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MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO: SOBRE O TRATAMENTO DA TEMÁTICA DA RELIGIÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA Nilmara Helena Spressola (UFSCar)

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MULTICULTURALISMO E EDUCAÇÃO: SOBRE O TRATAMENTO DA TEMÁTICA DA RELIGIÃO NO CURSO DE LICENCIATURA EM PEDAGOGIA

Nilmara Helena Spressola (UFSCar) Este trabalho tem por objetivo apresentar a pesquisa realizada em uma Universidade do Interior de São Paulo sobre o tratamento da temática da religião na formação de estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia. Diante do crescimento do debate acerca de questões que envolvem a diversidade cultural nas últimas décadas há o crescimento do fenômeno da globalização, que ignora a diversidade das culturas e exclui o indivíduo por sua diferença. A cultura tem se constituído em um espaço fundamental de resistência e luta social e com isto, ganham centralidade as políticas sociais que defendem os interesses das chamadas minorias. Dentre essas políticas, a Educação tem papel fundamental. Por meio dela é possível romper com a transmissão contínua de um modelo de cultura universal que privilegia a cultura branca, masculina e europeia. Na perspectiva inter/multicultural objetiva-se uma educação que reconheça o outro, que promova um diálogo entre as culturas. Dada a relevância da temática nos cursos de formação de professores, a fim de se problematizar as questões culturais, questionando e refletindo sobre as diferenças e contribuindo para uma ação pedagógica libertadora e culturalmente comprometida, buscamos conhecer como os estudantes do curso de Licenciatura em Pedagogia perceberam o tratamento da temática da religião em sua formação para a docência. Os estudantes responderam a um questionário e posteriormente foram entrevistados, discutindo assim questões que estão imbricadas ao ensino e à aprendizagem na formação de professores. Foi destacada a importância da inserção da religião nas discussões das questões culturais nos cursos de formação de professores e o papel fundamental da educação como uma forma de problematização das diferenças e do respeito, sem ignorar ou subestimar, quaisquer aspectos culturais, incluindo a religião.

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1.Introdução

As últimas décadas têm se convertido no palco do crescimento do debate acerca de questões que envolvem a diversidade cultural. O também crescente fenômeno da globalização, em contrapartida, ignora a diversidade das culturas e exclui o indivíduo por sua diferença. Em meio a esse fenômeno avassalador, há uma tendência de se homogeneizar as culturas. Porém, como afirma GOHN (2001), a globalização da economia tem culminado na transformação da cultura como um espaço fundamental de resistência e luta social:

(...) com a globalização ocorre uma metamorfose do sistema de desigualdade social no capitalismo para um sistema de exclusão social. Neste novo cenário, as lutas sociais relevantes serão pela inclusão social de setores sociais que antes eram excluídos por estarem em desigualdade socioeconômica e que agora estão excluídos também por suas desigualdades socioculturais. (p.12)

Assim, ganham centralidade as políticas sociais que defendem os interesses daqueles que integram os desiguais socioculturalmente, também chamados de minorias. Dentre essas políticas, a Educação tem papel fundamental. Por meio dela é possível romper com a transmissão contínua de um modelo de cultura universal que privilegia a cultura branca, masculina e europeia, pois, por meio da Educação, como uma das possibilidades, os sujeitos do processo educativo podem ter contato com a diversidade cultural e reconhecer o outro enquanto portador dos mesmos direitos e respeito.

Diante da diversidade cultural em nosso país, alguns aspectos culturais tem sido tema de muitos trabalhos científicos que objetivam a discussão da diferença étnica, de gênero, classe, idade e orientação sexual e apontam caminhos para uma educação multicultural que contemple o respeito à diferença. No entanto, são poucos os trabalhos que discutem a heterogeneidade religiosa e/ou a necessidade emergente de que esta possa desfrutar do mesmo respeito que tem sido reivindicado às demais diferenças. Concordando com MCLAREN (1997) ao defender que “a diversidade deve ser afirmada dentro de uma política de crítica e compromisso com a justiça social” (p.123), que não se conforme com a aceitação da diversidade, mas questione, resista e reflita sobre as diferenças presentes na sociedade e considerando que a educação constitui-se em uma das políticas sociais centrais de forma de resistência contra as tentativas de homogeneização, que se torna cada vez mais importante desenvolver trabalhos nessa área.

Como se posiciona MCLAREN (1997) é importante afirmar as diferenças. A diferença é para ele fruto da interação. Não está só, mas acontece em relação a outro(s) grupo(s). Ela é construída nas entrelinhas da história, em contextos culturais que

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envolvem relações de poder. Não se pode nega-la, nem limitar-se à sua tolerância e muito menos querer descaracteriza-la.

É nesse sentido que igualdade e diferença se entrecruzam. Falar em diferença requer pensar a igualdade, tal como SANTOS (2001):

As pessoas e os grupos sociais têm o direito a ser iguais quando a diferença os inferioriza e o direito a ser diferentes quando a igualdade os descaracteriza.

(apud CANDAU, 2004, p. 10)

As amplas discussões, pesquisas e ações a fim de se garantir o direito à igualdade das diferenças étnicas, de gênero, sexualidade e sociais são crescentes. Às minorias inferiorizadas ou descaracterizadas em todos os espaços e especificamente como aqui se discute, na universidade, por exemplo, reivindica-se o direito à igualdade e à diferença. Suas diferenças precisam ser reconhecidas como aspectos constituintes da construção da igualdade (CANDAU, ibid, p.18).

Neste sentido, a investigação dos processos e práticas relacionados ao ensino e à aprendizagem dos participantes do processo educacional universitário, remetem à temática da diversidade numa perspectiva que contempla “a diferença em relação”, como esclarece MCLAREN (1997); o que significa que a diferença acontece entre dois ou mais grupos, e que o educador é aquele que não vai se calar diante da imposição monocultural e nem produzi-la:

Uma pedagogia informada pelo pós-modernismo de resistência sugere que as educadoras e trabalhadoras culturais assumam a questão da “diferença” de maneira que não repitam o essencialismo monocultural dos “centrismos” (...) Eles precisam criar uma política de construção de alianças, de sonharem juntos, de solidariedade que avance para além de posturas condescendentes, (...) uma solidariedade que se desenvolva a partir dos imperativos da libertação, democracia e cidadania crítica. ( p. 95)

No contexto da diversidade atual, são muitas as identidades culturais emergentes do mundo globalizado que não podem ser ignoradas, subestimadas ou silenciadas. Essas diferenças podem sim ser problematizadas. Portanto, na perspectiva multicultural objetiva-se uma educação que reconheça o outro, que promova um diálogo entre as culturas e por este motivo intercultural.

Com isso, torna-se cada vez mais relevante essas discussões nos cursos de formação de professores, a fim de se problematizar as questões culturais, questionando e refletindo sobre as diferenças e contribuindo para uma ação pedagógica libertadora e

culturalmente comprometida. Referente ao(à) professor(a) culturalmente

comprometido(a), LIMA (2006), afirma que deste(a) professor(a), espera-se não um professor super-heroi, mas sim que tenha o domínio do conteúdo, tendo consciência de

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que o conteúdo está intrinsecamente ligado à forma e assim, este(a) professor(a) tem portanto, um outro domínio transversal ao conteúdo e da forma que é a sensibilidade, sendo que esta não deve ser compreendida como afeto mas como um:

(...) conjunto de atitudes de alguém que opta por trabalhar pelas/com as minorias. De alguém que efetivamente se importa com todos os seus alunos e acredita que todos eles podem e precisam aprender – e de maneira crítica – os conteúdos escolares, em diálogos com os seus saberes de casa (...) (LIMA, 2006, p. 277)

A ação pedagógica do(a) professor(a) culturalmente comprometido(a) envolve, dentre as muitas características apontadas por LADSON-BILLINGS (1994 apud LIMA, 2006) quanto às práticas culturalmente relevantes, a ajuda aos estudantes para fazer conexões entre suas identidades comunitária, nacional e global e visão da excelência dos estudantes como um padrão complexo que considera a diversidade e as diferenças individuais.

2. A pesquisa

Assim, no curso de Licenciatura em Pedagogia, os estudantes universitários que estavam entre o 6º e o 8º período de formação, participaram da pesquisa respondendo a um questionário. Os estudantes sem religião representaram 39% e aqueles que tinham uma religião definida, sendo 11 no total, foram também entrevistados. Dentre os estudantes que responderam ter uma religião definida, 25% identificaram-se como espíritas, 21% como católicos, 11% como evangélicos ou protestantes e 4% como budistas. Os estudantes entrevistados tinham entre 21 e 41 anos e foram questionados sobre a forma de tratamento dispensado à temática da religião durante a formação acadêmica e sobre a importância do que foi vivenciado para a sua formação enquanto futuros professores, visto que se deparariam com a temática no cotidiano escolar e no currículo.

3. A voz dos entrevistados: silenciamento?

Dentre as falas dos entrevistados, foi apontado que a temática da religião foi tratada indiretamente em dez disciplinas. A temática não foi um assunto incluso no currículo formal, mas foi explicitada na forma como os docentes trouxeram a religião para a discussão em sala de aula a partir de assuntos que se relacionavam ou não com a temática religiosa. A religião apareceu, portanto, como pano de fundo em algumas situações, sendo que as falas dos participantes da pesquisa demonstraram que o que se

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disse sobre religião no curso de Pedagogia pode ser dividido em quatro aspectos.

A primeira discussão que se fez quanto à religião diz respeito à sua relação histórico-filosófica com a educação. Especialmente ao referir-se à história da educação no Brasil e a sua raiz jesuítica, o aspecto histórico da religião foi discutido nesse âmbito.

O segundo aspecto da discussão que foi relatada pelos estudantes, refere-se à comparação da cultura cristã às culturas grega e romana.

Outra discussão realizada relacionou-se à temática da religião dentro da escola, discutindo a laicidade do Estado e da escola e a preocupação quanto à religião dos estudantes como integrante da multiculturalidade do universo escolar.

Finalmente, foi mencionada a discussão ligada à temática da religião dos próprios estudantes trazida à tona no embate entre ciência versus religião que foi amplamente discutido pelos professores. Ainda com relação à temática da religião dos próprios estudantes, os dados indicaram que há um silenciamento, uma ausência de diálogo sobre isso com raros momentos de voz ativa que em disciplinas que discutiam o Multiculturalismo, por exemplo, propiciaram a oportunidade dos estudantes serem ouvidos.

4. Reflexões e considerações

A diferença cultural relacionada à religião que estes estudantes apresentam, poderia constituir-se não em um antagonismo, mas sim em reconhecimento dela como parte da pluralidade cultural presente na universidade, em que poderiam ser admitidos e respeitados aqueles que se envolvem, quanto a este aspecto cultural, em suas práticas, valores, costumes e significados (BHABBA apud AZIBEIRO, 2003, p. 92).

É concebendo a linha fina que separa a discussão de assuntos que envolvem as questões culturais da possibilidade de, enquanto professor(a), ser autor(a) ou promotor(a) de preconceitos que se torna imperativo atentar para o terceiro domínio necessário ao professor culturalmente comprometido, de acordo com LIMA (2006), a sensibilidade (p. 277). É indicado, ainda, por LIMA (ibid) que é importante trazer à tona os preconceitos que os(as) professores(as) têm consigo para se poder trabalhar com eles.

É de suma importância, portanto, refletir sobre a colocação de MARIANO (2007) de que a inserção da religião – e das questões culturais – só faz sentido se for para desestabilizar, para proporcionar o enfrentamento dos estereótipos e preconceito, para trazer mais questões e menos respostas (p. 8).

Isto faz pensar na relevância do que expõe GIROUX (1997) sobre tornar o pedagógico mais político:

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Tornar o pedagógico mais político significa utilizar formas de pedagogia que incorporem interesses políticos que tenham natureza emancipadora, isto é, [...] que tratem os estudantes como agentes críticos; tornar o conhecimento problemático; utilizar o diálogo crítico e afirmativo; e argumentar em prol de um mundo qualitativamente melhor para todas as pessoas. Em parte isto sugere que os intelectuais transformadores assumam seriamente a necessidade de dar aos estudantes voz ativa em suas experiências de aprendizagens. (apud LIMA, 2006, p. 272)

Neste sentido, as vivências dos estudantes relacionadas ao assunto poderiam proporcionar não um discurso sobre a temática, mas um diálogo que possibilitasse essa voz ativa dos estudantes, para haver este mencionado tratamento deles como agentes críticos.

Contudo, as situações positivas mencionadas pelos estudantes em que a discussão sobre a temática da religião ocorreu durante as aulas foram associadas exatamente a essa abertura ao diálogo. Foi quando os estudantes puderam falar sobre o que pensavam que as discussões puderam ser vistas como emancipadoras.

É possível concluir tal como CORTESÃO (2006) que a formação do(a) professor(a) culturalmente comprometido(a) que ela chama de intermulticultural interpreta a diversidade de sua sala como possibilidade de trabalhar as diferenças e não como obstáculo, ao que é possível acrescentar que este(a) não seria então vítima do daltonismo cultural da religião, nem de nenhum outro aspecto cultural (raça/etnia, gênero, social etc.).

Referências

AZIBEIRO, Nadir Esperança. Educação intercultural e complexidade: desafios emergentes a partir das relações em comunidades populares. FLEURI, Reinaldo Matias (org.). Educação intercultural: mediações necessárias. Rio de Janeiro: DP&A, 2003. p. 85-107.

CANDAU, V.M. Entre o crítico e o pós-crítico.(org.) Sociedade Multicultural e educação: tensões e desafios. Rio de Janeiro – RJ: DP&A editora, 2005, p. 13-37. CORTESÃO, Luiza. Ser professor: um ofício em risco de extinção? São Paulo: Editora Cortez; Instituto Paulo Freire. Coleção Prospectiva: v. 6 , 2006.

CORTESÃO, L. & STOER, S. (1996). "A interculturalidade e a educação escolar: dispositivos pedagógicos e a construção da ponte entre culturas", Inovação, Vol. 9, IIE, Nº 1 e 2, pp. 35-51, 1996.

GOHN, Maria da Glória. Educação Não-Formal e Cultura Política. 2ª ed. São Paulo: Cortez, 2001.

LIMA, Emília F. de. Multiculturalismo, Ensino e Formação de Professores. In. SILVA. Aida M. M. et. al. Encontro Nacional de Didática e Prática de Ensino. XIII. ENDIPE. 2006.p. 263-282.

MARIANO, A. L. S. Anotações sobre Religião e formação de professores. Revista Portuguesa de Ciência das Religiões, v. 12, p. 107-114, 2007.

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