R E G I S T R O D E C A S O S
ATROFIA MUSCULAR PROXIMAL FAMILIAR
JOSÉ ANTONIO LEVY *
EHRENFRIED OTHMAR WITTIG **
Enquanto a distrofia muscular progressiva caracteriza-se, na grande
maioria dos casos, pelo predomínio proximal da atrofia muscular — nas
cinturas pélvica e escapular e no tronco —, as afecções crônicas e
degene-rativas do neurônio motor periférico afetam, de preferência, os músculos
distais dos membros. Por fazer exceção a esta regra, a atrofia muscular
proximal familiar é, em geral, confundida com a distrofia muscular
pro-gressiva, sendo talvez este o motivo por que têm sido referidos na literatura
casos de distrofia muscular progressiva com fasciculações. Kugelberg e
Welander
3apresentaram, no 12.° Congresso Escandinavo de Neurologia
(Oslo, 1952) e publicaram em 1956 as observações de 12 pacientes com
atrofia proximal hereditária, afecção de evolução muito lenta,
transmitin-do-se com caráter recessivo e na qual a eletromiografia e a biopsia
mus-cular demonstraram ser a afecção musmus-cular secundária ao
comprometimen-to do neurônio mocomprometimen-tor periférico. Wohlfart e cois.
4, em 1955, estudando
três famílias, consideram esta afecção hereditária como constituindo uma
moléstia independente na qual a sintomatologia sugere distrofia muscular
progressiva primária, ao passo que o eletromiograma e a biopsia muscular
mostram alterações indicando a existência de lesão de neurônios motores
periféricos; dos 7 casos relatados por esses autores *, quatro apresentavam
fasciculações ao exame clínico, dois eram clinicamente indistinguíveis de
casos de distrofia muscular progressiva e um tinha o diagnóstico anterior
de moléstia de Werdnig-Hoffmann, tendo, no entanto, evoluído de modo
fa-vorável.
Magee e De Jong
2, em 1960, publicaram as observações de três casos
de atrofia muscular proximal hereditária em uma família, considerando-os
como idênticos aos descritos por Kugelberg e Welander
3e por Wohlfart
e col.
4. Como nos casos descritos anteriormente, os de Magee e DeJong
também haviam sido inicialmente diagnosticados como distrofia muscular
progressiva, mas o caráter estacionário da moléstia, o exame
eletromiográ-fico e a biopsia muscular tornaram possível o diagnóstico correto.
Hurwitz e col.
1, em 1961, relataram dois casos semelhantes, de atrofia
neurogênica, de topografia proximal e simétrica, nos quais o diagnóstico
pôde ser feito com auxílio da eletromiografia e biopsia muscular.
O motivo deste trabalho é relatar as observações referentes a dois
ir-mãos com essa afecção. Em ambos fora feito o diagnóstico de distrofia
muscular progressiva; entretanto, a biopsia muscular e o exame
eletromio-gráfico mostraram que a atrofia muscular era secundária à lesão de
neurô-nios motores periféricos.
OBSERVAÇÕES
C A S O 1 — F. T. O., c o m 26 a n o s de idade, s e x o m a s c u l i n o , a t e n d i d o n o a m b u -l a t ó r i o de C-línica N e u r o -l ó g i c a ( R e g . Gera-l 518012) e m 9-3-1960. M o -l é s t i a i n i c i a d a 10 a n o s a n t e s , c o m c a i m b r a s nos m e m b r o s inferiores, t r e m o r e s n a s e x t r e m i d a d e s e f r a q u e z a n a s p a r t e s p r o x i m a i s dos m e m b r o s ; dificuldade para a s s u m i r a a t i t u d e bípede, para a n d a r e p a r a subir e s c a d a s ; a p ó s dois m e s e s de e v o l u ç ã o p r o g r e s s i v a o quadro piorou, a c e n t u a n d o - s e a s a t r o f i a s . Depois do primeiro a n o de e v o l u ç ã o o quadro s i n t o m a t o l ó g i c o , s e g u n d o o dizer do doente, p e r m a n e c e u e s t a c i o n á r i o .
Antecedentes —• U m i r m ã o do p a c i e n t e ( c a s o 2) a p r e s e n t a a m e s m a m o l é s t i a ; n ã o
m ú s c u l o s d i s t a i s ( a n t e b r a ç o s , m ã o s , p e r n a s e p é s ) a p r e s e n t a m s e l e v e m e n t e h i p o -trofiados; r e f l e x o s p a t e l a r e s , bicipitais, e s t i l o - r a d i a i s , c ú b i t o - p r o n a d o r e s e a q u i l e o s abolidos; d i m i n u i ç ã o a c e n t u a d a da força m u s c u l a r , s o b r e t u d o n a s p o r ç õ e s proxi-m a i s d o s proxi-m e proxi-m b r o s ; a u s ê n c i a de f a s c i c u l a ç õ e s ; sensibilidades n o r proxi-m a i s .
Exames subsidiários — Testes musculares: déficit v a r i á v e l de 50 a 75% n o s
m ú s c u l o s d a s c o x a s e p e r n a s ; déficit d e 25 a 50% n a s c i n t u r a s p é l v i c a e e s c a p u l a r , b r a ç o s e a n t e - b r a ç o s ; força m u s c u l a r n o r m a l n a s m ã o s e pés. Dosagem do
coles-terol n o soro 218 m g / 1 0 0 ml. Creatinina na urina 0,28 m g / l i t r o . Exame de li-qüido cefalorraquiãiano ( p u n ç ã o l o m b a r ) : n o r m a l . Captação do I'3
' pela tireóide
n o r m a l . Metabolismo basal d e n t r o dos l i m i t e s da n o r m a l i d a d e . Eletromiografia (bíceps braquial, deltóide e q u a d r í c e p s à direita, b í c e p s b r a q u i a l esquerdo, e m i -n ê -n c i a t e -n a r d i r e i t a ) : d u r a -n t e o repouso f o r a m r e g i s t r a d o s -n u m e r o s o s p o t e -n c i a i s de f i b r i l a ç ã o e f a s c i c u l a ç õ e s ; d u r a n t e a c o n t r a ç ã o m u s c u l a r , p o t e n c i a i s p o l i f á s i c o s d e l o n g a d u r a ç ã o e b a i x a v o l t a g e m c o m a l g u n s p o t e n c i a i s g i g a n t e s de maisr de 3.000 m i c r o v o l t s . Biopsia muscular *: a o l a d o do t e c i d o m u s c u l a r n o r m a l , v e r i f i -c a m - s e á r e a s de fibras m u s -c u l a r e s a t r o f i a d a s , de t a m a n h o b a s t a n t e d i m i n u í d o , á r e a s e s t a s c o r r e s p o n d e n t e s a s u b - u n i d a d e s m o t o r a s c u j o s n e u r ô n i o s f o r a m l e s a d o s (fig. 1 ) ; e m a l g u m a s d a s fibras m u s c u l a r e s v e r i f i c a m - s e s i n a i s de r e g n e r a ç ã o , o u seja, basofilia, a u m e n t o do n ú m e r o de n ú c l e o s , a s p e c t o de r a q u e t e (fig. 2 ) .
i r m ã o do a n t e r i o r ( c a s o 1 ) , e m b o r a s e u s n o m e s s e j a m b a s t a n t e diferentes. A a n a m -n e s e é i -n t e i r a m e -n t e s u p e r p o -n í v e l , t e -n d o a m o l é s t i a se i-niciado -n a m e s m a o c a s i ã o e m a m b o s os irmãos, ou seja, h á 10 a n o s . O e x a m e n e u r o l ó g i c o m o s t r o u : a t i t u de, m a r c h a e m o d o de l e v a n t a r s e s e m e l h a n t e s a o s verificados nos m i o p a t a s ; a t r o -f i a s m u s c u l a r e s n a c i n t u r a p é l v i c a e e s c a p u l a r , c o x a s e braços, h a v e n d o hipotro-fia e m a l g u n s m ú s c u l o s d i s t a i s dos a n t e b r a ç o s , m ã o s , pernas e pés; a r r e f l e x i a profunda. A o c o n t r á r i o do c a s o anterior, e s t e p a c i e n t e a p r e s e n t a v a f a s c i c u l a ç õ e s a o n í v e l dos m ú s c u l o s da c i n t u r a e s c a p u l a r . A s s e n s i b i l i d a d e s e r a m n o r m a i s .
COMENTÁRIOS
Embora os exames subsidiários, inclusive a biopsia muscular e a ele¬
tromiografia tenham sido feitos em apenas um dos pacientes (caso 1), não
parece haver dúvidas quanto ao diagnóstico do segundo caso, não só em
virtude de tratar-se de dois irmãos, como também pela anamnese e
sinto-matologia superponíveis em ambos os casos. Lembramos ainda que no
se-gundo paciente o exame clínico mostrava fasciculações, o que, por si só, já
poderia sugerir a existência de lesão crônica de neurônios motores
peri-féricos. Como j á fôra relatado por vários a u t o r e s
1 ,.
2 ,.
3 , 4 ,.
5, os dois casos
que apresentamos caracterizavam-se por atrofias musculares de predomínio
proximal e pela evolução bastante lenta, havendo mesmo, após o primeiro
ano, aparente estacionamento do quadro clínico. Fasciculações parecem
estar presentes em cêrca de 50% dos casos relatados na literatura; dos
nossos dois casos apenas um (caso 2) as apresentava. Nesta moléstia os
reflexos profundos podem se apresentar normais ou diminuídos, ou mesmo
estarem abolidos, como, aliás, sucedeu nos nossos dois pacientes. A
sinto-matologia em geral se inicia entre os 3 meses e 17 anos de idade, havendo,
entretanto, relato de um caso com início aos 44 anos
1; nos nossos pacientes
a sintomatologia se iniciou respectivamente aos 13 e aos 16 anos. O
prog-nóstico, quod vitam, é bom porquanto a sobrevida é em geral superior a 15
anos, tendo sido até registrado um caso com 40 a n o s
3. É importante o
fato de que, em quase todos os casos descritos na literatura, o diagnóstico
inicial foi de distrofia muscular progressiva, em virtude do que deve ser
ressaltado o valor da biopsia muscular e da eletromiografia para o
esclare-cimento diagnóstico definitivo.
RESUMO
SUMMARY
Familial proximal muscular atrophy: report of two cases.
Two cases of familial proximal muscular atrophy characterized by motor
impairment and muscle atrophies with proximal distribution secondary to
lesion of the peripheral motor neurons are reported. As in other cases
reported in medical literature, the first diagnosis was that of progressive
muscular distrophy. The correct diagnosis was made through muscle biopsy
and electromiography.
R E F E R Ê N C I A S
1. H U R W I T Z , L.; L E P R E S L E , J . ; G A R C I N , R . — A t r o p h i e m u s c u l a i r e n e u ¬ r ò g e n e d e t o p o g r a p h i e p r o x i m a l e e t s y m è t r i q u e s i m u l a n t u n e m y o p a t h i e . R. N e u r o l , 1 0 4 : 9 7 - 1 0 7 ( f e v e r e i r o ) 1 9 6 1 . 2. M A G E E , K.; D E J O N G , R. — N e u r o g e n i c m u s c u l a r a t r o p h y s i m u l a t i n g m u s c u l a r d i s t r o p h y . A r c h . N e u r o l . , 2:677-682 ( j u n h o ) 1960. 3 . K U G E L B E R G , E.; W E L A N D E R , L. — H e r e d o f a m i l i a l j u v e n i l e m u s c u l a r a t r o p h y s i m u l a t i n g m u s c u l a r d y s t r o p h y . A r c h . N e u r o l , a. P s y c h i a t . , 7 5 : 5 0 0 - 5 0 9 ( m a i o ) 1956. 4. W O H L F A R T , G.; F E X , J . j E L I A S S O N , S. — H e r e d i t a r y p r o x i m a l s p i n a l m u s c u l a r a t r o p h y : a c l i n i c a l e n t i t y s i m u l a t i n g p r o g r e s s i v e m u s c u l a r d y s t r o p h y . A c t a P s y c h a t . a. N e u r o l . S c a n d i n a v i c a , 30:395406, 1955. 5. W O H L F A R T , G. — D i s c u s s ã o d o t r a -b a l h o d e K u g e l -b e r g e W e l a n d e r3
a p r e s e n t a d o a o 12º C o n g r e s s o d e N e u r o l o g i s t a s E s c a n d i n a v o s , 1952. A c t a P s y c h i a t . a. N e u r o l . S c a n d i n a v i c a , 2 9 : 4 2 - 4 3 ( j a n e i r o ) 1954.