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Diferenciais intraurbanos na distribuição de dengue em Cuiabá, 2007 e 2008.

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Diferenciais intraurbanos na

distribuição de dengue em

Cuiabá, 2007 e 2008

Intra-urbandiferentials in dengue

distribution, Cuiabá, 2007-2008

Ludmila Sophia Souza

I

Rita de Cássia Barradas Barata

II

I Ministério da Saúde. Programa Nacional de Controle de Dengue

II Departamento de Medicina Social da Faculdade de Ciências Médicas da Santa

Casa de São Paulo

Agradecimentos: Ludmila Sophia Souza recebeu bolsa da Secretaria de Vigilância em Saúde do Ministério da Saúde para a realizacào do mestrado proissional.

Correspondência: Rita de Cássia Barradas Barata. Departamento de Medicina Social e Ensino da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. Rua Dr. Cesário Motta Jr., 61 – 5º andar – Santa Cecília, São Paulo, SP, Brasil CEP 01220-120. E-mail: rita.barradasbarata@gmail.com

Resumo

Introdução: Cuiabá apresenta inúmeros casos de dengue tanto nos períodos endê-micos quanto nas epidemias cíclicas. O ob-jetivo do estudo foi analisar os diferenciais intra-urbanos da incidência em 2007 e 2008 relacionando-os com as condições socio-econômicas e socioambientais. Método: estudo de abordagem ecológica usando dados secundários. A caracterização das condições de vida foi feita com dados do Censo Demográfico (IBGE, 2000) e os dados epidemiológicos foram obtidos no Sistema Nacional de Agravos de Notificação (SINAN). O índice socioeconômico mediu escolaridade, renda dos responsáveis pelos domicílios permanentes e aglomeração domiciliar; o índice socioambiental usou informações relativas ao saneamento bá-sico e à proporção de domicílios precários. Os índices foram elaborados a partir da classificação das variáveis em quintis e atribuição de pontos para cada quintil. A pontuação por bairro foi resultante da soma dos pontos para cada variável. Os bairros foram classificados em estratos de risco a partir da combinação de resultados dos dois índices. Resultados: A incidência foi menor nos estratos de risco médio e baixo, e alta no estrato de risco muito alto; entretanto, foi maior do que a esperada no estrato de risco mínimo, indicando dissociação entre condições de vida e ocorrência da doença. Conclusão: Maiores incidências da dengue em Cuiabá nos anos de 2007 e 2008 foram observadas em locais com precárias condi-ções de saneamento ambiental e habitados por populações com menor nível de renda e escolaridade, embora não exista correlação linear entre condições de vida e incidência.

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Abstract

Introduction: Cuiaba presents a huge number of cases of dengue in the endemic periods as well as in the cyclical epidemics. The aim of the study was to analyze the intra-urban differentials of the incidence in 2007 and 2008 relating them with socio--economical and environmental life condi-tions. Method: study of ecological approach using secondary data. The characterization of the life conditions was gotten from the Demographic Census (IBGE, 2000) and the epidemiologic data from the Surveillance National System (SINAN). The socio-eco-nomical index was based on school level and income of the head of family and over-crowding; the socioambiental index used information about sanitation and propor-tion of precarious domiciles. The variables were classified in quintis and points were attributed for each one. The score for neigh-borhood was resultant of the addition of the points for each variable. The neighborhoods had been classified in stratus of risk from the combination of results of the two indexes. Results: The incidence was lesser in stratus of average and low risk and very high in the stratum of the highest risk but was bigger then expected in the stratum classified at minimum risk indicating dissociation between life conditions and occurrence of the illness. Conclusion: Higher incidences of the dengue fever in Cuiaba in 2007 and 2008 have been observed in places with precarious conditions of sanitation and inhabited by populations with lesser level of income and education level but there is no linear correlation between life conditions and incidence.

Keywords: Dengue spatial distribution. Intra-urban differentials. Life condi-tions and health. Health-illness process. Ecological studies.

Introdução

A globalização e as mudanças climáticas que interferem no processo saúde doença favorecem o aumento da morbimortalidade de doenças transmissíveis, dentre elas a dengue1. A Organização Mundial da Saúde

estima que 3 bilhões de pessoas no mundo encontram-se em áreas de risco para con-trair dengue. Países tropicais e subtropicais, onde a temperatura e a umidade favorecem a proliferação do vetor, tendem a apre-sentar ocorrência endêmica e epidemias cíclicas2.O surgimento de novos agentes da

doença é resultado das mudanças sociais e ambientais ao longo da história humana, fazendo com que os patógenos sejam capa-zes de adquirir acesso a novas populações hospedeiras3.

Algumas doenças infecciosas foram reintroduzidas no Brasil a partir dos anos 80, dentre elas a dengue, cuja epidemia se espalha pelo mundo afetando dezenas de milhões de pessoas. Apesar dos esforços para sua eliminação, a dengue é considera-da doença emergente em países tropicais e subtropicais, entre eles o Brasil4. No Brasil

estão circulando atualmente os quatro tipos virais5. A circulação simultânea de mais de

um sorotipo pode propiciar o aumento da incidência das formas graves com aumento da letalidade e mortalidade pela doença6.

As mudanças demográficas ocorridas nos países subdesenvolvidos na década de 1960 resultaram no “inchaço” das cidades que não conseguiram atender às demandas da população, entre as quais habitação e saneamento básico, que se mostram insu-ficientes ou inadequados7. No Estado de

Mato Grosso a intensificação do processo de ocupação demográfico e econômico vem causando impacto ambiental e grandes transformações, com sérias implicações, e as epidemias de dengue vêm ocorrendo de forma cíclica desde 19958.

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saneamento básico, que vem propiciando a permanência do vetor e dificultando o seu controle9. O modo de vida das populações

possibilita, em especial no ambiente do-méstico, condições para a proliferação do Aedes aegypti podendo assim influenciar a incidência da doença10.Poucos estudos

discutem o contexto social como uma uni-dade complexa onde fatores socioculturais e estruturais urbanos, em conjunto, geram uma realidade única em cada local, muitas vezes favorecendo ou dificultando a disse-minação da dengue11.

Este estudo tem por objetivo analisar a distribuição espacial da incidência de den-gue segundo estratos de condições de vida no município de Cuiabá, no período de 2007 e 2008, e espera trazer contribuições para o planejamento racional das medidas de intervenção ambiental, bem como orientar a definição de prioridades na formulação e execução de políticas públicas, visando à melhora da qualidade do ambiente urbano.

Método

O desenho utilizado foi o estudo analí-tico, com abordagem ecológica, utilizando dados secundários. O período escolhido para realização da análise foram os anos de 2007 e 2008, cujos dados estavam dis-poníveis na base municipal do Sistema de Informação de Agravos de Notificação (SINAN Net), versão 14.0, do município de Cuiabá por ocasião da realização da pesquisa.

Estratos de risco para a transmissão

As unidades de análise adotadas foram os bairros oficialmente definidos pelo IBGE para a realização do censo demográfico em Cuiabá. Para caracterizar as condições socioeconômicas em cada bairro selecio-naram-se as seguintes variáveis: renda nominal mensal média dos responsáveis por domicílios permanentes; % dos res-ponsáveis por domicílios permanentes com menos de 4 anos de escolaridade; % dos responsáveis por domicílios permanentes

com rendimento nominal mensal inferior a 2 salários mínimos; % dos responsáveis por domicílios permanentes com rendimento nominal mensal superior a 20 salários mí-nimos; e número médio de moradores por domicílio permanente.

Para caracterizar as condições socio-ambientais dos bairros selecionaram-se as seguintes variáveis: % de domicílios precários (favelas); % de domicílios sem canalização de água de abastecimento no interior do domicílio; % de domicílios sem soluções aceitáveis (fossa séptica ou rede de esgotos) para o esgotamento sanitário; e % de domicílios sem coleta regular de lixo pelos serviços municipais.

Para a classificação dos bairros em estra-tos de condições socioeconômicas e socio-ambientais as variáveis foram classificadas em quintis; aos quintis foi atribuída pontua-ção de 1 a 5 e os pontos correspondentes ao conjunto de variáveis em cada bairro deram origem aos dois índices: socioeconômico (ISE) e socioambiental (ISA). A classificação combinada pelos dois índices resultou no estabelecimento de cinco estratos de risco para a transmissão de dengue: risco míni-mo, risco baixo, risco regular, risco alto e risco muito alto.

O procedimento adotado foi escolhido por permitir a realização de todas as eta-pas utilizando apenas planilhas Excel, sem depender de programas estatísticos que muitas vezes não estão disponíveis nos serviços de saúde.

Os bairros novos, surgidos apos o Censo de 2000, não puderam ser utilizados neste estudo por não haver informações corres-pondentes para os mesmos.

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variáveis de exposição e a taxa de incidência como variável desfecho.

Ocorrência de casos de dengue

Os dados relativos aos casos de dengue foram obtidos a partir do SINAN NET e foram agrupados segundo os bairros da capital e a população por bairro foi forne-cida pelo IBGE para 2007 e pela Secretaria Municipal de Planejamento para 2008. Dos 984 casos notificados em 2007 e dos 960 casos notificados em 2008 de residentes em Cuiabá, respectivamente, 59% e 76% pude-ram ser classificados nos bairros oficiais. Os demais estavam localizados em bairros novos para os quais a inexistência de dados populacionais impede a análise.

A comparação da incidência entre os estratos foi feita por meio do cálculo do risco relativo utilizando como valor de referência a incidência observada no estrato considerado de risco mínimo para transmissão da dengue

A incidência foi classificada em nula para os bairros nos quais não ocorreram ca-sos em 2007 e 2008; baixa (até 100 caca-sos por 100.000 habitantes); média (101 a 299 casos por 100.000 habitantes); alta (300 a 999 casos por 100.000 habitantes) e muito alta (acima de 1.000 casos por 100.000 habitantes).

Densidade vetorial

Embora a densidade vetorial seja um dado bastante relevante para a produção da doença não foi possível utilizar a infor-mação disponível pela completa falta de padronização existente na coleta e registro dos dados decorrentes das atividades de campo das equipes de agentes de endemias. O município não utiliza o SISFAD, sistema oficial de registro de dados e não alimenta nenhum outro sistema oficial eletrônico.

Aspectos éticos

O projeto foi submetido e aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Santa Casa de São Paulo. O estudo baseia-se em dados secundários, de acesso público e irrestrito,

e não identifica nem constrange grupos de populações e/ou indivíduos. Por tratar-se de investigação operacional cujo objetivo principal é fornecer subsídios para o progra-ma de controle em Cuiabá, seus resultados podem ter impactos positivos para o perfil epidemiológico populacional.

Resultados

Dos 1.944 casos notificados e analisados neste estudo 51% eram do sexo feminino. A incidência foi mais alta em crianças de 5 a 14 anos e em jovens de 15 a 19 anos (dados não apresentados).

A Tabela 1 apresenta as características socioeconômicas e socioambientais dos es-tratos de risco de transmissão, bem como o número de bairros classificados em cada um deles. Do ponto de vista socioeconômico, os estratos de risco mínimo e baixo reúnem os bairros que apresentam as melhores condi-ções; o estrato de risco médio, aqueles que apresentam a condição intermediária; e os estratos de risco alto e muito alto, os que apresentam as piores condições. Do ponto de vista socioambiental, o estrato de risco mínimo se diferencia dos demais, apresen-tando as menores proporções de habitações precárias, sem ligação de água ou esgoto e sem coleta regular de lixo. A variável que mais diferencia os estratos é a proporção de domicílios sem coleta regular de lixo (dados não apresentados).

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Para os demais estratos, os riscos relativos não foram estatisticamente significantes.

Em 2007 e 2008 ocorreram 14 casos graves de dengue, dos quais 11 foram classificados como casos de dengue com complicação (DCC), dois como síndrome de choque da dengue (SCD) ambos evoluindo para óbito, e um caso de febre hemorrágica da dengue (FHD). Não houve concentração desses casos em nenhum bairro em parti-cular (Tabela 3). Com relação aos estratos de risco construídos a partir das condições de vida, esses bairros estão classificados em estratos de risco mínimo, baixo, médio ou alto. Nesses bairros que registraram casos graves há correspondência entre incidência

e proporção de casos graves e estrato de risco, exceto para a UFMT e Cidade Alta.

Discussão

O principal objetivo deste estudo foi verificar se a estratificação dos bairros da cidade segundo indicadores de condições de vida (situação socioeconômica e condi-ções ambientais de saneamento) poderia orientar o trabalho de controle da endemia, identificando a priori áreas que apresenta-riam maior risco de ocorrência de casos de dengue.

A estratificação dos bairros a partir das variáveis selecionadas e dos índices

Tabela 1 - Características socioeconômicas e socioambientais dos estratos de risco de transmissão e distribuição dos bairros por estrato, Cuiabá, 2000.

Table 1 - Neighborhoods distribution and risk strata socioeconomic and socio environmental characteristics, Cuiabá, 2000.

Variáveis Risco

mínimo

Risco baixo

Risco médio

Risco alto

Risco muito alto

Número de bairros 8 41 33 35 1

Renda nominal mensal média dos responsáveis pelo

domicílio (R$) 1889,22 1742,17 845,22 465,24 364,36

Moradores por domicílio 3,35 3,59 3,90 3,92 3,70

% de domicílios precários (Barracos) 0,02 0,35 0,38 0,61 0,47

% domicílios sem canalização de água 4,10 6,71 10,55 46,04 65,08

% domicílios sem rede de esgoto 0,09 0,33 0,65 4,52 7,11

% domicílios sem coleta regular de lixo 2,89 13,13 9,18 16,77 27,49

% responsáveis com menos de 4 anos de escolaridade 6,75 9,33 18,55 32,61 35,07

% responsáveis com renda menor que 2 salários mínimos 8,90 13,25 20,52 32,38 0,85

% responsáveis com renda maior de 20 salários mínimos 17,54 13,30 2,82 0,85 0,00

Fonte/Source: IBGE Censo demográfico. 2000.

Tabela 2 - Taxas de incidência de dengue (100.000 hab.) e risco relativo por estratos de risco de transmissão, Cuiabá, 2007-2008.

Table 2 – Dengue incidence rate (100.000 inhabitants) and rate ratio by risk strata, Cuiabá, 2007-2008.

Estrato de risco Taxa de incidência (100.000 hab.) RR

Mínimo 156,96 1,00

Baixo 121,48 0,77

Médio 93,21 0,59

Alto 178,95 1,14

Muito alto 570,03 3,63

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construídos mostrou a grande diversidade de condições de vida existente na cidade, levando a crer que tal heterogeneidade também se refletiria na distribuição dos casos sintomáticos da doença.

Entretanto, as taxas médias de incidência para os anos de 2007 e 2008 mostraram pe-quena correspondência com as condições de vida. Estes achados devem ser interpretados como cautela tendo em vista: as limitações do estudo, a história da endemicidade da do-ença na cidade, e a capacidade de as variáveis selecionadas traduzirem aspectos relevantes para a produção da doença.

Dentre as principais limitações des-tacam-se a impossibilidade de analisar a situação dos bairros novos, criados após o ano 2000, nos quais certamente as con-dições socioambientais devem favorecer a infestação e a ocorrência da doença. O crescimento populacional observado na cidade, na última década, principalmente à custa do processo migratório interno, tem sido expressivo, gerando a ocupação de novas áreas que não puderam ser con-sideradas neste estudo. Apenas entre 2007 e 2008 observou-se crescimento de 3% da população de Cuiabá. Parcela importante

dos casos não foi classificada nos bairros existentes em 2000, sugerindo que esses casos estejam concentrados exatamente nessas áreas de ocupação mais recente e pior infraestrutura urbana. Provavelmente a inclusão desses casos elevaria a incidências nos estratos de risco alto e muito alto.

Outro ponto a ser considerado é o tempo decorrido entre a informação sobre as con-dições socioambientais e socioeconômicas e a coleta dos dados de incidência. Nesses quase dez anos, a estrutura dos bairros pode ter se modificado, o que resultaria em não correspondência entre os índices calculados e a incidência observada. O fato de o pro-grama municipal de controle não utilizar o sistema de informações proposto pelo Ministério da Saúde para registro das ativi-dades de campo ou mesmo outro sistema padronizado localmente dificultou a utili-zação dessas informações para caracterizar a infestação ao longo do tempo de análise. Alguns estudos têm demonstrado que, no início da ocorrência de transmissão da dengue em um determinado espaço ur-bano, existe uma associação diretamente proporcional entre níveis de infestação e incidência com as condições de vida

Tabela 3 - Distribuição dos casos graves de dengue por bairro de residência, 2007 e 2008, Cuiabá. Table 3 - Severe cases distribution by neighborhoods, Cuiabá, 2007-2008.

Bairro Estrato de risco

Taxa de Incidência de

casos graves (100.000 hab)

% de casos graves

Formas Clínicas

Dengue clássico com complicação

FebreHemorrágica da dengue

Síndromede Choque da

Dengue

Alvorada Baixo 7.1 4.5 1 -

-Carumbé Médio 35.7 9.1 1 -

-Cidade Alta Baixo 21.1 18.2 1 - 1

Jardim Passaredo

Alto 37.1 14.3 1 -

-Osmar Cabral Alto 24.8 14.3 1 -

-Parque Cuiabá Baixo 11.1 5.0 1 -

-Três Barras Alto 20.0 33.3 1 - 1

UFMT Minimo 2272.7 20.0 1 -

-ign ... ... ... 3 1

-Total* 26.9 15.7 11 1 2

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observadas nos diferentes bairros ou áreas homogêneas12-15. Com a progressão da

en-demia e a repetição de ciclos epidêmicos esse padrão inicial tende a se alterar e não mais mostrar associação, embora, mesmo nessas circunstâncias, sempre se observem incidências muito altas naqueles locais nos quais as condições socioambientais são propícias à proliferação do vetor15.

Em Cuiabá, conforme já assinalado, a transmissão teve início em 1992 e, por-tanto, atualmente a doença encontra-se francamente instalada nesse espaço urbano, tendo havido nesse período diversas ondas epidêmicas. Assim, supõe-se que a situação observada em 2007 e 2008 não reflita mais a relação diretamente proporcional entre condições de vida e incidência.

Na medida em que existem criadouros praticamente em todos os bairros da cida-de, conforme evidenciado pelos índices de infestação predial e presença de criadouros positivos ao longo do ano, as condições de transmissão estarão condicionadas princi-palmente pela densidade e circulação de fontes de infecção. Tendo em vista a grande mobilidade populacional no interior do es-paço urbano, a não correspondência entre condições de vida locais e a ocorrência de casos deixa de se apresentar como um fato contraditório. É possível que as pessoas que residem em áreas nas quais a infestação é nula ou baixa possam infectar-se em outros ambientes. Do mesmo modo, áreas com grande infestação, mas com pequena con-centração de fontes de infecção, poderão produzir relativamente poucos casos.

Outro ponto a ser considerado na análise dessa relação é a adequação das variáveis selecionadas para explicar a ocorrência da doença. Embora teoricamente as áreas com pior abastecimento de água, sem es-gotamento sanitário, com coleta irregular do lixo e maior concentração de domicílios precários devessem apresentar maiores índices de infestação e, por conseguinte, maior incidência, várias pesquisas tem de-monstrado que a epidemiologia da dengue é mais complexa. Assim, estas variáveis ambientais utilizadas na análise podem

não traduzir esta complexidade. Do mesmo modo, tendo em vista que o controle veto-rial depende fundamentalmente do nível de envolvimento da população nas ações cotidianas de eliminação dos criadouros, seria esperado que populações com maior nível de escolaridade e renda residissem em bairros nos quais a infestação predial fosse menor ou nula. Entretanto, outros fatores podem modificar esta expectativa, como, por exemplo, a existência de um número maior de recipientes com potencial de criação, tais como piscinas não tratadas regularmente, grandes reservatórios de água mal vedados, vasos, tipos de plantas utilizadas em jardina-gem e ornamentação, chafarizes, e outros15-17.

Assim como em outros estudos de dife-renciais intraurbanos para dengue, embora não se observe uma relação linear entre con-dições de vida e incidência, esta foi muito alta no bairro classificado no estrato de risco altíssimo. Inquéritos de soroprevalência re-alizados em Goiânia mostraram associação inversa entre prevalência da infecção e nível de escolaridade15,18.

A incidência mais alta do que a espe-rada teoricamente nos estratos de risco mínimo e baixo, constituídos pelos bairros que apresentam as melhores condições socioeconômicas e socioambientais, po-deria ser explicada pela maior presença de recipientes favoráveis à criação do vetor em domicílios de famílias com maior poder aquisitivo, conforme já aventado em outras investigações. Resultados semelhantes a estes foram encontrados em Nova Iguaçu, na Baixada Fluminense e em São José do Rio Preto, interior de São Paulo, onde maior in-cidência foi observada nos bairros com con-dições de vida alta ou média alta contíguos a bairros com condições de vida ruins19,20.

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O agrupamento dos bairros em apenas cinco estratos pode ser também um fator responsável pelos resultados encontrados. Ainda que em média esses bairros se asse-melhem, a diversidade interna em cada es-trato pode não ser adequadamente refletida pelos dados. Alguns estudos que utilizaram setores censitários como unidades de aná-lise ambiental encontraram relação direta entre condições ambientais e incidências, sugerindo que unidades mais homogêneas poderiam ser mais adequadas ao estudo de desigualdades e dengue12,13.

Estudos realizados em São José do Rio Preto, em São Paulo, mostram total inde-pendência entre infestação avaliada através do índice de Bretau, índice predial e índice de recipientes, e as condições socioeco-nômicas nos quatro distritos da cidade17.

Entretanto, os níveis de infestação na cidade eram maiores nas áreas com menor nível socioeconômico e infraestrutura sanitária deficiente. Estudo molecular da dissemina-ção dos casos durante epidemia registrada em 2006 no mesmo município permitiu identificar o início da transmissão do DEN-3 de um bairro periférico de ocupação recen-te, daí se disseminando para o restante da área urbana23.

A disseminação da epidemia de dengue em 1995 em Salvador, Bahia, mostrou pa-drão semelhante, tendo por epicentro uma região da cidade composta por 13 distritos com população de baixo nível socioeco-nômico e condições sanitárias precárias14.

O número de casos graves registrados em 2007 e 2008 foi relativamente pequeno, não permitindo a identificação de um pa-drão de distribuição espacial, apresentando ocorrência aleatória no espaço. Alguns autores têm assinalado a menor incidência de casos graves nos países americanos em comparação com as taxas observadas no sudoeste asiático24.Em Cuiabá, a incidência

e a proporção de casos graves por bairro mostrou certa correspondência com os estratos de risco naqueles bairros onde foram registrados casos graves. Os dados obtidos para a UFMT sofreram a distorção decorrente de apenas 44 pessoas residirem

no bairro constituído pela Universidade e terem ocorrido aí apenas 5 casos, dos quais um apresentou complicações. O bairro Cidade Alta, classificado como de baixo risco dadas as excelentes condições socioeconômicas, apresenta, no entanto, condições precárias de saneamento no que se refere à canalização de água e coleta regular de lixo, o que favoreceria a maior incidência observada.

Provavelmente, os resultados que têm sido observados em diferentes estudos em cidades brasileiras e que apontam para essa dissociação entre condições de vida, índices de infestação e incidência, encontram ex-plicação no próprio processo de produção da doença, para a qual as condições no microambiente doméstico podem ser mais relevantes do que as características contex-tuais do ambiente em nível macro social25.

Análises feitas a partir de espaços amplos e heterogêneos, como são os bairros, podem não permitir que se evidenciem relações entre este nível micro social e a incidência26.

Estudos com base em áreas mais homogê-neas, como são os setores censitários, talvez pudessem captar com maior precisão essas diferenças, porém não haveria, no caso de Cuiabá, dados entomológicos correspon-dentes a essas áreas.

Quanto à gravidade dos casos, é prová-vel que características de vulnerabilidade individual tenham também importância na produção dos desfechos, ao lado das condi-ções existentes nos serviços de saúde e das próprias condições sociais da população, que podem modificar o acesso e a oportu-nidade na busca a esses serviços.

A complexidade das características epidemiológicas dessa endemia indica a necessidade de se desenvolver outros estu-dos, com abordagens em diferentes níveis da estrutura social, a fim de aumentar o conhecimento sobre possíveis mecanismos de distribuição e produção dos casos27.

Conclusões e recomendações

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heterogeneidade na distribuição da dengue no espaço intraurbano em Cuiabá, porém essa distribuição espacial não pode ser as-sociada às condições de vida em cada bairro da cidade. A incidência nos diferentes bairros mostrou-se independente das condições so-cioeconômicas e socioambientais vigentes. A complexidade dos processos de pro-dução dos casos e dos determinantes en-volvidos na proliferação e manutenção dos vetores constitui um desafio para a pesquisa epidemiológica que pretende identificar mecanismos de determinação social dessa endemia.

A intenção de identificar áreas com diferentes graus de risco para a produção da doença, a fim de poder estratificar e priorizar áreas para o trabalho de controle vetorial, não pode ser efetivada com as informações disponíveis. Provavelmente, outras abordagens que privilegiem fatores microambientais em áreas mais homogê-neas da cidade poderiam vir a ser úteis para instrumentalizar de maneira mais apropria-da as equipes de controle.

Para aumentar a eficiência das ações de controle em Cuiabá seria importante que fossem mais bem conhecidas as diferentes condições favoráveis à proliferação dos ve-tores e à circulação das fontes de infecção nos diferentes espaços urbanos.

A adoção de outras medidas de infesta-ção, tais como o índice de Bretau, o índice de recipientes positivos, o número médio de recipientes existentes e positivos por imóvel pesquisado poderia fornecer uma idéia mais correta da densidade vetorial em cada bairro ou zona de atividade do pro-grama de controle. O registro padronizado

em meio eletrônico dos dados coletados nas atividades de controle vetorial também representaria instrumento valioso para o planejamento e acompanhamento das atividades.

Os dados aqui analisados sugerem que o problema adquiriu, em Cuiabá, dimensão universal, ou seja, a disseminação dos casos alcança praticamente toda a área urbana, exigindo maior esforço na sincronização das ações nas diversas áreas de modo a provocar impacto sobre a densidade veto-rial e, eventualmente, sobre a incidência. O trabalho de controle durante os períodos interepidêmicos e nos períodos de menor densidade vetorial é de grande importância nesse sentido.

Apesar desse caráter universal do pro-blema, o conhecimento em maior detalhe das condições existentes em cada bairro pode ser um elemento chave para maior eficiência no controle da dengue. Conforme demonstrado pelos dados apresentados, bairros com diferentes situações socioe-conômicas e socioambientais podem ter mecanismos distintos que favoreçam a infestação e que, portanto, deveriam ser considerados no planejamento das ações de controle.

A mobilização e a conscientização da população é elemento fundamental para o controle da endemia. Dada a diversidade socioeconômica da população e as diferen-ças no nível de escolaridade, esse trabalho de conscientização requer mensagens dirigidas especificamente para cada tipo de público, além de incentivos para a ma-nutenção do interesse e do compromisso com o combate à doença.

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Tabela 1 - Características socioeconômicas e socioambientais dos estratos de risco de transmissão e distribuição dos  bairros por estrato, Cuiabá, 2000.
Table 3 - Severe cases distribution by neighborhoods, Cuiabá, 2007-2008.

Referências

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