ESTUDO COMPARATIVO E N T R E EMPREGO E NÃO
EMPREGO D E ESTERÓIDES N A SÍNDROME
D E GUILLAIN-BARRÉ
CLAUDIO GODINHO NAYLOR *
ANTONIO LUIZ DOS SANTOS WERNECK ** MARIA CLINETE SAMPAIO LACATIVA **
A síndrome de Guillain-Barré ( S G B ) ou polineuropatia a g u d a idiopática é doença desmielinzante dos nervos periféricos. A s n e u r o p a t í a s desmielinizantes a d q u i r i d a s s ã o divididas em dois g r u p o s : u m a forma a g u d a (síndrome de Guillain-Barré, S G B ) e uma forma crônica (polineuropatia inflamatóra c r ô n i c a ) . O diagnóstico diferencial d a s d u a s formas é feito pelo q u a d r o clínico e l a b o ratorial. E m b o r a o prognóstico seja favorável no t o c a n t e à m o r b i d a d e , a p r o -x i m a d a m e n t e 2 5 % d o s pacientes têm sequelas neurológicas, além de ocasionar óbitos em 5 a 1 0 % d o s c a s o s que tiveram comprometidos os músculos respi-r a t ó respi-r i o s . Na histórespi-ria do t respi-r a t a m e n t o de SGB verespi-rificamos que L a n d respi-r y em 1859 observou em um g r u p o de 10 pacientes que um destes havia m e l h o r a d o com quinina, o u t r o com inalação de clorofórmio e ópio, e n q u a n t o o s dois pacientes que faleceram receberam m a s s a g e m e estímulos e l é t r i c o s6
. Guillain em 1936 j u l g a r a ser a SGB p r o v o c a d a por um vírus n e u r o t r ó p i c o ; p r o p ô s , então, salici¬ lato de sódio, quinina, ouro coloidal, e l e t r o t e r a p i a e b a n h o s q u e n t e s2
. Após essa fase de empirismo terapêutico, p a s s o u - s e a utilizar d r o g a s i m u n o s s u p r e s ¬ s o r a s com r e s u l t a d o s controvertidos.
O p r e s e n t e e s t u d o tem por objetivo a p r e s e n t a r nossa experiência q u a n t o ao e m p r e g o e ao não emprego de corticoesteróides na S G B .
MATERIAL E MÉTODOS
Utilizamos um grupo de 21 pacientes internados no Hospital dos Servidores do E s t a d o do Rio de Janeiro no período de maio de 1966 a dezembro de 1983. A punção lombar foi feita em todos os casos, verificando-se sempre um aumento na t a x a de proteínas. O índice médio de proteínas no líquido cefalorraqueano foi 90,4mg%. Entre os pacientes que usaram corticoesteróides o índice foi 80,7mg% e entre os que não usaram foi 253,7mg%. D o s casos, 14 eram do s e x o masculino e 7 do feminino, com maior incidência nas segunda e quarta décadas. A tabela 1 mostra as doenças que ocorreram no período antecedente à internação d e s s e s pacientes. A tabela 2 traz os dados referentes aos sinais e sintomas, enquanto que a 3 apresenta as patologias concomitantes.
O índice de pacientes não tratados com corticoesteróides foi 42,8%. Não houve critério de seleção para o emprego dos corticoesteróides; o que s e observa é que a maioria dos pacientes que fizeram uso desta droga foram aqueles com internação na década de 70, já que a idéia de tratar dos pacientes apenas com cuidados clínicos gerais e fisioterápicos é recente em nosso serviço.
Trabalho do Serviço de Neurologia do Hospital dos Servidores do Estado do Rio de Janeiro: * Chefe, do Serviço; ** Médico Assistente.
360 ARQ. NEURO-PSIQUIATRIA (SÃO PAULO) VOL. U> N° 4, DEZEMBRO, 1986
Doença Nv %
Infecção respiratória 8 38
Infecção intestinal 2 9.5
Hepatite 1 4,7
Amigdalite 1 4,7
Tabela 1 — Doenças intercurrentes.
Sinais e Sintomas Nv %
Alteração motora 21 100
Alteração sensitiva 11 52,3
Dores generalizadas 7 33.3
Obstipação 2 9,5
Retenção urinária 1 4,7
Incontinência urinária 1 4,7
Tabela 2 — Sinais e sintomas.
P a t o l o g i a s Concomitantes %
D i a b e t e s mellitus 2 9,5
Tuberculose renal 1 4.7
Esquistossomose 1 4,7
P n e u m o n i a 1 4.7
Infecção urinária 1 4,7
Alcoolismo 1 4,7
Anemia ferropriva 1 4,7
Tabela 3 — Patologias concomitantes.
R E S U L T A D O S
A média do tempo de internação dos pacientes tratados com corticoesteróides foi 65,6 dias e dos não tratados, 52,6 dias. N o grupo que u s o u corticoesteróide a variação foi de menos de 30 dias (4 casos) ao m á x i m o de 110 dias (um caso). N o s casos não tratados, o tempo de internação oscilou entre 30 dias (sete casos) e m a i s d e 110 dias
R E S U L T A D O S
ESTERÓIDES E SÍNDROME DE GUILLAIN-BARRE 361
COMENTÁRIOS
Como a maioria dos pacientes com S G B melhora espontaneamente^, o t r a -tamento d e s t a entidade sempre foi muito q u e s t i o n a d o . A neurite experimental alérgica ( N E A ) tem aspecto histológico semelhante à SGB doença. Heitmann e Manweiler falharam na prevenção da NEA em coelhos t r a t a d o s com 5 m g / k g de hidrocortisona a n t e s da imunização, com intervalo p a r a reinício uma s e m a n a a p ó s e l a3
. H u g h e s , no e n t a n t o , utilizou esteróides em r a t o s com NEA e obteve r e s u l t a d o s positivos, verificando que a prednisolona introduzida no início dos sinais neurológicos diminuía a intensdade d a d o e n ç a4
. O modo de ação dos esferóide em NEA não é conhecido e pode ser multifatorial1
. E s t a situação em que a profilaxia com esteróides é menos efetiva na prevenção em relação com o t r a t a m e n t o d a NEA s u g e r e uma ação anti-inflamatória reduzindo o edema, que é um a c h a d o indiscutível d a NEA.
O primeiro relato do uso de corticoesteróides na SGB foi feito por Shy e McEachern em 1951 que o b s e r v a r a m r e s u l t a d o medíocre em t r ê s casos^. P o r o u t r o lado, Stillman e G a n o n g r e l a t a r a m a l g u n s casos que se b e n e f i c i a r a m1
^ Em 1953, P l u m concluiu que os corticoesteróides não a t u a r i a m na SGB e que s e u s efeitos seriam coincidentes?. P o s t e r i o r m e n t e , no e n t a n t o , s u r g i r a m inú-m e r o s t r a b a l h o s conflitantes, pelos quais acreditava-se que o uso de esteróides era útil em a l g u n s casos e, em o u t r o s , não. S e g u n d o H u g h e s , a a p a r e n t e melhora inicial seria devida à euforia d e s e n c a d e a d a pelos corticoesteróides ou a seu efeito placebos.
Nos t r a b a l h o s recentes salientam-se a l g u n s a s p e c t o s S . u .1 2
linfócitos s u p r e s s o r e s , os quais n o r m a l m e n t e previnem a recorrência dos sinto-m a s . A discrepância que existe na r e s p o s t a a o s corticoesteróides entre NEA e SGB não reflete a dificuldade na análise do e m p r e g o d e s t a d r o g a , e o que se conclui é que a NEA n ã o serve como modelo p a r a a S G B .
P o r esses motivos, concluimos pela n ã o utilização de corticoesteróides na SGB, a j u l g a r por este nosso estudo comparativo j á que, sem dúvida, obtive-m o s obtive-m e l h o r e s r e s u l t a d o s n a q u e l e s pacientes t r a t a d o s a p e n a s coobtive-m cuidados g e r a i s e fisioterápicos.
RESUMO
São e s t u d a d o s 21 pacientes i n t e r n a d o s no Hospital dos Servidores do E s t a d o do Rio de J a n e i r o com d i a g n ó s t i c o clínico e l a b o r a t o r i a l de síndrome de Guillain¬ B a r r é , no período de maio de 1966 a dezembro de 1983. D o s casos, 14 eram do sexo masculino e 7 do feminino, com maior incidência n a s s e g u n d a e q u a r t a d é c a d a s . Doze c a s o s foram t r a t a d o s com corticoesteróides e 9 não foram. A média do tempo de internação d o s pacientes que não u s a r a m corticoesteróides foi 52,6 dias, e n q u a n t o nos c a s o s t r a t a d o s foi 63,6 dias. É discutido o aspecto terapêutico do uso de corticoesteróides com a c o n s t a t a ç ã o de melhor r e s p o s t a nos pacientes em que n ã o foram utilizados e, também, a presença de compli-cações q u a n d o do uso de corticoesteróides e o menor t e m p o de i n t e r n a ç ã o dos casos n ã o t r a t a d o s .
SUMMARY
Comparative study on steroids use and non use in the Guillain-Barré syn-drome.
W e studied 21 p a t i e n t s admitted at Servidores do E s t a d o do Rio de Janeiro Hospital with clinical and l a b o r a t o r i a l d i a g n o s i s of Guillain-Barré s y n d r o m e from May 1966 to December 1983. It w a s not observed any prevalence of s y m p t o m s at any special season of the y e a r ; 14 male patients and 7 female a t the 2nd. and 4th. d e c a d e s w e r e analysed. T h e a v e r a g e time of hospitali-zation for p a t i e n t s w i t h o u t steroids w a s 52.6 d a y s and for p a t i e n t s t a k i n g s t e r o i d s w a s of 63.6 d a y s . W e discussed the terapeutic value of steroids and our conclusion is t h a t improvement w a s s h o r t e r and better in patients w i t h o u t steroids. T h e y acquired less time of hospitalization. Besides this, side effects on p a t i e n t s with steroids w a s g r e a t e r .
R E F E R Ê N C I A S
1. FAUCI, A . S . ; DALE, D.C. & BALOW, I.E. — Glucocorticosteroid therapy: mechanisms of action and clinical considerations. Ann. int. Med. 84:304, 1976. 2. GUILLAIN, G. — Radiculoneuritis w i t h acellular hyperalbuminosis of the
cere-brospinal fluid. Arch. Neurol. Psychiat. 36:975, 1936.
3. HEITMAN, N.R. & MANWEILER, K . L . — Experimental animal studies on allergic polyneurosis. Dtsch. Z. Nervenh. 177:28, 1956.
4. HUGHES, R.A.C. — Acute inflammatory polyneuropathy. In F.C. Rose ( e d . ) : Clinical Neuroimmunology. Blackwell, Oxford, 1979, pg. 170.
R E F E R Ê N C I A S
1. FAUCI, A . S . ; DALE, D.C. & BALOW, I.E. — Glucocorticosteroid therapy: mechanisms of action and clinical considerations. Ann. int. Med. 84:304, 1976. 2. GUILLAIN, G. — Radiculoneuritis w i t h acellular hyperalbuminosis of the
cere-brospinal fluid. Arch. Neurol. Psychiat. 36:975, 1936.
3. HEITMAN, N.R. & MANWEILER, K . L . — Experimental animal studies on allergic polyneurosis. Dtsch. Z. Nervenh. 177:28, 1956.
5. HUGHES, R.A.C.; K A D L U B O W S K Y , M. & H U F S C H M I D T , A. — Treatment of acute inflammatory polyneuropathy. Ann. Neurol. 9 ( s u p l ) : 125, 1981.
6. LANDRY, O. — Note sur la paralysie ascendante aigue. Gaz. hebdom. Med. Paris 6:472, 1859.
7. PLUM, F. — Multiple symmetrical polyneuropathy treated w i t h cortisone. Neurology 3:661, 1953.
8. SANOU, L. — Corticosteroids in Landry-Guillain-Barre-Strohl syndrome. Lancet 2:662, 1974.
9. SHY, G.M. & Mc EACHERN, D. — Further studies on the effect of cortisone and Acth in neurologic disorders. Brain 74:354, 1951.
10. STILLMAN, J.S. & GANONG, W . F . — The Guillain-Barre s y n d r o m e : report of a case treated w i t h Acth and cortisone. N. Engl. J. Med. 246:293, 1952.
11. SWTCK, H.M. & Mc QUILEN, M.P. — The u s e of steroids in the treatment of idiopathic polyneurits. N e u r o l o g y 26:205, 1976.
12. THOMAS, P . K . ; LASCELLES, R.G.; H A L P I K E , J . F . & H E W E R , R.J. — Recurrent and chronic relapsing Guillain-Barre polyneuritis. Brain 92:589, 1969.