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Um pouco de História: a herança manicomial na Cidade do Rio de Janeiro

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Academic year: 2021

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Regular, supervisionar e acompanhar pacientes internados em Clínicas Psiquiátricas do SUS: passos importantes para a desinstitucionalização responsável no Município do Rio de Janeiro

Andréa da Luz Carvalho12 Hugo Marques Fagundes3 Rosane Frota4

Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio

Resumo

O atual consenso sobre o tratamento em Saúde Mental recomenda que a assistência se realize em uma rede de serviços de base comunitária. Para que a Cidade do Rio de Janeiro alcance este objetivo, são necessárias diversas ações que exerçam controle sobre sua herança manicomial. O artigo apresenta as estratégias atualmente lançadas pelo Programa de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro: regulação dos leitos psiquiátricos e supervisão contínua das clínicas contratadas ao SUS.

Palavras-chave: regulação, supervisão, desinstitucionalização

Um pouco de História: a herança manicomial na Cidade do Rio de Janeiro

A década de 90 e o início do século XXI são os marcos históricos para o processo de consolidação da Reforma Psiquiátrica no Brasil: em 2001, após 11 anos de tramitação no Congresso Nacional do Projeto original do Deputado Paulo Delgado (Delgado,1989), aprova-se a Lei 10.216 (Brasil, 2002a), que estabelece direitos para os portadores de transtornos mentais e sobretudo redireciona a assistência psiquiátrica indicando que o lugar de tratamento para quem tem sofrimento psíquico grave é a rede de serviços comunitários. A pluralidade de recursos comunitários deve substituir o hospital psiquiátrico.

Chamamos a atenção para o fato de que a Lei regulamenta um dos maiores abusos na assistência psiquiátrica - a internação involuntária (Delgado, 2001). Ao permitir que o paciente possa se pronunciar sobre a necessidade de sua internação avançamos no sentido de que esta deva ser adequada ao seu projeto terapêutico, deve-se ter clareza quanto à sua necessidade e duração, como também se torna obrigatória a comunicação da internação involuntária e da alta ao Ministério Público no prazo de até 72 horas. (Brasil, 2002a).

1Psicóloga Sanitarista; Gerente de Programas de Desospitalização da SMS/RJ.

2andrea.carvalho@bol.com.br

3Psiquiatra; Coordenador de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. 4Psiquiatra responsável pela Central de Regulação de Internação em Psiquiatria.

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A Lei é aprovada após uma década em que a experiências clínicas, de serviços e agenciamentos que, direcionados à assistência em saúde mental na comunidade, foram disseminadas por todo o país. O CAPS, enquanto um modo operacional de enfrentar o modelo de exclusão que o hospício sintetiza, foi largamente reproduzido e recriado nacionalmente. No seu rastro vieram também as experiências de moradia, as oficinas terapêuticas, os projetos de geração de renda, as associações de usuários e familiares, etc. Inclusive a internação foi ressignificada para o sentido de hospitalidade diurna e noturna como recomenda a III Conferência Nacional de Saúde Mental (Brasil, 2002b). A internação passa a ser uma das possibilidades de tratamento.

A Cidade do Rio de Janeiro inaugura a história brasileira do marco da fusão pineliana entre o saber psiquiátrico e o lugar hospitalocêntrica de tratamento. Aqui, nesta cidade, foi criado o primeiro Hospício por D. Pedro II, em 1852. Aqui foram fundados os manicômios que foram referências para o Brasil, como a Colônia Juliano Moreira, o Centro Psiquiátrico Pedro II (CPPII) e o Hospital Philippe Pinel: concentração de tecnologias de exclusão e abrigo para pessoas que deveriam ser afastadas do convívio social. Aqui também o Governo Federal fez a opção, principalmente nas décadas de 60 e 70, de comprar serviços hospitalares privados, ampliando sem critérios claros de necessidade a contratação de leitos hospitalares psiquiátricos.

De fato, também foram nestes locais que houve, no final da década de 70, a criação de um imperativo a favor da humanização da assistência e de outras maneiras de tratar que não fossem dentro dos hospícios. Antes mesmo da existência dos CAPS enquanto modos de operação da inclusão de pacientes psiquiátricos, experiências foram construídas nestes locais a favor de tratamentos que levassem em consideração a singularidade e a liberdade dos pacientes que ali se encontravam. A tomada de responsabilidade do Município do Rio de Janeiro

A mudança política ocorrida a partir da implantação do SUS em todo o país, a partir da década de 90, significou para os Municípios a obrigação de cuidar da saúde de sua população, administrando o dinheiro que passaria a vir diretamente do Fundo Nacional de Saúde ao Fundo Municipal como também o repasse estadual e a contrapartida municipal. A partir da implantação da NOB 01/93, os Municípios passaram a herdar os contratos dos estabelecimentos antes gerenciados pelo INAMPS que não levava em consideração critérios epidemiológicos.

Em 1993, a Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, através da Gerência de Saúde Mental passa a realizar vistorias e supervisões nos hospitais psiquiátricos contratados.

O parque manicomial se configurava com cerca de 5636 leitos (Fagundes &Libério,1997) distribuídos entre 20 hospitais públicos e privados contratados ao SUS. Não havia nenhum hospital psiquiátrico municipal, os hospitais públicos pertenciam ao Governo Federal, bem como os ambulatórios especializados (PAMs). As unidades próprias da SMS Rio de Janeiro eram constituídas por uma rede básica formada por psicólogos advindos da Secretaria Municipal de Educação, voltados para as ações de prevenção em saúde mental.

Em 1996, ocorre a municipalização de 15 PAMs e de 4 maternidades. No mesmo ano, a Gerência de saúde Mental realiza o I Censo dos pacientes internados nos hospitais psiquiátricos do SUS. Cerca de 3235 pacientes internados são entrevistados, seus prontuários analisados e as equipes responsáveis pela assistência são convocadas a responder sobre seus projetos terapêuticos. Verifica-se a grande

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concentração de pacientes psiquiátricos em hospitais, sem nenhuma efetividade no seu tratamento. A oferta se configurava distorcida: há leitos para todos, tratamento para poucos. Mesmo nos hospitais psiquiátricos públicos que se apresentavam como melhores do que os privados contratados, as experiências extra-hospitalares que neles existiam como ambulatórios e hospitais-dias tinham dificuldades de trabalhar na lógica do território, na lógica de que é preciso que estas pessoas ocupem e façam diferenças na nossa cidade.

Neste momento também foi feito o levantamento dos pacientes “crônicos”, que não contavam com ninguém e se encontravam abandonados nestes estabelecimentos (cerca de 666). O Censo colocou na cena a necessidade de discussão sobre a nossa cronicidade (Desviat, 1999), ou melhor, incapacidade de oferecer outras opções para estes pacientes que não fossem o hospital psiquiátrico. A Municipalização da Colônia Juliano Moreira em 1996 e a criação do primeiro Centro de Atenção Psicossocial (CAPS Rubens Correia) em Irajá, começaram a redefinir o papel da Secretaria Municipal de Saúde, na construção de serviços substitutivos, desde CAPS a serviços residenciais terapêuticos para a Cidade.

Regulação da internação psiquiátrica e Supervisão das Clínicas contratadas ao SUS: experiências de acompanhamento dos hospitais psiquiátricos

Em que pese a ampliação da rede extra-hospitalar na Cidade do Rio de Janeiro priorizando a implantação de Centros de Atenção Psicossocial em áreas descobertas de assistência a pessoas que possuem transtornos mentais graves e persistentes, a oferta de leitos psiquiátricos ainda é expressiva, cerca de 3100, concentrados em 18 hospitais.

Em 10 anos, 4 hospitais psiquiátricos privados contratados foram descredenciados do SUS, havendo uma diminuição de cerca de 47% no número de internações por ano no período (de 23588 em 1993 para 12476 em 2003). E apesar das dificuldades e problemas trazidos pelos processos de municipalização da Colônia Juliano Moreira, em 1996, e dos hospitais psiquiátricos Centro Psiquiátrico Pedro II e o Instituto Philippe Pinel em 2000, a incorporação destas Unidades fez com que a SMS Rio de Janeiro tivesse que alocar recursos humanos e financiar projetos para a desinstitucionalização de pacientes.

Considerando, portanto, a história já relatada de oferta de leitos psiquiátricos, a construção da rede substitutiva comunitária passa pelo controle, regulação, supervisão e acompanhamento dos pacientes internados nestas Clínicas. Desinstitucionalizar significa enfrentar todos os significados que a cultura manicomial criou na nossa cidade e a estratégia de desmontagem deste aparato requer ações diretas nos hospícios.

Uma destas ações compreende visitas anuais a estas Clínicas, coordenadas pelas Secretarias Estaduais de Saúde e Vigilância Sanitária com a finalidade desclassificar os hospitais através da aplicação de um questionário que verifica desde as instalações físicas dos estabelecimentos ao projeto terapêutico de cada paciente. A aplicação do Programa Nacional de Avaliação do Sistema Hospitalar (PNASH) regulamentado pela Portaria 251/02 (Brasil, 2002 a) representou uma atualização nos parâmetros que um hospital psiquiátrico deve cumprir e inovou incluindo uma avaliação que feita pelos pacientes. A ação anual do PNASH, no município do Rio de Janeiro, a partir de 2002, também ajudou na qualificação da assistência psiquiátrica e na redução de leitos.

Outra ação fundamental foi a entrada dos leitos psiquiátricos na Central de Regulação da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro. Desde 2002, a SMS

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Rio de Janeiro iniciou o processo de pré-autorização de alguns procedimentos hospitalares, começando no surto da Dengue seguido por alguns procedimentos cardiológicos. Em 05/05/2003, os leitos psiquiátricos de 14 hospitais (cerca de 1700) começaram a ser regulados utilizando a ferramenta SISREG do DATASUS. As 4 Emergências Psiquiátricas (IM Nise da Silveira, Instituto Philippe Pinel, Centro Psiquiátrico Rio de Janeiro e o Hospital Jurandyr Manfredini) centralizam a porta de entrada para as internações psiquiátricas na Cidade, avaliando a necessidade de internação e solicitando através do preenchimento de um laudo eletrônico via Web um leito à Central de Regulação. Na Central, o médico regulador é que vai autorizar a internação e disponibilizar a vaga que pode ser no mesmo hospital, em outro público ou no contratado ao SUS.

A equipe de reguladores psiquiatras é formada por quatro médicos que regulam de segunda a sexta, de 9 às 18 horas. Nos demais dias e horários a regulação é feita por médicos clínicos treinados. Esta ação é coordenada por uma médica psiquiatra. A regulação trouxe o controle melhor dos leitos psiquiátricos. Desde a década de 80, os 4 Hospitais Psiquiátricos Públicos acima citados já se configuravam como as únicas portas de entrada da internação psiquiátrica e dividiam os leitos contratados entre si. Esta ação significou um controle importante na época contra os abusos na utilização de leitos psiquiátricos contratados. No entanto, hoje, a regulação trouxe ao debate a necessidade do estabelecimento de critérios mais equânimes pactuados entre os hospitais públicos na utilização dos leitos públicos: prioridade na internação de pacientes de primeira internação, de pacientes acompanhados nos hospitais públicos e pacientes dos Centros de Atenção Psicossocial.

Em outubro de 2003, a Coordenação de Programas de Saúde Mental da Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro começou um processo de supervisão permanente nas Clínicas Contratadas através de equipes constituídas por 9 psiquiatras e 8 psicólogos. Além da renovação da AIH, a finalidade principal desta supervisão é acompanhar os projetos terapêuticos dos pacientes junto às equipes das Clínicas, efetuar a conexão deste sujeito com os serviços extra-hospitalares interferir nas situações de abandono dos pacientes de longa permanência, identificando os pacientes que podem se beneficiar por bolsas de desospitalização. Mais do que acelerar os processos de alta, a atuação dos supervisores tem feito com que os destinos de muitos pacientes não sejam retornar às emergências psiquiátricas para uma nova internação. Temos conseguido acompanhar mais de perto a ocorrência de óbitos nestas instituições bem como sua assistência.

Ainda um longo caminho a percorrer...

Os controles das internações psiquiátricas através das ações apresentadas como PNASH, a regulação, a supervisão e, é claro, a avaliação dos pacientes nas 4 portas de entrada são fundamentais para um melhor dimensionamento da necessidade de leitos psiquiátricos na cidade. Atualmente há uma concentração de 50% destes leitos na área de planejamento 4 (eixo de Jacarepaguá-Barra). Há necessidade de redefinição da oferta, já que há o dobro de leitos masculinos em relação aos femininos, além de que muitos destes leitos têm sido utilizados para alcoolistas e usuários de drogas, que poderiam ser melhor atendidos em hospitais clínicos.

A supervisão contínua tem apontado para o fato da dificuldade destes pacientes se tratarem nos serviços extra-hospitalares, não só por falta de CAPS em muitas regiões da cidade, como também pela concentração de oferta de serviços, recursos nos Hospitais Públicos da Cidade, que ainda é grande. Esta concentração

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cria uma “rede centrípeta” que não se articula com a Cidade, mas sim com os dispositivos do próprio Hospital.

Por fim, a construção de uma rede comunitária substitutiva ao hospital psiquiátrico implica o planejamento e execução de ações contínuas dentro dos hospitais melhorando a qualidade de vida daqueles que ali permanecem e o redirecionamento da oferta de leitos para hospitais Gerais e Centros de Atenção Psicossocial, desafios que devem estar presentes na Agenda do Programa de Saúde Mental do Município do Rio de Janeiro.

Referência Bibliográfica

1. BRASIL. Ministério da Saúde. Legislação em Saúde Mental – 1990/2002.Brasília: Ministério da Saúde, 2002a, 3ª Edição atualizada. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. III Conferência Nacional de Saúde Mental.

Cuidar sim, excluir não. Relatório Final. Brasília: Conselho Nacional de Saúde/Ministério da Saúde, 2002b.

3. DELGADO, Paulo. Projeto de Lei nº 3.657/89. Brasília: Câmara dos Deputados, 1989.

4. DELGADO, Pedro Gabriel Godinho. No litoral do vasto mundo: lei 10.216 e a amplitude da reforma psiquiátrica. In: Venâncio, Ana Teresa A. (orgs) & Cavalcanti, Maria Tavares. Saúde Mental – Campo, Saberes e Discursos. Rio de Janeiro: Edições IPUB/CUCA, 2001.

5. DESVIAT, Manuel. A Reforma Psiquiátrica. Rio de Janeiro: Editora Fiocruz, 1999.

6. FAGUNDES, Hugo & LIBÉRIO, Madalena. A reestruturação da Assistência na Cidade do Rio de Janeiro: estratégias de construção e desconstrução. In: Secretaria Municipal de Saúde do Rio de Janeiro, Revista Saúde em Foco, ano VI, nº 16, novembro/1997.

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