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EDUCAÇÃO, IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO- CULTURAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE CRIADORA HUMANA RESUMO

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EDUCAÇÃO, IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO: CONTRIBUIÇÕES DA TEORIA HISTÓRICO-CULTURAL PARA O DESENVOLVIMENTO DA ATIVIDADE CRIADORA HUMANA

Maria José MÁXIMO1 Fátima Aparecida de Souza FRANCIOLI2 RESUMO

Este estudo tem por objetivo analisar a atividade criadora do homem. Contrapondo-se às explicações de cunho naturalista, buscou-se na Teoria Histórico-Cultural a origem e o papel da atividade criadora no desenvolvimento humano. Os resultados dos estudos indicam que as condições que asseguram a criação humana são de ordem sócio-histórica, subordinadas tanto à transmissão quanto à apropriação da cultura precedente, intrínsecas ao desenvolvimento humano, engendrado pela atividade vital do homem, o trabalho. Esta abordagem vê na educação sistematizada o meio de potencializar o desenvolvimento desse processo, comum a todos os homens desde a mais tenra idade. Nessa perspectiva teórica, o trabalho pedagógico precisa assegurar a especificidade que o constitui, o acesso mediado às vivências culturais significativas, condição necessária, tanto à fomentação do processo criador, quanto à formação humana e, consequentemente, ao desenvolvimento da humanidade.

Palavras-chave: Teoria Histórico-Cultural. Atividade criativa. Educação.

1 INTRODUÇÃO

Na atualidade, século XXI, deparamo-nos com uma imensidão de riquezas criadas ao longo dos séculos por inúmeras gerações de homens, “os únicos seres, no planeta, que são criadores” (LEONTIEV, 2004, p. 285). A ação criativa do homem nunca foi tão requisitada como nos tempos atuais, enquanto mecanismo de acompanhamento dos avanços do mundo contemporâneo. É preciso, contudo, ressaltar que encontramos compreensões diversas quanto ao conceito de criação, o que pode representar um problema para o trabalho pedagógico e, consequentemente, à formação humana. Nesse sentido, este estudo busca contribuir respondendo a algumas indagações acerca do problema anunciado. Qual a origem da atividade criativa? Como alguém cria algo novo? As respostas a essas perguntas buscaremos na teoria da Psicologia Histórico-Cultural.

Pensar numa concepção pedagógica que contribua com a plena formação do aluno requer considerar o quadro mais amplo, o antagonismo que se constituiu historicamente entre os

1 Mestranda em ensino - PPIFOR/UNESPAR/FAFIPA. Supervisora pedagógica da rede municipal de ensino da cidade de Paranavaí-Paraná. mj.maximo@hotmail.com

2 Doutora em Educação Escolar pela Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho – Campus de Araraquara-SP. Professora Adjunta da Universidade Estadual do Paraná – Campus de Paranavaí-PR.

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homens com a divisão social do trabalho, em decorrência da adoção da instrução dual como instrumento de manutenção e organização socioeconômica. Desconsiderar esses aspectos limita a reflexão, distancia a apreensão da estrutura posta, dos determinantes e da dimensão que esses podem representar na vida das pessoas. Em decorrência dessa ordem, a instrução formal da classe trabalhadora é fundamentada numa concepção psicológica naturalista, explicitada por Leontiev (2004, p. 302, grifos nossos) no texto O homem e a cultura, no qual o autor descreve o discurso da classe dominante no uso da teoria da naturalização.

[...] não seria a aquisição dos progressos da ciência a condição da formação das aptidões científicas, mas as aptidões científicas que seriam a condição desta aquisição: não será a apropriação da arte a condição do desenvolvimento do talento artístico, mas o talento artístico que condicionará a apropriação da arte. Citam em apoio desta teoria fatos que testemunham a aptidão de uns e da incapacidade total de outros para tal ou tal atividade, sem mesmo se interrogarem donde vêm estas aptidões; tem-se geralmente a espontaneidade da sua primeira aparição por prova de sua idoneidade.

Ao perpetuar essa falácia, justifica-se o sucesso de uns sobre os outros. Observamos que, a partir desse pensamento, estruturam-se mecanismos que naturalizam a exploração e anestesiam qualquer forma de luta da classe desfavorecida, disseminando um efeito paralisante e, ao mesmo tempo, contagiante. Paralisante, no que tange ao aspecto epistemológico e formativo contagiante, quando sustenta a concepção natural da organização posta e, consequentemente, da formação humana. O indivíduo é induzido a acreditar em sua incapacidade perante os demais semelhantes.

Para fazer frente ao quadro posto, recorremos à Teoria ou Psicologia Histórico-Cultural, fundamentada no materialismo histórico e dialético como filosofia, teoria e método, por meio da qual autores clássicos como Lev Semionovich Vigotski, Alexis N. Leontiev e Alexander Romanovich Luria desenvolveram estudos e experimentos na Rússia a partir dos anos de 1920. Fundamentados nos estudos de Karl Marx (1818-18830) e Friederich Engels (1820-1895), sustentaram que o desenvolvimento do homem é de ordem sócio-histórica e de base biológica, na qual a atividade criativa tem papel central. Para apresentarmos a concepção do ato criativo do ser humano, enquanto atividade relevante no desenvolvimento humano, apoiamo-nos no legado teórico de Vigotski, principal mentor das bases que erigiram a Teoria Histórico-Cultural. Para uma melhor apreensão do referencial teórico construído por L. S. Vigotski e seus colaboradores, faz-se necessário iniciar o estudo a partir do complexo contexto histórico que fomentou a elaboração da sua concepção teórica na qual a arte teve papel desencadeador.

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2 O PESQUISADOR LEV SEMIONOVICH VYGOTSKI

Qualquer inventor, mesmo um gênio, é sempre um fruto de seu tempo e de seu meio. Sua criação surge de necessidades que foram criadas antes dele e, igualmente, apoia-se em possibilidades que existem além dele. Eis por que percebemos uma coerência rigorosa no desenvolvimento histórico da técnica e da ciência. Nenhuma invenção ou descoberta científica pode emergir antes que aconteçam as condições materiais e psicológicas necessárias para seu surgimento. A criação é um processo de herança histórica em que cada forma que se sucede é determinada pelas anteriores. (VIGOTSKI, 2009, p. 129).

As palavras de Vigotski, expostas na citação acima, evidenciam sua tese de que o homem é fruto do seu tempo, do desenvolvimento socioeconômico e da apropriação consciente desse, desse modo, a vida e a obra desse autor são produtos do seu tempo e da sua rica formação. Na literatura, é recorrente a alusão à formação multidisciplinar3 de Vigotski. Consideramos que sua rica formação foi um fator preponderante, pois permitiu-lhe a leitura da realidade em sua essência, ao mesmo tempo em que instrumentalizou sua reflexão e ação frente às demandas e propostas emergentes do contexto pós-revolucionário. Enquanto atuava nas instituições de ensino e pesquisa, dedicava-se à leitura, à escrita, aos debates e às conferências. A mensuração de sua produção, considerando o breve período de existência, demonstra o imenso esforço teórico e prático desprendido por esse psicólogo frente aos problemas do seu tempo.

Tuleski (2002), pesquisadora vigotskiana, pontua que a vasta produção teórica de Vigotski é produto das lutas que ocorreram na União Soviética no período da Revolução Russa em 1917 à década de 1930. Embora não possamos dimensionar com exatidão o contexto soviético, no período em questão, por não termos vivenciado experiência semelhante, podemos imaginá-lo com base nos registros históricos que descrevem o contexto em questão.

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Vigotski cresceu em um ambiente de grande estimulação intelectual, a família propiciou-lhe uma rica formação, cresceu em um ambiente intelectualizado. Vigotski, desde cedo, interessou-se pelo estudo e pela reflexão sobre várias áreas do conhecimento. Organizava grupos de estudos. Aprendeu diversas línguas. Gostava muito ler obras de literatura, poesia e teatro. A maior parte de sua educação formal foi realizada com tutores particulares. Ingressou num colégio aos quinze anos, onde cursou os dois últimos anos do curso secundário. Ingressou, então, na Universidade de Moscou no cursou Direito, formando-se em 1917. Ao mesmo tempo, frequentou curso de História, Filosofia na Universidade Popular de Shanyvskii, quando aprofundou seus estudos em Psicologia, Filosofia e Literatura. Anos mais tarde, devido ao seu interesse em trabalhar com problemas neurológicos como forma de compreender o funcionamento psicológico do homem, estudou também medicina. (OLIVEIRA, M. K. Vigotsky: aprendizado e desenvolvimento um processo sócio-histórico. São Paulo: Scipione, 1997, p. 18-19).

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3 O CONTEXTO DA PRODUÇÃO VIGOTSKIANA

Em linhas gerais, a Rússia anterior à Revolução encontrava-se em processo de transição do feudalismo para o capitalismo. Apresentava um cenário complexo de forças contraditórias: o proletariado visando à socialização dos meios de produção e da propriedade privada, enquanto o campesinato, liberto dos laços servis, expropriado de forma violenta pelos latifundiários, visava à apropriação da terra. Essa combinação de interesses contraditórios seguiu a ordem da Internacional Comunista, conduziu a Rússia à Revolução, sob a liderança do proletariado, enquanto classe, politicamente organizado. De acordo com Tuleski (2002), o complexo contexto exigia reflexões teóricas e práticas.

Movido pelas demandas e propostas da Revolução Russa, Vigotski construiu as bases da nova psicologia, opondo-se à visão predominante na época, de cunho naturalista, mecanicista e idealista incapaz de eliminar a cisão entre corpo e mente e explicar os problemas da consciência humana. Vigotski concebeu o homem como um ser ativo, criativo, social e histórico, ressaltando o potencial gerador e transformador da atividade criadora, que permite ao homem planejar, projetar e construir a partir de suas reais condições de existência.

Em suas pesquisas, Vigotski (2009) preocupou-se em demonstrar como ocorre o processo criador na infância. Para tanto, ele parte do princípio de que a imaginação que fomenta o processo criador ampara-se em experiências vividas pela criança ou na imitação de experiências alheias. Com essa tese Vigotski opôs-se à origem elementar, natural, do processo criador, mostrou que esse se desenvolve sobre a base biológica, porém, sob influências históricas e sociais, sendo todos aptos desde que asseguradas as condições exigidas à atividade criativa.Antes de descrever a atividade criativa em si, é indispensável compreender sua origem, ou seja, as condições necessárias à criação.

Para tanto, iniciaremos nossa investigação a partir do desenvolvimento filogênico (espécie) e ontogênico (individual), visto que estão interligados tendo como atividade desencadeadora o trabalho do homem.

4 O TRABALHO E A FORMAÇÃO HUMANA

O conceito de atividade tomado por Vigotski para explicar o processo criativo tem suas raízes nos estudos de Marx (1818-1830) e Engels (1820-1895) e está relacionado com as bases materiais da existência humana. Leontiev, um dos principais colaboradores de Vigotski, mostra a importância do trabalho no desenvolvimento humano quando analisa o processo que resultou

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na hominização. Baseado em Engels, sustentou a ideia de que o homem tem uma origem animal, mas:

[...] ao mesmo tempo (...) é profundamente distinto dos seus antepassados animais e (...) a hominização resultou da passagem à vida numa sociedade organizada na base do trabalho; que esta passagem modificou a sua natureza e marcou o início de um desenvolvimento que, diferentemente do desenvolvimento dos animais, estava e está submetido não às leis biológicas, mas as leis sócio-históricas. (LEONTIEV, 2004, p. 280, grifos do autor).

Conforme verificamos, o trabalho e a vida em sociedade são duas características da vida humana que permitiram um salto qualitativo ao desenvolvimento humano, o que significa que a partir desse estágio evolutivo, o homem passou a possuir todas as propriedades biológicas necessárias ao seu desenvolvimento sócio-histórico ilimitado, “[...] quando reunidas às condições requeridas, a realização deste processo desconhecido dos animais” (LEONTIEV, 2004, p. 285).

De acordo com esta teoria, o homem não nasce homem, “[...] cada indivíduo aprende a ser um homem” (LEONTIEV, 2004, p. 285). Isso é, nasce com aptidões para se tornar homem, com potencialidade para se humanizar, mas estas não lhe são dadas a priori, é “[...] preciso adquirir o que foi alcançado no decurso do desenvolvimento histórico da sociedade humana” (LEONTIEV, 2004, p. 285), de modo que as condições de ordem social éque vão assegurar que essa possibilidade venha a se concretizar. O indivíduo, quando nasce, é:

[...] colocado diante de uma imensidade de riquezas acumuladas ao longo dos séculos por inumeráveis gerações de homens, os únicos seres, no nosso planeta, que são

criadores. As gerações humanas morrem e sucedem-se, mas aquilo que criaram passa

às gerações seguintes que multiplicam e aperfeiçoam pelo trabalho e pela luta as riquezas que lhes foram transmitidas e “passam o testemunho” do desenvolvimento da humanidade. (LEONTIEV, 2004, p. 285; grifo do texto).

A passagem acima deixa claro que, ao nascer, cada indivíduo precisa se apropriar das objetivações materiais e não materiais, historicamente produzidas pelo gênero humano. Vigotski (1999, p. 315), explica a dependência desta condição: “a peculiaridade essencialíssima do homem, diferente do animal, consiste em que ele introduz e separa do seu corpo tanto o dispositivo da técnica quanto o dispositivo do conhecimento científico, que se tornam instrumentos da sociedade.”.

Para Vigotski, a peculiaridade humana está caracterizada pelo conjunto das funções psicológicas humanas em duas categorias: elementares de ordem natural e as funções psicológicas superiores que se formam sobre as funções elementares. A criança, ao nascer, apresenta as funções elementares. No entanto, para desenvolver as funções psicológicas

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superiores, que a humaniza, precisa se apropriar dos elementos da cultura precedente, síntese das múltiplas objetivações do gênero humano. Essa relação é sempre mediada pelos instrumentos: materiais e não materiais (objetos e signos culturais) produzidos pela geração precedente.

Este processo, a apropriação, não ocorre naturalmente por influência dos objetos e fenômenos, requer outra condição, a comunicação entre os indivíduos: por meio da comunicação se transmite o conteúdo cristalizado (significado e sentido histórico dos instrumentos) à nova geração. Por sua especificidade, Leontiev (2004, p. 290) defende que “[...] este processo é, portanto, um processo de educação”. Assim, por meio da apropriação da cultura, que requer reprodução da aptidão cristalizada no instrumento, o social se torna individual sem deixar de ser social. De modo que a relevância da reprodução consiste em:

[...] criar no homem aptidões novas, funções psíquicas novas. É nisto que se diferencia do processo de aprendizagem dos animais. (...) a assimilação no homem é um processo de reprodução, nas propriedades do indivíduo, das propriedades e aptidões historicamente formadas da espécie humana. (LEONTIEV, 2004, p. 288, grifo do autor).

Não há dúvida de que o homem se apropria dos conhecimentos desenvolvidos pela geração que o antecedeu, mas o homem não se restringe a reproduzir os conhecimentos apreendidos, isso é, caso isso acontecesse, o desenvolvimento da humanidade estaria estagnado, não haveria evolução em nenhuma área do conhecimento humano. A continuidade do desenvolvimento humano só é possível por meio da “criação”, o que explica a centralidade que o processo criativo ocupa na Teoria Histórico-Cultural. Ela impulsiona e enriquece o legado do gênero humano, ocupando espaço relevante na formação da criança.

Para maiores explicações a respeito da criação humana, procuraremos defini-la, a seguir.

5 IMAGINAÇÃO E CRIAÇÃO NA INFÂNCIA

Vigotski (2009, p. 11) chamou de atividade criadora [...] “aquela que cria algo novo”. A criação não se restringe ao visível, pode ter dimensão concreta, um objeto qualquer, ou ser uma criação mental ou sentimental, conhecida apenas pelo criador, isso é, a criação pode ser material ou não material. Vigotski identificou dois tipos principais de atividade humana: a atividade reconstituidora ou reprodutiva e a atividade combinatória ou criadora.

O primeiro gênero de atividade humana, “reconstituidor ou reprodutivo”, não cria nada de novo, está ligado à memória, “[...] sua essência consiste em reproduzir ou repetir meios de conduta anteriormente criados e elaborados ou ressuscitar marcas de impressões precedentes”

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(VIGOTSKI, 2009, p. 11). A realização desse tipo de atividade não cria nada de novo, visto que se limita a reproduzir o que já existia antes. Contudo, conforme já pontuamos com base nos pressupostos da Psicologia Histórico-Cultural, essa categoria de atividade humana é fundamental ao desenvolvimento humano, visto que a apropriação das produções historicamente produzidas se efetiva por meio da reprodução das mesmas; em outras palavras, o indivíduo precisa repetir ou reproduzir o conteúdo social para que esse se torne individual. “Para se apropriar dos objetos ou dos fenômenos que são o produto do desenvolvimento histórico, é necessário desenvolver em relação a eles uma atividade que reproduza, pela sua forma, os traços essenciais da atividade encarnada, acumulada no objeto.” (LEONTIEV, 2004, p. 286).

É essa atividade, reconstituidora ou reprodutiva, que assegura o desenvolvimento das funções psicológica superiores. Vigotski (2006), no texto Aprendizagem e desenvolvimento na

idade escolar, apresenta a especificidade da lei do desenvolvimento das funções psicológicas

superiores. Essa compreende duas condições: a primeira de ordem interpsíquica e a que sucede de ordem intrapsíquica.

[...] o desenvolvimento das funções psicointelectuais superiores na criança, dessas funções especificamente humanas, formada no decurso da história do gênero humano é um processo absolutamente único. (...) Todas as funções psicointelectuais superiores aparecem duas vezes no decurso do desenvolvimento da criança: a primeira vez, nas atividades coletivas, nas atividades sociais, ou seja, como funções interpsíquicas: a segunda, nas atividades individuais, como propriedades internas do pensamento da criança, ou seja, como funções intrapsíquicas. (VIGOTSKI, 2006, p. 114).

Vigotski defendeu que esse processo é possível graças ao cérebro humano que, diferente dos outros órgãos funcionais humanos, possui uma enorme plasticidade. Modifica-se sua estrutura com facilidade conservando as marcas das nossas experiências anteriores, o que facilita a reprodução das mesmas. Leontiev (2004, p. 289) explica que o cérebro humano é o “[...] substrato material das aptidões e funções específicas que se formam no decurso da apropriação pelo homem do mundo dos objetos e fenômenos criados pela humanidade, isto é, da cultura”.

Vigotski evidencia, na citação a seguir, a contribuição da base biológica do ser humano que permite a elaboração da criação, ao mesmo tempo em que enfatiza as condições que permitem que as marcas externas se internalizem, isso é, assegurem o desenvolvimento formação das funções psicológicas.

[...] nosso cérebro e nossos nervos, que possuem uma enorme plasticidade, modificam com facilidade sua estrutura mais tênue sob diferentes influências e, se os estímulos

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são suficientemente fortes e repetidos com frequência, conservam as marcas destas modificações. (VIGOTSKI, 2009, p. 12).

Conforme verificamos em Vigotski, nosso cérebro é formado por uma estrutura que conserva nossa experiência anterior, para tanto as vivências precisam ser significativas e repetidas. As marcas dessas experiências no cérebro humano, que em nossa perspectiva são a internalização das experiências culturais, permitem a reprodução das experiências em situações diversas. Essas marcas não permanecem estagnadas, são reformuladas e ampliadas por intermédio do outro tipo de atividade humana, que veremos a seguir, isso é, a atividade criativa. Conforme já pontuamos, a atividade humana não se limita à reprodução, se assim fosse, a produção humana estaria estagnada.

Ou seja, conforme afirma Vigotski (2009, p. 14), “[...] Se atividade do homem se restringe à reprodução do velho, ele seria um ser voltado somente para o passado, adaptando-se ao futuro apenas na medida em que este reproduzisse aquele”.

Vigotski apresenta o outro gênero de atividade, a “combinatória” ou “criadora”.

[...] É exatamente a atividade criadora que faz do homem um ser que se volta para o futuro, erigindo-o e modificando o seu presente. A psicologia denomina de

imaginação ou fantasia essa atividade criadora baseada na capacidade de combinação

do nosso cérebro. (VIGOTSKI, 2009, p. 14, grifos nossos).

Com essa teoria, Vigotski atribui à “imaginação ou fantasia” um conceito bem distinto do conceito comumente designado à imaginação e à fantasia, como algo relacionado ao irreal, atribuindo à imaginação um papel central como atividade criadora “[...] a imaginação, base de toda atividade criadora, manifesta-se, sem dúvida, em todos os campos da vida cultural, tornando-se também possível a criação artística, científica e a técnica” (VIGOTSKI, 2009, p. 14). Assim, Vigotski mostra que a imaginação é fundamental no processo da criação.

As pesquisas vigotskianas demonstram que a criação só ocorre quando recorremos às vivências anteriores e elencamos dessas vivências elementos significativos. É por meio do processo imaginário que elaboramos conexões que culminam na criação de algo novo, isso é, o processo imaginário reelabora experiências anteriores e acrescenta algo novo, a criação.

Em defesa dessa teoria, Vigotski (2009, p. 14) conclui que “necessariamente tudo que nos cerca foi feito pela mão do homem”, isso é, todo o mundo da cultura é “produto da imaginação e da criação humana que nela se baseia”. Vigotski,com base nos estudos de Ribot4, conclui quequalquer invenção independentemente do tamanho antes de se realizar de fato, de

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se cristalizar, mantém-se íntegra como uma construção mental, ou seja, de forma geral a criação ocorre primeiramente no campo imaginário para posteriormente se cristalizar.

E mais, Vigotski (2009, p. 15) ressalta que, ao contrário do que comumente se pensa, a criação ocorre “[...] por toda parte em que o homem imagina, combina, modifica e cria algo novo, mesmo que este novo se pareça a um grãozinho, [...]”. O que significa que a:

[...] ideia cotidiana de criação não corresponde plenamente à compreensão científica dessa palavra. No entendimento comum, a criação é o destino de alguns eleitos, gênios, talentos que criam grandes obras artísticas, fizeram grandes descobertas científicas ou inventaram alguns aperfeiçoamentos na área técnica. [...] esse ponto de vista é incorreto. (VIGOTSKI, 2009, p. 15).

Considerando que, conforme já pontuamos, a criação ocorre a partir da imaginação, a imaginação se fundamenta nas vivências sociais, ou seja, são combinações do velho com o novo. Consequentemente, a criação individual é mínima; grande parte de tudo que foi criado pela humanidade pertence ao trabalho criador anônimo e coletivo de inventores desconhecidos. O que vem ao encontro dos fundamentos da ciência da história, os méritos destas, pertence ao legado do gênero humano, ou seja, da humanidade, isso é, não é exclusividade de um indivíduo, mas do conjunto dos homens.

Vigotski (2009, p. 16) conclui que, “[...] O entendimento científico desta questão obriga-nos, dessa forma, a olhar para a criação mais como regra do que como exceção”. Esse pressuposto vem ao encontro da defesa que sustentamos neste trabalho, qual seja, apoiando-se nos clássicos, todos estão aptos à criação, desde que asseguradas às condições da apropriação da cultura que requer a transmissão e a reprodução pela geração descendente. É a apropriação do legado cultural que oferta os elementos que permitem, a partir destes, a reelaboração e consequentemente a criação. O autor destaca ainda que “[...] a criação é condição necessária da existência”, neste sentido, tudo que ultrapassa os limites da reprodução, mesmo que contenha uma proporção irrisória de novo, “[...] deve sua origem ao processo de criação do homem” (VIGOTSKI, 2009, p. 17).

Verificamos em Vigotski que a criação é uma atividade vital para a existência humana e que a mesma não ocorre naturalmente. Diante dessa premissa teórica, se faz necessário conhecer a peculiaridade da criação infantil a fim de contribuir para que essa venha ocorrer em plenitude.

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5.1 A Criação Infantil

Vigotski dedicou especial atenção ao processo de criação da criança, por reconhecer a importância fundamental da criação no seu desenvolvimento e amadurecimento. “[...] Uma das questões mais importantes da psicologia e da pedagogia infantil é a da criação na infância, do desenvolvimento e do significado do trabalho de criação para o desenvolvimento geral e o amadurecimento da criança.” (VIGOTSKI, 2009, p. 16).

Vigotski identificou que “os processos de criação manifestam-se com toda força já na mais tenra infância”. E que “seus processos de criação se expressam melhor em suas brincadeiras” (VIGOTSKI, 2009, p. 16). “A criança que monta num cabo de vassoura e imagina-se cavalgando um cavalo; a menina que brinca de boneca e imagina-se mãe; [...] essas crianças brincantes representam exemplos da mais autêntica e verdadeira criação.” (VIGOTSKI, 2009, p. 17).

É fácil observar que muitas das representações infantis, durante a brincadeira, estão relacionadas às vivências das crianças. A brincadeira de faz de conta representa o apontamento aqui exposto. Contudo, Vigotski sustenta que, na brincadeira, essas representações não são exatamente como ocorreram na realidade, ou seja, não é uma simples recordação do que viveu,

[...] mas uma reelaboção criativa de impressões vivenciadas. É uma combinação dessas impressões e baseada nelas, a construção de uma realidade nova que responde às aspirações e aos anseios da criança. Assim como na brincadeira, o ímpeto da criança para criar é a imaginação em atividade. (VIGOTSKI, 2009, p. 17).

Portanto, todos os elementos que se apresentam numa situação criada pela criança são conhecidos por ela de sua experiência anterior; por mais fantasiosa que seja, tem sua origem na realidade, pois, do contrário, ela não poderia criar. No entanto, a combinação desses elementos já representa algo novo, criado, próprio da criança em resposta às suas vontades. “É essa capacidade de fazer uma construção de elementos de combinar o velho de novas maneiras, que constitui a base da criação.” (VIGOTSKI, 2009, p. 17). Essa é a peculiaridade da criação infantil. Nessa perspectiva, a brincadeira infantil é momento por excelência de incorporações das práticas e exercício de papeis e posições sociais.

Verificamos que a potencialidade da criação humana se encontra na dependência das vivências significativas. A peculiaridade da criação infantil é que ela ocorra em amplitude nas atividades lúdicas, indicando que jogos e brincadeiras são momentos preciosos para a transmissão dos elementos da cultura científica, artística e técnica, constituindo o único meio de assegurar o desenvolvimento geral da criança. Esse esclarecimento teórico é de extrema

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relevância para o trabalho pedagógico à medida que nos instrumentaliza frente aos limites postos pelo próprio ato de ensinar.

6 PROCESSO CRIATIVO: LIMITES E POSSIBILIDADES EDUCACIONAIS

Os limites decorrem da organização posta e implantada pelos ditames econômicos, políticos, ideológicos e teóricos. Na atualidade, o discurso hegemônico traz um forte apelo à preparação do trabalhador que deve estar sustentado no modelo da flexibilidade e criatividade e que atenda às demandas exigidas pela reestruturação produtiva pautada no toyotismo5. A educação sofre as influências materiais e ideológicas desse momento e é invadida por propostas pedagógicas que defendem o lema “aprender a aprender”.

Duarte (2006) mostra o aspecto valorativo que permeia esse lema sintetizando-o em algumas concepções básicas: o mais importante passa a ser “como” o aluno aprende, e não “o que” ele aprende; é mais proveitoso adquirir conhecimento por si próprio do que por outros; o método de construção do conhecimento é mais importante que o próprio conhecimento; as atividades educativas devem partir de necessidades espontâneas dos alunos.

Em correspondência ao que pontuamos anteriormente, habitualmente nos deparamos com práticas pedagógicas que reproduzem as orientações do ideário pedagógico oficial. Professores, desprovidos de uma formação que lhe permita fazer frente, esforçam-se e acreditam estar fazendo o melhor quando seguem as diretrizes curriculares nacionais que, em detrimento do conhecimento científico, tentam assegurar a formação básica para a inserção no mercado de trabalho e para a cidadania. Nessa perspectiva, o conceito de “respeito às diferenças” é utilizado para justificar as políticas e práticas pedagógicas limitadas, visto que predomina o entendimento que uns são aptos e outros não à apropriação dos conhecimentos científicos mais elaborados.

5Toyotismo, nova forma de organização da produção capitalista (métodos flexíveis, Just-in-time, método kanban

ou toyotismo), originária do Japão. É um sistema de organização da produção baseado em uma resposta imediata às variações da demanda e que exige, portanto, uma organização flexível do trabalho (inclusive dos trabalhadores) e integrada. Frequentemente, o toyotismo é caracterizado pelos cincos zeros: Zero atraso; Zero estoque; Zero defeitos; Zero panes e Zero papeis. Com esta a intensificação do trabalho atinge o auge. O trabalhador é gerenciado pelo sistema by stress (por tensão), o número de trabalhador é reduzido, este precisa ser polivalente, saber operar várias máquinas diferentes e ainda ajudar o colega quando preciso. É implantada a filosofia do pertencimento, o trabalhador passa a ser denominado de “colaborador”. Com a flexibilidade da organização do trabalho o operário perde a estabilidade do emprego. In: GOUNET, Thomas. Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel. São Paulo: Boitempo, 1992, p. 18-35.

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Interessantemente, a atividade criativa não deixa de ser requisitada pelo contexto socioeconômico, porém no sentido negativo, o que fragiliza a formação humana. Propõe-se uma formação criativa como via para se resolver os problemas emergentes da sociedade capitalista. A esse respeito, Duarte (2006, p. 42) faz um alerta:

Quando educadores e psicólogos apresentam o “aprender a aprender” como síntese de uma educação destinada a formar indivíduos criativos, é importante atentar para um detalhe fundamental: essa criatividade não deve ser confundida com busca de transformações radicais na realidade social, busca de superação radical da sociedade capitalista, mas sim criatividade em termos de capacidade de encontrar novas formas de ação que permitam melhor adaptação aos ditames do processo de produção e reprodução do capital.

Assim, a política educacional cumpre a função que lhe é atribuída, perpetua a condição de inaptidão entre os indivíduos, desde a mais tenra idade, no entanto, em contrapartida, assegura as condições de manutenção do sistema produtivo. O discurso político-ideológico propaga que as condições são asseguradas, o indivíduo é que não apresenta aptidões para o desenvolvimento e a apropriação dos conteúdos mais elaborados. Em decorrência do ensino dosado pela classe dominante, a maior parcela da humanidade, a classe dominada, não desenvolve toda sua potencialidade; consequentemente, não se vê enquanto sujeito histórico, capaz de interferir no rumo da sua história.

Os reflexos são percebidos no âmbito da educação infantil, tanto no que tange à formação dos profissionais que atuam neste contexto, quanto ao conteúdo e à forma trabalhada. É inegável que a preocupação com a educação infantil está respaldada nos documentos oficiais que visam a atender à formação da criança pequena. Contudo, observamos que esses não fogem à lógica, pois o que prevalece é o aspecto quantitativo, ou seja, assegurar o acesso da criança à instituição escolar com fins adaptativos.

A forma e os conteúdos que permeiam o espaço educativo das crianças pequenas se prestam a assegurar, desde a mais tenra idade, a formação superficial, de modo que observamos práticas superficiais, descontextualizadas e limitadas.

O ato criativo, que engendra o desenvolvimento humano, na perspectiva da ciência da história, é tomado como um dom restrito a poucos. No processo criativo da criança, o limite amplia-se, tanto no que se refere ao conteúdo quanto na forma trabalhada. Evidenciamos, nesse aspecto, a fragilidade da formação dos profissionais,a qual requer um estudo mais pontual, o que pretendemos desenvolver posteriormente.

Por hora, vale ressaltar que a ação pedagógica corresponde à formação do professor. O trabalho, no que corresponde à apropriação e à criação é escasso, segue a lógica dos

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pressupostos do pós-modernismo, relativismo e subjetivismo. O predomínio das práticas desenvolvidas baseia-se na livre expressão. O professor acredita que não deva interferir no processo, prevalecendo o respeito em detrimento da mediação sistematizada. Predominam as produções espontâneas da criança, mediadas por suas próprias vivências, de ordem cotidiana, tendo como produto principal a pseudoarte, que devido a sua essência fragiliza a formação, inculta os ditames do mercado e assegura a manutenção da alienação. Pensar numa prática educativa transformadora, no que se refere à apropriação, à reprodução e à criação (artística ou científica), requer que busquemos, nos estudos dos clássicos, elementos que nos subsidiem fazer frente a essa concepção limitadora e naturalizante do desenvolvimento criativo do homem.

7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O estudo desenvolvido nos apresenta, de um lado, os limites que cerceiam o campo pedagógico em decorrência da estrutura social posta. Em contrapartida, traz os conceitos científicos que explicam a origem, a definição e a importância do ato criador na formação humana. Nessa perspectiva, o trabalho pedagógico tem papel relevante, desde que prime em garantir a especificidade do trabalho educativo, pois, conforme verificamos, a formação criativa requer uma mediação sistematizada, que oferte vivências e deixe marcas significativas.

Essa é a condição que assegura o desenvolvimento humano e, consequentemente, fomenta o processo criativo do homem desde a mais tenra idade. Não temos aqui um entendimento ingênuo de acreditar que a tarefa é fácil; exige estudo, comprometimento e práticas coerentes com propostas educativas humanizadoras.

Nesse sentido, os pressupostos da Teoria Histórico-Cultural nos são de grande valia, pois evidenciam que a atividade criativa tem origem sócio-histórica e se constitui sobre uma base material - o cérebro humano - o que indica que é um processo mediado, que precisa de intervenção para se desenvolver em plenitude, de maneira que, segundo os pressupostos teóricos, a qualidade e a continuidade da formação humana dependem da apropriação da cultura precedente mais elaborada.

REFERÊNCIAS

DUARTE, Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: críticas às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 4. ed. Campinas, SP: Autores Associados, 2006.

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TULESKI, Silvana Calvo. Vigotski: a construção de uma psicologia Marxista. Maringá: Eduem, 2002.

VIGOTSKY, Lev Semenovitch. Psicologia da arte. Tradução Paulo Bezerra. São Paulo: Martins Fontes, 1999.

______. Imaginação e criação na infância: ensaio psicológico: livro para professores. Tradução Zoia Prestes. São Paulo: Ática, 2009.

______. Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. In: VIGOTSKII L. S.; LURIA, A.R; LEONTIEV, A.N. Linguagem, desenvolvimento e aprendizagem. 10. ed. São Paulo: Ícone, 2006, p. 103-117.

Referências

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