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A desumana neutralidade da métrica

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Academic year: 2017

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A D ESUM A N A N EUTRA LID A D E D A MÉTRICA

Jo ão Batista Toledo PRA DO1

• RESUMO: A frase que serve d e título a este trabalho fo i reco lhid a d e u m ensaio so bre a po

e-tisa russa A nna A khm ato v a, escrito pelo p o eta e crítico Jo sep h Bro d sky (1994) e intitu lad o

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

A musa lastimosa. O ap reço neg ativ o em que, ali, o crítico te m à m étrica - efeito do emp reg o

d o ad jetiv o " desumana" e, até certo p o nto , d o substantiv o " neutralidade" - é resp o nsáv el po r u m certo co nstrang im ento , ind uz id o em q uem , nos d ias que co rrem, se o cup a d o estud o d a po esia clássica g reco -latina, cuja existência se fund a po r inteiro na o bserv ância estrita d e metro s inv entariad o s e exaustiv am ente catalo gad o s ao lo ngo de mais d e d o is milênio s d e estud o s. E fo rço so p ro curar co mp reend er o real p ap el d a métrica na co m p o sição d e p o emas, se não pelo p restígio que o p rêmio N o bel d e Literatura de 1987 co nfere a sua crítica, pelo meno s pela reco rrência co m que asserç õ es d esse mesmo naip e ap arecem em p o etas que exercem ativ id ad e crítica, co mo o Otávio Paz (1982) d e O arco e a lira, ao afirmar categ o rica-m ente que " metro e ritmo não são a mesma coisa". Esse artig o utiliz a tais afirmaçõ es co mo

p o nto d e p artid a p ara u m a reflexão so bre o eng end ramento d o ritm o e d a p o etic id ad e d e ver-sos em latim .

• PA LA VRA S-CHA VE: Jo seph Bro d sky; métrica; p o ética; ritmo ; língua latina; p lano da exp ressão .

Em alguns de seus poemas [de A khmato va], aquela salmodia tende a se con-fundir tanto com a voz da autora que ela se vê obrigada a acentuar a co ncretude dos detalhes ou da imagem a fim de salvá-los, bem como salvar sua própria men-te, da desumana neutralidade da métrica.

(BRODSKY, 1994, p.41) O ritmo não é med id a, nem algo que está fora de nós; somos nós mesmos que nos transformamos em ritmo e rumamos para "algo". O ritmo é sentido e diz "al-go". A ssim, seu conteúdo verbal ou ideológico não é separável. A quilo que as pa-lavras do poeta dizem já está sendo dito pelo ritmo em que as papa-lavras se apo iam. E mais: essas palavras surgem naturalmente do ritmo , como a flor do caule.

(PAZ, 1982, p.70)

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Os estud o s trad icio nais de metrificação , p o ética e v ersificação antigas p o d em ser co mparad o s, pelo que to ca à fo rtuna histó rica de seu d esenv o lv imento , a u m edifício em que sempre p red o minaram as riquezas do d etalhe, a so fisticação do o rnamento e as d imensõ es da altura, co mp reend id as to das entre a trad icio nal base de o nde se ele-va até o p o nto culminativ o ao nde p retend e chegar a co nstrução . Co nstata-se, porém, que o prédio se elevo u cad a vez mais, ao lo ngo dos século s, sem a so lidez de uma fun-d ação bem estabelecifun-d a no solo fun-de princípio s teó rico s que lhe teriam p erm itifun-d o ele-var-se aind a mais e mais firmemente.

Mas qual seria o plano mais ind icad o para fincar as bases de uma tal fund ação , o u seja, por o nde exatamente se d everia co meçar a empreitad a? A respo sta, parece tê-la enco ntrad o Perini (1982), ao abordar a questão da métrica, antes de mais nada, co m os princípio s de sua natureza mesma, co m o que p ro p icio u a existência do fenô meno ,

ou seja, co m a relação entrezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA métrica, poesia e ritmo.

Pelo que se lê em Perini (ibid em), é po ssível chegar à co nclusão de que afirmar que o ritmo guard a estreita relação co m a cap acid ad e humana de p ercebê-lo co mo uma sensação , co mo u m resultad o p síquico de estímulo s, o riund o s de elemento s re-co rrentes num a certa o rd em o u sucessão temp o ral - de sílabas lo ngas e breves, no caso da po esia latina, aqui em tela - , p ermite co ncebê-lo co mo um sentid o , de que o metro é po rtad o r. É po ssível estabelecer, então , uma analo gia co m o signo lingüístico , a qual p o d eria ser enunciad a à maneira da seg uinte p ro p o rcio nalid ad e: o ritmo está para o metro, assim como o significado está para o significante, co m to das as im p

lica-çõ es disso , incluind o -se aí a arbitraried ad e2 do vínculo entre u m e o utro .

Uma visão do fenô meno métrico , assim o rientad a, p ermitiria co mpreend er o real papel da métrica na co mp o sição de poemas e, mais aind a, na de poemas d a A ntigüid a-de clássica, a-de vez que críticas como a elaborada por eminentes crítico s a-de poesia não po de simp lesmente ser po sta de lado, não apenas pelo prestígio de que go zam alguns deles - como Bro d sky (1994), cujas palavras serv iram de título a este trabalho - mas, p rincip almente, pela insistência co m que aparecem na ativ id ad e crítica de m uito s dos melho res po etas, que exerceram também ativ id ad e crítica. Tal é o caso de Otávio Paz (1982), quand o , em seu célebre O arco e a lira, afirmav a categ o ricamente que "metro

e ritmo não são a mesma co isa" (p.84) e que "nem to d o po ema - o u, para sermos exa-to s, nem exa-to d a o bra co nstruíd a sob as leis da métrica - co ntém po esia" (p.16).

A ntes de pro sseguir, porém, será co nv eniente reto mar as id éias de Bro d sky (1994), neste texto ep igrafad o , em seu ensaio sobre a po etisa russa A nna A khm ato v a. No âmbito de seu ensaio, o crítico russo naturalizad o americano d escreve-a reiterad as vezes co mo a po etisa dos "metro s rigo ro so s, das rimas exatas e das frases curtas" (ibi-d em, p.34). Se a o bserv ância e o emprego preciso (ibi-da métrica é uma (ibi-de suas marcas registrad as e, de fato , Bro d sky não cessa de lo uvar tal característica, afirmand o mes-mo que "N enhum po ema é escrito apenas para co ntar uma certa histó ria...", que "a

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prosódia sabe mais sobre o temp o do que u m ser humano go staria de se ver fo rçado a lidar" e que "O so m ... é o lugar do temp o nu m po ema ..." (ibid em, p.41-2), é cabív el

indagar o que rep resentam os qualificativ o szyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA desumana e neutra co m que se refere à

métrica de fo rma geral.

Bro dsky (ibid em) nos co nta também que A nna A khm ato v a é o p seud ô nimo po éti-co da russa A nna Go renko , que v iv eu e éti-co mp ô s seus versos até 1966, d ata de sua mo r-te, tend o p resenciad o os evento s histó rico s das duas Grandes Guerras M und iais, bem como so frid o os reveses de uma Rússia co nv ulsio nad a por mo v imento s como a Revo-lução Russa de 1905, a Revo Revo-lução So cialista de 1917 e to do s os aco ntecimento s que marcaram aquela so ciedade a partir de então .

Sob o no vo regime, as pessoas de seu círculo próximo, amigo s e parentes - em geral, quase to d o s poetas - fo ram caladas de uma fo rma o u de o utra. Seu p rimeiro ma-rido fo i executad o pelas fo rças de seg urança de Lênin; o terceiro , também preso, mo r-reu na prisão ; seu filho passo u d ezo ito anos encarcerado e, embo ra ela própria tenha p ermanecid o em liberd ad e, fo i co nd enad a a um o stracismo não o ficial por mais de quarenta anos, d urante os quais não co nseguiu p ublicar u m único livro só seu. Tais evento s fo ram capazes de substituir um d iscurso p o ético , que se o cupava, so bretud o , do tema do amor, por o utro , que envered o u por u m caminho de po emas escrito s in me-moriam daquelas vid as que lhe iam sendo subtraíd as e que, co m o temp o , lhe acabo u

valendo o título de M usa Lastimosa.

É sob a ó tica de tais fatos que se deve ler a afirmação do crítico russo sobre a "desumana neutralid ad e da métrica", po rque, como se sabe, a mesma estruturação p ro -só d ica po d e prestar-se, por exemplo , tanto à exp ressão do lírico d iscurso das p aixõ es quanto à dos de cunho p uramente id eo ló gico s e po lítico s que co stumam caracterizar a assim chamad a poesia engajada de uma ép o ca.

Transpo sto s para a cultura latina, talvez se p ud essem flagrar mo mento s dessa d i -v ersid ad e de emprego s, p ermitid o s por um a mesma matriz p o ética, que, sob o p risma de uma tragéd ia pessoal como a exp erimentad a por A khm ato v a, lev ariam d ecerto a qualificar o exp ed iente métrico que os o rigina, se não co mo desumano, ao meno s

co mo neutro, em passagens tais co mo , por exemplo , esta:

1. Tity re, tu p atulae rec ub ans sub te g m i n e fag i 2. silu estrem te n u i M u s a m m e d itaris auena, 3. no s p atriae finis et d u lc ia l i n q u i m u s arua 4. no s p atti am f u g i m u s; tu , Tity re, lentus i n u m b ra 5. f o rm o sam reso nare d o ces A m ary llid a siluas.

6. O M elib o ee, d eus no b is haec o tia fecit. 7. n am q u e erit ille m i h i semp er d eus, illius aram 8. saep e tener no stns ab o u ilib u s i m b u e t ag nus. 9. ille m e ãs errare bo ues, u t cernis, et íp sum 10. lud ere q u ae u ellem calam o p e rm isit ag resti.

Títiro , à so m b ra d a faia d eitad o ,

m ú sic a ag reste em sim p les flauta ensaias; nó s, d o ces cam p o s e a p átria d eixam o s; d a p átria p artim o s; tu , c alm o à so m b ra, fazes a m ata eco ar bela A m arílis.

A h , M e l i b e u ! U m d eus no s fez tais ó c io s: p 'ra m i m será sem p re u m d eus; no altar d ele sang rará sem p re d o ap risco u m c arneiro . D eixo u v ag arem m eu s bo is, co m o v ês, e q ue eu to q u e o q ue q ueira e m m e u c álam o .

(V1RGILE, 1910, p .43-44, trad u ç ão no ssa)

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1. A e n e ad u m g enetrix, h o m i n u m d i v o m q u e v o lup tas,

2. alma Venus, caeli subter lab entia sig na

3. q uae m are n av ig e ru m , q uae terras f ru g if erentis

4 co ncelebras, per te q u o n i am g enu s o m ne an i m an tu m

5. c o n c ip itu r v isitq u e e x o rtu m lu m ina so ils:

6. te, d ea, te f u g i u n t v enti, te nu b ila caeli

7. ad v e n tu m q u e tu u m , ti b i suav is d aed ala tellus

8. s u m m i tti t (lo res, ti b i rid ent aequo ra p o n ti

9. p lac atu m q u e m te t d if f u so lu m in e c aelu m .

e, aind a, esta:

1. "Ó M ãe d a p ro le d e Enéias, p razer d o s ho m ens e d euses,

2. A l m a V énus, tu q ue hab itas, so b estrelas v acilantes,

3. em mares p leno s d e naus e e m terras p renhes d e f ru to s!

4. É por ti q ue to d a a laç a d o s v iv entes se c o nc eb e

5. e, nascend o , v ê a luz . Fo g em , ó d eusa, d e ti ,

6. f o g em os v ento s, d e ti f o g em as nu v ens d o céu,

7. f o g em à tu a c heg ad a A t i , d elic ad o , o so lo

8. estend e flo res suav es. A ti so rriem as o nd as,

9. e, calm o , o c éu resp land ece c o u m a luz am p lif ic ad a."

(LUCRÈCE, 1954, p .2, trad u ç ão no ssa)

1. C u m su b i t ilhus tristíssim a no c tis im ag o , 2. q u ae m i h i s u p re m u m te m p u s i n V rbe f u it. 3. c u m rep eto no c te m , q ua to t m i h i cara reliq u i, 4. lab itu r ex o culis nu nc q u o q u e g u tta m eis.

Se v e m a v isão d a no ite tristíssim a, ho ra final p ara m i m na Cid ad e, se lem b ro a no ite em q ue tu d o p erd i, lág rim as ind a d o s o lho s esc o rrem .

(O VIDE, 1987, p.12, trad u ç ão no ssa)

em que tanto a miséria do pastor exp atriad o nos expurgo s de César, talvez em p ro v ei-to de alg um veterano da batalha de Filipo s, serve ao p retexei-to nitid am ente panfletário

de ind iciar Otávio como aquelezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA deus não no mead o , a quem Títiro afirma ter reco rrid o

para manter suas terras, como a solene Invocação a Vénus, que abre o m o num ental

po ema de Lucrécio e lhe dá um to m , que nada d eixa a esperar dos que se enco ntram nas aberturas de po emas da melho r trad ição ép ica, e co mo , aind a, o p langente lirismo de um Ovídio exilad o , cantand o em seus versos a d o lo rid a memó ria da no ite em que teve de d eixar Roma, e que, em que pesem d essemelhanças imp utáv eis ao efeito cumulativ o das estro fes eleg íacas, co mp artilham, aind a, da mesma natureza d atílica e hexamétrica - u m p entâmetro é, enfim, um hexâmetro catalético (por catalexis in syllabam do 3- e do 6- pés) - da mesma natureza, d izia-se, que a dos anterio res, po is

estão vazados co m a mesma a matriz: a do hexâmetro latino .

A s d iferenças, no entanto , são desde logo enco ntrad as e de p ro nto reco nhecív eis, simp lesmente p o rque o que fund a a poesia não é a mera o rganização , segund o u m padrão d eterminad o , de seu substrato fô nico , lição ap rend id a fo rmalmente desde A ristó -teles3 e, d ecerto , intuída bem antes.

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A lém dos exp ed ientes métrico s, p o rtanto , é preciso d esco brir o que mais co ntri-b u i para reco nhecer nos enunciad o s o "papel co ercitiv o e d eterm inante" que, segund o Jako bso n, eles alcançam quand o em função p o ética. O que se co nstata é que as "fig u-ras de so m reco rrentes" (JA KOBSON, 1985, p.144) na po esia estão sempre asso ciad as, seja por id entid ad e, seja por d essemelhança, a alg um traço presente no reco rte estru-tural do co nteúd o :

Em suma, a equivalência de som, projetada na seqüência como seu princípio co nstitutiv o , imp lica inev itav elmente equivalência semântica, e em qualquer nível lingüístico , qualquer cons-tituinte de uma seqüência que tal suscita uma das duas experiências correlativas que Ho pkins define habilmente como "co mparação por amor da p arecença" e "co mparação por amor da des-semelhança". (JA KOBSON, 1985, p.146-7)

Esse co nceito de equiv alência fo i d esenvo lvid o por Samuel Lev in que, tend o -se apo iad o em Jako bso n, a enuncio u assim:

Um poema co mbina, no eixo sintagmático , elementos que, na base de suas equivalências naturais, co nstituem classes ou paradigmas de equivalência. Conforme disse Roman Jako bso n: "A função po ética projeta o princípio da equivalência, do eixo de seleção sobre o eixo de co mbi-nação ". A d emais, a exploração dessas equivalências, que po d em derivar de traço s fônicos ou semântico s, não é fo rtuita, mas processa-se sistematicamente num poema. (LEVIN, 1975, p.51)

Segund o Lev in (1975), tais equiv alências co nv ergem para um p o nto co m um , sempre que u m elemento semântico ocorre no enunciad o em p arceria co m alg um ele-mento p o sicio nai de sua estrutura. Partind o dessa id éia de co nv erg ência dos do is

ní-veis do enunciad o , chega-se à co ncep ção de uma estrutura fo rmal, a que ele chamo u zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

acoplamento:

Não é, pois, a mera co nvergência que é impo rtante, e sim a relação entre uma co nvergên-cia dessa esp écie e de outra. Somente quand o comparamos duas co nvergênnvergên-cias que tais e des-co brimo s certa relação entre elas é que temos a estrutura imp o rtante para a poesia. Essa relação é aquela em que duas co nvergências abarcam formas naturalmente equivalentes (isto é, equi-valentes quanto ao som ou ao sentid o , ou quanto a ambos) que o co rram em p o siçõ es equivalen-tes; por outras palavras, quando temos um aco plamento de co nvergências. Ora, duas formas quaisquer que ocorram em po siçõ es equivalentes representam um emparelhamento de

conver-gências; mas só se as formas forem naturalmente equivalentes é que teremos

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

ACOP LAMENTO, a

estrutura verd ad eiramente imp o rtante para a poesia. (LEVIN, 1975, p.55)

A essa característica da po esia, isto é, dos enunciad o s não apenas metrificad o s, mas reco nhecid amente p o ético s, Jako bso n (1985), citand o Ho p kins, chama paralelis-mo, po is se trata de uma co ngruência entre planos, o da exp ressão e o do co nteúd o , e

deve ser to mad o como d esig nação equiv alente do que, aqui, chamaremo s isomorfis-mo. Sobre aquele termo este o utro tem, no entanto , a v antag em de to rnar explícito o

fato de que o que se enco ntra em relação paralela é o reco rte fo rmal da estrutura lin-g üística subjacente ao enunciad o p o ético .

A d emais, o termo isomorfismo remete a u m co nceito imp licad o na análise dos

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Iso mo rfismo é a id entid ad e formal de duas ou mais estruturas que d ep end em de planos ou de níveis semió tico s diferentes, reco nhecível em razão da homologação possível das redes rela-cio nais que os co nstituem. A ssim, um iso mo rfismo pode ser reco nhecido , por exemplo, entre as articulaçõ es do plano da expressão e do conteúdo, homologando

femas : semas :: íonemas : sememas :: sílabas: enunciados semânticos.

É evid ente que tal iso mo rfismo não leva em co nsid eração as d imensõ es das unid ad es do plano dos signos, no interio r dos quais as estruturas da expressão e do co nteúdo se realizam no mo mento da manifestação ... (GREIMA S & COURTÉS, 1983, p.245)

Co mo em sua d efinição o iso mo rfismo imp lica o p articular relacio namento de ho -mo lo gação entre os plano s, é co nv eniente observar que, para os auto res,

Homologação é uma o peração de análise semântica, aplicável a todos os domínios semió -tico s, que faz parte do pro ced imento geral da estruturação . É co nsiderada uma formulação do racio cínio por analogia ... Enquanto d isciplina impo sta ao racio cínio analó gico , cuja impo rtância para a pesquisa não deve ser subestimada, a homologação é um p ro ced imento geral que ultra-passa os limites da semântica (em sentido restrito ), (p.221)

Para efeito de ap licação na análise da po esia latina, co nsid erar-se-ão ho mo lo gados os sentid o s criad o s no nível da exp ressão , quais sejam, os emp reend id o s fo no lo -g icamente quer pela metrificação , quer pelas pausas e equiv alências estruturais de enunciad o s, estrateg icamente p o sicio nad as nos versos, quer aind a pela reco rrência fo nêmica dos signo s, e que m antenham relação de co rresp o nd ência co m os sentid o s reco rtad o s pela fo rma do co nteúd o desses enunciad o s. A ssim , por exemplo em:

lãnüã dlífícílis dõminl, te vêrbèrSt ímbêr, tê lõuís Tmpèríõ lülminã missa pêtãnt

"Porta de amo cruel, te aço ite a chuva, partam-te raios por ordem de Júp iter1"

(TIBULLE, 1950, p.18, tradução nossa)

po d em-se ver aco plamento s, ho mo lo gaçõ es e iso mo rfismo s, em co rresp o nd ências dessa o rd em: 1 . no nível do co nteúd o , a substância, que é a ind ignação do amante se-parad o de sua amad a, é reco rtad a na fo rma de imp recaçõ es d irig id as co ntra a p o rta da casa que separa os d o is; 2. no nível da exp ressão , a substância da massa fô mca da cad eia silábica é reco rtad a na fo rma de signo s latino s, d ispo sto s numa seq üência de co mbinató rias quantitativ as, em que se reco nhecem do is versos, um hexâmetro e u m p entâmetro , fo rmand o u m d ístico elegíaco ; 3. a fo rma da exp ressão ap resenta alta d ensid ad e de fo nemas co nso nantais o clusivo s surdos, / t/ , / p/ , e sonoros, / d/ , Ibl,

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p rimeira do p entâmetro , que reto ma co nceitualmente o no mezyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA ianua em v o cativ o , e os

p red icad o s d ispo sto s paralelamente nas segund as metad es do hexâmetro e d o p entâ-metro ; tais co ntrastes são realçad o s aind a pela pausa métrica instaurad a pela cesura, que faz o fluxo pro só d ico mo ver-se em do is mo v imento s co ntrário s nos do is versos, o p rimeiro deles co ntend o o paralelismo nome/ pronome + atributo no minal/ verbal (Ia-nua + diíficilis dc-W mini I te + Iouis imperioW ), o segund o , uma estrutura transp o sta de

p ro no me o bjetiv o + (verbo + no me sujeito ] / [no me sujeito (cl atributo p articip ial) +

v erbo ] [te uerberet imhei I (te) fulmina missa petant]; 4. a im p rec aç ão do enunciad o r,

sentid a também pelo valor do subjuntiv o verbal, como que se materializa pela expres-siv id ad e desses versos, tanto no sentid o instaurad o pela articulação dos fo nemas síg-nico s, quanto na estrutura do enuncrad o ; tem-se, p o rtanto , por fo rça da ho mo lo gação de estruturas p ertencentes a do is níveis fo rmais, o da exp ressão e o do co nteúd o , uma mensagem iso mó rfica, cujo resultad o é o efeito de sentid o da chuv a e do raio , de u m lado, fustig and o a po rta que lhes resiste, do o utro . Pro curo u-se manter tal efeito na tra-d ução tra-desse tra-d ístico , por meio tra-de exp etra-d ientes co mo o tra-de co nservar-lhe o elevatra-do íntra-di- índi-ce de o clusivas, explo rand o e reiterand o o sentid o vernáculo de "cho ver" co m o fo ne-ma sibilante de "aço itar" e o chiante de "chuv a", além do paralelismo latino entre o v o cativ o "p o rta" e sua reto mad a no pro no me te, sublinhad o s co m recurso à paro no

má-sia, em "Porta de (amo ..) / p artam-te (raio s...)".

Como se vê, não há no po ema nada ao acaso, nem há, de fato , qualquer co mp o -nente do d iscurso p o ético que não deva ser levado em co nta na análise da exp ressiv i-dade, co mo faz questão de lembrar Fó nagy:

A busca da expressividade, inerente à linguagem po ética, nada deixa para o acaso. Mesmo o "ruído", o corte nada habitual de um grupo ou de uma palavra, vio lentamente cofttrário ao uso, deve ser interpretad o como uma mensagem..

Da mesma forma, tudo o que consideramos até aqui como redundância - distribuição regu-lar de vo gais e consoantes, de breves e longas, de sílabas tô nicas e áto nas; co rrespo nd ência múltipla entre os níveis fonético, lexical e sintático ; o rquestração sinfô nica do co njunto - tudo isso deve ser visto agora como um tipo de mensagem estética ou musical, ind ep end ente das palavras e de seu co nteúdo , e que tende a substituir o aco mpanhamento musical, depois que a poesia se separou da música. A "música" da poesia é tão expiessiva quanto a música pro pria-mente d ita e não se deixa reduzir a uma simples seqüência rítmica de tensõ es e de reso luçõ es. (FÓNAGY, 1966, p.108, tradução nossa)

PRA DO, J. B. T. The inhu m an neutrality of m etrics. Alfa, São Paulo, v.47, n . l , p.111-118, 2003.

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cata-logued throughout the past two thousand years. Thus it is important to understand the real role of metrics in the composition of poems, not only because of the prestige lent by the 1987 Nobel laureate to his own opinions, but also for the reccurrence of such kind of statement,

as, for instance, that of Octávio Paz

zyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

(1982) i n The Bo w and the Lyre, where he says that 'me-tre and rhythm are not the same thing" . This paper uses statements like those as a starting

point for a reflection about the rhythm and poeticalness in verses written in old latin.

• KEYW ORDS: Joseph Brodsky; metrics; poetics; rhythm; Latin language; expression plan.

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Referências

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