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Alunos como coautores: uma proposta de leitura crítica e participativa para a sala de aula

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Academic year: 2021

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Alunos como coautores: uma proposta de leitura crítica e participativa para a sala de aula

Introdução

O presente relato compreende as atividades desenvolvidas na disciplina de Estágio de Docência em Português I, de caráter obrigatório para licenciandos em Letras (Português) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. A disciplina é dividida nas seguintes etapas: discussões iniciais acerca de tópicos relevantes para a prática docente, período de observação de aulas na turma de Ensino Fundamental na qual o estágio será realizado, desenvolvimento do projeto que será aplicado e planejamento das aulas e da prática docente.

O relato, organizado em seções, tem como objetivo explicitar os pontos mais relevantes da prática docente desenvolvida através de reflexão crítica sobre o processo de ensino e aprendizagem ocorrido nesse período. O estágio foi realizado em dupla pelas autoras do presente relato no segundo semestre do ano de 2016.

A escola e o grupo

O estágio foi realizado na Escola Luciana de Abreu, que fica localizada no bairro Santana em Porto Alegre. A escola possui boa estrutura física, oferece boas condições de aprendizagem e suporte pedagógico para os alunos e para os estagiários.

O estágio foi realizado com a turma T5 de EJA – referente ao oitavo ano do Ensino Fundamental. A turma era composta por 12 alunos oficialmente matriculados, porém menos da metade freqüentava as aulas regularmente. Os alunos têm entre 15 e 22 anos de idade e são oriundos de diferentes pontos da cidade de Porto Alegre. A turma era bastante participativa: os alunos se empenhavam na realização das atividades de maneira criativa e participavam ativamente das discussões feitas em aula.

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86 A partir da observação das condições da escola e das características e

especificidades da turma, desenvolveu-se o projeto. A construção, planejamento e execução do projeto serão explicados nas seções seguintes.

O projeto

As aulas foram planejadas tendo como base a pedagogia de projetos, estudada em disciplinas preparatórias e que antecedem o estágio na UFRGS. O projeto desenvolvido para a turma tem como base os Referenciais Curriculares do Rio Grande do Sul (2009) que, baseado na pedagogia de projetos, apresenta unidades didáticas centradas em temáticas relevantes para os sujeitos da aprendizagem. Tendo em vista que a temática que guia o projeto deve ser relevante para os estudantes e deve partir da realidade do grupo, o tema foi escolhido a partir das observações de aulas realizadas com a turma, para que se tornasse possível, a partir desse mapeamento, “respeitar os níveis de compreensão que os educandos - não importa quem sejam - estão tendo de sua própria realidade.” (FREIRE, 1989, p.17).

A elaboração do projeto parte do pressuposto de que o objetivo principal da escola é a formação do sujeito-cidadão e que, em relação à linguagem, de acordo com os PCN (BRASIL, 1998, p. 59), a escola deve oferecer condições para que o aluno desenvolva seus conhecimentos, sabendo ler e escrever conforme seus propósitos e demandas sociais; expressar-se adequadamente em situações de interação oral diferentes daquelas próprias de seu universo imediato; e refletir sobre fenômenos da linguagem.

Nas observações realizadas na turma, notou-se que a maioria dos integrantes do grupo pertencia a regiões periféricas de Porto Alegre, tendo que fazer um longo percurso até chegar à escola. Percebeu-se também um desconhecimento geográfico da cidade, pois muitos não sabiam, por exemplo, da existência do parque Farroupilha – localizado aproximadamente a três quadras da escola. As estagiárias optaram, após a sondagem feita, por trabalhar com a temática da marginalização; um dos motivos que

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87 impulsionou a escolha foi o fato de que a turma apresentava um desconhecimento dos

espaços sociais da própria cidade.

Desenvolvimento do projeto

O projeto desenvolveu-se com duas unidades didáticas (doravante UDs) e uma produção final. A primeira UD girou em torno da crônica Debaixo da Ponte, de Carlos Drummond de Andrade. Essa crônica tem, como plano central, personagens marginalizados que vivem embaixo de uma ponte. A segunda UD trabalhou com a canção “Passe Livre”, do grupo Da Guedes. A canção descreve um dia de passe livre em Porto Alegre. A produção final, que partiu dos estudos realizados com a turma nas duas unidades didáticas, foi a criação de personagens marginalizados.

Para introduzir a primeira UD, o autor da crônica foi apresentado a partir de um excerto de um dos seus poemas (“No meio do caminho tinha uma pedra...”) e o grupo demonstrou desconhecer tanto o excerto quanto o autor. As estagiárias se propuseram a explicar mais sobre o autor e os alunos demonstraram interesse. Por isso, na aula seguinte, foi feita uma apresentação com algumas informações; imagens e curiosidades a respeito de Drummond. Com essa breve introdução, iniciou-se o trabalho com a crônica a partir de questões mais gerais sobre o gênero e temática.

Para sua leitura, fragmentou-se a crônica em partes: iniciou-se com a entrega do texto até o quinto parágrafo e, após a leitura, foram propostas as primeiras atividades de compreensão e reconhecimento de personagens. Seguiu-se com esse método de fragmentação até a metade do último parágrafo. O final do texto foi suprimido para que os alunos criassem seus próprios finais para a crônica.

Acredita-se que essa fragmentação contribui para que o aluno se coloque como coautor do texto e, ao mesmo tempo, interaja ao longo da leitura. Tavares (2011), ao propor que as fichas de leituras sejam deixadas de lado em sala de aula, defende que se criem atividades nas quais o aluno possa participar ativa e paulatinamente do texto, aportando seus conhecimentos ao longo da leitura.

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88 Notou-se que essa primeira UD foi significativa para o letramento do grupo e

para que as estagiárias se familiarizassem com a forma como o grupo trabalhava. Foi possível perceber que, possivelmente por falta de prática, os alunos demonstraram certa dificuldade no momento da escrita dos finais da crônica, assim como uma inibição no momento de compartilhar as produções com todo o grupo.

Na segunda UD, os alunos foram convidados, em um primeiro momento, a falar sobre a prática de andar de ônibus em Porto Alegre, se era comum para eles utilizar esse meio de transporte nos finais de semana e/ou feriados. Além disso, foram questionados sobre os dias de “passe livre” na cidade e sobre seu significado. O foco dessa UD foi refletir sobre os aspectos sociais que estão presentes na canção de “Da Guedes” e, principalmente, em um dia de passe livre.

As atividades seguintes focaram na análise do gênero canção, mais especificamente em alguns elementos constitutivos do rap: instrumentos musicais identificados, ritmo, sensação, escolha do registro mais oralizado, escolha do vocabulário e interpretação de alguns trechos. Percebeu-se que os alunos tinham uma maior familiaridade com o vocabulário da canção do que com o vocabulário da crônica e, consequentemente, apresentaram uma participação mais ativa e espontânea.

De maneira semelhante às atividades desenvolvidas na primeira UD, se mostrou necessário trabalhar com a interpretação textual de vários trechos. Focou-se muito no entendimento das entrelinhas do texto (SANTOS, 2011, p. 74); suas várias possibilidades de interpretação, o lugar de onde se fala (interlocução); - diferente da crônica -, e discussões a respeito da maneira como são descritas, na canção, as pessoas que utilizam o transporte público em um dia de passe livre.

Terminadas as duas Unidades Didáticas do projeto, iniciou-se o trabalho com a produção final. Foi feita uma aula para retomarmos possíveis tipos de marginalização, que foram mencionados ao longo das aulas. Incentivou-se uma discussão para que os alunos pudessem aportar seus conhecimentos e trouxessem relatos de situações de marginalização que pudessem conhecer. Todos contribuíram com seus conhecimentos

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89 e inclusive se emocionaram ao discutirem os diferentes tipos de marginalização

existentes.

Apresentou-se ao grupo a proposta de criação de personagens marginalizados que pudessem transmitir mensagens sociais. Os alunos receberam a seguinte folha com critérios para a criação de personagens:

Neste primeiro momento, os educandos foram incentivados a pensar em todo o contexto social do seu personagem, assim como em suas características físicas e psicológicas. Foi impressionante a maneira como todos se envolveram nas criações de seus personagens. Decidiu-se não estipular um número mínimo ou máximo de linhas para a criação da mensagem que o personagem deveria passar, desde que a mensagem fosse coesa e coerente com todas as características previamente

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90 estipuladas. Novamente as estagiárias surpreenderam-se positivamente com o grupo,

pois os alunos escreveram textos com mais de uma página espontaneamente.

Os textos dos personagens foram recolhidos pelas estagiárias, que os leram e fizeram sugestões de aspectos que poderiam ser melhorados na reescrita. Na aula seguinte, os alunos fizeram suas reescritas, sempre debatendo seus textos com as professoras estagiárias, que explicaram cada sugestão feita nos textos. Alguns alunos, que não haviam estado presentes na primeira aula, criaram neste dia o seu personagem. Tanto os que criaram os textos neste dia quanto os que os reescreveram, pediram mais alguns minutos da aula seguinte para finalizar antes de compartilhar seus trabalhos. Na seguinte e última aula, os alunos tiveram mais alguns momentos para terminar e reler individualmente seus textos antes de começarem os compartilhamentos. As carteira foram distribuídas em círculo e cada um pode contar a história que criou, passando para o grupo a mensagem social do seu personagem. Após cada exposição, todo o grupo discutiu e debateu de maneira muito crítica sobre o tipo de marginalização de cada personagem. Houve discussões sobre violência doméstica, racismo, entre outras. Pôde-se notar, em sala de aula, diversos alunos com opiniões distintas sobre esses temas, mas todos respeitaram as opiniões alheias e construíram-se novas ideias sobre os assuntos.

Após a troca de ideias e discussões, houve um momento de socialização, despedida das professoras estagiárias e sugestões da turma para a prática docente. De acordo com os próprios alunos, houve grande envolvimento com as aulas, com a metodologia, temática e discentes. Os estudantes também afirmaram que gostaram muito das atividades com música e da criação dos personagens. Pode-se dizer que a despedida foi bastante emotiva, pois criou-se um vínculo muito forte com o grupo.

Considerações finais

O resultado alcançado com a prática de estágio foi muito satisfatório, visto que, tanto pelo engajamento demonstrado nas aulas como pela avaliação dos alunos sobre

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91 o projeto, é possível notar que a turma não apenas se interessou e se engajou pelo

projeto desenvolvido, mas aprendeu através das propostas, evoluindo e aprimorando suas produções ao longo das atividades desenvolvidas.

Um dos objetivos do projeto que consideramos ter sido cumprido satisfatoriamente foi ter incentivado e estimulado um posicionamento crítico nos alunos. Além disso, conseguimos auxiliá-los na compreensão de textos e, consequentemente, na leitura do mundo.

Esse exercício de reflexão crítica a partir das leituras promoveu, entre os educandos, uma maior facilidade para que pudessem expressar seus pontos de vista com argumentos válidos e cada vez mais consistentes em suas produções.

Outro fator que se mostrou positivo foi o fato de que os recursos linguísticos foram trabalhados de maneira contextualizada, isto é, a partir das necessidades diagnosticadas nas produções dos alunos, o que parece ser um excelente caminho para um projeto de ensino eficiente.

Referências

FREIRE, Paulo. A importância do ato de ler: em três artigos que se completam. São Paulo: Autores Associados: Cortez, 1989. 23ª Ed.

Parâmetros Curriculares Nacionais. Ensino Fundamental. Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Brasília: Ministério da Educação/Secretaria de Educação Média e tecnológica, 1998.

RIO GRANDE DO SUL. Referências Curriculares do Estado do Rio Grande do Sul: Linguagens, Códigos e suas Tecnologias. Porto Alegre: SE/DP, 2009

TAVARES, Kátia Cristina do Amaral; BECHER-COSTA, Sílvia B. A.; FRANCO, Cláudio de Paiva. “Ensino de leitura na era digital: conexões entre teoria e prática” in Ensino de

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92 leitura: Fundamentos, práticas e reflexões para professores da era digital. /Kátia

Cristina do Amaral Tavares, Sílvia B. A. Becher- Costa, Claudio de Paiva Franco, organizadores. - Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2011. 220p.

SANTOS, Leonor Werneck. “Leitura na escola: como estimular os alunos a ler” in Ensino de leitura: Fundamentos, práticas e reflexões para professores da era digital. /Kátia Cristina do Amaral Tavares, Sílvia B. A. Becher- Costa, Claudio de Paiva Franco, organizadores. - Rio de Janeiro: Faculdade de Letras da UFRJ, 2011. 220p.

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