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Saúde mental e trabalho: significados e limites de modelos teóricos.

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Academic year: 2017

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SAÚDE MENTAL E TRABALHO: SI GNI FI CADOS E LI MI TES DE MODELOS TEÓRI COS

Josicelia Dum êt Fer nandes1

Crist ina M. M. Melo2

Mar ia Car olina C. M. Gusm ão3

Juliana Fer nandes4

An gélica Gu im ar ães5

Est e t ex t o se const it ui em r ev isão das pr incipais abor dagens t eór icas que fundam ent am os est udos

sobr e Saúde Ment al e Tr abalho ( SMT) , apont ando seus conceit os básicos, cat egor ias de análise e r espect iv os

lim it es. Propõe- se a oferecer alguns balizam ent os conceit uais acerca da t em át ica SMT, na t ent at iva de equacionar

pr oblem as, quest ões e desafios im post os pela const r ução dest e obj et o de est udo. Par a isso, o t ex t o apóia- se

na r ev isão cr ít ica de alguns par adigm as t eór icos pr edom inant es nos est udos sobr e a SMT. Finaliza apont ando

quest ões t eór icas im por t ant es sobr e as r elações ent r e a saúde m ent al dos indiv íduos inser idos no m undo do

t r ab alh o.

DESCRI TORES: saúde m ent al; t r abalho; est r esse; condições de v ida; pr ocesso saúde- doença

MENTAL HEALTH AND W ORK: MEANI NGS AND LI MI TS OF THEORETI CAL MODELS

This t ext is a r evision of t he m ost im por t ant t heor et ical appr oaches t hat fundam ent t he st udies about

Men t al Healt h an d Wor k , poin t in g t o t h e basic con cept s, cat egor ies of an aly ses an d r espect iv e lim it s. Th e

obj ect ive is t o underline som e concept ions about t he t hem e, in t he at t em pt t o cont ribut e wit h a way t o face t he

problem s, quest ions and difficult ies im posed by t he const ruct ion of t his obj ect of st udy. Thus, t he t ext is based

on t h e cr it ical r ev iew of t h eor et ical par adigm s t h at pr edom in at e in st u dies abou t Men t al Healt h an d Wor k .

Finally , it indicat es som e im por t ant t heor et ical quest ions about t he r elat ion bet w een m ent al healt h and w or k.

DESCRI PTORS: m ent al healt h; w or k ; st r ess; liv ing condit ions; healt h- disease pr ocess

SALUD MENTAL Y TRABAJO: SI GNI FI CADOS Y LÍ MI TES DE MODELOS TEÓRI COS

Est e t ex t o se const it uy e en una r ev isión de las pr incipales apr ox im aciones t eór icas que fundam ent an

los est udios sobre la Salud Ment al y Trabaj o ( SMT) , apunt ando sus concept os básicos, cat egorías de análisis y

respect ivos lím it es. Propone ofrecer algunos balizam ient os concept uáis acerca de la t em át ica SMT, en la t ent at iva

de ecuacionar pr oblem as, cuest iones y desafíos colocados por la const r ucción del obj et o de est udio. Par a t al,

el t ex t o se apoy a en la r ev isión cr ít ica de algunos par adigm as t eór icos pr edom inant es en los est udios acer ca

de la SMT. Finaliza apunt ando cuest iones t eóricas im port ant es sobre las relaciones ent re la salud m ent al de los

indiv iduos en su m undo de t r abaj o.

DESCRI PTORES: salud m ent al; t r abaj o; est r és; condiciones de v ida; pr oceso salud- enfer m edad

1 Doutor em Enferm agem , Professor Titular; 2 Doutor em Saúde Pública, Professor Adj unto; 3 Graduando, Bolsist a de I niciação em Pesquisa – CNPq. Escola

de Enferm agem da Universidade Federal da Bahia; 4 Graduando da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia, Bolsist a do Program a

(2)

I NTRODUÇÃO

E

ste estudo, de caráter teórico e exploratório,

se propõe a pontuar alguns aspectos conceituais sobre as abordagens t eóricas predom inant es que explicam a i n t e r - r e l a çã o e n t r e Sa ú d e Me n t a l e Tr a b a l h o, apont ando seus conceit os básicos, as cat egorias de análise e os lim ites identificados em cada um a.

Saúde Mental e Trabalho ( SMT) não é um tem a novo, porém , m uit o at ual. Traz consigo cont roversa discussão sobre seu conceito e aplicabilidade. O tem a, a l ém d e en v o l v en t e, su sci t a r ef l ex õ es so b r e a s a b o r d a g e n s t e ó r i ca s q u e o e x p l i ca m , se n d o apr een dido com o u m pr ocesso on de as agr essões dirigidas ao aparelho psíquico, pela via laboral, são con f r on t ad as p el as f on t es d e v i t al i d ad e e saú d e r e p r e se n t a d a s p e l a s r e si st ê n ci a s i n d i v i d u a i s e colet ivas, na preservação da ident idade, dos valores e da dignidade dos t rabalhadores.

A o r g a n i za çã o d o t r a b a l h o v e m se constituindo em instância social relevante no processo saúde- doença m ent al. Tal organização produz efeit os sobre o corpo do trabalhador, passando pelo aparelho p síq u i co , o n d e é i m p o st o ce r t o m o d o d e f u n ci o n a m e n t o , ce r t a m o d e l a g e m à l u z d a s dem andas, cont eúdo e exigências da lógica do m odo de pr odução.

O ap ar elh o p síq u ico é, p or t an t o, o lu g ar privilegiado de expressão dos efeit os da organização

do t rabalho sobre o indivíduo( 1).

A com plexidade do aparelho psíquico, por sua v ez, ex i g e an ál i ses f u n d am en t ad as em m o d el o s t eóricos que possam direcionar os est udos volt ados p a r a a co m p r e e n sã o d a SMT, a d o t a n d o, co m o cat egoria analít ica fundam ent al, um hom em hist órico concret o, sit uado no t em po e no espaço.

A ad oção d essa cat eg or ia an alít ica, p elos pesquisador es, t em encont r ado dificuldades na sua o p e r a ci o n a l i za çã o . Os d i st ú r b i o s p síq u i co s r elacionados ao t r abalho, em bor a apr esent em alt a p r e v a l ê n ci a e n t r e a p o p u l a çã o t r a b a l h a d o r a , fr eqüent em ent e deix am de ser r econhecidos com o t a i s, n o m o m e n t o d a a v a l i a çã o cl ín i ca( 1 ). Essa d i f i cu l d a d e d e co r r e , n ã o a p e n a s d a s p r ó p r i a s ca r a ct e r íst i ca s d o s d i st ú r b i o s p síq u i co s, freqüentem ente m ascarados por sintom as físicos, m as tam bém da com plexidade inerente à tarefa de definir-se claram ent e a associação ent re t ais dist úrbios e o t rabalho desenvolvido pelo indivíduo.

Em b o r a a q u e st ã o d a sa ú d e m e n t a l d o t r abalhador não sej a t em a nov o, ainda se obser v a

car ên cia d e est u d os q u e ap r of u n d em a d iscu ssão t eórico- conceit ual sobre essa t em át ica, ident ificando saberes e inst rum ent os m et odológicos. Essa carência t or na- se m ais aguçada na ár ea da saúde, onde se observam dificuldades de ordem t eórico- conceit ual e m etodológica sobre a SMT. Dentre essas dificuldades, dest acam - se aquelas relat ivas à adoção de um eixo t eórico- m et odológico que possa direcionar a análise dos achados ou, ainda, a adoção de pr essupost os t eór icos div er sos e at é m esm o cont r adit ór ios num m e sm o e st u d o , a p r e se n t a n d o , n o s r e su l t a d o s, diversos elem ent os conflit uosos ent re si. Um a out ra

dificuldade é a adoção dos term os desgast e, est resse

e sofr im ent o com o sinônim os.

No Br asil, são escassas as abor dagens que b u scam as sit u ações e con j u n ções d o sof r im en t o m ental dos trabalhadores através de um a perspectiva de int egração dos dinam ism os psicológicos e sociais com um a análise política. São os im portantes estudos

da psicopatologia do trabalho( 2- 7) que enfocam grupos

de problem as at ribuídos à organização do t rabalho, t razendo inform ações e análises preciosas ao est udo d a sa ú d e m e n t a l e d o so f r i m e n t o p síq u i co d e t r a b a l h a d o r e s. Na á r e a d a sa ú d e e , m a i s esp ecif icam en t e, n a en f er m ag em , são p ou cos os

est udos( 8- 10) exist ent es sob essa abordagem .

Fr en t e à est a car ên cia de r ef er ên cias qu e a p r o f u n d e m a d i scu ssã o t e ó r i co - co n ce i t u a l d a s relações ent re saúde m ent al e t rabalho, est e art igo t em com o obj et iv o ofer ecer pont uações conceit uais das abor dagens t eór icas pr edom inant es quando se est uda a t em át ica da SMT, apont ando seus conceit os básicos, cat egorias de análise e respect ivos lim it es, na tentativa de contribuir para equacionar problem as, q u est ões e d esaf ios im p ost os p or esse ob j et o d e est udo. Par a isso, est e ar t igo apóia- se na r ev isão crítica de alguns m odelos teóricos predom inantes nos est u d os, n a ár ea d a saú d e, sem , con t u d o, t er a pr et ensão de um a análise da pr odução nessa ár ea t em át ica.

I sso posto, destacam - se a seguir as principais vertentes analíticas que fundam entam os estudos, na ár ea d a saú d e, so b r e a r el ação saú d e m en t al e t r abalho.

MODELOS TEÓRI COS NOS ESTUDOS SOBRE

SAÚDE MENTAL E TRABALHO

(3)

-se co m o p r i n ci p a i s co r r e n t e s: a a b o r d a g e m d o

desgast e, das con dições ger ais de v ida e t r abalh o,

do est r esse, da er g on om ia e da p sicop at olog ia d o t r ab alh o.

Abor dagem do desgast e

A vertente analítica do desgaste fundam enta-se na concepção que adot a o pr ocesso de t r abalho co m o el em en t o f u n d a m en t a l d e a n á l i se( 1 1 - 1 2 ). O p r ocesso d e t r ab al h o e a car g a d e t r ab al h o são v i su a l i za d o s co m o ca t e g o r i a s a n a l ít i ca s n a co m p r een sã o d o s a sp ect o s b i o p si co sso ci a i s q u e e x e r ce m i n f l u ê n ci a n o p r o ce sso sa ú d e - d o e n ça ( m ental) , buscando- se a superação da noção de risco. I dent ifica- se um cam po int erdisciplinar volt ado para a análise das conexões entre saúde m ental e trabalho,

apr esen t an do o con ceit o de d esg ast e com o opção

conceit ual int egr ador a.

O d esg ast e é en t en dido com o a per da da ca p a ci d a d e e f e t i v a e / o u p o t e n ci a l , b i o l ó g i ca e psíquica, na m edida em que o t rabalho se convert eu em at ividade, cuj o com ponent e desgast ant e é m uit o m ais efet ivo do que o da reposição dessa capacidade e d o d e s e n v o l v i m e n t o d e p o t e n c i a l i d a d e s d o

t rabalhador( 13- 14).

O desgast e psíquico é associado à im agem de “ m ent e consum ida”, reunindo t rês abrangências: a p r i m e i r a , co m p r e e n d e n d o q u a d r o s cl ín i co s r elacionados ao desgast e or gânico da m ent e ( sej a em acidentes do trabalho, sej a pela ação de produtos t óx icos) ; a segu n da, com pr een den do as v ar iações do “ m al- est ar”, das quais faz part e a fadiga ( m ent al e física) ; a t erceira, que ident ifica os desgast es que afetam a identidade do trabalhador, ao atingir valores e cr e n ça s q u e p o d e m f e r i r a su a d i g n i d a d e e

esper ança( 13).

Den t r e os q u ad r os clín icos, ou sín d r om es neur ót icas, ident ificadas at r av és da abor dagem do

desgast e, dest acam - se: a síndrom e do esgot am ent o

profissional ( estafa ou burn out) ; síndrom e da fadiga

cr ô n i ca ( f a d i g a p a t o l ó g i ca ) ; sín d r o m e s p ó

s-t raum ás-t icas, depressivas e paranóides( 15).

A sín d r o m e d o esg o t am en t o e d a f ad i g a crônica corresponde à est afa ou à fadiga acum ulada ao longo de períodos de trabalho, de duração variável, q u e n ã o p e r m i t e m r e cu p e r a çã o su f i ci e n t e p o r i n t e r m é d i o d e so n o e r e p o u so . A ca r a ct e r íst i ca p r i n ci p a l é a f a d i g a co n st a n t e, f ísi ca e m en t a l , a co m p a n h a d a d e d i st ú r b i o s d o so n o , ca n sa ço ,

irrit abilidade e desânim o( 15- 16).

A neurose pós- t raum át ica é percebida com o u m q u a d r o d e i r r i t a b i l i d a d e , a n g ú st i a , r e a çõ e s em ocionais exageradas. Adem ais, o indivíduo revive m en t alm en t e a cen a t r au m át ica, acom pan h ada de m al- est ar, às vezes com sudorese e t aquicardia. Os pesadelos tam bém repetem o evento traum ático com dist úrbios do sono, irrit abilidade e est ado de t ensão n o q u al ocor r em sob r essalt os, com o se a p essoa

est ivesse em perm anent e est ado de pront idão( 17).

A síndrom e paranóide é apreendida com o um quadro do tipo neurótico, onde se desenvolvem fortes se n t i m e n t o s d e i n se g u r a n ça , co m v i v ê n ci a s d e am eaça em sit u ações n as q u ais são id en t if icad os a sp e ct o s e p r e ssõ e s d e t i p o p o t e n ci a l m e n t e per secut ór ios, com disposit iv os r ígidos de cont r ole. Quant o m aiores forem as barreiras na com unicação e o isolam ent o do t r abalhador assalar iado, m aior es ser ão as f aci l i d ad es d e d esen v o l v i m en t o d essas m an ifest ações. As m an ifest ações de an siedade de t eor per secut ór io podem se int ensificar a pont o de p e r t u r b a r se r i a m e n t e o s r e l a ci o n a m e n t o s interpessoais e o desem penho. Paralelam ente, podem su r g i r g r a u s d e i r r i t a b i l i d a d e e , t a m b é m , co m

freqüência, dist úrbios do sono( 15).

As sín d r om es d ep r essiv as p od em t er su a pat ogenia, desencadeam ent o e evolução nit idam ent e asso ci ad o s às si t u açõ es d e t r ab al h o , p o d en d o a d ep r essão m an i f est ar - se em q u ad r o s ag u d o s o u cr ôn icos t íp icos ( t r ist eza, v iv ên cias d e p er d a ou fracasso e falta de esperança) . No entanto, os quadros depr essiv os associados ao t r abalho, m uit as v ezes, n ã o sã o t íp i co s, r e v e l a n d o - se d e f o r m a su t i l e a p r e se n t a m , co m o p r i n ci p a l m a n i f e st a çã o , o

desânim o diant e da vida e do fut uro( 15).

O ent endim ent o do desgast e, com o fat or de

transtorno psíquico, não se refere a nenhum processo part icular isolado, m as a um conj unt o de processos b i o p síq u i co s, n ã o e st a n d o , n e ce ssa r i a m e n t e , relacionado a processos irreversíveis. É, exat am ent e,

essa inespecificidade do d esg ast e, nas análises da

SMT, que lim it a os aspect os da sua m ensuração, na m edida em que a m esm a passa a ser realizada através d e si n a i s e si n t o m a s i n e sp e cíf i co s d o q u a d r o psicopat ológico apr esent ado pelo t rabalhador.

Os est u d os q u e b u scam a ab or d ag em d o

desgast e na dem arcação da relação ent re t rabalho e

(4)

Abordagem das condições gerais de vida e t rabalho

O m odelo das co n d i çõ es g er ai s d e v i d a e

t r a b a l h o, o u m o d o d e v i d a, f u n d a m e n t a - se n a con cep ção q u e ad ot a a ocu p ação com o elem en t o cent r al na com pr eensão do pr ocesso saúde- doença ( m ent al) . O conceit o de ocupação, ent endido a part ir d a i n se r çã o d o i n d i v íd u o n u m a d a d a e st r u t u r a ocu p acion al e n u m d ad o m er cad o d e t r ab alh o, é considerado com o de fundam ent al im port ância para o ent endim ent o da ex posição difer enciada a r iscos psíquicos, sej a na exposição cont ínua a um processo d e t r ab alh o esp ecíf ico, sej a n a m ob ilid ad e en t r e

processos de t rabalho dist int os( 18).

At r a v és d essa a b o r d a g em , a s co n d i çõ e s g er ais d e v id a são v isu alizad as com o cat eg or ias a n a l ít i ca s, n a co m p r e e n sã o d o s a sp e ct o s biopsicossociais que exercem influência no processo sa ú d e - d o e n ça ( m e n t a l ) . Re ssa l t a - se q u e e sse p r o ce sso é m e d i a d o , p o r u m l a d o , p o r f a t o r e s vinculados ao m odo de vida e, por outro, pela inserção

do indivíduo na est rut ura ocupacional( 18).

Os riscos psíquicos relat ivos à ocupação não se d i st r i b u em u n i f o r m em en t e, u m a v ez q u e são associados às condições gerais de vida e de trabalho, às quais o indiv íduo est á ex post o. A ex posição ao processo de t rabalho não se dá de form a cont ínua, prevalecendo a exposição do t rabalhador a processos de t r abalhos difer enciados. Dent r o do pr ópr io set or sa ú d e , o b se r v a - se d i v e r si d a d e d e o cu p a çõ e s ( m é d i co , e n f e r m e i r o , a u x i l i a r d e e n f e r m a g e m , fisiot er apeut a) e a het er ogeneidade est r ut ur al das m esm as.

As c o n d i ç õ e s g e r a i s d e t r a b a l h o, co n si d er an d o a d i v er si d ad e d e o cu p açõ es e su a h e t e r o g e n e i d a d e e st r u t u r a l , o co r r e m con com it an t em en t e a p r ob lem as r elacion ad os às condições de vida. Port ant o, um a série de aspect os da sit uação de t r abalho e do sobr et r abalho podem at u ar de f or m a con j u n t a n o desen cadeam en t o de t ranst ornos m ent ais, onde vários aspect os se int er-r elacion am .

Ne ssa v e r t e n t e a n a l ít i ca , p o r t a n t o , o s a sp e ct o s r e l a ci o n a d o s co m a sa ú d e m e n t a l d o t r a b a l h a d o r n ã o p o d e m e st a r ci r cu n scr i t o s à ident ificação, apenas, da int ensidade dos m esm os, a p a r t i r d a s ca r g a s l a b o r a i s r e l a ci o n a d a s a ca d a processo de t rabalho, m as, sobret udo, na explicação da n at u r eza dos r iscos psíqu icos a qu e pr ocessos específicos de t rabalho expõem o t rabalhador.

É nessa per spect iv a que a abor dagem das

condições gerais de vida e t rabalho ou m odo de vida

d i f er en ci a - se d o m o d el o t eó r i co d o d e sg a st e. A

abordagem das condições ger ais de v ida e t r abalho

ou m odo de vida adot a com o eixo cent ral de análise o pr ocesso de t r abalho, enquant o que a do desgast e

adot a a est r u t u r a ocu pacion al. A sem elhança ent r e

elas é que am bas adot am o t ecido social com o pano de fundo, afast ando- se das abor dagens t r adicionais que lidam com o processo da SMT na perspectiva da

Saúde Ocupacional( 19).

Abor dagem do est r esse

A abordagem que privilegia a relação ent re

e st r e sse e t r ab al h o é o u t r a co r r en t e d e an ál i se dedicada à inter- relação saúde m ental e trabalho. Essa

abordagem , fundam ent ada na t eoria do est resse( 20),

apresent a o est resse com o um desequilíbrio ent re as

dem andas do t r abalho e a capacidade de r espost a dos t r abalhador es.

Na co m p r e e n sã o d o s a sp e ct o s biopsicossociais que exercem influência no processo

saú de- doen ça ( m en t al) , a abor dagem do est r esse

a d o t a , co m o e i x o s e x p l i ca t i v o s o u ca t e g o r i a s a n a l ít i ca s, a o r g a n i za çã o so ci a l , o p r o ce sso d e alienação do t rabalhador, o am bient e de t rabalho e

ocupações específicas( 21).

Ap e sa r d a i m p o r t â n ci a d o co n ce i t o d e

e st r e sse p ar a a com p r een são d os n ex os en t r e o pr ocesso saúde- doença ( m ent al) e t r abalho, ex ist e dificuldade, j á consensual, par a a delim it ação dos e i x o s e x p l i ca t i v o s, o u ca t e g o r i a s a n a l ít i ca s, n a a b o r d a g e m d o e st r e sse . Essa d i f i cu l d a d e v e m acarret ando barreiras de ordem t eórico- m et odológica para essa vert ent e analít ica.

A noção de est resse vem sendo apreendida com o u m con j u n t o de r eações qu e u m or gan ism o d e se n v o l v e q u a n d o su b m e t i d o a si t u a çõ e s q u e desafiam o seu equilíbrio adapt at ivo, expressando as vicissit udes e os im pact os da vida urbano- indust rial so b r e a s su b j e t i v i d a d e s. Essa n o çã o e n g l o b a at m osf er as p sicológ icas p r ev alen t es n as g r an d es cidades, com o velocidade e variedade dos est ím ulos, h i p e r v i g i l â n ci a d o s se n t i d o s, e n f r e n t a m e n t o d e a m e a ça s d i f u sa s, se n t i m e n t o d e u r g ê n ci a n o

at endim ent o de dem andas, dent re out ras( 1).

(5)

a psicossom át ica e a psicof ar m acologia bu scar am esclar ecer difer enças ent r e as noções de est r esse, em o ção , em o t i v i d ad e, an g ú st i a e an si ed ad e, n a t ent at iva de preservar o est at ut o cient ífico do t erm o.

Nesse balizam ent o, a noção de est r esse passa a se

relacionar com sit uações de suj eição psicossensório-m o t o r a s ex t r epsicossensório-m a s, n o l i psicossensório-m i t e d o d a n o d i r et o d a

integridade do suj eito( 5). É um a noção que indica um

est ado r esu lt an t e da in t er ação do or gan ism o com e st ím u l o s n o ci v o s, se n d o , p o r t a n t o , u m e st a d o dinâm ico, int erior ao organism o. Assim , não se pode

considerar com o est resse a expect at iva do est udant e

frente a um a prova, as em oções do paciente frente à ex p ect at iv a d e u m a cir u r g ia, n em sit u ações q u e t e n h a m ca r á t e r p e n o so co m o l u t o o u f r a ca sso .

Tam bém , não se pode considerar com o est resse um a

ag r essão d e est ím u los, sím b olos d e op r essão ou qualquer aspect o do am bient e, int er no ou ex t er no,

social ou não( 22).

No cam po da Saúde Ment al, as alt er ações

determ inadas pelo est resse psicossocial caracterizam

-se por um quadro m ais próxim o de um a síndrom e de at iv ação ou de v igên cia f isiológica m ais agu çada, m ediada pela int erpret ação que o aparelho psíquico for m ula, em face de um a det er m inada sit uação. O

f at or p sicossocial d o est r esse su r g e q u an d o u m a

i n t e r p r e t a çã o i n d i ca i n su f i ci ê n ci a d o s r e cu r so s

int eriores para enfrent ar algo vivido com o am eaça( 1).

As f on t es d e est r esse n o t r ab alh o e seu s

efeit os sobr e o pr ocesso saúde- doença m ent al são e st u d a d a s a t r a v é s d e ca t e g o r i a s a n a l ít i ca s t angenciadas por fat or es iner ent es ao pr ocesso de t r abalho, a função do indiv íduo na or ganização, as r el a çõ es n o t r a b a l h o e a est r u t u r a e a t m o sf er a inst it ucional( 1).

A cat egoria processo de t rabalho envolve as caract eríst icas ergonôm icas insat isfat órias; o t rabalho por turno que, além das alterações do ciclo do sono, provoca no t rabalhador a sensação de se encont rar excluído dos laços habituais de sociabilidade; trabalho quant it at ivam ent e excessivo e de difícil assim ilação, car act er izad o p or t ar ef as m on ót on as, r ep et it iv as, carent es de est ím ulos.

A ca t e g o r i a f u n çã o d o i n d i v íd u o n a or ganização diz r espeit o à am bigüidade de função ( quando o t rabalhador fica at ônit o face às dem andas em it idas de m odo pou co clar o) , ao con f lit o en t r e f u n çõ e s ( a s e x i g ê n ci a s sã o co n t r a d i t ó r i a s e o at endim ent o de um a delas im plica na inobservância d a o u t r a ) , à r e sp o n sa b i l i d a d e co m r e sp e i t o à

seg u r an ça e à v i d a d e o u t r as p esso as, g er an d o

pr eocupações adicionais( 1).

As r elações no t r abalho env olv em o apoio social dos colegas, chefes e subor dinados, que são con sid er ad as com o v ar iáv el im p or t an t e n a saú d e m en t al do t r abalh ador. Nesse sen t ido, a t eor ia do suporte social aponta para a im portância da existência d e u m a r ed e d e r elações p ar a as est r at ég ias d e

m anut enção e recuperação da saúde m ent al( 1).

A ca t e g o r i a d a e st r u t u r a e a a t m o sf e r a inst it ucional rem et em à polít ica int erna do t rabalho, no que se refere ao m ecanism o de part icipação nas decisões, à rest rição a com port am ent os, às pressões dos chefes, ao cont role sobre o rit m o e ao processo de t r abalho. Obv iam ent e, a m aior ia desses fat or es est á r elacionada com o m odo com o se or ganiza a produção e de com o as relações sociais, no int erior do m undo do trabalho, se orientam para a participação ou ex clu são d os t r ab alh ad or es n os p r ocessos d e

t om ada de decisão( 1).

A v e r t e n t e a n a l ít i ca d o e s t r e s s e t e m apr esent ado cont r ibuições na apr eensão da r elação en t r e m al- est ar psíqu ico e t r abalh o, per m it in do a identificação de anom alias que, necessariam ente, não se const it uem em síndrom es ou t ranst ornos, ficando nos lim ites do m al- estar. Trata- se de um a abordagem qu e per m it e com pr een der a n ão especificidade do sofrim ent o denom inado m al- est ar psíquico.

Apesar das inúm er as t ent at iv as de análise

em pír ica da abor dagem do est r esse, obser v am - se

d if icu ld ad es q u e en v olv em , n ão ap en as as b ases conceituais e a delim itação do obj eto de estudo, m as, t am b ém , o s asp ect o s m et o d o l ó g i co s en v o l v i d o s. Assim , apesar das cont r ibuições da abor dagem do

est r esse par a a com pr een são do pr ocesso saú de-trabalho, algum as críticas são feitas às suas lim itações

con ceit u ais ou ao seu r ed u cion ism o an alít ico( 2 0 ).

D e n t r e e l a s, d e st a ca m - se a q u e l a s d i r i g i d a s à s lim it ações dos inquér it os epidem iológicos adot ados n a av aliação da saú de m en t al dos t r abalh ador es, perm itindo às em presas a elim inação dos suj eitos que so f r e m d e si n t o m a s m e n t a i s o u d i st ú r b i o s d o

com port am ent o, ainda que leves( 3, 5- 6).

Na verdade, a abordagem de est resse avança

(6)

inerent es à significação nem à vivência subj et iva dos t r abalhador es, dist anciando- se de um a for m ulação t eórica sobre o processo social.

Abor dagem er gonôm ica

A e r g o n o m i a co n st i t u i - se n u m ca m p o in t er disciplin ar, en v olv en do en gen h ar ia, m edicin a, psicologia, sociologia, psicofisiologia e econom ia. É en t en d id a, in icialm en t e, com o a r elação h om em -m áquina. Esse ent endi-m ent o foi a-m pliado, passando por m udança de enfoque nos estudos sobre trabalho, on de o f at or h u m an o passa a ser en car ado com o el em en t o i m p o r t an t e n o b i n ô m i o h o m em v e r su s

m áquina.

A v e r t e n t e a n a l ít i ca d a e r g o n o m i a

fu n dam en t a- se n a adoção de fat or es psicossociais

com o eix o de análise no pr ocesso saúde- doença(

22-2 3 ). Den t r e esses f at or es d est acam - se o f ísico, o

co g n i t i v o e o p síq u i co e m i n t e r a çã o e co m sobredet erm inação de um aspect o e out ro. Cada um desses fat ores pode det erm inar um a sobrecarga ou sofrim ent o. Eles se int er- relacionam e, via de regra, a sobrecarga de um dos aspectos é acom panhada de

um a carga elevada nos dois out ros cam pos( 22).

A abor dagem er gon ôm ica est á dem ar cada por três m om entos distintos: 1- a preocupação centra-se, sobret udo, nas m odificações fisiológicas exercidas p elo p r ocesso d e t r ab alh o, p r iv ileg ian d o a f ad ig a f ísi ca ; 2 - o e n f o q u e e st á d i r e ci o n a d o p a r a a in v est ig ação d os asp ect os p sicof isiológ icos; 3 - o ob j et o d e est u d o est á cen t r ad o sob r e os f at or es psicossociais e suas r eper cussões na fadiga m ent al crônica( 24).

Ao se analisar o trabalho e suas repercussões na saúde dos indiv íduos, r essalt a- se que t r abalhos com car gas cogn it iv as, cu j o con t eú do im plica em e l e v a d o e sf o r ço m e n t a l , p o d e m p r o p i ci a r a em er gência de síndr om es neur ót icas. Por ex em plo, o t r ab al h o em saú d e q u e ex i g e r ap i d ez m en t al , d ecisões r áp id as, r elações d if íceis com o clien t e, cont role m uit o próxim o ou m uit o rest rit ivo exercido

pela chefia( 22).

Al g u m a s cr ít i ca s sã o f o r m u l a d a s à s in v est igações qu e u t ilizam a v er t en t e an alít ica da

er gonom ia, especialm ent e no t ocant e à com preensão da saúde m ent al a part ir dos efeit os fisiológicos do t r a b a l h o . I n d i ca m q u e a co n ce p çã o o r i g i n a l d o

est r esse ofer ece lim it ações par a a com pr eensão da com plexa relação ent re os aspect os da saúde m ent al

no t rabalho e o cont ext o sociopolít ico- econôm ico em q u e e st á i n se r i d o( 2 5 ). Re ssa l t a m - se , a i n d a , a s lim it ações dessa abordagem , um a vez que as font es de t ensão laboral são de nat ureza m últ ipla – físicas, quím icas, biológicas, sociais, econôm icas, cult urais e polít icas – ex er cen do seu s ef eit os, ger alm en t e, a partir de ações sim ultâneas ou, bem freqüentem ente, at ravés de int erações, t ornando difícil, em condições reais, os efeit os específicos dest e ou daquele agent e

t ensiógeno( 24)

Muit o em bora diversas crít icas sej am t ecidas aos lim ites da abordagem ergonôm ica, sej a em função do r efer encial t eór ico, da delim it ação do obj et o de est udo ou das est r at égias m et odológicas adot adas, são inegáveis as suas contribuições para o estudo da sa ú d e m en t a l d o t r a b a l h a d o r, esp eci a l m en t e n a def in ição da in f lu ên cia das con dições de t r abalh o sobr e esa.

Abordagem da psicopat ologia do t rabalho

A v er t en t e an alít ica d a p si co p a t o l o g i a d o t rabalho abrange a análise da dinâm ica dos processos psíquicos m obilizados pela confr ont ação do suj eit o com a realidade do trabalho, fundam entando- se, para

isso, nos est udos( 2- 7) que adot am a or ganização do

trabalho e sofrim ento m ental com o categorias centrais de análise, enfatizando o papel das defesas adotadas p e l o s t r a b a l h a d o r e s, co m o m e ca n i sm o s d e m anut enção do equilíbrio psíquico.

Essa abor dagem , ao eleger com o cat egor ia o sof r im en t o m en t al, dist an cia- se das con cepções t eór icas q u e ab or d am a r elação en t r e t r ab alh o e saúde/ doença ( m ent al) na perspect iva da nosologia d a p si q u i a t r i a cl á ssi ca , co n st r u i n d o p e r f i s p si co p a t o l ó g i co s. Ta m b é m t o m a d i st â n ci a d e con cepções qu e adot am o r efer en cial da m edicin a ocu p aci on al e q u e r el aci on am r i scos às d oen ças psíquicas específicas.

(7)

si m b ó l i co ”. Assi m , a i n sat i sf ação em r el ação ao co n t e ú d o si g n i f i ca t i v o d a t a r e f a e n g e n d r a u m sofr im ent o cuj o im pact o é m ent al, em oposição ao sof r im en t o r esu lt an t e do con t eú do er gon ôm ico da t ar ef a. Vale d est acar, con t u d o, q u e o sof r im en t o m en t al r esu lt an t e de u m a f r u st r ação, n o n ív el do cont eúdo significat iv o da t ar efa, pode, igualm ent e,

levar a doenças som át icas( 3).

O m o d e l o t e ó r i co d a Psi co p a t o l o g i a d o Tr a b a l h o d i f e r e d o s a n t e r i o r e s ( m o d o d e v i d a ,

desgaste, est resse e ergonôm ico) , na m edida em que

adot a est r at égias m et odológicas que pr iv ilegiam o r elat o das v iv ên cias su bj et iv as dos t r abalh ador es acer ca das suas exper iências cot idianas e dos seus sentim entos de ansiedade, m edo, insatisfação, enfim , o sofr im ent o fr ent e ao t r abalho, com o m at er ial de análise.

O m odelo ergonôm ico privilegia os aspect os o b j e t i v o s d a co n d i çã o d o t r a b a l h o , u t i l i za n d o m et odologias de análise que buscam ident ificar os elem ent os obser v áv eis do am bient e.

O m odelo do est r esse psicossocial t am bém

difer e do m odelo da Psicopat ologia do Trabalho, na m edida em que privilegia a quant ificação, deixando d e con sid er ar a v iv ên cia d o su j eit o q u e sof r e. A

m ensuração do est resse ignora as vivências do suj eito

que o vive e não valoriza o sofrim ento e os m odos de m e t a b o l i zá - l o p si q u i ca m e n t e . O p r i v i l é g i o d a quant ificação fav or ece a ident ificação dos desv ios, dos excessos ou dos déficit s de cer t os par âm et r os, m as pouco sobre a vivência subj et iva qualit at iva.

A Psicopat ologia do Trabalho adot a conceit os co m o ca r g a d e t r a b a l h o , co m p o r t a m e n t o l i v r e , com port am ent o est ereot ipado, cont eúdo significat ivo e er gonôm ico do t r abalho em suas r elações com a estrutura da personalidade, sofrim ento psíquico, fluxo e d e st i n o d a s p u l sõ e s, e st r u t u r a çã o d o m o d o operat ório, econom ia psicossom át ica, est rat égias de defesa, dent re out ros.

At r av és d a u t ilização d esses con ceit os, a Psi co p a t o l o g i a d o Tr a b a l h o i d e n t i f i ca o s e f e i t o s psicopat ológicos da organização cient ífica do t rabalho sobre o aparelho psíquico do t rabalhador, em função da t ripla divisão: divisão do m odo operat ório, divisão do organism o ent re órgãos de execução e órgãos de concepção intelectual e a divisão entre os hom ens. A organização do t rabalho repet it ivo e sem significado n ão en con t r a ad er ên cia n o ap ar elh o p síq u ico d o t rabalhador, surgindo, a part ir das vivências desses i n d i v íd u o s, u m “ so f r i m e n t o p síq u i co ” q u e é ,

i n e v i t a v e l m e n t e , g e n e r a l i za d o p a r a a v i d a ex t r alabor al( 3).

No cam p o d a p siq u iat r ia, os asp ect os d a saúde m ent al do t rabalhador est ão concent rados nas alterações m entais quando elas j á estão evidenciadas, r econhecidas e r ot uladas pelas ações diagnóst icas. Bu sca n d o a su p e r a çã o d e ssa r e a l i d a d e , a Psicopat ologia do Trabalho pr ocura avançar sobre o horizonte pré- clínico da doença m ental, incorporando, a o ca m p o d e i n v e st i g a çã o , a m p l a v a r i e d a d e d e alt erações que, apesar de não serem caract erizadas com o doenças t ípicas, j á são sinais inequív ocos de sofrim ento psíquico ou até form as ativas de luta contra a doença que am eaça se inst alar.

Dois conceit os básicos ilust ram esse avanço da Psicopat ologia do Trabalho. São eles: “A saúde e a doença m ent al não são pólos est anques, m as um p r o ce sso d i n â m i co , p e r m e a d o p o r m a t i ze s i n t e r m e d i á r i o s e su j e i t o s a d e se st a b i l i za çõ e s e

reequilíbrios”( 1) e “ O psiquism o não é indiferente à cena

v iv a do t r abalho, com o o silêncio sobr e o assunt o poderia sugerir. Pelo contrário, constitui o seu prim eiro ponto de incidência. Ao se inserir em um processo de t rabalho, o indivíduo est abelece int eração const ant e entre o seu program a psicobiológico ( entendido com o um conj unt o de variáveis biológicas, psíquicas e de aptidões, expectativas, necessidades etc.) e as cargas de t r abalh o or iu n das da m at er ialidade t ecn ológica im ediat a e das for m as de or ganização e de gest ão do t r abalho, com seus difer ent es gr aus de im pact o

físico e m ental” ( 1)

At é recent em ent e, o sofrim ent o psíquico só er a consider ado com o r elacionado à saúde m ent al d o t r ab al h ad o r, q u an d o se ap r esen t av a r u i d o so, explícit o, excessivo. Qualquer out r o sofr im ent o que e sca p a sse d e sse e n q u a d r a m e n t o p a r e ci a se m ev idência, aquém do alcance do olhar clínico e da e scu t a n e ce ssá r i a p a r a d e ci f r á - l o . Nã o se n d o r e co n h e ci d o co m o d o e n ça à l u z d o s sa b e r e s j á codif icados, esse sof r im en t o escapav a a qu alqu er t em at ização t eórica ou clínica, com o se carecesse de legit im idade par a se const it uir com o um obj et o de

preocupação ou de invest igação( 1).

(8)

Assim , do pont o de vist a m et odológico, essa vert ent e analít ica privilegia os aspect os qualit at ivos em r elação aos qu an t it at iv os, de acor do com su a n at u r eza epist em ológica. Assu m e, com o obj et o, a v iv ên cia su b j et iv a d o sof r im en t o, cu j a ex p r essão passa, necessar iam ent e, pela m ediação sim bólica e pelas r elações int er subj et iv as. I nv est iga a equação prazer/ sofrim ent o dos indivíduos nas suas cot idianas e reiteradas relações com o trabalho. Busca os efeitos d e ssa e q u a çã o e a d i n â m i ca p síq u i ca d o s t r ab alh ad or es. En f at iza, en f im , a cen t r alid ad e d o trabalho na vida dos suj eitos, analisando os aspectos dessa at ividade que possam favorecer a saúde ou a doen ça.

A Psicopatologia do Trabalho tem com o ponto de int ersecção com a psicanálise o at o de privilegiar a fala do indivíduo sobre seu t rabalho, a escut a do seu discurso sobre suas vivências e os seus silêncios em relação a certos pontos ou questões consideradas cr u ci a i s p a r a o d e se m p e n h o d o t r a b a l h o . Se o indivíduo silencia sobre um det erm inado assunt o, ou se nega a com ent á- lo, ou, at é m esm o, nem chega a form ular algo sobre esse assunt o, regist ra- se aí, de acordo com a percepção psicanalít ica, um disposit ivo d e d e f e sa p a r a l u t a r co n t r a a p e r ce p çã o d o sofr im ent o.

Nesse ponto entra em cena um outro conceito fundam ent al da Psicopat ologia do Trabalho, que é o d e e st r a t é g i a s d e d e f e sa , p a r t i cu l a r m e n t e a su b l i m a çã o . Essa s e st r a t é g i a s co n t r i b u e m p a r a unificar os trabalhadores, soldar o grupo de trabalho, m in im izan d o o sof r im en t o p síq u ico. Elas t am b ém propiciam a form ação de um sist em a de valores que passa a const ruir a denom inada “ ideologia defensiva

da profissão” ( 6). São est rat égias colet ivas form uladas

a p a r t i r d a v i v ê n ci a g r u p a l d o s t r a b a l h a d o r e s, buscando a m anut enção do equilíbrio psíquico, ainda q u e p r ecá r i o , a n t e a s a m ea ça s d o a m b i en t e d o t r abalho.

A abordagem da Psicopat ologia do Trabalho considera o t rabalho, part icularm ent e na vert ent e da sua organização, em duas dim ensões: um a patogênica e out ra prot et ora da saúde psíquica.

A d i m e n sã o p r o t e t o r a d a sa ú d e m e n t a l d ep en d e d a ex i st ên ci a, en t r e o t r ab al h ad o r e o t rabalho prescrit o, de algum espaço de negociação, algum a possibilidade de aj ust ar o m odo oper at ór io ao per fil do ex ecut ant e. Quando a or ganização do t r abalho se est r ut ur a de for m a r ígida, ignor ando a im port ância dos sist em as sociot écnicos, e at ribuindo

prim azia absolut a ao aspect o econôm ico, o result ado ser á um desaj ust e, um a incom pat ibilização ent r e o t r a b a l h a d o r e o m o d o o p e r a t ó r i o . Pa r a a Psicopat ologia do Trabalho esse pr ocesso é sem pr e em pobr ecedor por que r est r inge, desfigur a, enr ij ece t oda a v er sat ilidade do apar elho psíquico, ger ando so f r i m e n t o , a b r i n d o p o ssi b i l i d a d e p a r a a d e sco m p e n sa çã o f r a n ca d a sa ú d e m e n t a l d o t rabalhador, cuj a expr essão clínica, a depender das d ef esas p sicológ icas p r ef er en ciais, t om ar á f eição

neurót ica, caract erial ou psicossom át ica( 2).

Fica evidenciado, na abordagem dej ouriana, o papel qu e a or gan ização do t r abalh o ex er ce n a saúde m ent al do t rabalhador, devendo ser elem ent o de preocupação para est udiosos e profissionais que l i d a m t a n t o co m a i n v e st i g a çã o q u a n t o co m o s ser v iços.

A abordagem da Psicopat ologia do Trabalho t em sido fr eqüent e nos est udos da ár ea da saúde. São est udos que analisam a dinâm ica dos processos psíquicos, m obilizados pela confr ont ação do suj eit o co m a r e a l i d a d e d o t r a b a l h o . Sã o e st u d o s q u e abordam o t rabalho com o lócus dinâm ico, no qual a identidade se constrói e se transform a continuam ente, ev i d en ci an d o r el açõ es d e t r ab al h o d i f er en ci ad as ( co m o e f e i t o d a o r g a n i za çã o d o t r a b a l h o ) q u e int erferem na saúde m ent al do t rabalhador.

COMENTÁRI OS FI NAI S

A in t er - r elação en t r e a saú d e m en t al e o t r abalho é est udada na ár ea da saúde at r av és das vertentes analíticas do desgaste, das condições gerais d e v i d a e t r a b a l h o , e s t r e s s e, e r g o n o m i a e d a

psicopat ologia do t rabalho. São m odelos t eóricos que a p r e se n t a m i m p o r t a n t e s co n t r i b u i çõ e s p a r a a co m p r e e n sã o p r o ce ssu a l d e ssa i n t e r r e l a çã o , abrangendo o m al- estar psiquiátrico, onde se inclui o so f r i m e n t o m e n t a l , co n ce b i d o co m o u m e sp a ço int erm ediário ent re o confort o ou bem - est ar psíquico e a doença m ent al descom pensada.

Essas cont r ibuições ofer ecem possibilidades de invest igação e int ervenção nos locais de t rabalho, especialm en t e n o qu e se r ef er e à or gan ização do t rabalho e seu papel estruturador, ou sej a, seu papel na prom oção da saúde psíquica, podendo subsidiar a adoção de est rat égias prevent ivas, visando a saúde m ent al dos t rabalhadores.

(9)

ent re saúde m ent al e t rabalho, assum em diferent es concepções no âm bit o desse binôm io, ofer ecendo, a o s e st u d i o so s d a á r e a , a p o ssi b i l i d a d e d e invest igação m ais cont ext ualizada.

Esse s m o d e l o s, e n t r e t a n t o , e n f r e n t a m dificuldade consensual quant o às concepções t eóricas adotadas, repercutindo tanto na delim itação do obj eto com o n a escolh a das cat egor ias an alít icas, assim com o nas est r at égias m et odológicas adot adas. I sso t r az im p licações p ar a a p r od u ção in t elect u al d os investigadores da área que, adotando esse ou aquele m od elo t eór ico, en f r en t am d if icu ld ad es d e or d em con ceit u al decor r en t es do car át er in específico das ca t e g o r i a s e n v o l v i d a s, o q u e p o d e co n d u zi r a i n e v i t á v e i s r e p e r cu ssõ e s p r e j u d i ci a i s q u a n t o a o aspect o m et odológico de t ais est udos.

Essa dificuldade consensual na apreensão do nexo entre adoecim ento m ental e situação de trabalho se co n st i t u i n u m p r o ce sso q u e a p r e se n t a u m a especificidade par a cada indiv íduo, env olv endo sua h i st ó r i a d e v i d a e d e t r a b a l h o . I sso i m p l i ca n a i d en t i f i cação d a si t u ação d e t r ab al h o q u an t o ao am bient e, à organização e à percepção da influência do t rabalho no processo de adoecim ent o psíquico. É um a dificuldade que se faz pr esent e, t am bém , na v inculação ent r e os quadr os clínicos e o t r abalho, dificult ando o est abelecim ent o de um a classificação dos distúrbios psíquicos vinculados ao trabalho. Apesar da concordância da im portância etiológica do trabalho, não se v er ifica consenso a r espeit o do m odo com o se d á a co n e x ã o t r a b a l h o / p si q u i sm o q u e p o ssa oferecer um quadro teórico que fundam ente a análise de t al conexão.

Con sider an do essas dif icu ldades, t or n a- se prem ent e a necessidade de est udos que equacionem a ca r g a e o co n t e ú d o d o t r a b a l h o a t r a v é s d a s art iculações ent re esses elem ent os e a est rut ura da p er son alid ad e d os t r ab alh ad or es, u m a v ez q u e a car g a m en t al d o t r ab al h o é, sem d ú v i d a, m u i t o

co m p l e x a e e n v o l v e f e n ô m e n o s d e o r d e m neurofisiológica, cognit iva e psicológica.

Tam bém se const it ui em aspect o im port ant e o desenvolvim ent o de est udos int erdisciplinares que possibilit em a com preensão da dim ensão psicossocial do t rabalho e sua relação com a saúde m ent al, um a vez que esse processo envolve aspect os psicológicos, sociológicos e fisiológicos. Assim , as análises num cam po m ult idisciplinar devem buscar a com preensão d as r elações en t r e p r ocesso d e t r ab alh o e saú d e m en t al, u t ilizan d o u m a ab or d ag em q u e b u sq u e a a p r e e n sã o d o s d e t e r m i n a n t e s p si co a f e t i v o s, sociocult ur ais, econôm icos e polít icos, iner ent es ao processo de t rabalho e suas repercussões na saúde m ent al dos t rabalhadores.

Finalm ent e, quant o às abor dagens t eór icas que oferecem suporte à análise da saúde m ental dos t rabalhadores, t orna- se im perat iva a organização de nov a agenda de est udos que int egr e as difer ent es per spect iv as do obj et o ( o pr ocesso de t r abalho, a in ser ção ocu pacion al, o am bien t e de t r abalh o e o processo saúde- doença m ent al) e possibilit em novas a l t e r n a t i v a s m e t o d o l ó g i ca s n o p a t a m a r d a invest igação e da int ervenção nas organizações.

Por fim , recom enda- se a adoção de m últiplas abordagens, desde que não contraditórias, em futuros estudos sobre SMT. Tais estudos, por sua vez, devem considerar que o t rabalho é part e da const rução da ident idade dos indivíduos e, por t ant o, um pr ocesso de criação, além de apenas um a form a de ganhar a subsist ência. Assim , o t rabalho e suas conseqüências sobre a saúde m ental dos indivíduos devem , tam bém , fazer sent ido para quem o faz, ist o é, dar prazer e algum a sat isfação.

Para os que se dedicam a est udar a SMT, a su p e r a çã o d a s b a r r e i r a s a p o n t a d a s so b r e ca d a abor dagem nest e ar t igo indica que, par a enfr ent ar u m t em a t ão co m p l ex o , é p r eci so u l t r ap assar a ut ilização de abordagens que enfat izam apenas um a das m últ iplas faces dest e com plexo t em a.

REFERÊNCI AS BI BLI OGRÁFI CAS

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Referências

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