• Nenhum resultado encontrado

A defensora da qualidade do ensino

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2017

Share "A defensora da qualidade do ensino"

Copied!
2
0
0

Texto

(1)

18 G E T U L I O Janeiro 2008

V I D A A C A D Ê M I C A

Janeiro 2008 G E T U L I O 19

Q

uase tudo do que nos últimos anos se discutiu

sobre qualidade do ensino passou pelas mãos da ex-coordenadora da pós-graduação em Direito da Universidade de Brasília (UnB), a professora Loussia Penha Musse Felix. Já ao terminar sua graduação, essa fluminense de Petrópolis decidira deixar de lado as lides nos tribunais pela dedi-cação a “pensar o papel do Direito no país”. Aprovada em 11º lugar para o curso da Federal do Rio de Janeiro, ela acabou graduando-se pela Universidade Católica de Petrópolis, aconselhada pelo pai, figura importante em sua vida e formação. Na verdade, até considera a troca um ganho, pois mesmo sendo uma “faculdade dogmática

e conservadora, até certo ponto associada com o

esta-blishment”, ganhou ali parâmetros seguros. Ela se formou

em 1982, quando “os ventos da abertura democrática já estavam soprando”.

A proposta de pensar o papel do Direito

Um divisor de águas em sua vida foi assistir a um de-bate sobre direito e política, num encontro realizado pela seccional da OAB em Petrópolis, em 1981. Na mesa, o cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, Leo-nardo Boff e Marcus Faver, professor de Loussia. “Fiquei impressionada com aquele debate e decidi que queria participar desse movimento de pensar o papel do Direi-to na abertura democrática. Talvez por isso não segui a carreira tradicional. Não quis ser advogada, juíza ou promotora, pois queria mudar o jeito de pensar o Direito. Fui tentar carreira acadêmica.”

Terminada a graduação, buscou se aconselhar com Wanderley Guilherme dos Santos no IUPERJ (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro), mas ele estava doente. Para não perder a viagem, foi visitar a PUC

do Rio e descobriu um mestrado que se reestruturava em Direito e Democracia. “Era um programa voltado para uma teoria da democracia, uma visão crítica do Direito”, explica. Entrou e terminou sua dissertação (1988) já ca-sada com o cientista político Terrie Ralph Groth, com quem foi morar no Recife. “A vida tem dessas coisas, as relações pessoais entrando nas profissionais”, brinca. Passaram um semestre na capital pernambucana, onde Groth atuou como professor visitante no mestrado. Dali seguiram para São Carlos, interior de São Paulo, onde o marido fora contratado para lecionar na Universidade Federal, a UFSCar. Loussia, com o título de mestra em Direito, saiu à procura de faculdades locais para dar aula. E entrou em contato com a realidade precária desses cursos e o que foi o tema de seu doutorado.

A qualidade de ensino, tema de pesquisa

“Me deparei com essa, não diria crise, mas tragédia do ensino jurídico”, lembra-se. Havia em São Carlos um curso noturno de Direito, 160 alunos por classe. “Fiquei perplexa por aquilo ser chamado de faculdade. Minha escola podia ter sido conservadora, dogmática, mas tive uma sólida formação, saí capaz de exercer advocacia”, compara. Ela começou a pensar no que aconteceria nas escolas que cresciam como cogumelo pelo interior do país naquela virada dos anos 80 para os 90. E como isso não era algo isolado, problema do curso onde fora dar aula, mas um fenômeno recorrente. “Passei a me interessar pela literatura jurídica, a ler autores críticos sobre o ensino do direito, como o José Eduardo Faria. Havia pouca produção na época. Pensei que o local mais apropriado para um doutorado em que pudesse refletir sobre o ensino jurídico, que trouxesse respostas para essa transformação e a necessidade de mudanças, seria na área

Loussia Felix deixou as possibilidades de uma carreira nos tribunais para se dedicar

a descobrir metodologias para avaliar cursos e melhorar o ensino do Direito

A DEFENSORA DA

QUALIDADE DO ENSINO

Por Carlos Costa Foto Raphael Mendes

(2)

20 G E T U L I O Janeiro 2008 Janeiro 2008 G E T U L I O 21

da Educação”, conta. Ela se inscreveu para a primeira turma de doutorado em Educação da Federal de São Carlos e foi aprovada. “Queria analisar o papel da OAB, do Estado e das faculdades de Direito, atores dessa crise que, para mim, já era bastante evidente.”

Na UFSCar fez contatos com educadores como Val-demar Sguissardi, referência no sistema de avaliação de ensino, e Ramon Penha Castro, seu orientador. Teria co-nhecido o famoso escritor Deonísio Silva? “Ah, sim, foi uma pessoa que conheci”, ela sorri. “Uma vez ele falou ‘A Loussia é uma guerreira’, referindo-se a um concurso que prestei para a Procuradoria Jurídica da universidade, concurso que contestei, por considerar irregular. Acabei em atrito com o reitor, figura importante do Partido dos Trabalhadores, a coisa tomou certo vulto, achei melhor deixar aquilo de lado, sair de São Carlos – tinha até um apartamento lá – e prestei concurso na Universidade de Brasília, na área de Direito, onde estou até hoje.”

A criação de modelos de avaliação

A transferência

para Brasília coloca-va Loussia no olho do furacão: ela chega à universidade num momento de redefi-nições. O então dire-tor da Faculdade de

Direito, José Geraldo de Sousa Jr., estava envolvido com a Comissão de Ensino Jurídico no Conselho Federal da

OAB [leia a entrevista na página 24].

“Eu havia tomado conhecimento dessa comissão no Congresso da Ordem realizado em Vitória, em 1991, durante o período do impeachment do Collor, um ano efervescente”. Naquele congresso, conheceu Paulo Luiz Netto Lôbo, então presidente da Comissão de Ensino Jurídico. “Paulo Lôbo é uma pessoa muito atenta tanto à proposta de mudança quanto aos desafios que ainda per-manecem, os que não foram superados”, afiança ela. Para o encontro de Vitória, os autores que haviam escrito algo abordando a crise do ensino foram convidados a preen-cher um questionário para a OAB, que reuniu as

respos-tas em um volume chamado Diagnóstico, Perspectiva e

Propostas. Durante esse painel, Loussia fez perguntas que

chamaram a atenção dos integrantes da mesa, e foi convi-dada para participar da Comissão. “Claro que eu queria, pois aquilo era material para minha tese”. Foi nessa época que começou a levantar dados sobre ensino jurídico para sua tese. Ela passa a trabalhar como consultora, fazendo

leitura de estatísticas e elaborando propostas. A professora ficou na Comissão de 1991 até o final de 1997, quando saiu para se centrar nas demandas da UnB.

No primeiro Exame Nacional de Cursos (o provão), realizado em 1996, foram identificadas várias faculdades de Direito com problemas. E o ministro da Educação, Paulo Renato, começou a ser pressionado por parte da sociedade, da imprensa e das instituições de ensino, pois o provão era a única forma de avaliação dos cursos. “Na verdade, não se fazia avaliação, mas uma espécie de clas-sificação dos cursos em A, B, C, D, E”, argumenta.

Por causa dessa pressão, Loussia foi convidada pelo MEC para criar um modelo de avaliação que não apenas apontasse problemas, mas que proporcionasse às insti-tuições subsídios para superá-los. “Com isso começou a ser elaborado na área do Direito um sistema de avalia-ção levando em conta o corpo docente, as dimensões do currículo e as instalações físicas”, conta. Mais tarde esse sistema foi transposto do Direito para todos os cursos de graduação, com o nome de Avaliação das Condições de

Oferta.

A elaboração desse modelo também fez parte do doutorado de Loussia, defendi-do em abril de 1997. “Foi uma tese com observação partici-pante: eu criava o objeto e o objeto influenciava na ela-boração da tese”, conta. Na criação desses modelos de avaliação, estudando diferentes cursos, a pesquisadora en-controu um corpo docente prático-profissional, formado por “advogados que dão aula”. “É alguém que advoga ou um juiz que conhece leis, rotinas de processo, mas que não tem intimidade com pesquisa e com critérios aca-dêmicos. Esse profissional repete o que aprendeu, mas não recria em cima. É um conhecimento que não se transforma”, avalia. Ela formou então quarenta comissões que saíram a campo para investigar os cursos que tiveram notas D ou E no provão. Os critérios de avaliação do corpo docente eram a titulação, a produção científica, a experiência profissional, o tempo de docência, “algo ainda modesto”, segundo a professora.

Outra ação foi incentivar as instituições de ensino a contratar professores titulados. “A articulação na área de Direito era incipiente, havia poucos programas para titu-lar mestres e doutores: o objetivo era criar exigências e até tirar pontos de instituições que não contratassem pro-fessores titulados.” Outro dado inovador foi trazer para

a grade curricular elementos que iriam dar nova vida ao ensino, como foi o caso das “atividades complementa-res”: 10% da carga horária do currículo pode ser flexível e o aluno escolhe entre palestras, atividades de exten-são, trabalhos de pesquisa. A instituição de ensino faz um controle, estabelece o que aceita e o que não aceita como atividade complementar. “Essa foi uma sugestão do prof. Paulo Luis Netto Lôbo, da Federal de Alagoas, e é um instrumento enriquecedor que irá dinamizar muito o currículo”, garante.

As instalações físicas foram outro ponto em avaliação: biblioteca, núcleo de prática jurídica, salas de perma-nência com professor, centros de informática. Segundo Loussia, no início da década de 1990 a maior parte das fa-culdades de Direito tinha instalações físicas singelas: pro-fessor e quadro-negro. “Poucas universidades contavam com biblioteca adequada. Fizemos exigências objetivas e, até certo ponto, primitivas se pensarmos no que deve ser uma faculdade. Instituiu-se a obrigatoriedade de bi-blioteca com um acervo de, pelo menos, 10 mil volumes para qualquer curso

de Direito. Hoje é comum cursos com 20 mil volumes, pois a maioria das faculdades, para ter autorização ou ser bem avaliada tanto

pelo MEC como pela OAB, investiu em infra-estrutura e o estudante de Direito se acostumou a uma faculdade minimamente bem instalada”.

Os desafios da pós-graduação

Coordenadora do curso de graduação em Direito da UnB até 1999, Loussia Felix foi convidada a estruturar o projeto de pós-graduação dessa área dessa universidade em 2003. O programa está voltado para Direito, Estado, Constituição e Sociedade, com diferentes linhas de pes-quisa, uma constitucionalista, de corte mais ortodoxo e dogmático, e outra mais experimental, voltada para uma visão crítica do direito e sociedade num diálogo com as ciências sociais. “Foi muito bom ter de encarar esse de-safio, porque é fácil sair por aí avaliando e criticando os outros, mas quando você vai criar se depara com a dura realidade, como faz para vencer resistências, como negocia”, analisa.

Para Loussia, o ensino jurídico no Brasil atualmente conta com dois sistemas de avaliação bem instalados, um de graduação e outro de pós-graduação. “Acho que nosso

desafio agora é integrar esses sistemas”, garante. “Não dá para entender alguns fatos, como o de uma instituição como a Estácio de Sá, por exemplo, que tem um curso de pós-graduação com nota 5 pela Capes e, no outro lado do balcão, abrigar uma das 37 piores escolas de graduação do país. Isso é um paradoxo, pois a pós deve dialogar com a graduação”, diz. Tanto que a falta de cursos de pós-graduação nas universidades que oferecem gradu-ação em Direito também preocupa. Segundo ela, esse tipo de instituição dificilmente terá nível acadêmico e ambiente cultural tão bom. “Os cursos de graduação que não têm pós apresentam um déficit de possibilidades para o aluno e para o docente”, afirma.

Loussia exemplifica com a experiência da própria UnB, onde o doutorado em Direito está no terceiro ano: “Já era um curso bom, com conceito A no provão e agora nota máxima no Enade, os alunos têm tradicionalmente bom desempenho no exame da OAB, mas o início do doutorado – com palestras, novos alunos, professores e as possibilida-des de intercâmbio científico – trouxe uma melhora sen-sível de qualidade para graduação”.

Seria possível

criar um mestrado em cada um dos 1.071 cursos de gra-duação existentes? “Evidentemente que não, mas não acredito numa graduação de excelên-cia onde não haja pelo menos um mestrado”, responde. “Mas, ao contrário de alguns colegas avaliadores, não creio que exista no Brasil um curso de pós-graduação nota 7, porque não temos ainda, na área do Direito, o mesmo nível de internacionalização que acontece em algumas áreas, como a antropologia ou a medicina, por exemplo. Estamos caminhando para isso. No entanto, há ainda um longo chão a percorrer.”

Loussia deixou a coordenação da pós-graduação da UnB há dois anos, quando ganhou uma bolsa de estudos na Alemanha. Lá tomou conhecimento de um mestrado interdisciplinar em ação humanitária, que congrega sete universidades européias e oito instituições ao redor do mundo. “O Direito hoje tem forte demanda para trazer uma abordagem interdisciplinar e isso a gente ainda não sabe muito bem como fazer, temos de aprender.”

O currículo, insiste, é algo que deve estar em constan-te mudança, “visando uma formação humanista de quali-dade e que ofereça ao estudante as competências profis-sionais de que precisa para se inserir no mercado”.

“No doutorado, quis fazer uma análise

do papel da OAB, do Estado e das

faculdades de Direito, atores dessa crise

que, para mim, já era bastante evidente”

“O ensino jurídico hoje conta com dois

sistemas de avaliação bem instalados, um

de graduação e outro de pós-graduação.

O desafio agora é integrar os dois”

Referências

Documentos relacionados

As rimas, aliterações e assonâncias associadas ao discurso indirecto livre, às frases curtas e simples, ao diálogo engastado na narração, às interjeições, às

O Processo Seletivo Interno (PSI) mostra-se como uma das várias ações e medidas que vêm sendo implementadas pela atual gestão da Secretaria de Estado.. Importante

Então os pais divulgam nosso trabalho, e a escola também ela divulga todos os resultados, então nós temos alguns projetos que desenvolvemos durante o ano letivo, que

devem ser compositores do capítulo 2. Porém, como utilizamos o questionário para selecionarmos as escolas, fizemos uma breve apresentação desse instrumento... protagonistas

Art. O currículo nas Escolas Municipais em Tempo Integral, respeitadas as Diretrizes e Bases da Educação Nacional e a Política de Ensino da Rede, compreenderá

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em

Fonte: elaborado pelo autor. Como se pode ver no Quadro 7, acima, as fragilidades observadas após a coleta e a análise de dados da pesquisa nos levaram a elaborar

O caso de gestão estudado discutiu as dificuldades de implementação do Projeto Ensino Médio com Mediação Tecnológica (EMMT) nas escolas jurisdicionadas à Coordenadoria