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Arte-educação e identidade cultural: um devir criança e o Cacuriá

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Academic year: 2017

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INSTITUTO DE BIOCIÊNCIAS - RIO CLARO

ANDRÉ LUIS MELO

ARTE-EDUCAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL:

UM DEVIR CRIANÇA E O CACURIÁ

Rio Claro 2009

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ANDRÉ LUIS MELO

ARTE-EDUCAÇÃO E IDENTIDADE CULTURAL:

UM DEVIR CRIANÇA E O CACURIÁ

Orientadora: Profª Drª Carmen Maria Aguiar

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Instituto de Biociências da Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho” - Câmpus de Rio Claro, para obtenção do grau de Bacharelado em Educação Física.

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humanismo, o amor, o carinho, a responsabilidade e comprimentimento que assumiram seus papéis de pai, mãe, e vó. Cada um a sua maneira, maravilhosamente. Vocês são demais! Como diz um grande amigo do Forró: “se tá junto tá junto”, e isso posso dizer sempre de vocês. Sempre que precisei vocês nunca me abandonaram, no máximo me permitiram sabiamente viver a vida experimentando-a. Estaremos unidos umbilicalmente pelo GRANDE amor com que atribuíram e atribuem os seus tratos comigo, desde meus primeiros dias de vida passando por esse momento da conclusão desse estudo, até o resto de nossas vidas. Valeu “Daddy”! Valeu “Mommy”! Valeu “Vovó”! E Valeu, também, familiares de Minas Gerais(“quem te conhece não esquece jamais”)

Ao meu irmão “Perdi”, acho que o choro que me toma agora, representa a dimensão infinita de palavras e sentimentos que eu gostaria de te dizer do quanto lhe agradeço, ouso dizer que jamais iria conseguir, principalmente pela GRANDE parceria criada por nós. Mas, mesmo estando longe fisicamente agora, e a vida gerando dúvidas, curiosidades e incertezas, uma coisa tenho certeza absoluta e posso lhe garantir sempre, o sentimento de amor que habita em mim por ti neste instante me move a registrar com duas palavras algo significante que realmente sinto por você, ao menos: TE AMO!!

Aos GRANDES parceiros e parceiras de mentes perturbadas e perturbadores, de corpos inquietos e inquietantes, e de curiosidades mil na “terra do nunca”: Bela Vista. Vocês sabem quem são! Fico pensando aqui. Viver assim, só para os “fortes”, de espírito livre, com a curiosidade pela vida. Necessito de vocês! Não entendeu nada? “Vem comigo, que no caminho eu te explico!”. XIBOCA QUE VOCÊ ENTENDE! Começarei a brincadeira de saber como anda minha memória com Moçamba, figura marcante e bastante presente no meu primeiro ano de Faculdade. Juizão, Tahinee, Carol Jundiaí, Caião, Tuca, Guesan, Chubaquinha, Xayxa, Ivan, Gaúcho, Vaginão, Vaguininho, BH, Michel, Romualdo Dias, Max Milianos, Sylvio, Vivi Braboleta, Pirata, Magda, Preps, Luíza, Chavero, Pri, Milena, Julia, Tãosbe, Aninha, Pardal, Porcão, Fran-6, Biazinha, Pika, Rolha, Vanessa Camargo, Carol Pedrotti, Saci, Capeta. As Reps. Tropicanas, Só Se For Agora, Caenga, Catota, Bananas, Pasargada, Na-Morada, Metazoa e o Fantástico Mundo de Bob. Com cerveja sinto saudades de vocês!

À minha GRANDE amiga, orientadora, companheira fundamental na graduação. Permita-me brincar que és também minha (des)orientadora, uma acepção ousada interpretada no sentido Tomzéziando, para ilustrar musicalmente um pouco da gente: “(...) Eu tô te explicando, pra te confundir. Eu tô te confundindo pra esclarecer(...)”. Meu muito obrigado de “córação” por tudo, principalmente pelo acolhimento acadêmico, que fez com que eu trilhasse os caminhos da cultura popular. Eternamente grato! Se meu viver, se faz cada vez mais belo e interessante, GRANDE parte deve-se a você.

Às danças populares e a cultura popular como um todo. Em especial ao Forró Pé de Serra, onde começou o GRANDE interesse pelas raízes culturais e pelo Cacuriá.

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Aos meus dois GRANDES amores em Rio Claro e com certeza pra vida toda. Amo tanto que dá vontade de fazer tudo denovo e também fazer purê de vocês de tanta vontade de apertar. Grilo, Chavero e Gente Fina (nosso filho que já nasceu), um trio de ferro, forró, etc., para a vida toda. A tão almejada GRANDE AMIZADE. Eu quero é mais!!!!! Xeros e mais xeros pequena, eternamente apaixonado por você. Pode contar comigo sempre. Ouviu? Sempre!!! Muito obrigado de córação por tudo. Este “PCC” felizmente acabou com um final feliz. Isso tudo muito, mas muito, por você ter a coragem que eu precisava ter para encarar qualquer situação, linha de frente pra exterminá-los antes. Pontaria afinada para a vida!!!! TE AMO Linda!

Aos amigos feitos no Movimento Estudantil através do CAEF: Duzão, Juizão, Xayxa, Charles, Taihnee, Taosbe, Iocai, Cutia, Soneca, Bixete, Carol Rugby, Raquel e Thunder. À todos os Mestres e Angoleiros da Capoeira Angola, em especial ao Mestre Luizinho por ter me iniciado na Capoeira de Angola e ao Mestre Zequinha, uma serenidade que dá gosto de viver que me ensinou a vadiação da capoeiragem - do “bem”; e aos Angoleiros Ivan Problema, Kalazam mandinga, Fiote arisco e o Paraná Raiz de Angola, e aos antigos que mesmo tendo pouco contato, ganharam a minha confiança: Rafael Mano, Laercio Doutor e aos novos Angoleiros Icaro, Vivi, Gabi, Big, Beudo, Cansas e Acerola. E os que sinto falta, que por motivo de força maior, não tenho vadiado: Juizão, o Brunão Com cerveja sentirei e/ou sinto saudades de vocês!

Aos projetos musicais e dançantes da qual fiz parte, e de certa forma ainda faço parte, pelo menos na história deles: COCO VERDE SEM ÁGUA DENTRO de ritmos regionais; TAQUARA RACHADA com os seus assobios encantadores e mágicos fazendo bonito, ai que orgulho que de COCO VERDE virou FUBÁ, ai que saudade: “Ô Ilha Solteira...panpan pan pan...fica mais um pouquinho...panpan pan pan...voce é admirável, voce é admirável, mas é longe pra caralho”; GROOVE’INN com seu suingue das noites de Samba-Rock e Funk; ORO-ARI com todos seus ritmos e danças brasileiras, doido para voar depois de ter criado asas; BANDA MATRIZ em carnaval vivendo a alegria pelo trágico; por ultimo o Trio (DÁ NADA)?????????????? Quase tava esquecendo, mas neste momento não teve como se esquecer do CORAL UIRAPURU da Unesp, que por ora abandonei pra dedicar-me a este “PCC” ou “Trabalhoso Conclusão de Curso”.

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O sono é pobre mistura Quando o prato principal Vem com a literatura

Regada a existencial

Num instante a alma brilha Com a luminosidade Gerada por uma pilha Cheia de eletricidade

Este brilho vem no olhar Com uma proposta séria No ensejo de levar Um ser além da matéria

No espaço a escuridão Que contém um viajante Mas este vai preso ao chão De um planetinha errante

Girando(Grilando) a compreensão Tende ao discernimento

Em uma interpolação Entre pontos a contento Em toda sua plenitude

Na verdade do André

E assim meu camarada Seguimos com ilusões Cumprindo nossa jornada Buscando convicções

Como sempre me deparo Com a minha estrela guia Que deixa num plano claro Os versos de uma poesia

Mando assim uma raiz De um poeta cujo lema É mostrar a diretriz E a origem de um poema

Eu seguirei no compasso Desta arte que bendigo Que prazeroso lhe passo Tal qual fiz com meu abrigo

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INTRODUÇÃO...9

1. Manifestações da Cultura Popular...13

1.1 - Danças Populares e Folclore...13

1.2 - O Processo Globalizatório e a Cultura Popular...15

1.3 - Mergulhando no desconhecimento das Danças e das Manifestações Folclóricas...16

1.4 - O Cacuriá………...18

1.5 - O percurso do Cacuriá na História………...21

2. Identidade Cultural………...………...28

2.1 - Cultura e Identidade...………...28

2.2 - (Re)Construção da Identidade Cultural………...33

2.3 - Cultura Popular e Globalização………...36

3. Arte-Educação………...39

CONSIDERAÇÕES FINAIS………....46

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INTRODUÇÃO

Este estudo procura problematizar as compreensões e explicações à cerca da “(re)construção da identidade cultural”. Assim de início postulamos uma pergunta, eixo de nossa inquietação e de nosso estudo. Seria a “identidade cultural” uma referência em que podemos nos situar num processo histórico-sociocultural contemporâneo? E presa a esta primeira pergunta vincula-se outra. Como reagimos perante as crises de identidade, as quais provocam um mal-estar existencial? A idéia de que há uma crise das identidades é perceptível pelo número de livros e textos sobre o assunto. Não pretendemos esgotar neste trabalho nossa discussão sobre este assunto, nosso foco é outro, entretanto, cabe ressaltar nossa posição acerca deste debate. Questionamos se o termo crise é apropriado para refletir sobre identidades já que elas jamais foram fixas e, assim, não podem entrar em crise. A instabilidade e a transformação são a regra e não a exceção quando abordamos questões identitárias. Talvez o mais apropriado seja discutir a transformação das identidades, pois o termo transformação implica um processo, o qual se insere em uma estrutura maior de pressões por mudança social que enfrentam forças contrárias, as quais podemos chamar de tradicionais.

As diferentes crises que afetam o sujeito contemporâneo – econômicas, políticas, sociais, ambientais e culturais – insere em nós feixes de mal-estares, nos inquietando. Diante de um processo de criação cultural, em permanente construção e transformação, em seu exercício direto e indireto na produção dos sujeitos e na valoração e interpretação dos significados das culturas populares, somos forçados a procurar novos caminhos e identificações da própria existência. Habita-nos o devir-perdiguero-topera.

Neste caos existencial contemporâneo é possível observar a dificuldade de sustentar “identidades culturais”, justamente pelas características das transformações culturais dinâmicas, presente na sociedade globalizada. Temos para isso exemplos reais: sujeitos refém do consumismo global (incorporados no processo “criminal”); veículos de informação das tendências e evoluções tecno-científicas vinculadas ao mercado; anulação da fronteira que separa produtores e consumidores. Tais mudanças provocam confusões no sujeito, principalmente quando este se questiona sobre sua “identidade cultural”. São muitos abalos internos e socioculturais, isto é, as denominadas “crises de identidade”.

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de corpo ideal para o homem capitalista, o qual é ditado pela sociedade de mercado e de consumo, capturando (centralizando e homogeneizando) assim os desejos e prazeres disponíveis em nossa multiplicidade.

As crenças que envolvem questões de sentido cultural estão sofrendo abalos pela velocidade das transformações que sofre o homem contemporâneo. Estando diante de uma lógica de representação simbólica gerada pelas indústrias culturais, baseada também no consumo, observamos que as formas de lazer, muitas vezes, possuem um caráter vendável manifestando-se no simples ato de consumir. Desta forma, as expressões livres, diversas e criativas, estão a caminho da homogeneização. Como a epidemia das danças da “bundinha”, por meio da padronização de movimentos coreográficos, junto à padronização dos gostos musicais, enfatizada pelos meios de comunicação em massa (indústrias culturais), entre outros. Anular a cultura popular brasileira e substituí-la por uma cultura de massa é também substituir a identificação local por uma identidade global, desterritorializada, cuja modificação tende a apagar a cultura popular local - homogeneização cultural. Sendo assim, aparenta ser impossível para alguma “identidade” resistir intacta ao massacre da cultura de massa globalizada, tida pelas políticas de subjetivação e pelas forças da indústria cultural.

Há, entretanto, uma enorme dificuldade de sustentar tais experiências quanto elas emergem em meio aquilo que configura tal cultura, no caso específico, das danças. Em meio aos avanços científicos e tecnológicos estão cada vez mais raros os espaços por onde brotos de novos mundos poderão se manter e surgir. O desafio neste caso é sustentar tal rachadura, cultivar tal cisma, germinar novas experiências. Logo, a massificação da cultura pela globalização indica à cultura popular sua condição de cultura de resistência, motivando este estudo da “(re)construção da identidade cultural” no âmbito das manifestações populares, mais especificamente as vivências com danças populares1. A “identidade cultural” é construída e reconstruída por meio da vivência/experiência da cultura, que nos auxilia a compreender a idéia de cultura popular, que se dá pela incorporação da cultura, de acordo com o contexto histórico e social ao quais os sujeitos estão mergulhados.

Neste exercício contemporâneo de criar resistências às investidas capitalistas no encarceramento dos corpos, a arte-educação é vista enquanto referência ou intervenção para a educação na tentativa de construir processos vinculados à criação, naqueles sujeitos inseridos nos ambientes educacionais. Uma das formas de trabalhar a arte-educação é por meio das

1 Utilizaremos o termo danças populares ao invés de danças folclóricas, por este último apresentar em algumas

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danças populares. Estas apresentam características de uma dança com espírito lúdico, de socialização, contagiante, integrativo, agregandoconhecimentos sócio-culturais de gerações, celebrando fatos sagrados, rebaixando-os por vezes, representando via manifestações e intervenções populares, tradições e costumes das comunidades regionalizadas.

O grupo de Danças e Ritmos Brasileiros “Oro-Ari”2, projeto de extensão vinculado ao Departamento de Educação Física da Universidade Estadual Paulista, UNESP – campus de Rio Claro é um exemplo dessas vivências, que proporciona o contato da comunidade rioclarense e dos próprios estudantes da UNESP de Rio Claro, com as oficinas de danças e ritmos populares brasileiras.

O corpo deste trabalho será constituído pela descrição das experiências que tive, eu pesquisador, enquanto membro do Grupo Oro-Ari, que de março de 2003 a novembro de 2006, fui bolsista junto a um projeto de extensão. Por meio deste ambiente abre-se um terreno que dispara encantamentos, devido à intensidade da afetação que me vi envolvido ao transitar pela cultura popular, através das práticas de pesquisa e de atividades que são exercidas no espaço do grupo, percorrendo também outros terrenos e espaços de manifestação da cultura popular, como a participação do Grupo Oro-Ari no Fórum Social Mundial de 2005, em Porto Alegre/R.S (Figuras 1 e 2).

A dança, ou melhor, as danças de uma forma geral, além de outros processos de criação existentes na corrente popular, exercem a força movente, que empurra a vida à frente e é aqui que nos situamos, para que assim possamos dançar a vida em meio às praticas artísticas das manifestações populares. Assim voltamos a nossa pergunta capitular e delineamos nosso objetivo. Trata-se no caso deste trabalho, de realizarmos “traduções” do mundo, neste caso específico as danças folclóricas. Tomamos então a iniciativa de descrever o percurso da dança Cacuriá na história, bem como aquilo que em nós ela afeta, para assim mergulharmos em nossa inquietação primaveril, entretanto, numa outra roupagem. Seria a arte educação um instrumento capaz de sustentar “identidades culturais”?

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1. Manifestações da Cultura Popular

Minha vida é andar por este país / Pra ver se um dia descanso feliz / Guardando as recordações / Das terras onde passei / Andando pelos sertões / E dos amigos que lá deixei [...] (Luiz Gonzaga / Hervê Cordovil)

1.1 Danças Populares e Folclore

Este tema – Danças Populares e Folclore - traça o eixo que articula a investigação proposta por este estudo. Ao darmos às manifestações da corrente popular a insígnia do folclore, queremos representar que aí, no bojo desta articulação, há algo que nos leva a elaboração de mitos. Não pretendemos esgotar este último tema neste estudo, este surge apenas enquanto elaboração para aquilo que estamos auscultando no terreno da arte educação quando o vinculamos à compreensão do “sagrado”. O tema do grotesco surge então neste capítulo para dar significado aquilo que ocorre no plano da cultura popular, ou seja, ao tema do grotesco, da dimensão grotesca montada no humano. Com Bakhtin (1987) em “A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais” anunciará em poucas linhas àquilo que na corrente popular expressou-se enquanto manifestação do grotesco. Estas manifestações populares ocorrem durante as festas do povo reunido em praça pública, aquela mesma da corrente popular onde uma grandiosidade de mitos, símbolos, ritos e manifestações de origem orgiástica puderam emergir após séculos de dormência provocados pela Igreja Medieval. Mesmo que degenerada ao longo da modernidade, essas manifestações puderam sustentar até os dias de hoje algumas expressões destes riquíssimos ambientes. São os casos das manifestações folclórico-culturais do nordeste brasileiro. É neste território que mergulhamos de mãos dadas com o Projeto de Extensão Danças e Ritmos Brasileiros “Oro-Ari”3 no movimento da dança, especificamente, o Cacuriá.

O folclore nordestino, quando nos situamos em terras brasileiras, é visto em nosso estudo como uma expressão da corrente popular ao elaborar para si as suas festas, seus mitos,

3 Projeto de Extensão “Danças e Ritmos Brasileiros” do Departamento de Educação Física vinculado ao Instituto

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suas lendas, crendices, costumes, suas danças, superstições e outras tantas formas de manifestações artísticas que movem o humano em sua mediação com as forças da natureza. É nesta fronteira entre cultura e natureza que o homem criou formas e meios para lidar com a vida em sua reconfiguração oscilante. O folclore brasileiro surgiu da mistura, compondo um mosaico, mesclando manifestações nativas (indígena), européia e africana. Dessa mistura nasceram histórias, personagens, danças, bem como hábitos de alimentação, códigos de linguagem, cultos religiosos, vestuários, etc. Neste processo nacional antropofágico surgem registros que por ora “identificam” e individualizam tais manifestações culturais, entretanto, o eixo pelo qual transitam é o da corrente popular. Sabemos, no entanto, que muitas manifestações deram origem também aos cultos sagrados da aristocracia feudal e posteriormente burguesa. Foi nesta tensão da corrente popular e do surgimento do Estado que muitas das manifestações puderam emergir e assim dar significado a vida daquelas comunidades populares. O Cacuriá se insere, sobremaneira, neste terreno.

O vastíssimo folclore nordestino, expressão da corrente popular, elaborou-se a partir de aspectos das culturas em mescla, naquela tensão onde povoados divergentes se encontram, trocam ritos e hábitos. Em nosso cenário cultural nordestino encontramos uma variedade de ritmos, danças e uma mistura de cores impressionantes. No entanto, em contrapartida, o termo folclore perante esse universo léxico da cultura popular em movimento, acaba prestando um desserviço à compreensão do que seja realmente a cultura popular. Tomemos como exemplo o que se vê na boca do “povo”, expressões como “o folclore da política”, “um anedotário folclórico”, ou seja, diferentemente da cultura popular o termo folclore cristalizou um significado pejorativo. Logo percebemos e sentimos, pelo o que se apresenta através da opinião pública, que as manifestações folclórico-culturais - o Brasil – estão longe de serem descritas na dimensão multicolorida do que é vivido, justamente pela visão ofuscada da cultura de massa à cultura popular (folclórica).

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si”. Cada festa do povo reunido em praça pública encontra um modo alegre e festivo de comemorar a renovação.

1.2 O Processo Globalizatório e a Cultura Popular

Faremos agora um pequeno percurso sobre este tema – a globalização. Estamos acompanhando uma extinção da cultura herdada (folk), sendo esta substituída por uma cultura comercial aliada à Indústria Cultural. Esta última concepção foi abordada por Adorno e Horkheimer (2002) em “Dialética do Esclarecimento: o iluminismo como massificação das massas”. Algumas expressões da cultura popular (folk) – particularmente a música – tornaram-se material de uso corrente para a “gorda corrente dominante”, inclusive quando às vinculamos a arte. O "Folk" é agora um estilo da música “pop”, se caso assim o podemos tomar por exemplo. Neste sentido o termo folclore está sendo usado atualmente pra designar outros sentidos, não mais aquele vinculado à corrente popular, desta maneira um tanto quanto degenerada.

Postado agora, por ora, nos ombros do escritor Rubem Alves, oferecidos por ele quando nos convida para educar através do olhar e sentir:

Educar é mostrar a vida a quem ainda não a viu. O educador diz: “Veja!” – e, ao falar, aponta. O aluno olha em direção e vê o que nunca viu. O seu mundo se expande. Ele fica mais rico interiormente. E, ficando mais rico interiormente, ele pode sentir mais alegria e dar mais alegria – que é a razão pela qual vivemos. Vivemos para ter alegria e para dar alegria. O milagre da educação acontece quando vemos um mundo que nunca se havia visto antes. (2003).

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Rubem Alves (2008) legitima em “Cantos do Pássaro Encantado”, a importância da Arte-Educação na constituição de si e no seu processo de subjetivação através da musica caipira como mito, o que acontece nas Artes em geral, a qual será abordada no decorrer do trabalho.

O processo de globalização, como vimos, há poucos anos vem toma conta do cenário cultural, político e econômico contemporâneo, atua no exercício de desterritorialização das culturas, mesmo àquelas que emergem e se sustentam na contemporaneidade enquanto formas viáveis de lidar com o mal-estar proporcionado pela lógica globalizatória. Os portos-seguros são abalados, as ferramentas administrativas do Estado vinculam-se à operatória do mercado, àquilo que emergia e emerge enquanto manifestação do sensível para uma manifestação cultural em específico, dilui-se nos ordenadores simbólicos contemporâneos. Assim, vemos atualmente, uma desestruturação das culturas regionais e locais, seus ritos, suas manifestações, suas festas e hábitos serem capturados pelo movimento globalizatório. Com isso vemos muitas das manifestações populares se extinguindo sem espaços habitáveis para as construções de seus símbolos e condutas. Observamos nos estudos de Boaventura de Sousa Santos (2006) em “A gramática do tempo” que em tempos atuais há um movimento político vinculado ao mercado no exercício da produção de não existências. É aqui que se insere as invectivas globalizatórias contra as comunidades populares. Assim nos perguntamos: O quanto é possível para uma manifestação popular se sustentar na contemporaneidade vinculada à iniciativa do mercado? É possível falarmos em “re-construção” da identidade de uma cultura? Essas e outras perguntas “sulearão”4 nosso estudo.

1.3 Mergulhando no desconhecimento das Danças e das Manifestações Folclóricas

Traçamos então um objetivo, observar e analisar alguns aspectos relacionados à “constituição de si” na contemporaneidade, inclusive quando tratamos de estudar as manifestações folclóricas em território nacional, esta mesma mesclada a diferentes culturas. Nosso mergulho nos coloca em duas dimensões distintas sobre a compreensão daquilo que trazemos para o nosso estudo enquanto possibilidade de entendimento e uso da expressão “identidade”.

A primeira é a construção da expressão “identidade cultural” dentro daquilo que emerge enquanto experiências da corrente popular e pelos elementos de convívio em comunidade que são criados para que assim possamos viver em grupo. Em tempos de globalização sustentar tal experiência requer grande esforço, de artifícios de luta e resistência

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às culturas de massa. A este movimento no cerne do político montado no humano, denominaremos “reconstrução da identidade” num processo mesmo de adaptação ‘refutativa’ aos valores mundanos e modernos. A segunda dimensão que trataremos refere-se também como construção de uma “identidade cultural”, por entendermos que tais movimentos se exercitam reciprocamente, entretanto, neste caso pelos sujeitos produzidos subjetivamente pela cultura de massa, incorporando valores culturais e globais. Acreditamos que por sua vez estes sujeitos possam no contato com as manifestações de cultura popular reconstruir, através da re significação, sua “identidade” cultural e local. Trata-se neste caso, de um movimento no cerne do político montado no humano sob um processo de adaptação “afirmativa” dos valores populares. Trata-se de uma questão de valores.

As similaridades entre as identidades postas nas mais diferentes culturas provavelmente são conseqüência das condições de produção e de circulação dos lastros do mercado, dado que um dos efeitos da globalização é a homogeneização das relações de produção e dos hábitos de consumo. A necessidade de expandir seus mercados levou à abertura dos Estados nacionais ao imperativo do mercado. Por outro lado reconhecemos também que há no contemporâneo um registro patrimonial imaterial da cultura (ou patrimônio cultural intangível) isto é, uma concepção de patrimônio cultural que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em respeito da sua ancestralidade para as gerações futuras. São exemplos de patrimônio imaterial: os saberes, os modos de fazer, as formas de expressão, celebrações, as festas e danças populares, lendas, músicas, costumes e outras tradições.

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1.4 O Cacuriá

O que até aqui trazemos para este estudo, diante de um cenário, posto por nós de desconhecimento das danças e manifestações populares brasileira, tornar notória a sua importância na construção e/ou reconstrução da “identidade cultural” no qual o sujeito está inserido, merece uma atenção a espreita. Quando tratamos acima sobre as questões que envolvem a elaboração da “identidade cultural” referimos sobremaneira a importância de indivíduos e comunidades se entrelaçarem numa multiplicidade de formas, costumes e tradições, estes que através do envolvimento desde cedo com as lutas e a histórias de seu povo criam maneiras outras de se identificar culturalmente. Vemos ser necessárias identificações não só com as questões de luta e de resistência, mas também de alegrias e de lamentos pelas vitórias. Neste sentido nos perguntamos: qual a fronteira geopolítica da cultura nordestina?

Nosso enfoque é na cultura popular nordestina e nos situamos no campo de pesquisa e intervenções do Grupo “Oro-Ari”, o Cacuriá - dança popular de São Luis do Maranhão – como a referência principal das danças populares, para abordar e discorrer sobre a questão da (re)construção da “identidade cultural” e como utilizar a arte-educação enquanto ensejo para a elaboração de projetos e processos pedagógicos de ensino-aprendizagem, tal como o exemplo das culturas locais em seus processos de libertação, que consideramos catalisadores do processo de “identificação” cultural.

O Cacuriá tem as suas origens na Festa do Divino Espírito Santo, cuja manifestação popular é tida como tradicional em varias partes do mundo. Isso evidencia a sua influencia globalizadora. A dança foi criada nos ambientes da Festa há mais de cinqüenta anos pelo Senhor Lauro (já falecido), em Alcântara, interior do estado do Maranhão. O Cacuriá é uma dança de roda brincada e realizada nas ruas e praças do Estado, na qual é executada ao som das Caixas do Divino mantendo suas tradições e manifestações populares atualmente. Inserida nos festejos do Divino Espírito Santo é considerado o “lava-pratos” da festa, em que as caixeiras, já meio embriagadas, após o derrubamento do mastro do Divino que encerra a obrigação religiosa, criam versos de improvisos, inventam movimentos brincantes, de acordo com as letras das cantigas quando as tocadoras e simpatizantes podem "vadiar". O Divino Espírito Santo não é um santo propriamente dito. O espírito não tem forma, baixou no batismo de Cristo como pomba (ETZEL, 1995) e é nesta forma que ele é representado nas festas realizadas ao Divino e é o seu símbolo maior.

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movimentos blasfematórios, o vínculo com o grotesco, a propensão para o horrendo, para as metamorfoses, para as transformações são os símbolos presentes na corrente popular, estes mesmos no exercício de dar movimento à vida. Os destronamentos presente no Cacuriá, tal qual a derrubada do mastro, e posterior vadiagem e embriagues em praça pública, demonstra as articulações e reconstruções simbólicas criadas pelo povo afim de representar a vida noutras dimensões. São os suspiros de longos períodos de encarceramento. O mastro é o representante da Igreja, do sagrado, e quando derrubado em praça pública ele não se extingue, pelo contrário, ganha novas roupagens, novos contornos. Há neste movimento de destronamento, ambivalências, tal qual podemos verificar na figura de uma “velha-prenhe”. Morte e ressurreição numa mesma imagem. A vadiagem e a embriaguez acompanham todo o percurso de manifestação posto na corrente popular ao longo dos séculos, são destes momentos que o povo dá vida à fabulação, à imaginação, ao inédito. O estudo desta manifestação demanda grande esforço e investimento investigativo, não pretendemos esgotar tal reflexão neste estudo, mas deixamos rizomas à mostra, para que posteriormente voltemos a habitá-lo.

A “vadiação” do Cacuriá, na maioria das vezes, usa figuras de animais como beija-flor, rolinha, gavião, periquito, jacaré, guará, jabuti, formiga, mergulhão, piaba. Também é usual a presença de vegetais: bananeira, cajueiro, milho, flor, café, cana e ainda tantos outros temas ligados ao trabalho, como serrar, peneirar, cortar, varrer e lavar, relativos aos contextos das comunidades que promovem as festas do Divino no Maranhão. Nas brincadeiras, sempre está presente um conjunto de metáforas e ambivalências que juntam questões como vida e morte, sagrado e profano, cultura e natureza. Quando da migração dessas brincadeiras para outros contextos como, por exemplo, Brasília, São Paulo, Rio de Janeiro, Curitiba, esses temas carregam consigo as mesmas metáforas e então adquirem novas leituras.

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uma festa de destronamento, de revitalização da vida. A vadiagem propicia encontros com os inéditos. A isto podemos também relacionar a grande diversidade de animais postos em cena tão quanto os ofícios do humano. O riso e a sensualidade são aspectos sempre presentes nos Cacuriás, com brincadeiras rítmico-eróticas que transpõem dualidades como sacro e profano.

O Cacuriá, sobremaneira, se constitui como uma festa sem palco, onde todos se reúnem num júbilo popular. Há nestes momentos a provocação da “assistência”, termo este utilizado pelos maranhenses referindo-se a platéia das praças e ruas. Eles a convidam para entrar na brincadeira o que geralmente cria uma grande excitação, pois a aceitação ao convite é grande! Riso, alegria, destronamento, a-hieraquização, cria multidões.

Durante toda a brincadeira é comum o puxador – mestre de cerimônia - estabelecer um diálogo constante com a “assistência” e com os cacuriantes. Mesmo tratando aqui de maneira dicotomizada, não o vemos desta maneira. O Cacuriá destrói o palco para se efetivar enquanto manifestação cultura, ele, não exige separação entre espectadores e artistas. Por sua vez o mestre de cerimônia comenta sobre o que acontece na roda, faz piada, manda recados, pede água ou outras quaisquer bebidas, o que enriquece maestralmente todo o jogo de destronações postas nestas manifestações de cunho popular.

Por sua vez, a manifestação Cacuriá, não se restringe a um local único, pré-determinado, mas exerce fluidez, deslocamentos territoriais desterritorializando uma unidade local. Os grupos são os mais diversos e se espalham pelos vários bairros da capital, de outros municípios maranhenses e de outras cidades do país, com características próprias de cada comunidade. Eles geram composições próprias e utilizam outras canções de brincadeiras e folguedos brasileiros. Alguns grupos se caracterizam como Cacuriás de apresentação, com grupo de brincantes fixos e outros ainda utilizam o Cacuriá como proposta para brincar com toda a platéia. Aqui começamos a intuir um deslocamento no cerne da cultura popular por excelência, se movimentando de seu local de origem, a praça pública, para os palcos montados pela indústria cultural de entretenimento.

Tomemos os ombros de Tânia Maia Barcelos para compartilhar e contemplar visões como:

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E por falar em malandragem assim nos perguntamos, que roupa eu visto para dançar o Cacuriá? Ou como diz Tânia Maia Barcelos “Com que roupa eu vou pra samba”? Ou melhor, tal com diz Spinoza, “O que pode o corpo”?

Com o tronco levemente projetado para frente, em pares ou solos, em cordões ou rodas, ou, ainda, em conjuntos, vão de acordo com cada canção, cantando e evoluindo no espaço em jogos de se juntar, afastar, abraçar, dar umbigadas, imitar bichos e realizar ações propostas pelas letras das canções. Sempre brincando juntos ou como se diz no Maranhão: bulindo um com outro alegremente; por isso, diz-se por lá que o Cacuriá é uma brincadeira buliçosa, tanto no sentido de que o corpo do brincante se bole todo, movimenta-se por inteiro ou bole com os outros, no sentido de mexer uns nos outros. O acompanhamento instrumental também difere de grupo para grupo. Ele pode se apresentar apenas com acompanhamento de percussão das caixas ou ainda com acompanhamento de violino, de rabeca, de contra-baixo, de violões, de cavaquinhos, de flautas, de sanfonas e de tantos outros instrumentos, dependendo da realidade de cada comunidade ao elaborar para si o Cacuriá.

Com o figurino não é diferente. Cada grupo constrói seu figurino a sua maneira, mas sempre são apresentadas roupas leves. Para as mulheres, saias longas, rodadas e bem coloridas que criam bons efeitos no bailar. Para os homens, calças longas dobras das extremidades, tal qual um pescador, um caçador ou algo do gênero, um colete com cores vivas...

Divino e/ou mundano, sério, como desejava Seu Lauro, e/ou risonho, o Cacuriá continua sendo citado como algo que surge dos festejos do Divino Espírito Santo, apesar de ele apresentar atualmente canções de roda das brincadeiras infantis e de outras brincadeiras populares ou ainda com repertório autoral. A seguir, iremos percorrer o percurso do Cacuriá na história, investigando, as possíveis origens do Cacuriá, provindas das festas do Divino Espírito Santo.

1.5 O percurso do Cacuriá na História

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influências dos negros, bem como dos europeus, transformou sobremaneira o cenário cultural nacional. Em nosso caso específico, as manifestações maranhenses passaram por um processo onde a mescla possibilitou que nos espaços da corrente popular, modificações substanciais se operassem, como por exemplo, o ritmo e a coreografia utilizados no ensejo das festas, tornando-as exuberantes devido a multiplicidade proporcionada pelos encontros. Como dissemos, há aí uma mistura de índios (estes que já são uma grande mistura), europeus (mistura mais complexa ainda) e negros (mais um punhado de misturas). Podemos tomar como exemplo, vivo e marcante desta influência, as mesclas: elencamos o maracatu, o bumba-meu-boi, o lundu, o cateretê, o jongo, o Cacuriá, o samba, entre outros, enquanto manifestações presentes na e da corrente popular. A cultura brasileira não cresceu como árvore, desenvolveu-se como rizoma. Um rizoma é diferente de uma árvore e de suas raízes, um rizoma conecta um ponto qualquer a outro ponto qualquer e cada um de seus traços não remete necessariamente a traços de mesma natureza. A cultura brasileira é um rizoma. Alguns dos instrumentos de percussão utilizados nos festejos culturais brasileiros, em suas mais diversas naturezas, são de origem africana: todos os tipos de percussão estilo “cilindro”, dos atabaques usados em religiões Afro-Brasileiras ao surdo e tamborim das baterias das escolas do samba, ao agogô e a cuíca.

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resgatando costumes esquecidos pela maioria dos maranhenses, promovendo uma interação cultural entre todos os brincantes.

Foi entre os dias das festas de São João e São Pedro, em 1924, justamente na época das festividades do Divino Espírito Santo e das festas juninas que nasceu a idealizadora do Cacuriá mais famoso do Maranhão. Aos 27 de junho de 1924, na cidade de São Luís, no Sítio da Conceição, no bairro do Batatã, Almerice da Silva Santos, a Dona Teté (Figura 2), veio a este mundo. Isso prova crenças de que, desde o seu nascimento, sua vida estava entrelaçada com a cultura popular maranhense. O apelido Teté veio logo nos primeiros dias de nascimento. “O padre que me batizou disse que o nome Almerice era muito grande para uma criança tão pequena”, ressalta Dona Teté em depoimento.

Em meados de 1970, Dona Teté, já com mais de 40 anos de idade, figura popular da cidade de São Luís do Maranhão, veste a insígnia do Cacuriá, realizando durante e no mesmo período que as comemorações da Festa do Divino Espírito Santo, seus cultos de caráter profano. A união dos tambores do Divino, da dança em formato de roda, dos aspectos brincante e sensual, uniram forças para elaborar o que hoje conhecemos por Cacuriá. Dona Teté, acima de tudo não inventou o Cacuriá, este último nada mais do que expressão de uma corrente popular em movimento, não de um indivíduo em si. Entretanto, não podemos descartar a importância de Dona Teté no cenário da corrente popular maranhense, inclusive quando relacionamos o seu nome ao de “Seu Lauro”, Alauriano de Almeida. Conferimos a “Seu Lauro” umas das peças pelas quais foram movidos alguns elementos da corrente popular, tal qual o Cacuriá. Dona Teté faz referência à Lauro, o reverencia. Dizia “Seu Lauro” em meados da década de 70 do século passado que a dança em si do Cacuriá era mais recatada. Dona Teté emprestou então ao Cacuriá um pouco do desejo humano. Como mesmo conta Dona Teté, “Seu Lauro dizia que eu tinha esquentado o saco do cacuriá”, em nossa compreensão observamos que com Dona Teté o Cacuriá freqüentou com assiduidade o terreno da sexualidade. O público estava em polvorosa com os “roças-roças” dos dançarinos. Fitas multicoloridas, brilhos, batuques e coreografias insinuantes são os principais elementos da apresentação As saias giram com suas rendas e se harmonizavam com os fitilhos das calças dos homens. As meninas e meninos dançam com um sorriso no rosto e sem demonstrar cansaço. Na época de sua criação as moças usavam um vestido mais comportado, mas, com o passar dos anos, puderam deixar o colo, a barriga e as pernas (canelas) à vista. Passados mais de 30 anos, Dona Teté ainda perpetua a experiência de Seu Lauro.

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significativa, anos mais tarde, quando foi convidada pelo folclorista Alauriano de Almeida, o “Seu Lauro”, como era conhecido, e que foi criador do Cacuriá, para participar das festividades do Divino Espírito Santo. As festas aconteciam no bairro Ivar Saldanha. Era nesta festa que as Caixas do Divino e a dança aconteciam. Dançado ao som destas caixas do Divino, dispostos num alegre cordão – tipo trenzinho – nos ritmos de caroço, valsa e com versos improvisados pelos próprios brincantes o Cacuriá se desenvolveu. A dança de roda em um de seus expoentes se desenvolveu também neste ambiente. Foi também Aureliano Almeida, “Seu Lauro” que elaborou junto ao seu povoado estes elementos da dança. O Cacuriá por sua vez teve origem no carimbó de caixeiras, brincadeira realizada no fim da Festa do Divino Espírito Santo, que ocorre sempre cinqüenta dias após a Páscoa. Dona Teté, àquela época, fazia parte do grupo de “Seu Lauro” como uma das tocadoras de caixa, além de rezar ladainhas para diversos santos.

A história de Dona Teté se confunde com a da brincadeira que teve inicio no cacuriá de seu Lauro. Ela era a única que rebolava de jeito sensual, destacando-se. Em 1980 recebeu um convite do Laboratório de Expressões Artísticas (LABORARTE)5 para ensinar o toque da caixa do Divino. A história de Dona Teté se confunde com a da brincadeira que teve inicio no Cacuriá de “Seu Lauro”. Sempre polêmica com seu jeito de dançar, ela era a única que rebolava de jeito sensual, destacando-se. Aprendeu por sua vez, observando, como acontece na maioria das manifestações tradicionais populares. Em 1980 recebeu um convite do LABORARTE para ensinar o toque de caixa do Divino a uma peça teatral chamada “Passos”. Seis anos depois, em 1986, com a ajuda do grupo, criou o Cacuriá de Dona Teté, que hoje é conhecido dentro e fora do país. O LABORARTE tem atividades de formação permanente, como capoeira, tambor de crioula e Cacuriá. O público é formado, majoritariamente, por pessoas oriundas das comunidades ligadas às manifestações da corrente popular em suas diferentes dimensões. Inovou o Cacuriá introduzindo novos instrumentos como cordas, flauta, baixo, clarinete, teclados, entre outros.

5 O LABORARTE – Laboratório de expressões artísticas – foi criado em 11 de outubro 1972 em São Luís/MA,

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A partir daí passou a integrar o elenco permanente do grupo. Artista popular de grande versatilidade, Dona Teté toca caixa, canta ladainha, dança tambor de crioula, tira reza em procissão emocionando o público, seja numa cena dramática no palco ou numa brincadeira de muita vibração e alegria na rua. Capaz de emocionar a todos por onde quer que passe, podemos observar que com a internacionalização do Cacuriá, um deslocamento do eixo que o ligava a cultura popular compartilha espaço com as iniciativas da indústria cultural, transitando esta manifestação ora nas ruas ora nos palcos da indústria de entretenimento.

Como vimos, a dança do Cacuriá criada por “Seu Lauro” foi buscar no 'Carimbó de Caixeira, que acontece ao final da festa do divino, a musicalidade, o movimento e a molecagem para criar uma nova forma de expressão artística popular. Mas foi Dona Teté a responsável pela divulgação e difusão da brincadeira, principalmente após a montagem do espetáculo Cacuriá de D. Teté, em 1986, pelo LABORARTE. Uma dança de roda, dançada por pares, mistura a teatralidade e a sensualidade, explorando o ritmo, o requebrado dos quadris e a letra das canções; tendo na percussão o som das Caixeiras (“tambô” feito de couro, tocado por duas baquetas). Esse primeiro grupo de Cacuriá, com o tempo foi se desfazendo e Dona Teté, que havia sido bailarina do Cacuriá de Seu Lauro, encontrou no LABORARTE o apoio de Rosa Reis e Nelson Brito para dar continuidade aquela dança, afinal, aquilo não podia ser deixado no tempo. Até hoje é sustentado e admirado.

Elisene de Fátima, 54 anos, é integrante do Centro de Tradições de Cultura Popular Maranhense de Sobradinho I. Quando se fala em Tambor de Crioula, ela garante: “A gente arrepia quando ouve os tambores”. Ao deixar o Maranhão para morar em Brasília, em 1993, Dona Elisene sentiu muitas saudades do ritmo de sua terra e retrata isto quando diz: “Sabe o que é você acordar de noite e ouvir os tambores tocando?”

Houve muitas ramificações do Cacuriá em seu percurso pela história. Um deles é o grupo "Cacuriá Filha Herdeira", foi fundado na cidade de Sobradinho, em maio de 1993, por Dona Elisene de Fátima, filha de Dona Florinda e “Seu Lauro”, criadores do Cacuriá em São Luís do Maranhão, conforme conta em registro realizado pela pesquisadora de cultura popular em São Paulo, Paula de Fátima, responsável pelo Fórum Nacional de Cultura Popular.

Em 2001, no segundo semestre, o Projeto Rumos Musicais Itaú Cultural levou D. Teté a São Paulo para uma apresentação no Instituto patrocinado pelo referido banco. Na coletânea realizada pelo Itaú Cultural, Cartografia Musical Brasileira, Dona Teté marca presença em duas faixas, Choro de lera e Jabuti/Jacaré.

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premiações. D. Teté recebeu em 2002 o Prêmio Orilaxé – do Grupo Cultural AfroReggae – na categoria Cultura Popular.

Em 2003, lançou seu segundo disco cantando o Cacuriá com letras de duplo sentido como "Bota a cana pra assar, assa a cana". Segundo ela, o Cacuriá "é uma dança sensual, mas não vulgar". Nesse seu segundo disco estão presentes, entre outras, as músicas "Choro da Lera", "Cabeça de Bagre", "Mariquinha", "Rosa Menina" e "A cana", todas de domínio popular com adaptações suas. Sua versatilidade como artista popular a faz conhecida no Maranhão e no mundo.

Só para constar enquanto informações gerais, em "Mãe gentil", peça teatral dirigida por Ivaldo Bertazzo, Dona Teté faz participação especial, junto com seus conterrâneos Zeca Baleiro e Rosa Reis nesta época.

De acordo com pesquisas realizadas nos anos de 2003 e 2004 pelo Centro de Cultura Popular Domingos Vieira Filho, existe no Estado do Maranhão 35 grupos de Cacuriá, 11 Danças de Coco e não há um número exato sobre a Dança do Lelê. Já os números oficiais, indicam que existem aproximadamente 60 grupos de Cacuriá, 35 Danças do Coco e 20 Danças do Lelê em todo Maranhão.

Enfim, chegamos ao momento mesmo de abandonar por um instante o percurso do Cacuriá pela história bem como as análises realizadas anteriormente no corpo deste capítulo para entrarmos em contato com a experiência propriamente dita da arte educação, quando colocamos em foco a experiência vivida por este pesquisador que vos escreve, num grupo de danças folclóricas no qual se desenvolvia o Cacuriá. Como dissemos não pretenderemos esgotar todos os aspectos levantados neste trabalho nele mesmo, pois acreditamos em processos, e este por assim dizer, tem força suficiente para disparar novos devires investigativos sobre a corrente popular. Partimos então para o próximo capítulo ciente de que os outros retornarão em nossas investidas reflexivas a cerca do tema proposto para este estudo. Retornemos aos olhares por sob os ombros de Tânia para seguirmos em frente na caminhada com o devir-curioso:

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2. Identidade Cultural

“Suponho que me entender não é questão de inteligência e, sim, de sentir, de entrar em contato. Ou toca ou não toca”.(Clarice Lispector)

2.1 Cultura e Identidade

São tantos os caminhos que poderíamos percorrer durante esta aventura de pesquisador, na intenção de dar corpo e “letramento” àquilo que à espreita esforça-se a designar ou referir-se por cultura. Este trabalho não pretende, em seu conjunto, encerrar-se sobre àquilo que define expressão cultural, mas mais um percurso, especificamente, sobre terras nacionais, numa experiência de cartografar o que aqui se mescla com a cultura de um povo, o brasileiro.

Iniciamos então nosso percurso investigativo naquilo que mais próximo de nós se encontra, quando estamos diante de alguns receios, medos, dúvidas da vida e sobre a vida. Acabamos elaborando perguntas do porque das coisas, ao em vez dos porquês das coisas.

Pois bem, o Dicionário Conciso de Língua Portuguesa Michaelis define a palavra cultura (lat: cultura) por: 1) ação, efeito, arte ou maneira de cultivar a terra ou certas plantas, 2) terreno ou produto cultivado, 3) aplicação do espírito a uma coisa; estudo, 4) desenvolvimento intelectual e 5) adiantamento, civilização. O dicionário foi a gota d’água do caos em mim.

São tantas as compreensões sobre a experiência de cultura no e do humano, transitáveis por sua vez em naturezas distintas, que pesquisas sobre a temática emergem com freqüência nos debates acadêmicos. Do cultivo da terra ao cultivo do homem, cultura soa-nos nas mais diversas freqüências. Entretanto, enquanto pesquisador, curvo-me a entender cultura enquanto processo contínuo de transformação, (re)construção, (re)significação que se apresentam em caráter evolutivo e de “eterno retorno”6 bem como à sua perpetuação pela

6 “E se um dia ou uma noite um demônio se esgueirasse em tua mais solitária solidão e te dissesse: “Esta vida,

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transmissão de uma geração à outra, isto é, um conjunto de valores, idéias, concepções, costumes, que os indivíduos adquirem enquanto membros de um grupo ou sociedade.

Já Thompson (2005) nos auxilia a pensar sobre a temática quando retrata que, por meio da incorporação dos diversos significados existentes nas suas formas simbólicas, que podem ser entendidas como ações, objetos e expressões significativas, a cultura permite aos indivíduos a partilha e a comunicação de experiências, concepções e crenças entre si.

Como dissemos, far-se-á necessário subir nos ombros de grandes gigantes para que possamos olhar além. Escolhemos para este propósito Mikhail Bakhtin, em especial, a obra denominada “A cultura popular na Idade Média e no Renascimento: o contexto de François Rabelais”. Esta obra retrata as experiências e manifestações que ocorriam no bojo da cultura popular em épocas finais do período medieval, no momento histórico de sua ruína e emersão do homem renascentista.

Bakhtin analisa, para que assim pudesse mergulhar nas investigações da cultura popular, a experiência de François Rabelais, este que com maestria das ruas e sua viva propensão para o horrendo, para o trágico, elaborou “Gargantua”, tanto quanto “Pantagruel”, obras cômicas onde seus personagens retratavam as experiências daquilo que se partilhava enquanto experiência sensível da vida. Tais manifestações, vinculadas à propensão para a tragédia e que marcaram a transição da Idade Média ao Renascimento, são resquícios das expressões pré-socráticas, primitivas por assim dizer. Para Bakhtin qualquer análise lingüística deve incluir fatores extra-linguísticos como contexto de fala, relação do falante com o ouvinte, momento histórico, etc., e por sua lingüística ser considerada uma “trans-linguística” ultrapassa a fronteira da visão de língua como sistema.

Nossa atenção se volta para a cultura em sua materialidade e nela, a partir da interpretação das políticas de subjetivação culturais, observamos de olhos atentos os ordenadores simbólicos que instituem tal espaço. Sob os ombros de Bakhtin, nos aventuramos a analisar o significado daquilo que é denominado por corrente popular. As manifestações

nela nada de novo, cada dor e cada prazer e cada pensamento e suspiro e tudo o que há de indivisivelmente pequeno e de grande em tua vida há de te retornar, e tudo na mesma ordem e sequência - e do mesmo modo esta aranha e este luar entre as árvores, e do mesmo modo este instante e eu próprio. A eterna ampulheta da existência será sempre virada outra vez - e tu com ela, poeirinha da poeira!". Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasses assim? Ou viveste alguma vez um instante descomunal, em que lhe responderías: "Tu és um deus e nunca ouvi nada mais divino!" Se esse pensamento adquirisse poder sobre ti, assim como tu és, ele te transformaria e talvez te triturasse: a pergunta diante de tudo e de cada coisa: "Quero isto ainda uma vez e inúmeras vezes?" pesaria como o mais pesado dos pesos sobre o teu agir! Ou, então, como terias de ficar de bem contigo e mesmo com a vida, para não desejar nada mais do que essa última, eterna confirmação e chancela?” (NIETZSCHE, 2005, aforismo 56).

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populares, das ruas, das praças e das feiras ambulantes, retratado por Bakhtin, permitem adentrarmos na cultura popular e dentro de nossas possibilidades cognitivas, compreender seus símbolos; as imagens pintadas por Bakhtin em suas obras descreve a concepção de mundo da praça pública, local onde se desenvolveu e elaborou uma gama rica de manifestações. E é aqui se insere nosso estudo, sobre as manifestações populares, em especial, o Cacuriá, logrado regionalmente em terras nacionais no nordeste brasileiro.

Passamos a intuir então que a cultura popular é a cultura do povo. O resultado de uma interação contínua entre pessoas de determinadas regiões com suas ricas e inéditas experiências, ou que pelo menos acreditam ser. Desta maneira, simples assim, porém complexo, originou-se da mediação do homem ao ambiente onde vive que abarca inúmeras áreas de conhecimento sobre a experiência do viver: crenças, moral, linguagem, tradições, usos e costumes, hábitos, idéias, artes, dança, artesanato, folclore, etc. Desde o surgimento do homem, após o seu agrupamento e seu acondicionamento social, trocas de experiências e reciprocidades foram estabelecidas. Todo o conjunto de conhecimentos, modos de agir e pensar deram então origem às idéias de cultura. Toda sociedade tem a sua, pois não existe sociedade sem cultura, independentemente do lugar, obra esta realizada pelo pensamento socrático – Sócrates e Platão - e alimentado pelos seus pupilos póstumos, a exemplo de Kant, Descartes, etc...

Tomemos como exemplo a experiência de um recém nascido. Seus primeiros contatos e experiências com o mundo, de certa maneira, o colocam na necessidade da mediação com o outro, por isso mesmo, a se socializar, e no encontro com o outro, aproximar-se da mais sublime das ações do humano - o inédito. Ainda no exemplo acima mencionado, o da criança recém nascida, existem várias pessoas ao seu redor criando uma relação social e cultural. Enquanto estiver falando ou aprendendo a falar, ele vai adquirir uma língua que é uma herança cultural. Dessa maneira o modo que veste tal cultura configura o transito pelo qual tais sujeitos trafegarão que pode variar conforme o local geográfico, as condições do ambiente, os hábitos alimentares, os rituais de reconciliação do sujeito à Terra, entre outros.

Podemos pensar atualmente, devido às grandes modificações nas formas pelas quais um sujeito é constituído, que as roupas que vestimos não são mais imóveis, fixas, tais como as compreendiam há 300 anos. Hoje vestimos as roupas mais fluídas, flexíveis, sendo a cultura um fruto da miscigenação de diferentes povos que introduziram-se uns aos outros, compartilhando hábitos e costumes, na experiência única de mediar cultura com natureza.

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Segundo esta obra identidade (lat: identitate) significa, 1) qualidade daquilo que é idêntico; igualdade, 2) conjunto dos caracteres próprios de uma pessoa, tais como nome, profissão, sexo, impressões digitais, características físicas etc., o qual é considerado exclusivo dela e, conseqüentemente, levado em conta quando ela precisa ser reconhecida, como por exemplo, os policiais já conhecem a identidade do assassino e 3) carteira de identidade.

A definição delineada de identidade pelo dicionário Michaelis (2009) apresenta três significados aparentes, com diversas interpretações nas entrelinhas do significado dado e isso nos chama a atenção quando os relacionamos ao terceiro significado enunciado, o de carteira de identidade. Nela é incorporada a noção civilizatória em relação a referência conhecida de todos nós, o Dicionário de Língua Portuguesa segundo Aurélio.

Seja linguagem, seja escrita, ou oralidade, tais visões configuraram os símbolos culturais que nos identificam a noção de identidade, a fixidez, ao encarceramento. Vivemos e experienciamos tais forças políticas na produção do sujeito ao atravessarem nossos corpos, e com isso sentimos e gritamos em alto e bom tom, a necessidade por movimento, este mesmo para nos livrar da paralisa oferecida.

A partir destas variadas visões da palavra em nossos corpos, e dos saberes que os dicionários nos colocam, sente-se o desejo de rever conceitos, tal como as experiências no que tangem o significado de cultura, principalmente por imaginar que em quase toda casa brasileira, ao lado de uma bíblia, está um dicionário. Justamente por serem duas fontes primordiais de conhecimentos culturais para o processo da constituição de si, dentre outras como a própria Cientologia, é que se faz emergente rever conceitos para lidar com as crises de identidade cultural provocados por elas, tanto para as referencias das fontes primordiais, quanto das crises de si, provocado pelo mal estar contemporâneo, proporcionados pela falta de colo. De Deus à ciência, o colo já não é mais o mesmo. Com isso, adentramos por uma das rachaduras e cismas criadas para o viver em cultura, da mesma maneira que se elaboraram tão maestralmente novas maneiras, para dar conta de tais abalos proporcionados pelo mal estar, transitando ora no sagrado ora no profano.

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instaura o movimento na cultura. Dentre as visões do conceito de identidade cultural, transitamos brevemente por Miskolci (2005). Tomando este autor como exemplo, logo abaixo retratemos um trecho de sua obra:

[...] identidades são construções sociais e históricas que se apóiam em comportamentos ou estilos de vida para fixar padrões que as tornem reconhecíveis e permitam a impressão de permanência e estabilidade. Em outras palavras, identidades variam com o tempo e a sociedade em que o indivíduo se insere.7

Após este breve retorno ao solo, fluímos novamente aos ares para que assim envolvamo-nos na experiência de cartografar aquilo que emerge em nossa cultura, em forma de dança. Entretanto, estamos cientes que tal vôo poderá causar dispersões, no entanto, apostamos nesta ousadia de pássaro para alçar vôos mais altos.

O estudo sobre a identidade cultural é influenciado por questões históricas, sociais, culturais, políticas e econômicas e postos no entre destas fronteiras, que configuram para nós o terreno de nossa investigação. Com isso somos atravessados pelas forças identitárias prontas a nos vestir, tais quais a de gênero, de raça, de nacionalidade, de orientação sexual, de crença religiosa e de etnia. Haja visto às forças alemãs contra os judeus.

Desse modo sabemos hoje que as forças vinculadas à constituição de identidades para uma determinada cultura não são estáveis nem, muito menos, imutáveis. Culturas, são re-identificações em curso, dentro de um processo continuo de construção e reconstrução de nós mesmos enquanto humano em mediação com outro, em nós, nos outros e na natureza. Estamos vinculando tal reflexão à interpretação da constituição de nós mesmos realizada por Felix Gattari em “As Três Ecologias”.

Há, atualmente, a necessidade de vivermos e habitarmos o que muitos teóricos denominam por pós-modernidade. Tal inflexão nos leva a encarar as representações simbólicas de uma cultura em foco enquanto processos em si. Neste sentido até ousamos pensar a inexistência de culturas que se identifiquem entre si, na tentativa de distinção, mas um embolado, um emaranhado de experiências e manifestações que compreendem a cultura do humano. Tal qual o humano, a vida e a cultura por ele elaborada para o viver em grupo,

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são móveis, opostas as culturas medievais e modernas. Houve lampejos de movimento, estes vistos e vividos durante o Renascimento. Mas a iniciativa moderna de matar o movimento em nós, tal qual engendrou a Igreja, alimenta ainda mais a degeneração das manifestações da corrente popular, vividas pelos nossos antepassados em tempos sombrios.

Com a morte do movimento, mataram também o trágico, isto é, a experiência trágica do viver, expressão popular de onde, segundo Nietzsche, emerge toda a riqueza de experiências à colocar a vida em movimento quando esta se encontra ou margeia a morte, da dor, da tragédia, da finitude de nós mesmos. Em Rabelais, a idéia da morte está isenta de todo matiz trágico e apavorante. A morte é um momento indispensável no processo de crescimento e de renovação do povo, é a outra face do nascimento.

Criamos um problema em nosso estudo. Um nó apertadíssimo, onde se mesclam as fronteiras da vida e da morte. Então continuamos nosso percurso com pulgas na orelha. Uma delas sussurra em nossos ouvidos: há, com isso, uma re-elaboração continua do homem e da cultura, para que ambos não padeçam da doença socrático-platônica que nós nos referíamos acima, isto é, da cretinice, da estupidez posta no saber em si, na arrogância do entendimento racional, na materialização do deus – e esse deus é minúsculo mesmo; emerge enquanto sinal de transvaloração de valores montado em nós - na ciência moderna? Ou ainda: tal movimento de “constituição de si” seria então um “mecanismo” posto no humano e na cultura afim de curar a ferida socrática da existência?

Tal como a sabedoria da corrente popular em meio ao trágico, dançamos...

2.2 (Re)Construção da Identidade Cultural

Diante de tantos conceitos sobre o que vem a ser “identidade cultural”, que compreendida diferente por um algum tempo, achamos interessante observar a possibilidade ou a necessidade de rever tais conceitos, levando em consideração que estes foram elaborados durante as sociedades-Estado, configuradas pelo regime da imobilidade, da identificação, da estratificação e classificação do humano ao viver em grupo.

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situado na contemporaneidade. É viável até nos perguntarmos qual é a “roupa”8 que o sujeito veste na contemporaneidade, inclusive, quando as relacionamos a manifestação popular de nosso estudo – o Cacuriá?

Deixamos Bakhtin descansar um pouco de sua jornada neste trabalho, mesmo sabendo que em seu repouso ele nos acompanha, e nos encontramos com Stuart Hall. Com ele nos envolvemos nas reflexões sobre o sujeito pós-moderno e sua condição na re-elaboração da cultura popular contemporânea. Ao nos envolvermos com Hall, verificamos que este sujeito fragmentado citado por ele nos faz perceber, à medida que os referenciais de representação e significação cultural se modificam, se multiplicam e se tornam um só, aí é que surge uma variedade de experiências possíveis nas quais podemos nos vincular, mesmo que temporariamente. Nosso autor em questão situa então o sujeito pós-moderno, ou seja, contemporâneo, na fronteira entre o sujeito do iluminismo e o sujeito sociológico. O primeiro interpreta o essencial do “eu” como a identidade de uma pessoa dotada das capacidades de ação, consciência e razão, com características de um individuo unificado e centrado, ou seja, o sujeito constituído por um núcleo interior que permanece essencialmente o mesmo ao longo da existência do individuo. Já o sujeito sociológico tem uma noção de si com interpelações da crescente complexidade da sociedade pós-moderna, que desenvolve a consciência de que o sujeito não é autônomo e desvinculado o exterior do núcleo interior. Uma concepção interativa e influenciada pelo diálogo permanente das identidades que os mundos culturais “exteriores” oferecem. Portanto este sujeito é constituído pela interação entre as fronteiras da cultura e da natureza, preenchendo o espaço em movimento entre elas. Como Hall se inquieta, nos inquietamos e achamos relevante avaliar a emergência de uma crise naquilo que se refere à identidade cultural. Em que consistiria tal crise e qual seriam as direções da mesma em um momento pós-moderno?

Dessa forma, nós enquanto sujeitos da pós-modernidade envoltos na fragmentação proporcionada pela fluidez em meio a lógica do mercado, podemos intuir que surge então o sujeito composto de multi-identidades em movimento, ou seja, não de uma única identidade pré-determinada e definida, mas sim de varias identificações.

Portanto, opressuposto inquietante de analise deste estudo é a hipótese de Stuart Hall (2003) que nos indica a respeito do deslocamento e da fragmentação das identidades culturais na contemporaneidade e na reconstrução do conceito de identidade cultural, para que assim possamos sintonizar nossa dúvida existencial em relação à reflexão sobre cultura. A

8 Tal reflexão se vinculada à dissertação de Tânia Maria de Barros, “Com que roupa ou vou pro Samba”?

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identidade de qualquer cultura caracteriza as pessoas pelo modo de agir, de sentir, de falar, como se as “rotulassem” a partir dos modos de produção política de sujeitos específicos de sua cultura. Todos esses aspectos atualmente em foco nos ambientes acadêmicos, e por sua vez inquietantes constituem-se, de fato, enquanto fases de um procedimento analítico que pretende, em sua ousadia, descrever o processo de deslocamento das estruturas tradicionais ocorrido nas sociedades modernas, assim como o descentramento dos quadros de referências que ligavam o sujeito as manifestações da corrente popular.

O grupo Oro-Ari presta-se a servir enquanto trampolim para os terrenos da corrente popular, mesmo que atravessado pelas forças políticas globalizadoras, este mesmo traçado no plano do visível e do invisível. Tais mudanças - o descentramento dos quadros de referência - teriam sido ocasionadas, na contemporaneidade, principalmente, pelo processo de globalização. A noção “globalizatória” com a iniciativa sagaz de alterar as noções de tempo e de espaço, desalojou o sistema social e as estruturas fixas de suas antigas estruturas. Não dizemos, com isso, que instituições estatais não realizem mais suas funções no exercício do poder sobre o homem, entretanto, passaram a operar agora como instrumento do mercado. Assim surgiu a pluralização dos centros de exercício do poder. Da bolsa de valores de Tóquio à Chicago, da bolsa de valores de São Paulo à Nova Iorque, estendem-se os tentáculos do sistema econômico.

O descentramento dos sistemas de referências trouxe efeitos para as identidades modernizadoras, que enfatizavam o pertencimento nacionalista e a vinculação ao poder central do Estado. Como nos diz Bakhtin, a história do povo e o movimento da vida sempre foram acompanhados por crises. Sem elas seria impossível habitarmos a condição trágica da existência, muito menos situarmos o trágico, o horrendo e a propensão para o grotesco na vida do humano.

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empírico-cartesiano? Estamos diante de uma crise da constituição de nós mesmos? E em que consistiria tal crise? Qual seria a direção da mesma em um momento pós-moderno?

Estamos todos em crise...

2.3 Cultura Popular e Globalização

Observamos então que os efeitos das políticas “globalizatoriantes” afetam a todos nós, através do exercício das empresas de comunicação em massa, do desregramento efetivado pelo comércio internacional, pela paradoxal liberdade de movimentação e recíproca taxação de tais movimentos variando ao sabor do desenvolvimento e integração das nações “identitárias” ao redor do planeta. Nestas reestruturações estamos envolvidos em maior ou menor grau; nossos corpos respondem a tais afetações, fazendo-nos sentir, ou pelo menos àqueles que se permitem sentir, as marcas e sinais dos trespassamentos viscerais destas forças políticas vinculadas a taxação, a identificação, mesmo que atualmente fluída. Tem se chamado categoricamente por cultura de massa toda cultura produzida para a população em geral — a despeito de heterogeneidades sociais, étnicas, etárias, sexuais ou psicológicas — e veiculada pelos meios de comunicação de massa. Cultura de massa, por sua vez, é toda manifestação cultural produzida para o conjunto das camadas mais numerosas da população; o povo, o grande público, isto é, àqueles homens reunidos em praça pública, num júbilo audacioso à vida, mesmo trespassado pelo trágico, tal qual nos vez refletir Bakhtin e Nietzsche.

A cultura de massa, em sua estratégia e aliança com a dominação, submete as demais “culturas” a um projeto comum e homogêneo — ou pelo menos pretende essa submissão ao alcançarem todo o globo terrestre. Por ser produto de uma indústria de porte internacional (e, mais tarde, global), tal qual podemos verificar nos textos e reflexão dos frankfurtianos, em “A indústria cultural”, tal cultura elaborada pelos vários veículos tecnológicos e científicos, então emergentes, liga-se intrinsecamente ao poder econômico do capital industrial e financeiro. A massificação cultural, para melhor servir esse capital, requereu a repressão às demais formas de cultura — de forma que os valores apreciados passassem a ser apenas os compartilhados pela massa globalizada. Com isso produz “não-existências” no sentido que Boaventura de Sousa Santos nos coloca em “A gramática do tempo”.

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por outra. A grande alteração da cultura de massa foi transformar todos em consumidores que, dentro da lógica capitalista, são iguais e livres para consumir os produtos que desejarem. Dessa forma, pode haver o “popular” (i.e., produto de expressão genuína da cultura popular) que não seja popularizado (“que não venda bem”, na indústria cultural) e o “popularizado” que não seja popular (vende bem, mas é de origem elitista):

A indústria cultural, mediante suas proibições, fixa positivamente - como a sua antítese, a arte de vanguarda - uma linguagem sua, com uma sintaxe e um léxico próprios. A necessidade permanente de efeitos novos, que, todavia, permanecem ligados ao velho esquema, só faz acrescentar, como regra supletiva, a autoridade do que já foi transmitido, ao qual cada efeito particular desejaria esquivar-se. Tudo o que surge é submetido a um estigma tão profundo que, por fim, nada aparece que já não traga antecipadamente as marcas do jargão sabido, e, à primeira vista, não se demonstre aprovado e reconhecido. (ADORNO, 2002, p.176)

Assim definem-se as fronteiras que vinculam o nosso estudo na corrente popular e nas manifestações do popular, em vez do construído e elaborado para a popularização mercadológica. Mas com isso surgem também indagações sobre se tal fronteira, do popular ao popularizado, não estaria configurando o objeto de nosso estudo - o Cacuriá. Não pretendemos com isso encerrar tal observação em um dos pólos desta fronteira, correndo o risco de criar mais uma identidade, mas estamos preocupados com as invectivas do mercado quando dispostos a apropriar-se das manifestações vinculadas a corrente popular.

Tal apropriação descaracteriza e desterritorializa as manifestações populares, que se não cultivadas, perdem a identidade, participando de um circulo vicioso com a ação das culturas de massa, e fazendo da cultura uma coisa só. Transformar a cultura em uma única cultura é uma visão pessimista da globalização; esses autores que estão logo abaixo dizem que a globalização também tem esse lado mais otimista, de resgate das particularidades. Autores como Ianni, Hall, Giddens, Featherstone, Castells e Canclini, evidenciam, em recentes estudos, que a atual fase da globalização vem provocando reações que buscam uma redescoberta das particularidades, das diferenças e dos localismos. Em tais ênfases vemos então enquanto ações vinculadas à tentativa de sustentar aquilo que emerge e acontece no plano da cultura do povo.

Referências

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