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IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa IX ENABED a 8 de julho de Florianópolis, SC - UFSC

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IX Encontro Nacional da Associação Brasileira de Estudos de Defesa IX ENABED – 2016

6 a 8 de julho de 2016 Florianópolis, SC - UFSC

Área Temática 3: Estudos Estratégicos

AS CAPACIDADES NUCLEARES ESTRATÉGICAS CHINESAS E SEU POSSÍVEL EMPREGO CONTRA OS ESTADOS UNIDOS: ARSENAL, DOUTRINA E DESAFIOS

Gustavo Henrique Feddersen

Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais - PPGEEI/UFRGS

Rômulo Barizon Pitt

Programa de Pós-Graduação em Estudos Estratégicos Internacionais - PPGEEI/UFRGS

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As capacidades nucleares estratégicas chinesas e seu possível emprego contra os Estados Unidos: arsenal, doutrina e desafios

Resumo: O trabalho proposto tem por objetivo analisar, a partir de fontes oficiais e da bibliografia acadêmica especializada, as capacidades nucleares estratégicas chinesas para eventual emprego contra os Estados Unidos (EUA). A pergunta de pesquisa com a qual se pretende trabalhar é: "Como se configura, atualmente, a capacidade nuclear estratégica da República Popular da China (RPC) frente à possibilidade de emprego contra os EUA?". Entende-se aqui que “capacidade nuclear estratégica” engloba as armas nucleares e seus meios de entrega, destinadas a cumprir missões estratégicas e de dissuasão, materializando-se no que se conhece por “tríade nuclear” (bombardeiros estratégicos, mísseis balísticos intercontinentais, e mísseis balísticos lançados de submarinos). Para responder, proceder-se-á uma revisão bibliográfica, tanto de fontes oficiais quanto acadêmicas, inventariando-se as estimativas dos pontos de vista qualitativo e quantitativo. Os problemas específicos que nortearão a pesquisa serão: (i) “Quais são as principais estimativas acerca do arsenal nuclear estratégico da RPC atualmente?”; (ii) “Qual a atual doutrina da RPC para emprego de seu arsenal nuclear?”; e (iii)“Quais são considerados os principais desafios para a China realizar o emprego dessas armas contra os EUA, do ponto de vista da estratégia nuclear?”. A estrutura pensada para o trabalho é uma divisão em três seções, em cada qual irá se abordar um dos problemas específicos, para que a pergunta principal da pesquisa possa ser contemplada em cada um dos seus possíveis enfoques. Como hipótese principal, adota-se a perspectiva de que, apesar de o arsenal nuclear estratégico chinês demonstrar uma tendência de crescimento, existe margem plausível de dúvida quanto à capacidade de um ataque nuclear efetivo contra os EUA. Tal percepção decorre das insuficiências qualitativas e quantitativas chinesas, e dos recentes avanços doutrinários e operacionais estadunidenses materializados na Batalha AeroNaval - que propõe um golpe preemptivo e em profundidade nas redes de comando e controle do adversário.

Palavras-Chave: República Popular da China, Estados Unidos da América, Capacidades Nucleares Estratégicas, Segurança Internacional, Guerra Nuclear, Ásia

Introdução

O artigo tem por objetivo analisar, a partir de fontes oficiais e da bibliografia acadêmica especializada, as capacidades nucleares estratégicas chinesas para eventual emprego contra os Estados Unidos (EUA). Entende-se aqui que “capacidade nuclear

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estratégica” engloba as armas nucleares e seus meios de entrega, destinadas a cumprir missões estratégicas e de dissuasão, materializando-se no que se conhece por “tríade nuclear” (bombardeiros estratégicos, mísseis balísticos intercontinentais, e mísseis balísticos lançados de submarinos).

Proceder-se-á uma revisão bibliográfica, tanto de fontes oficiais quanto acadêmicas, inventariando-se as estimativas dos pontos de vista qualitativo e quantitativo. Os problemas específicos que nortearam a pesquisa foram: (i) “Quais são as principais estimativas acerca do arsenal nuclear estratégico da RPC atualmente?”; (ii) “Qual a atual doutrina da RPC para emprego de seu arsenal nuclear?”; e (iii)“Quais são considerados os principais desafios para a China realizar o emprego dessas armas contra os EUA, do ponto de vista da estratégia nuclear?”. A estrutura do trabalho é uma divisão em três seções, em cada qual irá se abordar um dos problemas específicos.

A fim de contextualizar-se o debate em torno da questão proposta, inicia-se por um debate geral no que tange o equilíbrio nuclear. Assim, deve-se entender que parte do equilíbrio estratégico das grandes potências assenta-se nas capacidades termonucleares delas. A missão primária da capacidade termonuclear é a dissuasão, isto é, convencer o adversário de que as consequências de agir serão inaceitáveis: é o medo da retaliação, de que em alguns minutos suas principais cidades podem deixar de existir (COLEMAN & SIRACUSA, 2006).

Assim, surge a noção de que, na guerra nuclear, mais importante é a credibilidade do seu potencial uso do que o seu uso em si, em termos dissuasórios. Para um país maximizar a credibilidade, não basta, entretanto, ter um artefato de maior rendimento que os demais se não houver como entregá-lo no território adversário. Tradicionalmente, são três os meios de entrega de artefatos atômicos, perfazendo a chamada “Tríade Nuclear”: aeronaves de bombardeio, mísseis balísticos baseados em terra e mísseis balísticos lançados de submarinos.

Por que utilizar o termo “equilíbrio estratégico” para se referir à dissuasão mútua das potências termonucleares? Porque é a capacidade de retaliação nuclear que permite a manutenção da autonomia nas relações entre essas potências. Como escreve Martins e Cepik, no espectro oposto, o

[...] monopólio nuclear criaria uma assimetria tão pronunciada que colocaria em questão a própria existência do sistema interestatal, já que na primazia nuclear inexistiriam condições para qualquer tipo de balanceamento ou equilíbrio. Estabelecer-se-ia uma dominação alicerçada exclusivamente na força, que tornaria sombria até mesmo a perspectiva de vitória estadunidense: ela traria consigo um elevado risco de disseminação pandêmica do terrorismo e o potencial colapso de qualquer tipo de democracia, dentro ou fora do país. (MARTINS & CEPIK, 2014, p. 18)

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Como já elaborado, a dissuasão nuclear crível deve, idealmente, assentar-se na tríade bombardeiro, míssil balístico intercontinental baseado em terra, e míssil balístico lançado de submarino. Como hipótese principal desse estudo, adota-se a perspectiva de que, apesar de o arsenal nuclear estratégico chinês demonstrar uma tendência de crescimento, existe margem plausível de dúvida quanto à capacidade de um ataque nuclear efetivo contra os EUA.

O arsenal nuclear estratégico da RPC atualmente

Segundo as estimativas mais recentes feitas por Kristensen e Norris (2015), do Boletim de Cientistas Atômicos, a capacidade de retaliação nuclear chinesa apresenta diversas deficiências. Primeiramente, a maioria dos mísseis do arsenal chinês é equipado para carregar uma única ogiva, exceto por uma pequena porção equipada com Múltiplos Véiculos Independentes de Reentrada (MIRVs1) (KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 77). Na defesa contra um ataque nuclear, busca-se alvejar o míssil, o que é dificultado pelo MIRV. Além disso, os MIRVs são especialmente úteis no caso da retaliação nuclear, por aumentar o raio da explosão em alvos de valor (cidades e centros industriais). Dispor em quantidade reduzida dessa tecnologia diminui, portanto, a eficiência da dissuasão chinesa.

Em segundo lugar, as ogivas não estão acopladas aos mísseis em circunstâncias normais, sendo mantidas em instalações separadas, sob o controle da Comissão Militar Central (KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 77). No caso de se ver sob ameaça nuclear, os armamentos seriam liberados para a Força de Foguetes do ELP2, para permitir que as brigadas missilísticas entrem em alerta e preparem a retaliação (KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 77). Esses procedimentos reduzem a eficiência da retaliação, pois na guerra nuclear a prontidão é essencial.

Por fim, a quantidade de mísseis que podem atingir os Estados Unidos é reduzida. A China possui dois tipos de mísseis para cumprir essa missão: o DF-5A e o DF-31A. Os mísseis DF-31A podem atingir apenas a costa oeste dos EUA, não alcançando grande parte do parque industrial estadunidense ou seu centro político-administrativo. Restam os DF-5A, dos quais apenas 10 possuem o já mencionado MIRV (KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 79). Em um cenário em que o primeiro ataque dos EUA já aconteceu, possivelmente já eliminando alguns desses mísseis, tal cifra diminuta coloca em dúvida a capacidade chinesa de causar dano insuportável aos EUA, condição para a dissuasão nuclear crível. Tal cenário será detalhado de forma mais profunda mais a frente nesse artigo.

1Do inglês, multiple independently-targetable re-entry vehicles. 2

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A China poderia construir mais silos de lançamento, e espelhá-los pelo território chinês. Entretanto, conforme demonstra Zaloga, "no programa americano, custo das instalações de apoio de lançamento de mísseis balísticos intercontinentais, apelidadas de Stadium, possuem um custo dez vezes maior do que do míssil em si, do desenvolvimento a produção" (ZALOGA, 2002, p. 47). Esses custos, diferentemente do desenvolvimento da tecnologia nuclear, não retornam na forma de avanço técnico-científico.

No que tange aos bombardeiros nucleares, o H-6K, a principal aeronave chinesa com tal capacidade não possui alcance para ameaçar a porção continental estadunidense (KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 78).

Perfazendo a última parte da tríade nuclear, os submarinos com capacidade nuclear chinesa são quatro atualmente, os da classe Jin (Type 094), que podem ser equipados com os mísseis JL-2. Iniciaram patrulhas dissuasórias apenas em dezembro de 2015 (FISHER JR., 2015, online), estando normalmente ancorados em um porto em Hainan. Além disso, não se sabe se os chineses mantém as ogivas comissionadas nos mísseis no caso dos submarinos, ou se também proscreve tal procedimento em circunstâncias normais, como nos mísseis baseados em terra. A tendência esperada é de que a China construa mais submarinos, de nova geração, e fortaleça essa faceta da tríade nuclear (KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 81). Ainda assim, os mares próximos à China estão cercados por adversários estratégicos, aliados dos Estados Unidos. Na figura abaixo, demonstram-se os caminhos possíveis para os submarinos lançarem seus mísseis nos Estados Unidos:

Figura 1 – Trajeto dos submarinos chineses para guerra nuclear com os EUA

Fonte: (KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 82)

O mapa acima mostra a distância mínima a ser percorrida pelos submarinos para atingir a cidade de Seattle, que possui valor estratégico reduzido. Para atingir alvos de maior

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valor, os submarinos teriam de viajar uma distância maior, chegando mais próximo às próprias bases estadunidenses no Pacífico.

A Tabela 1, abaixo, elenca os sistemas descritos acima.

Tabela 1: Forças Nucleares Estratégicas Chinesas

Tipo Lançadores Alcance (Km) Rendimento

(Kilotons)

Ogivas

Mísseis Balísticos Baseados em Terra

DF-3A ? 3.000 3.300 ? DF-4 ~10 5.500 3.300 ~10 DF-5A ~10 13.000+ 4.000–5.000 ~10 DF-5B ~10 <13.000+ 200-300? ~30 DF-151 ~100 600 ? ? DF-212 ~80 2150 200–300 ~80 DF-31 ~8 7.000+ 200–300? ~8 DF-31A ~25 11.000+ 200–300? ~25 DF-41 N/D ? ? N/D Subtotal ~243 ~1633

Mísseis Balísticos Lançados de Submarino4

JL-1 N/D 1.000+ 200–300 N/D JL-2 (48) 7.000+ 200–300? (48) Subtotal (48) (48) Aeronaves5 H-6 ~20 3.100+ ~20 Caças? Mísseis Cruzadores6 DH-10 ~250 1.500? ? ? DH-20? ? ? ? ? TOTAL ~183 (230)7 Notas:

1 A CIA concluiu em 1993 que a China "quase certamente" tinha desenvolvido uma ogiva para o DF-15, embora não esteja claro se foi comissionada.

2 Esta tabela só contabiliza as versões nucleares DF-21 e DF-21A, cada uma das quais têm menos de 50 lançadores comissionados. Os convencionais DF-21C e DF-21D não são contados.

3 O inventário de mísseis e ogivas pode ser maior do que o número de lançadores, alguns dos quais podem ser reutilizados para disparar mísseis adicionais.

4 Nem o JL-1, nem o JL-2 estão totalmente operacionais, apesar das ogivas provavelmente estarem disponíveis. O JL-2 está em desenvolvimento.

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5 Acredita-se que a China tenha um pequeno arsenal de bombas nucleares com rendimentos entre 10 kilotons e 3 megatons. Os números apresentados são apenas para as aeronaves que estima-se terem uma missão secundária nuclear. O alcance das aeronaves é equivalente ao raio de combate, o que para alguns bombardeiros H-6 pode ser estendido com reabastecimento aéreo. Um caça-bombardeiro foi usado em um teste nuclear em 1972, mas não se sabe se a capacidade de bomba tática foi comissionada.

6

A inteligência da Força Aérea dos EUA lista o míssil cruzador superfície-superfície DH-10 como "convencional ou nuclear." O Comando do Global Strike Air Force norte-americano também lista o míssil cruzador lançado do ar CJ-20 como com capacidade nuclear, mas não está claro se esta conclusão vem de uma avaliação da inteligência coordenada.

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O número entre parênteses inclui as 48 ogivas produzidas para os quatro SSBNs existentes. A China também possui um adicional de 30 ogivas, incluindo as produzidas para DF-3A e JL-1 que aguardam desmantelamento, e um pequeno estoque de ogivas sobressalentes, para um estoque total de aproximadamente 260 ogivas.

Fonte: KRISTENSEN & NORRIS, 2015, p. 78

A doutrina da RPC para emprego de seu arsenal nuclear

A doutrina chinesa para a guerra nuclear possui em si tendências de longo prazo e elementos de inovação recente. Para o escopo desse artigo, dar-se-ão relevância maior para os aspectos relacionados ao equilíbrio com os Estados Unidos.

Um dos princípios mais antigos presentes na doutrina nuclear chinesa é o “Não-Uso-Primeiro” do armamento atômico, isto é, o comprometimento de não utilizar bombas nucleares antes de sofrer, ela mesmo, um ataque desse tipo. Por extensão, a China afirma que não utilizará armamentos nucleares contra países não-nucleares. Esses comprometimentos datam do seu primeiro teste nuclear, em 1964. Os propósitos de suas armas nucleares, segundo o país, são a dissuasão estratégica e o contrataque nuclear. Assim, o país também afirma que nunca irá se engajar em uma corrida armamentista nuclear com outra potência (NTI, 2015).

Os dois mais recentes corolários à doutrina nuclear chinesa foram anunciados em 2009 e 2015. No Livro Branco lançado em 2009, que analisou o panorama securitário da China no ano anterior, foi descrito, pela primeira vez, o processo de escalada nuclear que o país iria adotar para dissuadir e contratacar seus adversários. A novidade trazida em 2015 foi o objetivo de melhorar o alerta antecipado estratégico para suas forças nucleares. O restante da seção buscará detalhar esses dois aspectos.

No documento de 2009 a República Popular da China descreve o processo de escalada militar da seguinte forma:

Em tempos de paz, o armamento de mísseis nucleares da Segunda Força de Artilharia3 não está apontado a nenhum país. Mas se a China ficar sob

3

Importante lembrar que a então Segunda Força de Artilharia, encarregada do cuidado e emprego dos mísseis estratégicos chineses, foi transformada na Força de Foguetes, incorporando também os mísseis táticos ao seu controle.

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ameaça nuclear, a força de mísseis nucleares da Segunda Força de Artilharia vai entrar em um estado de alerta, e se preparar para um contra-ataque nuclear para dissuadir o inimigo de usar armas nucleares contra a China. Se a China sofrer um ataque nuclear, a força de mísseis nucleares da Segunda Força de Artilharia usará mísseis nucleares para lançar um

contrataque resoluto contra o inimigo, de forma independente ou em

conjunto com as forças nucleares de outros serviços4. (CHINA, 2009, p. 29) Assim, percebem-se três estágios operacionais para diferentes níveis de crise. Em condições normais, a afirmativa de que os mísseis “não estão apontados a nenhum país” pode ser uma descrição análoga, segundo alguns autores, à ausência de dados de direcionamento no sistema de guiagem dos mísseis estratégicos estadunidenses (KRISTENSEN, 2009). Também, as ogivas chinesas não estão acopladas aos seus vetores de entrega nesse nível de alerta.

Ao se ver sob ameaça nuclear, a China iria se preparar para um contrataque nuclear para fins dissuasórios. Assim, os sistemas missilísticos móveis seriam enviados para suas respectivas áreas de atuação e passariam a ser apontados ao(s) adversário(s), além de as ogivas serem acopladas aos vetores de entrega. Assim, se atacada, a China poderia responder com um contrataque resoluto. As forças nucleares dos outros serviços se referem, provavelmente, aos submarinos capazes de lançamentos nucleares da Marinha e aos bombardeiros da Força Aérea (KRISTENSEN, 2009).

Acerca desse último estágio, faz-se relevante considerar o modus operandi da retaliação chinesa. Entretanto, dificuldades em se analisar tal aspecto surgem logo de início: o fato de ser, naturalmente, sigiloso tal tipo de informação, e, quando livre, estar em chinês. Ainda assim, um relatório recente da Corporação RAND, que será abordado em maior profundidade mais a frente, aponta para um documento de uso-interno publicado pela Editora do Exército Popular de Libertação que pode lançar um pouco de luz nessa questão. Para além dos pressupostos comuns acerca da doutrina nuclear chinesa (descritas no início dessa seção), o documento sugeriria que as campanhas na guerra nuclear:

[...] geralmente ocorrerão "sob condições em que o inimigo é forte e nós [a China] somos fracos." A prioridade na escolha de alvos visa "causar enormes prejuízos para o inimigo e fazer com que o inimigo seja muito abalado psicologicamente, a fim de enfraquecer a sua vontade de fazer a guerra”. Esses alvos incluem “centros de comando inimigos, centros de comunicações, centros de transporte, bases militares, centros políticos,

4Grifos nossos, tradução nossa do original: “In peacetime, the nuclear missile weapons of the Second

Artillery Force are not aimed at any country. But if China comes under a nuclear threat, the nuclear missile force of the Second Artillery Force will go into a state of alert, and get ready for a nuclear counterattack to deter the enemy from using nuclear weapons against China. If China comes under a nuclear attack, the nuclear missile force of the Second Artillery Force will use nuclear missiles to launch a resolute counterattack against the enemy either independently or together with the nuclear forces of other services.” (CHINA, 2009, p. 29)

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centros econômicos, bases industriais importantes, e outros alvos estratégicos e de campanha".5 (HEGINBOTHAM et al., 2015, p. 286)

Os alvos descritos no excerto acima podem ser divididos em categorias conhecidas na literatura de Estudos Estratégicos como “contravalor” e “contraforça”. Alvos que não apresentam ameaça direta ao Estado adversário, mas que são valiosos para este (centros políticos, centros econômicos, bases industriais importantes no caso acima) são considerados “contravalor”: geralmente têm caráter civil e embasam as capacidades militares. As demais perfazem os alvos “contraforça”, aqueles que não necessitam de mediações materiais para serem considerados ameaça militar. Nota-se, assim, que a China não se furta, nesse sentido, à prerrogativa de atacar qualquer alvo quando se vir sob ataque nuclear. Conforme aponta o início do trecho, isso decorre da própria fraqueza relativa do arsenal atômico chinês frente ao das outras potências. Conforme será mostrado na seção seguinte, uma doutrina puramente contraforça por parte da China frente aos Estados Unidos reduziria muito as capacidades daquele país manter uma dissuasão eficaz. A possibilidade de eliminar algumas cidades estadunidenses em uma guerra nuclear aumentaria os riscos envolvidos nos cálculos estratégicos, reduzindo as chances de a China sofrer um primeiro ataque com artefatos atômicos.

Na mais recente revisão de sua Estratégia Militar, em 2015, acerca das suas forças nucleares estratégicas, a RPC declara que

irá optimizar a sua estrutura de força nuclear, melhorar seu alerta antecipado estratégico, seu comando e controle, sua penetração de mísseis, sua reação rápida, e sua capacidade de sobrevivência e proteção, e dissuadir outros países de usar ou ameaçar usar armas nucleares contra a China.6 (CHINA, 2015, online)

O trecho acima marca a primeira vez na história da China da intenção de melhorar seu alerta antecipado. Um sistema de alerta antecipado possibilitaria à China identificar lançamentos de mísseis direcionados ao seu território. No caso dos Estados Unidos, tal sistema abarca redes de satélites e de radares em solo. O desenvolvimento do BeiDou, Sistema de Satélite de Navegação chinês análogo ao GPS estadunidense, pode ser uma

5 Tradução nossa do original: “will generally occur “under conditions in which the enemy is strong and we

are weak.” The priority in targeting is “to cause huge losses for the enemy and to cause the enemy to be very shaken psychologically in order to weaken their will to wage war.” These targets would include “enemy command centers, communications hubs, transportation hubs, military bases, political centers, economic centers, important industrial bases, and other strategic and campaign targets.”” (HEGINBOTHAM et al., 2015, p. 286). Para mais sobre o tópico, conferir “中国人民解放军第二炮兵部队 [Segunda Força de Artilharia do ELP], 第二炮兵战役学 [Ciência das Campanhas da Segunda Artilharia], 2004, pp. 298, 304.

6Tradução nossa do original: “will optimize its nuclear force structure, improve strategic early warning,

command and control, missile penetration, rapid reaction, and survivability and protection, and deter other countries from using or threatening to use nuclear weapons against China.” (CHINA, 2015, online)

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das facetas práticas no âmbito militar dessa intenção7. Caso analisado em conjunto com a questão da “reação rápida”, também exposta acima, surge a possibilidade de passar a existir uma nova percepção chinesa da impraticabilidade de coadunar os princípios de “não-uso-primeiro” e de “retaliação resoluta”. Isto é, frente a um arsenal tão superior quanto o estadunidense, sobreviver a um primeiro ataque nuclear para então lançar seus mísseis remanescentes pode ser muito difícil. Especialmente se considerarmos a questão, bastante difundida entre as análises das capacidades chinesas, de que poderia levar vários dias para que o país tenha como responder ao ataque (BIN, 2003).

Acerca dessas questões, Tong Zhao8 (2015) aponta que um sistema de alerta antecipado com resposta rápida, caso se configure em de fato disparar seus mísseis assim que detectar a iminência de um ataque, significaria de fato uma quebra com o padrão histórico de “não-uso-primeiro”. Um míssil balístico intercontinental vindo dos Estados Unidos poderia chegar ao território chinês em 20 a 30 minutos; se lançado de um submarino, menos tempo ainda. Dificilmente se terá certeza se o míssil está armado com ogivas nucleares ou convencionais, ou se ele está direcionado aos locais de lançamento dos seus mísseis nucleares. A decisão de retaliar antes de se concretizar assim o ataque teria que ser feita em muito pouco tempo. Por outro lado, o autor aponta que o sistema de alerta antecipado pode ter outro objetivo que não a retaliação, mas o desenvolvimento de defesas antimíssil, análoga à estadunidense Defesa de Mísseis Nacional (National Missille Defense, NMD, na nomenclatura em inglês). Ou ainda, por se referir a alerta antecipado estratégico, a China poderia se referir ao monitoramento de atividades de mobilização ou preparação militar em momentos de crise, para poder ajustar de forma mais eficiente seus níveis de alerta, conforme foram discutidos anteriormente.

Desafios para a China empregar seu armamento nuclear contra os EUA

Essa seção está baseada no relatório da Corporação RAND de 2015 que faz um balanço das capacidades chinesas e estadunidenses em diversas áreas (HEGINBOTHAM et al., 2015). Na questão nuclear, o estudo “avalia mudanças nos estoques nucleares chineses e estadunidenses e modela ataques nucleares contraforça entre os países usando seus respectivos inventários de 1996, 2003, 2010, e 2017” (HEGINBOTHAM et al., 2015, p. 285). Busca-se aqui elencar as principais conclusões do estudo, para na conclusão do artigo cotejá-las às considerações das duas seções iniciais. O relatório propositalmente deixa de fora apontamentos acerca da doutrina de ambas as partes, e avalia apenas ataques

7Para um excelente histórico do Programa Espacial Chinês, conferir CEPIK et al., 2015, “Curso EAD

sobre Espaço e Relações Internacionais”, pp. 41-56.

8 Pesquisador associado do Programa de Política Nuclear do Centro de Política Global

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contraforça. Isso implica, principalmente do lado chinês, ignorar a possibilidade de uma retaliação nuclear focada em alvos contravalor, um fator importante na dissuasão. Entretanto, o objetivo do estudo e dessa seção é analisar a capacidade de ambos os lados em absorver um primeiro ataque nuclear e manter meios de retaliação: a chamada estabilidade de primeiro-ataque. Assim,

situações estáveis são definidas como aquelas em que ambos os lados possuem uma capacidade de segundo-ataque capaz de sobreviver. Em circunstâncias estáveis, atacar primeiro não garante que o atacante vai escapar da retaliação devastadora. Atacar primeiro para ganhar a vantagem, por conseguinte, não é uma opção atraente. Talvez mais importante, quando existe estabilidade de primeiro-ataque, cada lado está seguro sabendo que ele pode retaliar contra o outro, mesmo se uma crise escalar e ele seja atacado primeiro. Cada lado entende que o outro tem pouco incentivo em atacar, e a parte mais fraca não é levada por incentivos do tipo "usá-lo ou perdê-lo" para atacar antes que seu próprio arsenal nuclear seja destruído. (HEGINBOTHAM et al., 2015, p. 287)

A questão do foco na contraforça se explica pela escolha de alvos que perfazam as plataformas de lançamento dos artefatos nucleares em um primeiro-ataque a fim de previnir a retaliação. Outras características do estudo dizem respeito ao sucesso de acerto, envolvendo a confiabilidade do sistema, probabilidade de destruição que determinado sistema apresenta, e confiança na destruição do alvo depois do primeiro lançamento9.

A Tabela 2, abaixo, resume as principais conclusões do estudo quanto à capacidade de sobrevivência do armamento nuclear de ambos os lados após um primeiro ataque, nos anos de 1996, 2003, 2010 e 2017. Para o ano de 2017, o estudo utilizou dois valores para o número de mísseis chineses, um com 106 (1) e outro com 160 (2). Na tabela, primeiramente, aponta-se o número de ogivas com sistemas capazes de atingir o território adversário para cada país. Em seguida, demonstram-se os resultados do primeiro-ataque para cada país, demonstrando-se quantas ogivas teriam de ser empregadas para se atingir os patamares de efetividade pressupostos no estudo, e quantas ogivas restariam. No caso do primeiro-ataque estadunidense, a fim de ilustrar o cenário, expõem-se os interceptadores baseados em solo do sistema de Defesa de Mísseis Balísticos. O sistema é, pelo que declaram os Estados Unidos, focado na defesa contra Coreia do Norte e Irã e não teria como defender o país de um grande número de mísseis chineses ou russos. Entretanto, é importante ressaltar quantitativamente a relação entre o número de interceptadores e o número de mísseis restantes após um primeiro ataque chinês.

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Para uma descrição mais aprofundada da metodologia, conferir HEGINBOTHAM et al., 2015, p. 287-292.

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Tabela 2: Resultados do Primeiro-Ataque Contraforça Nuclear entre China e EUA:

Anos-base 1996 2003 2010 2017 (1) 2017 (2)

Inventário chinês (ogivas) 19 40 68 106 160

Inventário estadunidense (ogivas) 7,646 6,488 4,806 2,144 2,144

Primeiro-ataque dos EUA à China

Ogivas norte-americanas empregadas 23 91 132 157 157

Ogivas chinesas sobreviventes 4 6 13 15 27

Interceptadores em solo dos EUA — — 24 44 44

Primeiro ataque chinês contra os EUA

Ogivas chinesas empregadas 19 40 68 106 160

Ogivas dos EUA sobreviventes 3,390 3,146 2,240 998 988

Fonte: HEGINBOTHAM et al., 2015, p. 314. Tradução nossa.

Em todos os períodos selecionados, há um desequilíbrio pronunciado, em que um primeiro ataque estadunidense deixaria um número relativamente pequeno de mísseis chineses em condição de uso, mesmo que estes venham aumentando ao longo do tempo: de 4 em 1996 para 15 a 27 em 2017. Além disso, os interceptadores estadunidenses em solo serão maiores do que o número de mísseis remanscentes da China em todos os casos. Pelo lado do primeiro-ataque chinês, apesar de o número de ogivas sobreviventes dos Estados Unidos vir diminuindo, ainda garante, com bastante folga, uma capacidade retaliatória crível.

Conclusão

Conforme procurou se demonstrar ao longo do artigo, apesar de estar melhorando, a capacidade de retaliação nuclear chinesa apresenta diversas deficiências. As principais questões problemáticas para a China são o reduzido número de MIRVs, o não-acoplamento das ogivas em seus vetores de entrega, a falta de prontidão, o reduzido alcance do DF-31A e a natureza imóvel do DF-5A, a ausência de um bombardeiro estratégico que alcance os EUA, e a área de atuação dos submarinos Type 094 repleta de aliados e bases estadunidenses. Em sua doutrina, a China preconiza o “Não-Uso-Primeiro” de seu arsenal, o que coloca em dúvida a sua capacidade de uma retaliação resoluta após sofrer um primeiro-ataque. Além disso, o uso contravalor chinês de seu arsenal remanescente após um primeiro-ataque contraforça em seu território colocaria em dúvida a manutenção da lei moral, em termos clausewitzianos, mesmo não tendo sido ela a primeira a cruzar o limiar nuclear. Essa questão fica ainda mais nebulosa quando se aventa a possibilidade de um ataque convencional estadunidense, cada vez mais com maior capacidade de precisão, às forças nucleares chinesas. Por fim, é possível crer que os Estados Unidos conseguiriam

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neutralizar a maior parte do arsenal nuclear chinês com um primeiro-ataque, sobrando ainda os interceptadores; recíproca que não se mostra verdadeira. É de se esperar que a China busque formas baratas de aumentar a sobrevivência do seu arsenal. O que já está sendo desenvolvido, durante décadas, é a chamada Muralha Chinesa Subterrânea, um sistema de túneis em território chinês que poderia abrigar mísseis para retaliação nuclear. Para a proteção de seus submarinos, é importante destacar o uso que a China pode fazer das suas novas ilhas artificiais. Ambas as questões não puderam ser analisadas nesse artigo, e ficam de sugestão para pesquisas futuras. Uma questão que o artigo se propôs a analisar, mas que terá de ficar para pesquisas futuras também, é a utilização da Batalha AeroNaval estadunidense na eliminação das capacidades de retaliação nuclear chinesas. A Batalha AeroNaval propõe a utilização de armas combinadas para um golpe convencional em profundidade nos centros de comando e controle do adversário. As implicações do uso da preempção na política internacional e no equilíbrio estratégico devem ficar, assim, para pesquisas posteriores.

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Referências

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