato. Alguns argumentos criados pelos governos ao longo do século XIX e XX eram que: os indígenas estavam “integrados” à sociedade nacional e não necessitavam de tanta terra e, também que o Estado necessitava de terras para os colonos estrangeiros e nacionais.

A expansão geográfica dos Kaingang pode ser relacionada com as pressões que as expedições de conquista foram promovendo, pois de certa forma este grupo indígena ficou em seus locais de origem, nas áreas mais elevadas do planalto sul-riograndense, Nascimento, 2001. Alguns caciques foram-se aldeando e tornando-se aliados dos brancos, obrigando os grupos a se retirarem para lugares mais distantes da rota expansionista, que lá permaneciam até serem novamente localizados e pressionados a se aldearem, liberando parte dos seus territórios para os fazendeiros e colonos nacionais e estrangeiros.

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A luta pela terra tem sido a forma que os Kaingangs encontraram para o enfrentamento do processo de empobrecimento crescente em que se encontram. Quando os governos estaduais em acordo com o governo federal expropriaram a maior parte dos territórios indígenas, foi realizada uma avaliação, utilizando-se o módulo do Incra sem levar em consideração o aumento da população indígena. Comparando os dados de população à época da expropriação com os de hoje, percebemos que na maioria das terras kaingang a população triplicou ou mesmo quadruplicou, o que confirma as reivindicações dos caciques de que as terras são insuficientes e precisariam ser ampliadas.

Esse processo de confinamento em minúsculas parcelas de terra, a constante reutilização do solo e a perda da cobertura vegetal transformaram as áreas indígenas em espaços degradados ambientalmente cuja produtividade não atende as necessidades materiais das famílias. Somando-se tudo isso à ineficácia das políticas indigenistas, o quadro atual nas áreas indígenas é de grande insegurança em todos os setores da vida, e manifestam-se em: subnutrição, doenças infecto-contagiosas, alcoolismo, alto índice de mortalidade infantil e doenças de pele.

Povos que tradicionalmente viviam da caça, coleta e agricultura, os Kaingang de hoje sobrevivem das roças administradas pela FUNAI, das roças familiares, da venda de artesanato e da prestação de serviços para produtores rurais. Tendo perdido a maior parte de seus antigos territórios, os Kaingangs ainda viram suas florestas serem devastadas pelas serrarias implantadas nas terras kaingangs e as melhores terras serem arrendadas para fazendeiros brancos pelos próprios órgãos indigenistas. Mais recentemente, várias comunidades kaingangs e de outras etnias foram atingidas direta ou indiretamente por barragens que afetaram ainda mais as suas condições de vida.

Diante deste quadro, essa população em foco, originária, da área indígena do Ligeiro, no município de Charrua também se coloca frente a estes problemas e a disputa interna pela terra fez com que muitos integrantes daquela comunidade fossem buscar alternativas em outros lugares, para alguns deles foi no acampamento localizado no município de Passo Fundo.

Segundo dados da FUNAI, 2005, essa área indígena também é conhecida como Posto Indígena Ligeiro ou Posto Indígena Paulino de Almeida , sua localização á margem esquerda do Rio Ligeiro ou Apuaê, no município de Charrua, RS. Em 1911 pela Comissão de Terras de Passo Fundo, foi delimitada, sendo redemarcada em 1990 e homologada em março de 1991. Possui uma área de 4.565,8 hectares. A população de Ligeiro é descrita e comparada em três momentos, em 1945, apresentando

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349 pessoas (fonte: SPI), em 1976: 485 pessoas (fonte: FUNAI) e em 2005: 1.900 pessoas (fonte: www.portalkaingang.org ).

A Organização familiar dos Kaingangs e a organização de papéis.

Os casamentos, tradicionalmente, uniam membros das metades clânicas Kamé e Kairu. Os filhos desse casamento ideal recebem a filiação da metade paterna, sendo assim é relevante a descendência patrilinear. Teschauer, 1929 afirmava, que segundo a tradição kaingang “a criança devia sua existência exclusivamente ao pai. A mãe era somente a depositária e guarda da prole (...) a condição do pai passava aos filhos e não a da mãe” . Conforme (Teschauer 1929:44).

A unidade social mínima kaingang é o grupo familiar formado por uma família nuclear (pais e filhos). Estes grupos familiares fazem parte de unidades sociais maiores que podemos chamar de grupos domésticos, formados, idealmente, por um casal de velhos, seus filhos e filhas solteiras, suas filhas casadas, seus genros e netos. Este grupo doméstico não ocupa, necessariamente, uma mesma habitação, mas um mesmo território. Segundo relatos históricos (século XIX) e observações recentes, podemos afirmar que estes grupos domésticos eram formados por grupos de vinte a cinqüenta indivíduos. O grupo doméstico é uma unidade social fundamental na construção da sociabilidade kaingang, pois, devido à combinação das regras de residência matrilocal (residência pós-casamento na casa do pai da esposa) e de descendência (paterna) no interior destas unidades convivem homens e mulheres de metades opostas, conforme VEIGA 1994.

O pertencimento a uma metade decorre da descendência paterna, sendo que a confirmação desta identidade ocorre com a escolha de um nome para o recém-nascido, isso tem sido descrito como um importante processo para o estabelecimento de identidades sociais, especificamente entre os Kaingang. Os nomes pertencem às metades e as crianças, ao serem nomeadas, recebem sua identidade social, a qual, ao lado da descendência paterna, será sua marca distintiva. Ao contrário da descendência, que não pode ser alterada, os nomes podem ser trocados a fim proteger a criança contra doenças ou outros adversidades.

Ser Kaingang significa ser filho de pai kaingang, é o que dá o continuísmo hereditário. É necessário falar a língua kaingang, morar entre os Kaingangs, enfim conviver entre os kaingangs. Nas terras indígenas kaingang há um número significativo de indivíduos considerados como mestiços

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(filhos de casamentos entre kaingang e branco), misturados (filhos de pais de duas etnias indígenas, como de Kaingang com Guarani ou Kaingang com Xokleng), indianos (brancos casados com mulheres kaingang que vivem incorporados como membros da comunidade da esposa), ou cruzados (estes, segundo os próprios Kaingang, são definidos como aqueles filhos de mãe índia e pai branco e que não falam a língua nativa).

Essa estrutura social está baseada na articulação de unidades sociais territorialmente localizadas, formadas por famílias entrelaçadas que dividem responsabilidades cerimoniais, sociais, educacionais, econômicas e políticas. Existe uma atribuição do “privado” relacionado ao feminino, cabendo a mulher as atividades domésticas, o cuidado dos filhos, e mesmo quando participam ativamente do trabalho agrícola e comercial. No que diz respeito ao “público”, cabe ao homem assumir papéis de liderança, de decisão e de assuntos políticos. Assim, o poder em âmbito político cabe ao homem, e no ambiente doméstico cabe à mulher, que possui o controle na educação dos filhos e a manutenção de um reconhecimento da família perante o grupo. Essa dicotomia entre público e privado permeia as relações sociais de gênero entre as culturas humanas, independendo da posição social que cada um dos sexos ocupa.

A partir desse conflito, juntamente ao processo histórico e à inserção e modificação de valores, surge a necessidade da mulher transpor o ambiente doméstico e ocupar papéis públicos, tendo até mesmo que conciliar ambas atividades. Porém, para que isso ocorra, enfrentam resistência dentro de seu próprio grupo, sendo suas atividades consideradas muitas vezes ilegítimas ROSALDO, 1979.

O papel da mulher kaingang no acampamento indígena

O acampamento indígena no município de Passo fundo está localizado numa região estratégica nesta localidade, pois ele fica situado próximo à Estação Rodoviária, que está estabelecida às margens do Rio Passo Fundo e de uma rua de acesso ao trânsito dos ônibus e de veículos. No local existe em torno de cinco barracas de lona preta com alguns utensílios básicos para a sobrevivência, como é o caso de colchões para dormir e instrumentos para preparação de alimentos, sendo colocado de forma improvisada. Essa rua de acesso apresenta um grau de periculosidade, sobretudo às crianças, que estão sempre transitando naquele arredores de forma constante.

As entrevistas e o processo de observação participante aconteceu com três mulheres kaingangs de idades variadas, denominadas, a Flora, 30 anos, quatro filhos, procedente da área indígena de

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Ligeiro, a Íris, 50 anos, proveniente da área indígena do Carreteiro e acampada no município de Mato Castelhano mãe e avó e a Celeste, 56 anos, oriunda de Ligeiro, mãe e avó, ambas artesãs e acampadas por períodos ocasionais no município de Passo Fundo. Essas histórias e relatos de vida transpõem o entendimento do ethos do universo feminino neste acampamento.

Quando Flora relatava que estava no acampamento com seus dois filhos menores, ambos em idade escolar, e que por sua vez não estavam freqüentando a escola, pois estavam ali há vintes dias e ficariam por mais quinze dias isto nos leva ao entendimento de que existe um caráter provisório na vida do acampamento, as pessoas estão sempre indo e vindo, não possuindo uma ligação mais perene, como é o cão da manutenção dos filhos em escolas desta localidade, uma vez que, as áreas indígenas são todas muito próximas ao município de Passo Fundo, colocando assim esta facilidade no processo das migrações ocasionais.no caso ela era procedente de Ligeiro.

Alguns homens acompanham suas mulheres neste processo de migração, mas a maior parte das mulheres está envolvida neste processo com seus filhos, geralmente crianças pequenas, desde bebês até seis, sete anos de idade, pois é muito comum encontrarmos pelas ruas da cidade mulheres de diferentes faixas etárias com crianças vendendo o artesanato, os balaios.

Íris, relatou da existência de bambu, taquaras próximas ao Rio Passo Fundo e da qualidade destas para confeccionar o artesanato, salientando da existência desta matéria prima nesta localidade. Essa atividade é realizada com a utilização de uma faca para ir retirando as camadas da taquara, na beira da rua, pois o espaço do acampamento é muito reduzido, haja vista que possui um barranco onde ficam as barracas e o espaço de convívio é junto a essa rua. Algumas destas taquaras são tingidas com corantes para fazer as composições dos cestos coloridos. Esses artigos são manufaturados e comercializados pelas próprias mulheres e seus filhos, variando os valores desses produtos.

Celeste estava no acampamento com suas filhas e netos e relatou da tradição da confecção da cestaria, que foi aprendida desde muito pequena e que transmite aos seus descendentes, dizendo que isto é atividade exclusiva das mulheres, os homens fazem outras coisas.

Esta atividade é realizada no chão com as crianças em volta, observando muita tranqüilidade entre nas crianças, conforme Nascimento, 2001, sendo que as crianças de colo estão sempre com as mães ou com suas avós que se auxiliam nos cuidados, mas é importante ressaltar que esta atividade é coletiva, não existindo práticas individualistas e competitivas, redimensionando o papel das mulheres neste acampamento como mães que educam seus filhos e, procuram de alguma forma contribuir com uma alternativa de renda econômica.

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Referências bibliográficas:

LAPLANTINE, François. Aprender antropologia. São Paulo: Brasiliense, 2000. 205 p.

LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2005. NASCIMENTO, Ernilda Souza do. Há vida na História dos outros. Chapecó: Argos, 2001.

ROSALDO, Michelle Zimbalist (org.). A mulher, a cultura, a sociedade. Rio de Janeiro: Ed. Paz e Terra, 1979. p.25

ROCHA, Everardo P. Guimarães. O que é etnocentrismo. São Paulo: Brasiliense, 1995. TESCHAUER, Carlos. Poranduba, Riograndense. Porto Alegre: Ed. Globo, 1929.

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