ISSN: 0101-3289
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Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte Brasil
Salviano Sales Nobre, Francisco; Valentini, Nadia Cristina
O contexto de desenvolvimento motor de escolares do semiárido: contribuicões do modelo processo-contexto
Revista Brasileira de Ciências do Esporte, vol. 38, núm. 2, abril-junio, 2016, pp. 132-138 Colégio Brasileiro de Ciências do Esporte
Curitiba, Brasil
Disponível em: http://www.redalyc.org/articulo.oa?id=401345786005
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Revista
Brasileira
de
CIÊNCIAS
DO
ESPORTE
ARTIGO
ORIGINAL
O
contexto
de
desenvolvimento
motor
de
escolares
do
semiárido:
contribuic
¸ões
do
modelo
processo-contexto
Francisco
Salviano
Sales
Nobre
a,∗e
Nadia
Cristina
Valentini
baInstitutoFederaldeEducac¸ão,CiênciaeTecnologiadoCeará,Crato,CE,Brasil
bDepartamentodeEducac¸ãoFísica,EscolaSuperiordeEducac¸ãoFísica,UniversidadeFederaldoRioGrandedoSul, PortoAlegre,RS,Brasil
Recebidoem10demarçode2013;aceitoem28dejaneirode2014 DisponívelnaInternetem2demarçode2016
PALAVRAS-CHAVE Ambiente sociocultural; Desenvolvimento infantil; Habilidadesmotoras; Estudantes
Resumo Esteestudo,deabordagemquantitativaequalitativa,investigouarelac¸ão bidire-cionalentreashabilidadesmotorasfundamentais(HMF) deescolareseocontexto.Usou-se oTestofGrossMotorDevelopment2paraavaliarasHMFeobservac¸õesdiretaseentrevistas parainvestigarocontexto.Osresultadosrevelamque96,6%dascrianc¸asapresentaramatrasos nashabilidadeslocomotorase89,8%nashabilidadesdecontroledeobjetos.Análisesapoiadas nomodelo processo-contextosugerem queadesarticulac¸ãodo exossistema limitao desen-volvimentodasHMFnosmicrossistemaseinterferenoestilodevidaeintercâmbiosocialdas crianc¸as.TudolevaacrerqueodesenvolvimentodasHMFdosescolaresperpassaprincipalmente poralterac¸õesnomacrossistema(legislac¸ãoeducacionalestadual).
©2016Col´egioBrasileirodeCiˆenciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todosos direitosreservados. KEYWORDS Socialenvironment; Childdevelopment; Motorskills; Students
Thecontextofmotordevelopmentinschoolchildrenofthesemi-arid:contributions oftheprocess-contextmodel
Abstract Thisstudy,quantitativeandqualitativeinapproach,investigatesthebi-directional relationship between schoolchildren’s fundamental motorskills (FMS) andthecontext. The TestGrossMotorDevelopment2hasbeenusedtoevaluatetheFMSanddirectobservationsand interviewstoinvestigatethecontext.Theresultsrevealthat96.6%ofchildrenarebehindin locomotionskillsand89.8%inobjectcontrolskills.Analysessupportedbytheprocess-context modelsuggestthatthedisarrayoftheexosystemlimitsFMSdevelopmentinthemicrosystems
∗Autorparacorrespondência.
E-mail:salvianonobre@ifce.edu.br(F.S.S.Nobre).
http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2016.02.012
Ocontextodedesenvolvimentomotordeescolaresdosemiárido 133 andinterfereswith thelifestyle andsocial exchangesofthechildren. Allthisleadsto the beliefthatthedevelopment ofFMSinschoolchildren primarily necessitateschangesto the macrosystem(statelegislationoneducation).
©2016Col´egioBrasileirodeCiˆenciasdoEsporte.PublishedbyElsevierEditoraLtda.Allrights reserved. PALABRASCLAVE Mediosociocultural; Desarrolloinfantil; Destrezamotora; Estudiantes
Contextodeldesarrollomotordeestudiantesdelaregióndelsemiárido: contribucionesdemodeloproceso-contexto
Resumen Esteestudio,deenfoquecuantitativoycualitativo,investigólarelación bidireccio-nalentrelashabilidadesmotorasfundamentales(HMF)deescolaresyelcontexto.Seutilizaron elTestGrossMotorDevelopment2paraevaluarlasHMFyobservacionesdirectasyentrevistas parainvestigarelcontexto.Losresultadosrevelanqueel96,6%delosni˜nosteníaretrasosenlas habilidadesdelaparatolocomotoryel89,8%,enlacapacidaddecontroldelosobjetos. Análi-sisapoyadosenelmodelodeproceso-contextosugierenqueladesarticulacióndelexosistema limitaeldesarrollodelasHMFenmicrosistemasyalteranelestilodevidaylosintercambios socialesdelosni˜nos.TodohacepensarqueeldesarrollodelasHMFdelosescolaresnecesita principalmentecambiosenelmacrosistema(leyesestatalesdeeducación).
©2016Col´egioBrasileirodeCiˆenciasdoEsporte.PublicadoporElsevierEditoraLtda.Todoslos derechosreservados.
Introduc
¸ão
A prevalência de atrasos motores detectada em escola-resdebaixonívelsocioeconômico,inclusive entreaqueles assistidos por projetos sociais esportivos, tem intrigado professores e pesquisadores (Goodway et al., 2010). Explicac¸õesparaesseproblemapodemserobtidaspormeio de estudosque considerem a relac¸ãoentreo indivíduo e o contexto, visto que ‘‘as características da pessoa em um determinado momento da sua vida são uma func¸ão conjunta das características da pessoa e do ambiente durante o curso devida dapessoa atéaquelemomento’’ (Bronfenbrenner,2005p.108).
Sobessaóticaoambientenãoseresumeaocontexto ime-diato em que a pessoa se desenvolve(microssistema, ex: escola e/ou projetos sociais esportivos) (Bronfenbrenner, 1996). Assim,o desenvolvimentodamotricidade dá-sena redesocialformadaentreosmicrossistemasdenominadade mesossistema;eéinfluenciadaporambientesremotos,nos quais,apesardeacrianc¸anãoparticiparativamente,tem seu desenvolvimento afetado pelas decisões que ocorrem neles (exossistema, ex: órgãos governamentais educacio-nais).
Ainda,ocontextomaior(macrossistema),formadopelos microssistemas, mesossistemas e exossistemas caracte-rísticos de uma cultura ou subcultura (Bronfenbrenner, 1996), interfere nos processos proximais e, por conse-guinte, na motricidadeinfantil.Pesquisas sobre arelac¸ão entre macrossistema e desenvolvimentomotor são escas-sas (Spessato et al., 2009; Krebs et al., 2011). Ademais, poucosesabe sobreo desenvolvimentomotor decrianc¸as dosemiáridobrasileiro.
Aregiãodosemiáridoabrange1.133municípiosecerca de21milhõesdehabitantesquevivemhistoricamenteem
condic¸õespoucasfavorecedorasdedesenvolvimento(Silva, 2007).Érazoávelacreditarquecrianc¸asoriundasde macros-sistemas com características semelhantes ao identificado nesteestudopoderãotambémapresentariguais caracterís-ticas motoras.Assim,o objetivo desteestudo foianalisar como osprocessos proximaispara promover o desenvolvi-mentomotorocorriamnomesossistema eanalisarcomoo exoeomacrossistemainfluenciamesseprocesso.
Material
e
métodos
Para obter respostas para esse problema recorreu-se ao modeloprocesso-contexto.Essemodelopermiteinvestigar os processos causais externos ao microssistema que afe-tama motricidadeinfantil(Bronfenbrenner, 2005,p. 75). Nestapesquisa,deabordagemmista,aparte quantitativa fezusodoTesteofGrossMotorDevelopment2(Ulrich,2000) paraavaliarashabilidadesmotorasdosescolares.Aparte qualitativaatendeuàsseguintescaracterísticasdepesquisa etnográfica:ênfasenaexplorac¸ãodanaturezadeum fenô-meno social específico; não subordinac¸ão ao conjunto de categoriasanalíticas;einvestigac¸ão detalhadadeumcaso (Flick,2009).Paratantoopesquisadorseinseriu ecologica-mente(CecconelloeKoller,2003)durantecincomesesem ummunicípiodosemiáridoparafazeroestudo.
Ocontexto
OestudofoifeitoemummunicípiodaRegiãoSertãoCentral doCeará,onde, dos 80.604 habitantes, 71,3% residemna zona urbana. A administrac¸ão pública, juntamente com ocomércio e o setordeservic¸os,respondepor 81,6%dos empregos formais. Destaca-se que 27,9% da populac¸ão
economicamenteativa apresentava rendimentodomiciliar
per capita mensal entre½ e um salário mínimo. Desses, 55,1% menos de ½ salário mínimo e 20,83% apresentam rendadeatéR$70,oqueosclassificacomoextremamente pobres(Ipece,2011).
Participantes
Participaram do estudo 59 crianc¸as de escolas públicas residentesembairrosdevulnerabilidadesocial;seis repre-sentantesdepaisjuntoaoConselhoEscolar(umpaiecinco mães)eoitoprofessoresdeeducac¸ãofísica(setehomense umamulher)dediferentesescolas.Todosassinaramotermo de consentimento informado. Esta pesquisa foi aprovada peloComitêdeÉticaemPesquisadaUniversidadeFederal doRioGrandedoSul---Processon◦19861.
Elementosdomacrossistema1
A descric¸ão da estrutura física foi feita por meio de fotografias dos espac¸os públicos destinados às práticas motoras(Flick, 2009).Observac¸ão diretanão participante e perguntas foram elaboradas com foco nos elementos do macrossistema; foram avaliadas por três professores doutoreseconhecedoresdateoriabioecológica,queas ade-quaram às sugestões. Algumas perguntas foram dirigidas parapaiseprofessoreseoutrassomenteparacadaumdos grupos.
Entrevistas
O procedimento de entrevista baseou-se na análise do discurso do sujeito coletivo (DSC) (Lefevre e Lefevre, 2005).ODSCdizrespeitoaumapropostametodológicade organizac¸ãoetabulac¸ãodedadosqualitativosdenatureza verbal e faz uso das figuras metodológicas: expressões--chave (ECH) (trechos ou transcric¸ões literais do discurso querevelamaessênciadodepoimento);ideiascentrais(IC) (expressãolinguísticaquedescrevedemaneiramais sinté-ticaosentidodecadaumdosdiscursos)eancoragens(AC) (manifestac¸ãolinguísticaexplícitadeumadadateoria, ide-ologiaoucrenc¸aqueoentrevistadoprofessa).Asentrevistas foramconduzidasna comunidadecomousodeum grava-dordigitaldevozDVR---2926.SPowerpack®,paraposterior transcric¸ão.
Análisedosdados
Osdadosreferentes àpesquisaqualitativa foram transcri-toseorganizados apartirdasfigurasmetodológicas(ECH, IC,AC) e formaramosDSC. Osdadosquantitativos foram analisadospor meiodeestatística descritiva(média, des-vios padrões e distribuic¸ão de frequência) e estatística
1Bronfenbrenner(1996)considerouosseguinteselementoscomo
constituintes do macrossistema: oportunidades, riscos, estilo e
opc¸õesdevida,políticaspúblicasdeintercâmbiosocialesistema
decrenc¸as.
Figura1 Mapadosespac¸osfísicosparapráticasmotoras.
inferencial (teste t de Student). O modelo processo--contextofoiusadonainterpretac¸ãodosdados.
Resultados
Ofocodesteestudonãofoidiscutirosresultadosdo desen-volvimentomotordascrianc¸as,massimoqueconduzatal processoesuaspossíveisconsequências.Entretanto,é pre-cisosalientarquedos59escolaresavaliados,96,6%e89,8% apresentaram desempenho inferior ao percentil5(Ulrich, 2000)parahabilidadeslocomotorasedecontrolede obje-tos,respectivamente.
Estruturadeoportunidadesparapráticasmotoras2
Nafigura1 ostriângulosrepresentamasescolasque ofer-tavam o Ensino Fundamental I (EFI); os círculos vazios, presenc¸a deestruturafísicamínima; oscírculos preenchi-dos,presenc¸adeestruturafísicaadequadaeospentágonos, asunidadessociaisdeapoio.3Oregistroisoladode triângu-los denuncia a prevalência de estruturafísica inexistente parapráticasmotorasnasescolas.Alocalizac¸ãodos pentá-gonosrevelaumadisparidadenadistribuic¸ãodasunidades sociaisdeapoio.
Como destacado na figura 2, algumas unidades sociais deapoio,emborasucateadas,apresentavamcapacidadede uso. Entretanto, registrou-se o funcionamento de apenas doisprojetossociaisquefaziamusodepráticasmotorasna sua proposta pedagógica.É digno denota que em ambos os projetos erarara a presenc¸a de crianc¸as entre sete e 10anos,bemcomodepedagogoseprofessoresdeeducac¸ão física.
2Baseado em Tokuyochi et al. (2008) e Gaspari et al. (2006)
considerou-se estrutura física adequada à presenc¸a de quadra
coberta.
3Presenc¸adeinfraestruturafísicaparadesenvolverprojetos
Ocontextodedesenvolvimentomotordeescolaresdosemiárido 135
Figura2 Quadraesportivaemumpolodelazeremestadode máconservac¸ão.
Riscos
Aoperguntar aospaissobreasensac¸ãodeseguranc¸apara deixar as crianc¸as brincarem livremente na comunidade, registraram-se discursos divergentes. Conformeobservado
in loco,aviolênciaurbananãoerao principalfator impe-ditivooulimitadordepráticasmotoras,estavaconcentrada apenasemdoisbairros.Emambos,aviolênciaestava asso-ciada ao uso e tráfico de drogas. A seguir, o discurso dá o testemunho dosrepresentantesde pais(RP) dosbairros consideradosviolentos.
DSCRP1.1.
AC:otráficoeoconsumodedrogassãofatoresrestritivos parapráticasmotoras.
Nóssabemosquetemosumaltoíndicededrogasaquino bairro.Eunãosaiodaminhacasaparabrincarnaprac¸a com os meus filhosde jeito nenhum.Meu medo é dos meusfilhosseacompanharemevivernomundodas dro-gas.Euvoulánocentrodacidade,masaquinobairroeu nãovouporqueeunãomesintosegura.
Oportunidadesparapráticasmotoras
Ao indagar aos professores de educac¸ão física (EF) sobre a existênciadeaulasdeEF noEnsinoFundamental I(EFI) registraram-se discursos divergentes,explicitaram que tal ac¸ãoficavaacritériodosgestoresescolares.Ainda,quando havia aulas de EF essas ocorriam apenas uma vez por semana.
DSCProfessores1.1.
IC:nãoexistepersistênciatemporalnasaulasdeEF. Do segundo ao quinto ano eles já passam a ter aulas com professores de educac¸ão física. As crianc¸as têm recreac¸ão.Omunicípiotambémcedeu10monitorespara trabalharcomessascrianc¸as.Foifeitoumconvêniocom afaculdadedaquiparaqueosalunosqueseencontram no5◦ e6◦ semestrespossamfazerestágio.Noentanto, nóstrabalhamosapenasumaaulaporsemana.
DSCProfessores1.2.
IC:aleieavontadepolíticanãogarantemoexercíciodo professordeEFnoEFI.
Aeducac¸ãofísicanaLei9.394/96faladaobrigatoriedade danossadisciplinanoâmbitoescolar,masinfelizmentea educac¸ãofísicaficadesnorteadaemrelac¸ãoaesse com-promisso.Aquinacidadenóssótemosaulaparacrianc¸as de3a10anosnoscolégiosparticulares.
Conteúdoserecursosmateriaisdisponíveis
Perguntou-seaosprofessoressobreosconteúdosexplorados nasaulasdeEFnoEFIeascondic¸õesdemateriaisoferecidos. Verificou-se umDSC que denuncia a escassez de recursos materiais.Deformamaiscomprometedora,oDSCrevelaa inexistência de uma proposta pedagógica para promover amotricidadeinfantil.
DSCdosProfessores2.1.
IC:osconteúdosserestringemàsatividadesrecreativas eosrecursosmateriaissãoescassos.
As aulas são desenvolvidas em forma de brincadeiras, jogos recreativos. Eu pude observar que em algumas escolasa professorapolivalente deixa acrianc¸a à von-tade. Elas ficam só sentadas e os meninos brincando. Quantoaosmateriais,praticamentenãotemmaterialpra gentetrabalhar.Sequisereumostro,euabrooarmário.
Opc¸õesdevida
Perguntou-seaospaissobreoutrasopc¸õesdevidaquesão ofertadas para ascrianc¸as além daescola.Essa pergunta gerou um DSC que revelou que as únicas opc¸ões de vida eramosprojetossociais.Visitasrotineirasaosprojetos soci-aisesportivos(PSE)evidenciaramqueascrianc¸asatendidas estavam envolvidas com práticas motoras que se restrin-giamao futebolpara os meninos,danc¸a paraas meninas erecreac¸ãoparaambososgêneros.ODSC2.1representaa faladospaisqueresidemem comunidadesdesprovidasde PSE.
DSCRP2.1
IC:sãopoucasasopc¸õesdevida.
Saindo da escola, a crianc¸ada acaba ficando na rua porqueno bairronão temoutra opc¸ão.Temumbairro aquiquetemumpoloqueofereceauladearte,dedanc¸a, deesporte,denatac¸ão.Maseraprateroutrascoisas tam-bém.Tinhaqueterumprojetodeatendimentoàspessoas que usam drogas. Porque aqui já tem crianc¸as de 9 e 10anossedrogandoàluzdodia.
Estilodevida
O estudo observacional revelou que o estilo de vida das crianc¸asestavaalinhadocomasoportunidadesofertadasno contexto.ODSC3.1dospaisratificaoquefoiobservadoe registradoemdiáriodecampo.
DSCRP3.1
IC:o tempolivredas crianc¸asé ocupado com o traba-lhoinfantilecombrincadeirasquepermanecemnacultura local.
Muitosdelesficamnaruavendendoverdura,brincando ourecolhendopapéis.Osmeninosbrincamdebola, sol-tampipa, brincamde pião,de bila.4 Às vezes acabam migrandoparaoutrosbairrosporquenãotêm oportuni-dades.
Intercâmbiosocial
Procurou-se saber como o esporte ou os jogos eram usa-dosparapromoverintercâmbiosocial.ODSCrevelaqueas políticaspúblicasparaintercâmbiosocialnãofavorecemas crianc¸ascommenoshabilidadesmotoras.
DSCProfessores3.1:
AC:ointercâmbiosocialsedáapenaspormeiode ativi-dadescompetitivas.
Nóstivemosaquinoanopassadoalgunsjogos.Mas,para faixa etária de 7 a 10 anos, nós estamos aquém do querealmentedeveriaacontecer.Existemasolimpíadas escolares,quesão organizadaspelogoverno federal;o governoestadualorganizaapartequecabeaoestadoe omunicípiodeveriaorganizarapartequecabeao muni-cípio.
Sistemadecrenc¸asrelacionadoaeducac¸ãofísica, esporteelazer
Solicitou-se aosrepresentantes de pais que opinassem se concordavamoudiscordavamdaseguintefrase:Nãodeveria maishaveraulasdeEFnaescola.Verificou-seumDSCque foiunânimesobreaimportânciadaEFescolar.
DSCRP4.1
AC:aEFéimportanteedeveexistirnaescola.
Eunãoconcordo.Acrianc¸anãoprecisasódesaberlere escrevernão,elatemqueterolazerdela.Éoqueeles gostamnaescola.Tambémvemapartedasaúde.Euvejo queaeducac¸ãofísica,desdequetenhaacompanhamento porumapessoadeconhecimento,deveria,sim,continuar aexistir.
Discussão
Osatrasosmotoresidentificadosestãoalinhadoscom estu-dospréviosfeitos comcrianc¸asquevivemem situac¸ãode riscosocial,inclusiveaquelasassistidasporprojetossociais esportivos(PSE)(Goodwayetal.,2010).Issoéfrustrante, vistoqueosPSEtêmrecebidomaisrecursosdopoderpúblico doqueaeducac¸ãofísicaescolar(MendeseAzevêdo,2010). A ausência ou precariedade das instalac¸ões esportivas (Tokuyochietal.,2008),bemcomoamá conservac¸ãodas prac¸as públicas e parques infantis, faz parte do cenário urbano de diversas cidades brasileiras (Damasio e Silva, 2008).Issotambémépreocupante,visto queasestruturas físicasofertadas pelomacrossistematêmacapacidade de influenciaraspreferênciaspelasatividadesaserem desen-volvidas pelas crianc¸as e repercutem no desenvolvimento motordelas(Krebsetal.,2011).
4Designac¸ão,naculturalocal,paraboladegude.
Sobreosriscos,estudosevidenciamainteriorizac¸ãoda violêncianopaís,aqualestáassociadaprincipalmente ao uso etráficodedrogas (Souzae Lima,2011).Destaque-se que foi essa também a principal manifestac¸ão de violên-ciaobservadanoestudo.Hecktheuer(2012)advertequeos espac¸ospúblicossãoosprimeirosambientesondeacrianc¸a tema oportunidadedeinteragircomseuspareseadultos nãointegrantes domicrossistemalar e queasensac¸ãode inseguranc¸anapopulac¸ãoafastaosescolaresdessesespac¸os sociais
O modelo processo-contexto, além de explicitar como os processos proximais para o desenvolvimentose desen-cadeia,permiteinvestigarcomoessesprocessosvariamem func¸ãodeumcontextomaisamplo(Bronfenbrenner,2005). Verificou-sequeafragilidadedosprocessosproximais desen-cadeadosnaescolaestavaassociadaàsdecisõestomadasno exossistemae/oumacrossistema.ODSCdosprofessores1.2 dásuporteaoentendimentoqueaSecretariaMunicipalde Educac¸ãoseapoianomacrossistema(Legislac¸ão)paranão ofertaraulasdeeducac¸ãofísica(EF)noEnsinoFundamental I(EFI).
EnquantoSpessatoetal.(2009)constataramqueas cre-chesnãoatendiamaosdispositivosdaleiparapromovero desenvolvimento motor das crianc¸as, no presente estudo observou-se queestá na Lei9.394/96, Lei deDiretrizes e BasesdaEducac¸ão(LDB),oprincipalempecilhopara desen-volveramotricidadeinfantil.Apesardeo§3◦doart.26da LDBafirmarque ‘‘aeducac¸ãofísica,integrada à proposta pedagógicadaescola,écomponentecurricularobrigatório daeducac¸ãobásica’’ (Brasil,2010,p. 23),aLeinãodeixa claroapartir dequalciclodeensinoadisciplinadevaser ministrada.
Amparadanas‘‘brechas’’daLDB,aResoluc¸ãodo Conse-lhodeEducac¸ãodoCeará412/2006(Ceará,2006),emseu art.6◦§1◦,determinaqueasaulasdeEFsãodeverda pro-fessorapolivalentee,emseuart.3◦,queotratamentoaser dadoàEFdeveráestarexplicitadonapropostapedagógica daescola.Quandotalobrigatoriedadeestabelecidaporlei estáfacultadaàpropostapedagógicadaescola,verifica-se quenãonecessariamentealunosdoEFIvenhamteraulasde EF.Ademais,estudopréviosugereumaresistênciadas pro-fessoraspolivalentesparaministraremasaulasdeEF(Ferraz eMacedo,2001).Nessecaso,aintervenc¸ãodoexossistema (Secretaria deEducac¸ãodoEstado)faz-senecessáriapara garantirosdireitosdascrianc¸asàsaulasdeEF,aexemplodo queocorrenoEstadodeSãoPaulo5(SilvaeVenâncio,2008). Constatou-sequequandoascrianc¸astinhamaulasdeEF, essasocorriamdentrodeumperíododetempoquenão pos-sibilitava incitar osprocessos proximais.Épouco provável queumacrianc¸avenhaadesenvolversuamotricidadecom apenasumaaulaporsemana(Riethmulleretal.,2009).Para gerardesenvolvimento,aatividadeprecisasersignificativa eterpersistênciatemporal(Bronfenbrenner,2005).
ODSC2.1dosprofessoresdestaca quequandoasaulas deEFatendiamàResoluc¸ãoCE412/2006,eramministradas naformaderecreac¸ão.Pesquisassugeremquearecreac¸ão
5NoEstadodeSãoPauloaleiestabeleceaobrigatoriedadedas
aulasdeeducac¸ãofísicaemtodasasséries,duasvezesporsemana,
devemserministradasporprofessoresdeeducac¸ãofísica,assistidos
Ocontextodedesenvolvimentomotordeescolaresdosemiárido 137 se mostra pouco efetiva para desenvolver a motricidade
infantil(Palmaetal.,2009).Ademais, averticalizac¸ãode conteúdosquerespeiteosníveisdedesenvolvimentomotor écrucialnesseprocesso(Krebs,1997).
Oestudoobservacional evidenciouque,fora ofutebol, as práticas motoras exercidas nos PSE e na comunidade requeriampoucashabilidadesmotoras,locomotorase mani-pulativas. Isso é preocupante, visto que a proficiência motoranainfância,principalmenteemhabilidadesde con-troledeobjetos,éaceitacomoumpreditornoengajamento em atividades esportivas na adolescência (Barnett et al., 2009).
O intercâmbio social por meio de práticas motoras era privilégio de crianc¸as dotadas de melhores habilida-desmotoras.Crianc¸ashabilidosasapresentamesserecurso comoumfacilitadordainterac¸ão,poistêmmais oportunida-desparaparticipardasatividades(MiyabayashiePimentel, 2011).Alémdoque,orecursopessoaldeproficiênciamotora afeta a demandadas crianc¸as e interfere na forma como elassãoaceitasporseuspares(Bronfenbrenner,2005).Essa visãosistêmicapermiteevidenciarqueocontextointerfere namotricidadedacrianc¸a,assimcomoesserecursopessoal interferenaformacomoacrianc¸avivenciaseus microssis-temas.
ApesardeoDSC4.1dosrepresentantesdepaissugerir queosistemadecrenc¸asrelacionadoàEFaindanãohavia sido afetado negativamente,oestudo observacional iden-tificou pouco interesse dos pais pelo desenvolvimentoda motricidade deseus filhos.Sobre o assunto Freitas et al. (2008) esclarecem que os processos proximais são influ-enciados pelovalor significativo que o tipo de habilidade representaparaa sociedade,pois dependeclaramente de suascrenc¸asemetas.
Considerac
¸ões
finais
Sobumaperspectivaecológica,odesenvolvimentomotoré consideradomultifatorial,éinfluenciadoporcaracterísticas doindivíduo,doambienteedatarefa.Omodelo processo--contexto revela que o próprio ambiente é multifatorial. Assim, os atrasos motores identificados nos escolares do semiáridoocorremcomo umaconsequênciadeuma inter-conexão de sistemas,na qual osprocessos proximais que nãosãodesencadeadosnomicrossistemasãoafetadospela omissãodoexossistemaedomacrossistema.
Issoépreocupante,vistoqueabaixaproficiênciamotora afeta asdisposic¸ões gerativas dacrianc¸a,as expectativas deseus paresea formacomo ocontexto é experenciado por ela. No presente estudo identificou-se que o macros-sistemarepresentadopela LDB9.394/96e pelaResoluc¸ão CE412/2006semostroucomooprincipalresponsávelpela inibic¸ão dos processos proximais e, consequentemente, pelosatrasosmotores.
Infere-se que parte da soluc¸ão para o problema em curtoprazopassaporumamelhorcomunicac¸ão interambi-entalentreassecretariasdomunicípio(Educac¸ão,Esporte, Ac¸ão Social), de modo que se viabilize uma explorac¸ão mais profícua dos recursos existentes. Uma revisão na proposta pedagógica adotada nas escolas e nos projetos sociais esportivos também parece ser crucial. Em longo prazoé imperativoqueocorraumamudanc¸ana legislac¸ão
educacionalestadual,visto quenãonecessariamente uma legislac¸ãofederalgaranteosdireitosdedesenvolvimentoda crianc¸a.
Por fim, sustenta-se a hipótese de que contextoscom características similares àsque foram identificadas neste estudoapresentarão grande probabilidadede tercrianc¸as comatrasosmotores.Afeituradeestudosemoutras cultu-raséfundamentalpararatificarourefutaresseargumento. Contudo,éprecisoentrevistartambémasprofessoras poli-valentes, visto que esse foi um dos principais fatores limitadoresdopresenteestudo.
Financiamento
Coordenac¸ãodeAperfeic¸oamentodePessoaldeNível Supe-rior(Capes)(modalidade bolsade doutorado)eMinistério daEducac¸ão/Sesu,EditalProextn◦4/2011.
Conflitos
de
interesse
Osautoresdeclaramnãohaverconflitosdeinteresse.
Agradecimentos
In memoriam ao Prof. Dr.Ruy Jornada Krebs, pelas rele-vantes contribuic¸ões prestadas nas discussões sobre os modelosdepesquisaemdesenvolvimentohumanodurante aelaborac¸ãodoprojetodepesquisaquedeuorigemaeste artigo.
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