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COMUNICAÇÃO/COMMUNICATION
Revista da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical 3 7 ( 6 ) :5 0 5 -5 0 7 , nov-dez, 2 0 0 4
Ecologia da paisagem da hantavirose no Estado do Rio Grande do Sul
Landscape ecology of hantavirosis in Rio Grande do Sul State
Waldir E. Henkes
1e Christovam Barcellos
2RESUMO
Esse tra b a lh o te m c o m o o b je ti vo e stu d a r a e c o lo gi a d a p a i sa ge m d a s h a n ta vi ro se s n o Ri o Gra n d e d o Su l a tra vé s d o m a p e a m e n to d a o c o rrê n c i a d e c a so s e su a so b re p o si ç ã o a m a p a s d e ve ge ta ç ã o e re le vo . A m a i o r p a rte d o s c a so s o c o rre n a p ri m a ve ra e m re gi õ e s se rra n a s c o m ve ge ta ç ã o se c u n d á ri a e a ti vi d a d e a grí c o la .
Pal avr as-chave s: Ha n ta vi ro se s. Ec o lo gi a d a p a i sa ge m . Ge o p ro c e ssa m e n to . Ro e d o re s.
ABSTRACT
Th e a i m o f th i s wo rk wa s to stu d y th e la n d sc a p e e c o lo gy o f h a n ta vi ro si s i n Ri o Gra n d e d o Su l sta te , Bra zi l. Th i s wa s a c h i e ve d th ro u gh ge o c o d i n g th e o c c u rre n c e o f c a se s a n d o ve rla yi n g o n to ve ge ta ti o n a n d re li e f m a p s. Th e m a jo ri ty o f c a se s o c c u rre d d u ri n g Sp ri n g, i n h i gh la n d a re a s d o m i n a te d b y se c o n d a ry ve ge ta ti o n a n d a gri c u ltu ra l a c ti vi ty.
Ke y-words: Ha n ta vi ro si s. La n d sc a p e e c o lo gy. GIS. Ro d e n ts.
1 . Pó s-Graduaç ão do Curso de Geo grafia da Po ntifíc ia Universidade Cató lic a do Rio Grande do Sul, Po rto Alegre, RS. 2 . Departamento de Info rmaç õ es em Saúde da Fundaç ão Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro , RJ.
En de r e ço par a cor r e spon dê n ci a: Dr. Waldir E. Henkes. R. Demétrio Ribeiro 9 9 7 /6 0 5 , Centro , Po rto Alegre, RS, 9 0 0 1 0 -3 1 1 Po rto Alegre, RS. Tel: 5 1 9 9 6 3 -3 3 5 3
e-mail: waldirhenkes@ ig.c o m.br Rec ebido para public aç ão em 2 8 /1 1 /2 0 0 3 Ac eito em 1 7 /9 /2 0 0 4
A Ecologia da Paisagem é mais um dos vastos ramos por onde a Biologia avança para compreender cada vez mais as relações que o meio ambiente estabelece com ele mesmo e a sociedade que o modifica. Segundo Porto8, a idéia de paisagem
como cenário vem modificando-se profundamente no que se refere à sua concepção dentro de uma abordagem ecológica. Para os ecólogos o cenário passou por evoluções permitindo assim hoje considerar a paisagem como unida de de e studo, dentro da ecologia. Pode-se definir Ecologia da Paisagem como o estudo da regularidade, do arranjo, da distribuiç ão e do conteúdo do ecossistema em uma área geográfica definida, e o papel da configuração espacial afetando o funcionamento deste.
As hantaviroses são doenç as graves e emergentes c om distribuição na Ásia, Europa e Américas3. Até maio de 2002, foram
diagnosticados 172 casos de hantavirose em todo o Brasil sendo que a maioria registrada nas regiões Sul e Sudeste2. Hoje existem
casos na maioria dos estados da federação. No Rio Grande do Sul, o primeiro caso confirmado foi no município de Três Arroios no ano de 1 9 9 8 e até dezembro de 2 0 0 2 já alcançava 3 1 casos, tendo letalidade superior a 4 0 %9. Já foram identificados alguns
reservatórios desta virose, que são específicos dos tipos de vírus, como sendo roedores silvestres da subfamília Sigmodontinae como Ak o do n sp, Bo lo m ys sp, Oligo ryzo m ys sp, entre outros7.
As fo r mas de e xpo siç ão e r e se r vató r io s da vir o se ainda necessitam melhores estudos. A transmissão está ligada à relação dos seres vivos com o ambiente. O uso do geoprocessamento, par tic ular mente do senso r iamento r emo to , é uma dessas metodologias que permitem recuperar dados sobre o contexto onde se verificam as condições de transmissão de doenças4. Esse
trabalho tem como objetivo estudar a ecologia da paisagem da hantavirose para compreender os possíveis fatores ambientais envolvidos na sua ocorrência no Rio Grande do Sul, utilizando imagens de satélite e relacionando com os dados da investigação epidemiológica.
Foram revisadas as 3 1 fichas de investigação epidemiológica dos casos confirmados de síndrome pulmonar por hantavirus ( SPH) investigados pela Secretaria de Saúde do Rio Grande do Sul. Os casos foram georreferenciados pela sede do município e so brepo sto s as c amadas de unidades ambientais de so lo , vegetaç ão e altimetria1. Proc urou-se identific ar padrões de
distribuição dos casos segundo estes parâmetros ambientais.
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Henkes WE and Bar cello s C
parte dos casos ocorreu na encosta inferior do Planalto e da Serra do Nordeste ( Figura 1) . Nesses locais predominam solos litólicos e podzólicos5 e vegetação secundária ( ombrófila mista) e atividade
agrícola, e na região das Missões, Alto Uruguai e Fronteira Oeste e Sul não são relatados casos, exceto dois casos isolados.
Com os dados obtidos foram identificados quatro agrupamentos de municípios, classificados conforme a atividade agrícola e vegetação ( Figura 1) . Apenas um agrupamento, ao sul próximo à Lagoa dos Patos, apresenta cultivo de arroz e vegetação de formação pioneira5. Os demais apresentam atividade agrícola e vegetação
ombrófila mista em áreas de encosta do Planalto e Serra onde ainda existe uma pequena camada vegetal um pouco preservada.
A atividade agríc ola proporc iona maior c ontato c om as viroses e os homens ainda são os mais c ontaminados por constituírem a maior parte da mão de obra rural7. A diminuição
de ár e as natur ais e o avanç o da agr ic ultur a inte nsiva e policulturas além de plantações de milho e arroz tem alterado o habitat dos roedores, disponibilizado alimento em abundância nos locais de plantio e armazenagem de grãos. Os roedores envolvidos buscam alimento e abrigo nessas áreas, deixando suas e xc r e tas e po ssib ilitando q ue se fo r me m ae r o ssó is contaminados por fezes, sangue e urina dos roedores6.
A distribuição sazonal dos casos mostra uma concentração de casos entre maio e dezembro, coincidindo com períodos de inverno e primavera. A Figura 2 mostra a distribuição sazonal de casos comparada com a precipitação mensal no estado.
Dur ante a pr imaver a o c o r r eu a maio r ia ( 5 4 ,8 % ) do s c a so s. Este pe r ío do c o inc ide c o m a c o m e r c ia liza ç ã o e entressafra das princ ipais c ulturas agríc olas do estado. Entre
as culturas preferenciais na alimentação de alguns roedores envolvidos na transmissão da hantavirose estão o milho e o arroz. Estas culturas geram grandes perdas nas fases de colheita e armazenamento, disponibilizando alimento para os roedores no período de comercialização e entressafra.
Fi gu ra 1 - Lo c a li za ç ã o d e c a so s d e h a n ta vi ro se e ve ge ta ç ã o d o Ri o Gra n d e d o Su l.
Fontes: SES-RS e ANEEL, 2000.
Figu ra 2 - Distrib u iç ã o m e n sa l de c a so s de ha n ta viro se n o Rio Gra n de do Su l e pre c i pi ta ç ã o e m Po rto Ale gre .
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1 5
1 0
5
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jan fev mar abr mai jun jul ago set out nov dez Precipitação Casos
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