É
hoje que
vamos
ver
um
buraco
negro
pela
primeira
vez?
Cientistas
podem divulgar hoje
a
primeira
imagem
de
um
buraco
negro,
o
resultado
do
projecto
do Telescópio Event
Horizon.
O
anúncio
da
descoberta
que pôe
à
prova
a
teoria
de Einstein
vai acontecer em
seis
cidades ao
mesmo
tempo
Astrofísica
Andrea
Cunha
Freitas
Ilustração
de um buraco negrosupermaciço
divulgada
pela Agência EspacialO que se espera éuma imagem de uma sombra com odesenho de uma forma circular. Será com uma ima-gem deste género que oteste obser-vacional do projecto do Telescópio Event Horizon (EHT, na sigla em inglês) vai conseguir validar ateoria darelatividade geral de Einstein, de
1915. Osburacos negros sãoainda um
dos maiores enigmas do universo. Se seconfirmar aexpectativa dos espe-cialistas em todo omundo, os cientis-tasvão divulgar hoje aprimeira ima-gem alguma vez obtida de um buraco negro. Um marco histórico da
astro-física que será anunciado em seis
conferências de imprensa
simultâ-neas em várias cidades.
Bruxelas, Washington, Santiago, Xangai, Taipé eTóquio. As seis
cida-des estarão hoje unidas por um
acon-tecimento único, aguardado com enorme expectativa. Parajá, o
anún-cio oficial apenas refere quenas várias
conferências de imprensa que vão decorrer simultaneamente será divul-gado "um resultado inovador do pro-jecto do EHT", uma parceria
interna-cional formada em2012para observar
comvários telescópios oambiente nas
proximidades deum buraco negro. O
que oscientistas esperam éque hoje
sejaapresentada aimagem do "mons-tro celeste" que existe nanossa
galá-xiaeque éconhecido como Sagitário A. Este buraco negro supermaciço que está no coração da Via Láctea encontra-se a26.000anos-luz de
dis-tância, o tempo que a luz emitida pela
estrela na vizinhança doburaco negro demora a chegar até nós. Chamam-lhe monstro por causa da gigantesca quantidade dematéria que possui, mais precisamente, quatro milhões de vezes amassa do Sol. Em2002,
uma equipa decientistas, apresentou provas na revista Nature de que
Sagi-tário A eraoburaco negro
monstruo-sono centro danossa galáxia. Embora oscientistas envolvidos no projecto setenham recusado a divul-gar pormenores sobre a descoberta antes do anúncio formal, oobjectivo deste esforço internacional doEHTé
claro. "Éum projecto visionário para
tiraraprimeira fotografia de um
bura-conegro. Somos uma colaboração de mais de
200
pessoasinternacional-mente", afirmou, em Março, no
Texas, oastrofísico Sheperd Doele-man, director do EHT do Centro de Astrofísica Harvard &Smithsonian, citado pela Reuters.
A imagem, se for divulgada, vai colocar àprova um pilar científico: a
teoria da relatividade geral do físico
Albert Einstein, que tinha como objectivo explicar asleis da gravidade e sua relação com outras forças
natu-rais. Além doSagitário A,oscientistas
também sefocaram num outro bura-co negro supermaciço que está no centro da galáxia MB7na direcção da constelação Virgo, com uma massa que terá entre 3,5e6mil milhões de vezes a do Sol e localizado a 54 milhões de anos-luz da Terra.
Estrelas que colapsam
Os buracos negros são entidades
extraordinariamente densas e geral-mente sãoformados quando as estre-las (maiores do que o nosso Sol)
colapsam no final do seu ciclo de vida. Buracos negros supermaciços são os
maiores que existem, devorando
matéria eradiação eque sepensa que resultam da fusão com outros
bura-cos negros. Oscientistas descrevem um buraco negro como "uma distor-ção extrema no espaço-tempo".
"Os buracos negros são uma das
previsões mais fascinantes dateoria da relatividade geral, corresponden-do aregiões do Universo em que o
espaço e o tempo (na realidade o
"espaço-tempo" dado que espaço e
tempo não são conceitos indepen-dentes segundo estateoria) são detal
forma deformados que nem a luz (que semove àmaior velocidade
per-mitida) consegue escapar destas regiões", explica ao PÚBLICO o físico
João Rosa, investigador da Universi-dade de Aveiro.
Sheperd Doeleman játinha anun-ciado que os investigadores
envolvi-dos no projecto EHT conseguiram os
primeiros dados em Abril de 2017 fornecidos pela rede global de
radio-telescópios. Ostelescópios que desde oinício desta missão recolheram e
registaram estes dados estão localiza-dos no Arizona e Havai, nos EUA, México, Chile, Espanha eAntárctida. Mais tarde, também houve
telescó-pios em França ena Gronelândia que
sejuntaram àrede.
Ofacto deos buracos negros não permitirem que aluzescape faz com
que seja difícil visualizá-los. Oque
vamos ver será uma imagem com
falsas cores para representar os com-primentos de onda de rádio. Na ver-dade, osregistos obtidos no EHT não
formam sequer uma imagem
com-pleta, existindo falhas nos dados conhecidas como "pontos cegos". A
imagem que serádivulgada será uma reconstituição preenchendo os espa-ços em branco. Seriam precisos
milhares de telescópios para
conse-guir uma fotografia sem "pontos
cegos". No fundo, eusando a analo-gia que éproposta pelos cientistas,
écomo se ouvíssemos uma música
a tocar num piano sem algumas
teclas edepois tivéssemos de
recons-tituir
a música, preenchendo os "silêncios". Uma reconstituição queéfeita com um algoritmo.
"Como oburaco negro é extrema-mente compacto em termos astronó-micos (cerca de dez vezes menor do que adistância entre aTerra eoSol)
eestá auma distância da Terra
deze-nas demilhares de milhões de vezes superior aoseu tamanho, é
necessá-ria uma enorme resolução para con-seguir discernir asua'sombra'", con-firma João Rosa,adiantando que seria
necessário recorrer a"um telescópio com otamanho da Terra de modo
aconseguir colectar luz
sufi-ciente para verdetalhes tão pequenos". Assim,
expli-ca, "em alternativa, é pos-sível combinar aluz
colec-tada por vários telescópios ligados em rede edistribuídos por vários pontos da Terra". Eestaé
aideia do EHT.
Oscientistas estarão àprocura de
um anel de radiação ematéria a cir-cular auma grande velocidade na borda do horizonte de eventos
-
ouseja, àvolta de uma região de
escuri-dão que representa o verdadeiro
buraco negro. Este anel captado pelos telescópios éconhecido como a
som-bra ou silhueta do buraco negro. Para que tudo bata certo com ateoria de Einstein ecom asequações apre-sentadas há mais de cem anos, oque devemos veré algo muito preciso em
"A forma da sombra será quase um círculo perfeito na teoria de Einstein", refere o astro-físico da Universidade do Arizona,
Dimitrios Psaltis, cientista do projec-to do EHT. Este éassim oteste obser-vacional da teoria de Einstein.
"A expectativa é grande entre a
comunidade científica, dado que poderá constituir aprimeira observa-ção directa deum buraco negro. Há
três anos foi dado um passo gigante neste sentido com adetecção das ondas gravitacionais emitidas por uma colisão de buracos negros (que
étambém emsi mesma uma forma
de visualizar estes buracos negros), mas aforma da "sombra" doburaco negro supermaçico no centro da
nos-sa galáxia poderá dar-nos
informa-ções inéditas sobre adeformação que
este provoca no espaço circundante,
eque éprevista com elevada precisão
pela teoria da relatividade geral",
refere João Rosa. Assim, constata o
investigador, em conjunto com a
detecção de ondas gravitacionais, "este resultado poderá abrir uma
nova janela para aobservação do
Uni-verso epara anossa compreensão
das leis da Física queoregem".
O físico português lembra ainda que ateoria de Einstein tem passado inúmeros testes, mas ainda não foi testada na vizinhança deum buraco negro, onde osseus efeitos mais
sur-preendentes são mais pronunciados. A deformação do espaço-tempo nas
proximidades doburaco negro deve ter uma forma circular. Eseasombra tiver uma outra forma? "Se a forma da sombra do buraco negro no centro daVia Láctea for diferente do previs-to, poderá significar que ateoria de
Einstein precisa de ser revista, ou pelo menos alargada para explicar
estas observações", responde João Rosa. Dimitrios Psaltis émais radical: "Se virmos uma coisa diferente do que ateoria prevê, então voltamos à
estaca zero."
acfreitas@publico.pt
A
olhar
para
o
vazio
Vítor
Cardoso
Em Maio deste ano celebramos os
100 anos da expedição do famoso astrónomo Arthur Eddington àilha do Príncipe. Na expedição,
Eddington mediu
-
durante umeclipse
-
adeflexão da luz de estrelas distantes quando passavam perto doSol. A trajectória daluz das estrelas curvava ao pé do Sol, aluz era "puxada" para o Sol! Eddington demonstrou que ateoria deNewton da gravitação tinha falhas,
econstatava que adescrição mais completa era dada pela teoria da relatividade geral de Einstein. Foi esta medição que tornou Albert
Einstein famoso àescala
planetária. Ateoria da relatividade geral ("Talvez amaior criação
científica que alguma vezse fez", segundo Paul Dirac, um brilhante
físico inglês) ématematicamente elegante mas muito complexa, e
veio corrigir ateoria de Newton. A título de exemplo, sem ateoria de Einstein, uma tecnologia tão fundamental dos nossos dias como
o GPS não funcionaria deforma
correcta... portanto correcções por
vezes são fundamentais! A teoria da relatividade geral descreve aforma do planeta Terra,
asórbitas dos planetas no sistema solar, mas também prevê
fenómenos novos. Omais incrível resultado dateoria éque asestrelas com muita massa sucumbirão inevitavelmente à sua própria gravidade, estando destinadas a
colapsarem. Este colapso deixa atrás desiuma região onde os
efeitos darelatividade geral são
tremendos. Um dos efeitos em particular, é aformação de uma "membrana" devácuo onde o
espaço-tempo está aprisionado sobre simesmo, ouseja onde o
tempo pára. Esta "membrana" não tem uma existência física, mas nada do acontece noseu interior évisível do exterior. Chamamos aesta membrana ohorizonte de eventos por isso mesmo, eàestrela colapsada dá-se onome de buraco negro. Além deste horizonte de eventos, existe um outro local especial: aesfera de fotões, também chamada de anel de luz. Nesta zona,
aluz consegue orbitar eternamente numa trajectória circular; isto é,um
fotão pode
-
em princípio-
orbitar um buraco negro. Contudo, oanel deluzéafronteira entre asombra e aluz: sepudéssemos iluminar um buraco negro com umcandeeiro, qualquer raio de luz que penetra dentro do anel de luz estácondenado acair no buraco negro. Assim, a"sombra" deumburaco negro éditada pelo anel de luz (e
não pelo horizonte de eventos). A sombra de um buraco negro quando eleéiluminado por um candeeiro realista (um disco de
partículas quentes em volta dele) é
mostrada na figura (do artigo
Gravitational Lensing bySpinning Black Holes inAstrophysks, and in
theMovielnterstellar, na revista Classicaland Quantum Gravity). É
uma sombra estranha: em vez de um disco temos uma forma exótica, porque os raios deluz são puxados
para oburaco negro, que funciona então como uma lente. Raios que
nunca conseguiríamos ver normalmente, agora atingem os
nossos olhos. Por exemplo,
podemos ver a parte de trás do
disco! Ocentro negro corresponde
ao anel de luz.
Osburacos negros soam a algo
saído do universo da ficção, mas existem e sãoresponsáveis por quase toda aactividade das
galáxias, do nascimento àmorte de
estrelas eplanetas. Quem sabe sea nossa existência não se deveaum
destes monstros? Ora, a nossa
galáxia tem, no seu centro, algo que parece um buraco negro:
estudando o movimento de estrelas emseuredor, sabemos que oque está no centro tem muita massa:
cerca de 4 milhões de vezes a massa
donosso Sol! Sabemos que é
escuro, porque ainda não vimos nada... mas seráumburaco negro?
À procura destas edoutras respostas, uma experiência internacional pôs umconjunto de telescópios aolhar para ocentro da galáxia. OEvent Horizon Telescope (o Telescópio doHorizonte de Eventos) tem como objectivo olhar para asombra de um buraco negro.
Osresultados vãoser anunciados hoje. Sevirem uma sombra como a
imagem, isto prova que temos um
buraco negro no centro? Não,
apenas prova que existe um anel de luz, maséum avanço incrível. O
que estamos averéaluza ser
"puxada" aolimite, uma versão do
século XXIda experiência de Eddington. Portanto, este também vaiserumanúncio sobre aqueda da luz, desta vez uma queda drástica. Cem anos depois de Eddington.
Kip Thorne, recebeu oNobel da Física em 2017 por ter "visto" buracos negros mas usando ondas gravitacionais. Essa medição
também não prova aexistência de buracos negros mas apenas a
existência deumanel de luz. Algo de novo tem de existir, maso quê? Osburacos negros existem e são
mesmo oque ateoria de Einstein previu? Ou estaremos perante alguma falha da relatividade geral, aguardando opróximo Einstein? Umacoisa écerta, durante muito tempo continuaremos aolhar para
ovazio.
Físico do
Centro
de Astrofísica e Gravitação doInstituto
Superior Técnico, especialista em buracos negros e ondas gravitacionaisSimulação de um buraco negro, num