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Gramática do telejornal: da sincronia à diacronia uma prática tensiva

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Gramática do telejornal:

da sincronia à diacronia uma prática tensiva

Maria Lucia Vissotto Paiva Diniz1

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Grupo de Estudos Semióticos em Comunicação (GESCom-Unesp), Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação – Universidade Estadual Paulista (Unesp) Av. Eng. Luiz Edmundo Carrijo Coube, 14-01. CEP 17.033-360 – Bauru – SP – Brasil

mlvissotto@uol.com.br

Abstract. This paper investigates the construction of the telejournalistic report

as an enunciative practice. The opposition between live transmission and edited transmission will be investigated according to theoretical statements of the tensive grammar. Admitting that the text articulates three different semiotic modes, the efficiency mode, the existence mode and the junction mode, each one of it being able to be considered as marked or non marked, one remarks that edited narrative (diachronic) selects the marked terms, whereas the live narrative (synchronic) chooses predominantly the non marked terms. The TV’s predilection for the diachrony instigates the analyst to identify certain practices that produce some simultaneity effects.

Keywords. TV journal; tensive grammar; edition; simultaneous transmission. Resumo. O artigo investiga a construção da reportagem televisiva como uma

prática enunciativa. A oposição entre transmissão “ao vivo”e transmissão editada será investigada segundo elementos da gramática tensiva. Admitindo que o texto articula três modos semióticos distintos, o modo de eficiência, o modo de existência e o modo de junção, e que cada um deles apresenta seus termos marcado e não-marcado, observamos que o relato editado (diacrônico) seleciona os termos marcados, enquanto que o relato “ao vivo” (sincrônico) é predominantemente não-marcado. A opção da TV pela diacronia instiga o analista a identificar certas práticas que simulam a simultaneidade.

Palavras-chave. Jornal televisivo; gramática tensiva; edição; transmissão

simultânea.

1. Práticas televisivas

Abordar a televisão no enfoque das práticas pode representar um viés interessante para elucidar a questão da produção e recepção dos programas televisivos, ou no jargão semiótico, detectar os elementos investidos na instância da enunciação, verificando como se organizam, se hierarquizam e onde se sustentam. Entendidas como formas de execução, maneiras de fazer, ações eleitas como ideais na atividade do fazer televisivo, as práticas estão associadas e decorrem do avanço tecnológico e, cada vez mais, se multiplicam e ampliam sua abrangência. Enfoque instigante que suscita alguns

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questionamentos, se considerarmos especificamente os telejornais (TJ) e sua importância, pois para a maioria das pessoas, o TJ costuma ser a única fonte de informação e referência de suas práticas sociais. Que práticas o TJ emprega para captar a adesão do telespectador? Como consegue fazer desses noticiários um ritual do qual o telespectador é participante fiel, atento e assíduo? E sempre crédulo e vulnerável a todo tipo de comoção? Que práticas são essas, capazes de nos envolver a tal ponto, que repetimos suas falas e levamos suas fórmulas prontas para o nosso diálogo cotidiano? O telejornal reúne práticas e estratégias que nos permitem tratá-lo como uma gramática no sentido amplo, ou seja, enquanto conjunto de regras que garantem uma técnica: a técnica de produzir telejornal. Sem dúvida, deve haver um conjunto de prescrições e normas que determinam os usos considerados corretos e eficazes; um verdadeiro tratado descritivo-normativo que regula a morfologia e a sintaxe do telejornal; um TJ modelo que garante sua competência e abrangência, resultado do trabalho coletivo e interativo dos componentes da equipe de produção reunidos ao longo do tempo.

O estudo objetivo e sistemático da composição do TJ, dos elementos que o constituem (apresentador, cenário, reportagens, sonoras, escolhas lexicais, efeitos de câmera etc.) e dos processos (de formação, construção, edição, expressão, transmissão etc.), deve permitir chegar a uma gramática do TJ, empreitada de fôlego, que pudesse reunir as inúmeras abordagens do TJ que têm sido publicadas atualmente. Nossa preocupação, nos limites deste texto, será tomar os dois tipos de transmissão: /em tempo real/ vs /em edição/, aqui denominados formatos sincrônico e diacrônico, respectivamente, e, considerando que cada tipo prevê uma forma de produção e recepção, tentar responder às questões: O TJ atualiza os dois formatos? Há preponderância de um sobre o outro? Os efeitos de sentido de cada formato podem ser analisados enquanto prática tensiva?

2. Da transmissão em tempo real

Desde a sua invenção, a grande mágica da televisão foi anular o tempo e o espaço no ponto de vista enunciativo. A transmissão em tempo real, de qualquer lugar do globo ainda deslumbra o telespectador, que tem a sensação de tocar a “realidade”, pois as tomadas de câmera dão conta de situar o espectador no espaço e no tempo da notícia e o relato oral do apresentador aponta detalhes, insiste na entonação para dar o “colorido” necessário ao espetáculo, seja ele eufórico ou disfórico. Essa sincronia entre fato e transmissão faz o telespectador testemunhar os fatos, sentir-se transportado para aquele espaço de transmissão, estar ali, presenciando cada detalhe. A sincronia foi dominante no início da transmissão televisiva, época em que até as telenovelas (teleteatro) eram transmitidas ao vivo e os programas de variedades e de humor eram gravados em auditórios e diretamente transmitidos.

Apesar do forte impacto que provoca no telespectador, a cada dia a transmissão simultânea vem sendo abandonada pela televisão, cedendo lugar à gravação e à edição de matérias, ou seja, à transmissão diacrônica, pois esta permite que cada matéria seja preparada anteriormente, num processo de seleção que prioriza os aspectos marcantes do fato ocorrido no mundo real.

Transmitir ao vivo hoje é uma temeridade. O entrevistado pode dizer mais do que o esperado, ser inoportuno. Nem o reality show, o Big Brother da Globo, por exemplo, é

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transmitido ao vivo. Entre a captação das imagens e sua transmissão, há alguns segundos de diferença, para cortes ou apagamento de expressões pejorativas proferidas pelos participantes. Hoje em dia, só os grandes eventos são transmitidos ao vivo, muito bem preparados, como as competições esportivas, corridas de carros da Fórmula um, Copa do Mundo, ou grandes tragédias, como a os atentados às torres gêmeas de Nova York (11/09/2001) ou a recente queda do avião da TAM ao lado do aeroporto de Congonhas em São Paulo (17/07/07), que, coincidentemente, aconteceu no horário de transmissão de alguns telejornais do começo da noite.

3. Da gravação e edição

Embora o maior mérito da TV tenha sido anular o tempo e o espaço propiciando a

simultaneidade e a sincronia, há algum tempo, ela fez nova opção: optou pela elaboração da notícia, através da gravação e edição dos textos. Assim, as gravações podem ser segmentadas (cortes e emendas da edição) e os aspectos mais marcantes priorizados. A notícia é apresentada como um todo, sem improvisações nem falhas, um produto que passa por uma hierarquia de processamentos sucessivos, que lhe garante eficiência. A inclusão de imagens de arquivo, de outras gravações paralelas e o tempo conferido à edição permitem qualificar essa prática televisiva de diacrônica, sobretudo porque sua elaboração estende-se num período de tempo, mesmo que seja de poucas horas.

Sem dúvida essa opção não é casual. O minuto na TV é artigo caro, o relato deve ser sintético e as novas tecnologias permitem uma elaboração cada vez mais criteriosa e dinâmica, em que cada linguagem (áudio, visual, gestual, entonação, proxêmica etc.) é convocada para produzir efeitos de sentido hiperbólicos. A imagem em movimento, as técnicas emprestadas do cinema e suas próprias técnicas desenvolvidas – movimento de câmera, planos, montagem, ritmo, cortes, efeitos de luz e de computação gráfica etc. - produzem uma “realidade”, que lhe confere veracidade, impacto e autenticidade.

Com essa abundância de recursos e técnicas consagradas, a TV consegue o inusitado: o texto editado ganha muito mais intensidade do que a transmissão simultânea. Se a transmissão “ao vivo” proporciona ao espectador os valores eufóricos de veracidade, autenticidade, identidade, pois ele se sente transportado no espaço e no tempo, hoje é a transmissão editada que confere esses valores, pois as práticas de edição simulam muito mais veracidade e autenticidade. Estamos diante de um paradoxo, que, no entanto a TV consegue driblar.

Como? Realizado de forma coletiva, o produto final audiovisual pressupõe uma enunciação que não pode ser dissociada, uma enunciação que decorre da competência do actante enunciador (coletivo) em admitir dois aspectos fundamentais: 1. as linguagens como sistema virtual, rico e dinâmico e 2. o mundo natural como sistema realizado e ”verdadeiro”. Entretanto, o mundo natural (ou mundo sensível) está sujeito a todas imperfeições e acidentes, além disso é moroso e, muitas vezes, até cansativo. Quantas vezes assistimos a transmissões ao vivo apresentadas por repórteres mal preparados, confusos, desnorteados? O 11 de setembro e o acidente da TAM são bons exemplos. Em ambos, o telespectador foi surpreendido por um fato extremo, que o deixou extasiado e em estupor. As imagens transmitidas simultaneamente é que nos tocavam, o relato foi considerado pano de fundo, texto muitas vezes deslocados, imprecisos e banais. Fora esses acontecimentos bombásticos, o mundo natural tem um

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tempo que não coincide com o tempo da TV. Por isso, a enunciação televisiva editada é uma prática na medida em que dá certo status de realidade às produções, incorporando nelas os mais fortes elementos do mundo natural, de outra forma, o relato telejornalístico não teria nenhuma eficácia. E o processo de edição permite muito mais escolhas do enunciador. Responsável pelas operações inerentes aos atos de discurso, ele convoca grandezas heterogêneas e oscilações tensivas inserindo-as no produto, elementos que serão captados no momento de interpretação do discurso pelo telespectador. Com todo esses arsenal, dificilmente a TV voltará à transmissão direta que caracterizou o início de sua operação.

4. Práticas semióticas

A teoria da prática enquanto prática aponta, contra o materialismo positivista, que os objetos do conhecimento são construídos e não passivamente gravados, e, contra o idealismo intelectualista, que o princípio dessa construção é o sistema de dispositivos estruturados e estruturantes que se constitui na prática, sendo sempre orientado para funções práticas. (Pierre Bourdieu, 1980: 87)

Falar em práticas é retomar Bourdieu, que as elegeu, desde sua primeira pesquisa de campo: observando as práticas Kabyle conseguiu realizar um estudo abrangente sobre a organização social dessa etnia fixada na Argélia. Partir das práticas para chegar a explicação/compreensão do telejornal, pode ser um percurso pertinente ao analista, pois possibilita tratar os objetos que nos chegam como objetos “construídos”, deixando de lado a interpretação ingênua de que possam ser colhidos de forma passiva por um sujeito paciente. E ainda a possibilidade de analisar sua construção a partir de um sistema de práticas de que nos fala Bourdieu na epígrafe.

Nesse mesmo sentido, Jacques Fontanille propõe priorizar as práticas como sequência de procedimentos empregados para produzir a significação, processo apoiado sobre uma hierarquia, que ele denomina níveis de pertinência semiótica (Fontanille, 2005: 36; 2007), apontando seis tipos de experiência, cada uma com suas propriedades sensíveis e materiais. Da figuratividade (figuras-signos, elementos do mundo natural apresentados nos textos) até as formas de vida (comportamento ou conduta no sentido geral de um grupo social ou de toda uma cultura no tempo e espaço definidos), o percurso compreende níveis de análise que validam a interpretação (redes textuais isotópicas), corporidade (suporte) e práticas que se organizam em conjuntura ou esquemas, num processo cada vez mais abrangente.

Na hipótese de formular uma prática tensiva, tomamos o conceito de tensividade,

proposto por Claude Zilberberg, como parâmetro para a análise do universo sensível, reunindo critérios para uma descrição minuciosa do objeto em que evidencia os

elementos de gramática tensiva (2006). No nível tensivo propõe observar as

instabilidades passionais e oscilações dos valores fóricos, antes de se converterem em objetos, modalidades, axiologias. Assim, a percepção recolhe as sensações que, imediatamente são apreciadas como fóricas (eufórica/disfórica). A essa apreensão corresponde modulações tensivas que decorrem de escolhas do enunciador que regula o tempo e o espaço, lugar onde nasce a noção de tensividade. Essa oscilação tensiva decorre da presença sensível do enunciador que faz escolhas em duas direções: ou apresenta o fato em forma de distensão natural e linear ou em forma de contenção, em que o fato deixa de acontecer, fica suspenso, interrompido por algum tempo. Essas duas possibilidades contrastivas apontam modulações (gradações) do nível tensivo.

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Tomando o conceito de prática, inserido nos níveis de pertinência propostos por

Fontanille, e as noções desenvolvidas por Zilberberg sobretudo no texto Louvando o

acontecimento (2007), tentaremos investigar os dois tipos de transmissão do TJ – ao

vivo e em edição - a fim de rastrear os efeitos de sentido na perspectiva das práticas semióticas e das práticas tensivas.

5. Modos de apresentação

Zilberberg (Idem) afirma que todo texto articula três modos semióticos distintos: o

modo de eficiência, o modo de existência e o modo de junção, cada um deles apresenta seus termos marcado e não-marcado. Os termos marcados são aqueles que trazem maior impacto à matéria: insistem no exclusivo e no supremo (único e maior). Os termos não-marcados decorrem da morosidade da própria vida: os fatos acontecem numa sucessão “natural”, pois o cotidiano é puro tédio! Os fatos são repetitivos. É preciso esperar muito para ver certas previsões se concretizarem.

O modo de eficiência, “a maneira pela qual uma grandeza se instala num campo de presença” (Ibidem), pressupõe dois tipos de efetivação, com maior ou menor intensidade afetiva. Se a grandeza é instalada sem nenhuma espera, de forma abrupta, transformando os fatos em acontecimento, provocando uma parada no andamento, uma subitaneidade no ritmo, uma exclamação, uma surpresa ou até a angústia (seria a falta de Propp), teremos a modalidade do sobrevir. Se ao contrário, esse processo se efetua “a pedido”, de acordo com o desejo do sujeito, de forma a assegurar um processo mais lento, contínuo e progressivo, em que cada etapa é devidamente preparada, anunciada e até esperada, nesse caso teremos a modalidade do conseguir. O sobrevir e o conseguir são regimes de valências regidas pelo andamento, conforme demonstra o diagrama:

Tabela 1. Modo de eficiência

O modo de existência tem por germe a dualidade /virtual/ vs /real/ apresentada na dicotomia saussuriana entre as relações sintagmáticas e paradigmáticas. A primeira existe in praesentia de dois ou mais termos numa série afetiva. A segunda, ao contrário, une termos in absentia, na memória virtual (Saussure, 1976: 142-147). Assim, o modo de existência podia ser virtual ou realizado. Posteriormente, a semiótica introduziu o termo atualização (Greimas e Courtés, 1983) e, mais tarde, a virtualização e potencialização (Greimas e Fontanille, 1993). Assim chegamos às cinco operações que permitem descrever a circulação das grandezas no interior do campo de presença: a entrada, a saída, a volta das grandezas. Nos limites restritos desse trabalho, o par diretor do modo de existência será a alternância entre captura e visada (saisie e visée em francês). A captura designa o sujeito em estado de admiração, surpreso pelo sobrevir,

sobrevir

conseguir

brevidade temporalidade longevidade subitaneidade

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espantado, impressionado, e marcado por aquilo que lhe aconteceu. Um sujeito em suspensão, uma apreensão entre o sobrevir (realizado) e a potencialização (memorizado): instante em que tudo pode acontecer! Já a visada compreende um esforço para atingir um resultado, que subentende o modo de eficiência do conseguir, que se inscreve como mediação entre a atualização e a realização.

O estado de surpresa do sujeito que captura é também capturado pelo processo, daí a utilização do verbo suportar, um sujeito de estado, que sofre uma ação: sujeito paciente. A predisposição para a ação do sujeito, está contida na visada, na qual é o sujeito da ação, operador: sujeito agente. O diagrama sintetiza o par diretor:

Tabela 2. Modo de existência

modo de existência → captura↓ visada↓

disposição1 voz passiva → suportar voz ativa → agir modalidade do sujeito → sujeito de estado sujeito operador

Finalmente, o modo de junção define a condição de coesão que rege os enunciados: modos concessivo ou implicativo. Se este é definido pela gramática como da causalidade legal, expresso pelo “porque” no discurso verbal, o modo concessivo, ao contrário, é o da causalidade inoperante, introduzido pelo “embora” ou “ainda que”. A concessão é menos rara do que parece. Sua importância está no fato de abalar uma regularidade instituída. É ela que produz a transformação, a passagem de uma oposição a outra, de um extremo a outro. A concessão é muito utilizada em reportagens mais elaboradas, em que o enunciador elege uma oposição sobre a qual constrói o texto. No início, desenvolve a posição, geralmente disfórica, para em seguida, paulatinamente, demonstrar a passagem progressiva à posição antagônica, geralmente eufórica. Essa questão será exemplificada no próximo item.

Tabela 3. Modo de junção

modo de junção → concessão↓ implicação↓

gramática → causalidade inoperante causalidade legal

conectivo → embora porque

6. A construção da reportagem televisiva

Assim como fazemos em nossa própria vivência diária na apreensão do que nos cerca no mundo natural, observamos que a transmissão televisiva editada seleciona os termos marcados dos três modos semióticos: os fatos são apresentados de forma abrupta (sobrevir), provocando surpresa (captura) e os textos mais elaborados empregam a concessão, apontando oposições antagônicas resolvidas pela elaboração do próprio texto. Já no relato “ao vivo” (reprodução “fiel” do mundo natural) estão os termos não marcados dos três modos semióticos: os fatos ocorrem de forma natural, numa

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continuidade lenta, o alargamento do tempo e a abertura do espaço (conseguir) pressupõem um esforço do sujeito entre a atualização e a realização, seguindo o modo da implicação ou causalidade natural.

Tabela 4. Os três modo tensivos

determinados→ determinantes ↓

diacronia prática da edição↓

sincronia prática do “ao vivo” ↓

modo de eficiência → sobrevir conseguir

modo de existência → captura visada

modo de junção → concessão implicação

Para ilustrar nossa abordagem, tomamos o Jornal Nacional (JN) da rede Globo de Televisão, apresentado no dia 11 de maio de 2007, último dia da visita do papa à cidade de São Paulo, assunto predominante na programação da Globo dessa semana, que também evidencia a opção da rede pelo catolicismo, recorrente em seus diferentes produtos. Para evidenciar certas práticas, tentaremos abarcar o relato, as imagens e os efeitos sonoros, da reportagem síntese: “Eu vi o papa de perto”, apresentada no final dessa edição. Alguns aspectos, tanto do TJ como um todo quanto dessa reportagem, ilustrarão nosso enfoque, segundo as dimensões das práticas tensivas.

7. Efeito de presença

A mídia tem muitos defeitos, mas ela faz pequenos milagres: suprime, do ponto de vista enunciativo, o tempo e a distância: o que está longe torna-se próximo, eis a “mágica” da televisão! Claude Zilberberg (Diniz, 2007)

Embora, cada vez menos apresente programas “ao vivo”, a TV conhece o valor que a transmissão direta dá ao produto: presentificação, veracidade e impacto, transformando o telespectador em um parceiro que crê no que vê e se emociona, captado pelos sentidos. O primeiro objetivo de um TJ é mergulhar o telespectador no tempo e no espaço do discurso, com a preocupação de criar o efeito de presença. A prática enunciativa se instala pela tomada de posição dos respectivos enunciadores no início do JN: o apresentador Willian Bonner no estúdio do Rio de Janeiro, tendo ao fundo o painel (virtual) com a foto do papa sobre a silhueta da Basílica de N. Sra. Aparecida, efeito de computação gráfica, anuncia o TJ, atribuindo-lhe “valores históricos” e chama Fátima Bernardes, “ao vivo”, que está em Aparecida, SP., cidade em que o papa Bento XVI chegou às 19 horas dessa sexta-feira. Fátima e Bonner, embora distantes no espaço, são apresentados um ao lado do outro na telinha, como todas as noites no JN.

Dos 5 blocos que constituem o JN, 4 são dedicados à visita do papa e Fátima surgirá no vídeo (com o logo da Globo e a expressão “ao vivo”), apresentando e chamando cada matéria relativa ao papa e, também no final dos blocos, para anunciar as chamadas do bloco seguinte. Bonner apresenta apenas o bloco 3, com matérias fora do tema. A edição dessa noite compreende 19 notícias, das quais 13 são dedicadas à visita do papa. Isso significa que Fátima e o logo “ao vivo” estão presentes na telinha em cada passagem, anunciando cada reportagem e chamando o repórter responsável pela

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matéria, numa insistência constante de que a transmissão se faz “ao vivo”.

A transmissão direta de lugares diferentes (Rio de Janeiro e a cidade de Aparecida, nesse TJ) é mais uma técnica decorrente das novas tecnologias, que permitem a referencialização no tempo da reportagem e incidem no eixo da intensidade. Trata-se de um elemento englobante (Bonner, no Rio de Janeiro) que integra outro elemento (Fátima, em Aparecida), que, por sua vez, integra cada reportagem realizada pelos outros repórteres (São Paulo, Guaratinguetá e Aparecida). Essa série de “englobamentos”, estratégia denominada por Barthes de "mise en abîme" é, na verdade, uma montagem, um simulacro nessa edição, pois, ao contrário do que tentaram sugerir, os fatos relatados compreendem a agenda do papa nessa sexta-feira: desde a madrugada, com a chegada dos fiéis para a missa no campo de Marte, até a chegada em Aparecida, às 19 horas, horário que não coincidiu com o da transmissão do JN. Portanto, nenhuma matéria aconteceu “ao vivo”. Entretanto, o efeito de presença está garantido por um componente afetivo: Fátima Bernardes, tendo ao fundo a basílica iluminada, conduz o telespectador a acreditar na simultaneidade do tempo e no transporte no espaço, chegando mesmo a anunciar, no início do Bloco 4, a hora certa: “São 8 horas e 49 minutos”, apresentando, em seguida, a agenda do papa para o dia seguinte.

Do mesmo modo, na reportagem “Eu vi o papa de perto”, que resume os três dias de visita do papa à cidade de São Paulo e finaliza o JN dessa noite, o efeito de presença se instala de forma afetiva, verbalizada em tonalidade dramática (prosódia) por Neide Duarte: a repórter aparece no vídeo cinco vezes para insistir no efeito de aproximação do texto em relação ao centro enunciativo. Essa interferência constante dos jornalistas, que são os intermediários, os intercessores entre o fato e cada telespectador, exercem o que Jakobson denomina a função fática, aquela que mantém o contato e garante a formação, a relação, a consolidação da cadeia enunciativa entre o aqui e o lá, reciprocamente.

A construção da reportagem prioriza o modo de junção concessivo, pois a repórter

inicia tomando a posição /distanciamento/: o papa é focalizado de longe, dentro do papa móvel ou mesmo na janela do mosteiro de São Bento, sempre atrás de vidros blindados e forte esquema de segurança. Em seguida, num processo de implicação sucessiva, que lembra um entimema, evidencia que, por estar hospedado no mosteiro, o papa pode ser considerado como “nosso vizinho”, “um vizinho santo”! E a matéria termina com a sonora “Papa apareça mais vezes!”, saudação de uma senhora dentre os fies reunidos na praça, que revela total intimidade. Assim, o texto pratica a concessão ao passar do distanciamento inicial para a interação final.

Do mesmo modo, num processo de ascensão constante, marcadas por gradações sucessivas em direção a um instante de sublimação, o papa, de celebridade (motivo de curiosidade) passa a “santo” (motivo de veneração), que abençoa e é aclamado pela multidão na despedida: “Santo! Santo! Santo!” saúdam os fiéis no final da reportagem. Instante que nos lembra a "fratura", "essa suspensão inesperada do tempo”, de que nos fala Greimas (2002: 25). A repórter faz seu relato com nuanças de voz, com musicalidade: injunções de andamento e de tonicidade que falam diretamente à “alma” (Zilberberg, 2006: 41). Assim, a fusão da imagem, do relato e do som da multidão aclamando, todos termos marcados nos três modos, esse instante torna-se um momento de plenitude estésica e estética, produto eficaz, instante que sobrevém na continuidade amorfa do cotidiano.

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8. Para terminar

Reconhecendo que para o telespectador a apresentação sincrônica tem poder de impacto, o telejornal concilia tanto a transmissão ao vivo quanto a transmissão editada. A primeira está na presença dos apresentadores no estúdio ou no local de transmissão, quando um acontecimento importante exige esse deslocamento. Por ocasião da morte do papa João Paulo II, em 2005, Willian Bonner foi deslocado à Roma e apresentou o JN durante uma semana, no período entre a morte do papa e seus funerais. Na recente visita do papa Bento XVI, foi Fátima Bernardes quem representou esse papel, anunciando todas as matérias relativas a essa visita no JN de 14 de maio de 2007, mesmo que, em nenhum momento, estivesse realmente apresentando uma matéria ao vivo.

Assim, o JN desenvolveu técnicas e utiliza práticas eficientes, dentre elas o efeito de presença, analisado neste artigo, e marcado com o logo “ao vivo” na telinha, signo que, literalmente retrata a transmissão ao vivo da/o apresentador(a) fazendo as chamadas das reportagens que seguem. Essas chamadas são apenas um instante enunciativo que, no entanto, consegue “contaminar” as reportagens que sucedem, criando a ilusão de simultaneidade. Muitos outros exemplos poderiam ser citados, como a recente atuação de Fátima Bernardes na semana dos Jogos Pan-americanos do Rio, 2007, escalada para desempenhar esse elo de ligação “ao vivo” que sustenta e direciona a enunciação em processo.

As reportagens editadas são preponderantes nos TJ, pois permitem priorizar os termos marcados para evidenciar e assinalar os aspectos “fortes”, “tensos”, enfim de produzir maior impacto. A TV não dispõe de tempo ocioso. Não dá para esperar as coisas acontecerem no mundo natural, caracterizado por termos não-marcados, esse “tédio” da vida real. No entanto, o texto editado apresenta o mesmo esquema da transmissão ao vivo, focalizando o/a repórter in loco, como prova de sua presença e mediação diretas: uma reportagem editada que acolhe em si mesma o valor de concomitância temporal entre o repórter e a ação.

Determinar a gramática da notícia pelos aportes das práticas tensivas explica a opção da TV pela transmissão editada ou diacronia e revela, ao mesmo tempo, uma prática consagrada e jamais preterida: os apresentadores devem estar transmitindo ao vivo o TJ - presentes no estúdio, ou in loco, possibilidade essa que decorre das novas tecnologias. Isso porque o TJ não pode ser uma transmissão totalmente editada. A qualquer momento pode surgir um fato novo que exija uma menção ou mesmo a inserção de imagens imediatas. Conciliando as duas formas de transmissão, as práticas do TJ exigem tanto as reportagens editadas – com seus repórteres mediadores - quanto a presença dos apresentadores ao vivo no horário de transmissão. Esse jogo garante a eficiência do fazer telejornalístico.

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