PROTEINOGRAMA DO LÍQUIDO CEFALORRAQUEANO EM AFECÇÕES DEGENERATIVAS DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL
A . S P I N A - F R A N Ç A *
Entre as afecções degenerativas do sistema nervoso central ( S N C ) são incluídos processos de etiologia heterogênea, muitas vêzes obscura. Dessa forma, é difícil classificá-las satisfatòriamente, sendo, também, mal estabe-lecidos os limites de separação entre essas afecções e as de grupos nosoló-gicos próximos.
Estudos bioquímicos vêm trazendo novos conhecimentos quanto à natu-reza de algumas dessas afecções. Green3
, em revisão feita em 1958, sa-lienta diversas contribuições com o estudo bioquímico do líquido cefalorra-queano ( L C R ) . Em certas doenças degenerativas do SNC, especialmente naquelas em que há comprometimento cerebral, pode haver aumento de glo-bulina no LCR. Esser 1
foi dos primeiros a chamar a atenção para êsse fato, ulteriormente confirmado por vários pesquisadores5
.
Neste trabalho são apresentadas as observações sôbre o proteinograma do L C R de pacientes com afecções degenerativas do SNC. A finalidade do estudo é chamar a atenção para as alterações do conteúdo de β -globulina no LCR nesse tipo de afecções e avaliar o provável papel desempenhado por ela nas alterações metabólicas ocasionadas pela doença.
M A T E R I A L E M É T O D O S
F o i e s t u d a d o o p r o t e i n o g r a m a d o L C R de 28 p a c i e n t e s c o m a f e c ç õ e s d e g e n e r a t i v a s do s i s t e m a n e r v o s o c e n t r a l . O d i a g n ó s t i c o p r o v á v e l do t i p o d e a f e c c ã o e o r e -g i s t r o dos p a c i e n t e s s ã o r e f e r i d o s n o q u a d r o 1.
P a r a c a d a caso f o i f e i t o o p r o t e i n o g r a m a de u m a a m o s t r a de L C R . E m dois p a c i e n t e s ( c a s o s 13 e 1 5 ) o e x a m e f o i r e p e t i d o c ê r c a de u m e t r ê s a n o s d e p o i s .
A s a m o s t r a s a n a l i s a d a s e r a m n o r m a i s q u a n t o às p r o p r i e d a d e s f í s i c a s e c i t o l o g i a , s e n d o n e g a t i v a s as r e a ç õ e s de f i x a ç ã o d o c o m p l e m e n t o p a r a sífilis e p a r a c i s t i c e r c o s e . A t a x a de p r o t e í n a s t o t a i s foi c a l c u l a d a p e l o m é t o d o t u r b i d i m é t r i c o do á c i d o t r i c l o r a c é t i c o e o e s t u d o das f r a ç õ e s p r o t ê i c a s f o i f e i t o por e l e t r o f o r e s e e m p a p e l . A s t é c n i c a s e m p r e g a d a s f o r a m r e f e r i d a s a n t e r i o r m e n t e6
, b e m c o m o os v a l ô r e s n o r -m a i s r e s p e c t i v o s7
.
R E S U L T A D O S
Os r e s u l t a d o s o b t i d o s são a p r e s e n t a d o s n o q u a d r o 1.
A c o n c e n t r a ç ã o p r o t ê i c a t o t a l das a m o s t r a s de L C R e s t u d a d a s e r a n o r m a l e m t o d o s os casos, c o m e x c e ç ã o de dois ( c a s o s 17 e 2 2 ) . Êstes p a c i e n t e s a p r e s e n t a v a m d e g e n e r a ç ã o h e p a t o l e n t i c u l a r .
A a l t e r a ç ã o m a i s f r e q ü e n t e m e n t e o b s e r v a d a no p e r f i l p r o t ê i c o d o L C R dos casos e s t u d a d o s se r e f e r e a o p e r c e n t u a l da β - g l o b u l i n a . O t e o r dessa g l o b u l i n a e s t a v a a u m e n t a d o e m 12 p a c i e n t e s ( c a s o s 6, 8, 13, 14, 15, 18, 20, 22, 23, 24, 26 e 2 8 ) . O a u m e n t o de β - g l o b u l i n a e r a a c o m p a n h a d o d e d i m i n u i ç ã o d o t e o r de a l b u m i n a e m 6 p a c i e n t e s ( c a s o s 6, 14, 15, 20, 22 e 2 3 ) , de a-globulinas e m u m ( c a s o 1 8 ) e de 7 - g l o b u l i n a e m o u t r o ( c a s o 2 4 ) . E m u m p a c i e n t e ( c a s o 2 0 ) h a v i a t a m b é m a u m e n t o d i s c r e t o de 7 - g l o b u l i n a . N o caso 1 o c o r r e u d i s c r e t o a u m e n t o i s o l a d o d e y - g l o b u l i n a .
C O M E N T Á R I O S
Os dados apresentados comprovam mais uma vez que a ocorrência de hiperproteinorraquia em afecções de tipo degenerativo do SNC não é comum. Apenas em dois pacientes portadores de degeneração hepatolenticular foi ve-rificado discreto aumento da concentração protêica do LCR.
Em todos os casos o perfil protêico era de tipo descrito para o LCR normal, isto é, a albumina representava a maior das frações e, entre as globulinas, predominava a fração fi.
O percentual de ^3-globulina se achava aumentado em 12 dos casos es-tudados. O aumento foi verificado de modo mais freqüente entre pacientes com quadro clínico sugestivo de sofrimento encefálico predominante. É assim que foi observado em 3 dos 5 casos nos quais as principais manifes-tações eram relacionadas a sofrimento rombencefálico e em 7 dos 13 casos com sintomatologia devida a lesões mais rostrais. Dentre os 10 casos de processos degenerativos que comprometiam especialmente a medula espinal só foi observado o aumento de /?-globulina em dois casos (quadro 2 ) .
A ^8-globulina participa do metabolismo protêico da célula nervosa4
. Entre os dados favoráveis a esse modo de ver pode ser lembrado o fato de ser o L C R do espaço subaraenóideo encefálico aquele que é mais rico em /?-globulina2
. A favor desse ponto de vista está também a ocorrência de aumento do teor de ^8-globulina no L C R especialmente em casos de afecções degenerativas predominantemente encefálicas, como demonstram os casos es-tudados.
Esse último dado sugere que o aumento de y3-globulina no LCR possa estar relacionado a peculiaridades de cada caso, como a extensão do processo e a ocorrência de surtos de piora durante a evolução. Esses dois fatores podem ser ilustrados por dois dos pacientes estudados. No caso 15, o qua-dro clínico era sugestivo de processo degenerativo bastante extenso, em vista da intensidade das manifestações e do comprometimento mesodiencefálico; cerca de três anos depois, sem que se modificasse a severidade do quadro nesse período, novo proteinograma do L C R revelou dados semelhantes ao primeiro, isto é, nítido aumento do teor de ^g-globulina. No caso 13, o pri-meiro exame foi feito em momento em que a evolução da doença assumiu maior gravidade, coincidindo com o aparecimento de manifestações de com-prometimento ponto-olivar; cerca de um ano depois, em fase de evolução menos severa, novo exame já não mostrou a presença de aumento de fi-globulina no LCR.
R E S U M O E C O N C L U S Õ E S
Estudo baseado na análise dos dados referentes ao proteinograma do LCR de 28 pacientes com afecções degenerativas do SNC, de diversos tipos. A alteração principal encontrada foi o aumento do teor de -globulina, ob-servado em 12 casos.
O aumento dessa globulina ocorreu especialmente em casos com acome-timento predominantemente encefálico (10 casos). Não foi observada rela-ção entre o aumento de β -globulina no L C R e os grupos etiopatogênicos a que pertenciam os casos estudados.
O comprometimento metabólico da célula nervosa nas afecções degene-rativas do S N C parece ser o principal responsável pelo aumento de β -glo¬ bulina no LCR. Aspectos evolutivos de casos apresentados permitem veri-ficar a relação existente entre a severidade e a extensão do processo dege-nerativo e o aumento dessa fração protêica no LCR.
S U M M A R Y
Protein pattern of the cerebrospinal fluid in degenerative diseases of the central nervous system.
The total protein content and the protein fractions (paper electropho-resis) were determined in the CSF of 28 patients with degenerative diseases of the CNS. The diagnosis and the results obtained are presented in table 1. An increase in the β -globulin content of the CFS was the main change found. It was observed in 12 cases. The observation confirms the findings of other authors.
The occurrence of an increase in the β -globulin content of the CSF was related to the localization and extension of the disease process within the CNS and not to the etiology. The distribution of the cases according to the possible site of the lesion in the CNS shows that the increase in the β -globulin of the CSF was more frequent when signs of encephalic involve-ment were patent (table 2 ) .
R E F E R Ê N C I A S
1. E S S E R , H . — D i e L i q u o r e i w e i s s k o r p e r des M e n s c h e n . Z e n t r a l b l a t t f. d. g e s . P s y c h i a t . , 122:68 ( m a r ç o ) 1953. 2. G E I N E R T , F . ; M A T I A R , H . — D a s e l e k t r o p h o r e ¬ t i s c h e P r o t e i n s p e k t r u m in v e r s c h i e d e n e r H o n e des L i q u o r s y s t e m s . D t s e h . Z. N e r v e n ¬ h e i l k . , 179:111-119, 1959. 3. G R E E N , J. B . — R e c e n t a d v a n c e s in t h e c h e m i s t r y o f t h e C S F . A r c h . N e u r o l , a. P s y c h i a t . , 80:359-374, 1958. 4. M A T I A R , H . — D i e E r h ö ¬ h u n g d e r β -Globuline i m L i q u o r . D t s c h . Z . N e r v e n h e i l k , , 180:191-215, 1960. 5. S P I N A - F R A N Ç A , A . — E l e t r o f o r e s e e m p a p e l das p r o t e í n a s d o l í q u i d o c e f a l o r r a¬
q u e a n o : p r i n c i p a i s r e s u l t a d o s r e g i s t r a d o s na l i t e r a t u r a . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . , 16: 223235 ( s e t e m b r o ) 1958. 6. S P I N A F R A N Ç A , A . — E l e t r o f o r e s e e m p a p e l das p r o t e í n a s do l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o : t é c n i c a . A r q . N e u r o P s i q u i a t . , 16:236242 ( s e -t e m b r o ) 1958. 7. S P I N A - F R A N Ç A , A . — E l e -t r o f o r e s e e m p a p e l d a s p r o -t e í n a s d o l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o : v a l ô r e s n o r m a i s . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . , 18:19-28 ( m a r ç o ) 1960. 8. S P I N A - F R A N Ç A , A . ; A M A R , I . — V a l ô r e s n o r m a i s da c o n c e n t r a ç ã o p r o ¬ t ê i c a do l í q u i d o c e f a l o r r a q u e a n o : v a r i a ç õ e s l i g a d a s a o l o c a l de c o l h e i t a da a m o s t r a . A r q . N e u r o - P s i q u i a t . , 19:220-225 ( s e t e m b r o ) 1961.