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EFEITOS PSÍQUICOS DA MIGRAÇÃO FORÇADA: CONVERSAÇÕES SOBRE O REFÚGIO

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Academic year: 2021

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Departamento de Psicologia

EFEITOS PSÍQUICOS DA MIGRAÇÃO FORÇADA:

CONVERSAÇÕES SOBRE O REFÚGIO

Alunos: Gabriel Belmonte Orientadora: Monah Winograd

Introdução

Refugiada é toda pessoa fugindo de conflitos armados, violação generalizada e violações graves de direitos humanos em seu país. Impulsionada pela situação tão vulnerável, insuportável e ameaçadora, vê-se obrigada a cruzar as fronteiras de Estado, até mesmo continentais, buscando abrigo em outra nação. Devido a um fundado temor de perseguição por motivos de raça, nacionalidade, opinião política ou participação em grupos sociais, essas pessoas não podem ou não querem voltar para sua casa. Assim, ao chegar em outro país, deve solicitar a condição de refugiado às autoridades locais.

A cada 122 pessoas no mundo, uma encontra-se forçada a deixar sua casa devido a conflito, perseguição ou violência. O Alto Comissariado das Nações Unidas já possui sob mandato 60 milhões de pessoas, sendo 20 milhões refugiadas. Dessas, 9 mil foram reconhecidas no Brasil - concentradas no Rio de Janeiro e em São Paulo - além dos migrantes e solicitantes de refúgio. Deixar o país de origem e buscar o refúgio é um processo que envolve sentimentos de perda, angústias, de incerteza e desamparo. Além disso, há a experiência concreta de violências e violações de direitos humanos. O sintomas mais comuns que derivam disso são ansiedade, insônia, pesadelos frequentes, entre outros. Em alguns casos, tais sintomas podem ser parte de transtornos mais graves, como depressão moderada ou severa, transtorno de estresse pós traumático e síndrome do pânico.

Esta pesquisa está inserida em projeto interdisciplinar abrangente relativo à implementação, na PUC-Rio, da Cátedra Sérgio Vieira de Mello (CSVM) do Alto Comissariado das Nações Unidas (ACNUR), criada em 2003 e reformulada em 2009 com o

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objetivo de promover os direitos da universidades parceiras. O trabalho comunitário com refugiados também é componente população refugiada por meio do estímulo à pesquisa, ensino e extensão sobre o tema nas central da iniciativa. No Brasil, há hoje 17 universidades e centros de pesquisa conveniados, sendo dois no Rio de Janeiro: UERJ e Fundação Casa de Rui Barbosa – ambos integrados em 2017. É no âmbito desses esforços que este projeto está inserido, com vistas a abrir a Universidade para a reflexão crítica e para o avanço dos espaços de proteção e integração de solicitantes de refúgio e refugiados.

Metodologia

Este projeto de pesquisa é o piloto de uma investigação mais ampla que pretende identificar e descrever alguns efeitos psíquicos da experiência da migração, forçada ou não, e elaborar estratégias para a construção de espaços de fala e de escuta que considerem as especificidades destes sujeitos, sem vitimizá-los ou enquadrá-los precocemente em transtornos mentais que peçam respostas imediatas. Para tanto, é preciso: (1) fazer uso de metodologias de pesquisa que permitam apreender os diversos modos de expressão do sofrimento psíquico e sirvam simultaneamente como modos de intervenção e, com isso, (2) ampliar o enquadre clínico usual e desenvolver dispositivos e instrumentos que promovam a elaboração das experiências vividas e das questões atualizadas por elas.

Nesse sentido, o objetivo de nossa pesquisa se configura em identificar e descrever as problemáticas psíquicas potencialmente pregnantes na população refugiada e solicitante de refúgio e investigar as possíveis modalidades de escuta e intervenção clínica fora dos dispositivos tradicionais. As especificidades desses sujeitos serão sempre consideradas no processo, sem vitimiza-los ou enquadrá-los precocemente em transtornos mentais. Para tanto, se fará uso de metodologias de pesquisa que permitam apreender os diversos modos de sofrimento psíquico, além de servir de modo de intervenção; e se desenvolverá dispositivos e instrumentos que promovam a elaboração das experiências vividas e das questões atualizadas por elas.

O Guia de Intervenção Humanitária do Programa da Ação Mundial em Saúde Mental define como potencialmente traumático qualquer evento ameaçador, como violências físicas ou sexuais, testemunho de atrocidades ou de maiores acidentes ou ferimentos. Em

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emergências humanitárias se atravessa eventos traumáticos como estes que podem ocasionar efeitos psíquicos variáveis em grau e intensidade. Antes e durante a migração forçada, e também no processo de reintegração - adaptação do refugiado ao país de acolhida, redefinindo seu lugar na nova sociedade em que estão inseridos - as experiências de trauma podem causar ao refugiado e solicitante de refúgio sofrimento e desestabilização emocional.

Relatório de Atividades

Grupo de Pesquisa do Laboratório de Pesquisas Avançadas em Psicanálise e Subjetividade (LAPSU)

Durante os semestres de 2018.2 e 2019.1, o bolsista participou do grupo de pesquisa do LAPSU, cujos encontros são semanais. Nas reuniões são realizadas discussões de produções científicas e teóricas nacionais e internacionais acerca do tema da migração, trauma, violência e psicanálise. Sendo o grupo formado por dois bolsistas de iniciação científica e alunos da graduação, orientados pela professora Monah Winograd.

Foram realizados as leituras e os estudos dos seguintes textos: O caso-limite e as sabotagens do prazer de Luís Claudio Figueiredo; Clivagem e idealização: sobre o luto impossível nas patologias limítrofes de Luiza da Costa Mendes e Claudia Amorim Garcia; o estudo teórico intitulado “O manejo clínico de “casos difíceis”: herança e atualidade de Sándor Ferenczi nas abordagens de Winnicott e Balint” (MEDEIROS & PEIXOTO, 2016).

Ademais, alguns artigos do livro Privação e Delinquência, de Donald Winnicott, foram trabalhados. A publicação de 1984 surgiu a partir da análise do psicanalista de crianças desterritorializadas, no pós guerra. Ao lado de outras teorias winnicottianas, os sujeitos marginalizados são vistos pelas óticas da privação e deprivação, gerando a delinquência e os comportamentos antissociais na vida juvenil e adulta. O comportamento humano estudado perpassa a violência e o trauma, a fim de criar um modelo socioeducativo que não se basta a clínica, mas a sociedade em suas diversas esferas de poder e controle.

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Ao longo do semestre, foram realizados encontros quinzenais com estudantes universitários da graduação, mestrado e doutorado dos cursos que integram a Cátedra Sérgio Vieira de Mello, como direito, letras, psicologia, relações internacionais, serviço social. Os encontros se pautaram em apresentações das pesquisas realizadas acerca da temática da migração e do refúgio na instituição. A mediação fora desempenhada, por sua vez, pelos professores da rede interinstitucional de Cátedras Sérgio VIeira de Mello, englobando o trabalho de ensino, pesquisa e extensão para promoção e proteção dos direitos humanos das populações refugiadas.

As pesquisas em andamento foram discutidas a partir das seguintes referências bibliográficas:

ACNUR - Diretrizes Orientação Sexual e Identidade de Gênero; BALIBAR, Étienne. Strangers as Enemies. Further Reflections on the Aporias of ​ Transnational Citizenship; BORGES & POCREAU. A identidade como fator de imunidade psicológica: contribuições da clínica intercultural perante as situações de violência extrema; CAMPBELL, Davi. Writing Security United States Foreign Policy and the Politics of Identity (cap. 4 Foreign policy and difference); FRANÇA, Isadora Lins. "Refugiados LGBTI": direito e narrativas entrecruzando gênero, sexualidade e violência; HALL, Stuart Hall. A Identidade Cultural na Pós-Modernidade; HURTADO, M. The Cartagena Declaration on Refugees and the Protection of People Fleeing Armed Conflict and Other Situations of Violence in Latin America; MOULIN, Carolina. A politica internacional da mobilidade; NETO, Helion. O erguimento de barreiras à migração e a diferenciação dos "direitos à mobilidade"; NOGUEIRA, Maria Beatriz. A proteção dos deslocados internos na sociedade internacional: evolução conceitual e normativa; OLIVA, Thiago. Minorias sexuais enquanto "grupo social" e o reconhecimento do status de refugiado no Brasil; PEREIRA, Alexandre. O refúgio do trauma. Notas etnográficas sobre trauma, narcisismo e temporalidades do sofrimento em um serviço de saúde mental para refugiados; SCHWINN; COSTA. Mulheres refugiadas e vulnerabilidade: a dimensão da violência de gênero em situações de refúgio e as estratégias do ACNUR no combate a essa violência; ZETTER, Roger. More Labels, Fewer Refugees: Remaking the Refugee Label in an Era of Globalization.

Os encontros do grupo foram importantes para conhecer o que está sendo pesquisado na instituição em todos os níveis de graduação a pós-graduação, nas diversas áreas do conhecimento. O contato com as diferentes metodologias e assuntos referentes a migração foi

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importante para fomentar o pensamento crítico no aluno, bem como estabelecer vastas referências teóricas multidisciplinares.

Atendimento psicológico no Serviço de Psicologia Aplicada da PUC-Rio

Durante o primeiro semestre de 2019, foi oferecido acompanhamento psicológico, a ser realizado pelo aluno bolsista, matriculado também no estágio obrigatório de atendimento gratuito na clínica social da instituição. Contudo, nenhum atendimento foi efetivado, apesar de haver alguns encaminhamentos que encontram empecilhos para se deslocar até ao campus da universidade, onde se realizam os atendimentos.

Conclusões

A hipótese de que a dificuldade de entrada no meio do refúgio se dá pela urgência de resolução de fatores práticos ante os subjetivos foi mais uma vez confirmada neste semestre. Apesar de reconhecer a necessidade de atendimento psicológico, questões básicas como emprego, documentação e saúde tomam quase todo o tempo desses indivíduos. A Gávea como local de atendimento se coloca na contramão de seu deslocamento e impede a consolidação de um processo terapêutico consistente. Continua o desafio de abrir um espaço que possa ser útil às necessidades subjetivas desses personagens.

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Referências

ACNUR. Site oficial. Acesso em 24 de junho de 2018. Disponível em <http://www.acnur.org/portugues/dados-sobre-refugio/dados-sobre-refugio-no-brasil/> BARROS, Mariana Leal de; BAIRRÃO, José Francisco Miguel Henriques. Etnopsicanálise: apresentação e aplicabilidade da “complementaridade” entre a antropologia e a psicanálise. Psicologia Social e Políticas de Existência: Fronteiras e Conflitos. XV Encontro Nacional da ABRAPSO. Maceió, 2009.

BORGES, Lucienne Martins & POCREAU, Jean-Bernard. Serviço de atendimento psicológico especializado aos imigrantes e refugiados: interface entre o social, a saúde e a clínica. Estudos de Psicologia I. Campinas, 2012.

.___________ A identidade como fator de imunidade psicológica: contribuições da clínica intercultural perante as situações de violência extrema. Psicologia: Teoria e Prática – São Paulo, 2009.

CINTRA, Maria Elisa Rizzi & MACUL, Priscila Gimenez Simão. Uma experiência de Arteterapia aplicada em na sala de espera de um Centro de Acolhimento para Refugiados. Psicol. Am. Lat. n.5 México fev. 2006.

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MEDEIROS, Eduardo Cavalcanti de; PEIXOTO JUNIOR, Carlos Augusto. O manejo clínico de "casos difíceis": herança e atualidade de Sándor Ferenczi nas abordagens de Winnicott e Balint. Rev. Subj., Fortaleza , v. 16, n. 2, p. 46-59, ago. 2016 . Disponível em <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2359-07692016000200004&lng=pt&nr m=iso>. acessos em 29 jul. 2019. http://dx.doi.org/10.5020/23590777.16.2.46-59.

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