Psicanalista (participante daAssociação Psicanalíticade PortoAlegre/ Appoa),Mestreem Filosofia,UFRGS. HeloisaHelenaMarcon
RESUMO:Tenta-seaproximarapalavraoracularoupuradoadivi-nhoTirésiasnatragédiaAntígonadeSófoclesdapalavradoanalista numapsicanálise.Faz-setalaproximaçãopormeiodaapresentação dascaracterísticascomunsasduaspalavrasemquestão(doanalista edoadivinho):potênciadesuspensãodosentidoeaberturaaou-trossentidos–enunciação–presentesnumenunciadooudiscurso racionalouargumentativo.
Palavras-chave:Antígona,palavrapura,palavradoanalista,sus-pensãoeaberturadesentido.
ABSTRACT:Antigone:oracularword(pure)andwordoftheana-lyst.Thepresentarticlemakestheoracularorpurewordofthe soothsayerTiresiasintheSophoclesAntigoneclosetothewordofthe analystinpsychoanalysis.Itmakessuchapproximationthroughthe presentationofthecommoncharacteristicsofbothwords(theone oftheanalystandtheoneofthesoothsayer):powerofsuspension ofthesenseandopeningtoothersenses–enunciation–present inadeclarationorinarationalorargumentativediscourse. Keywords:Antigone,pureword,wordoftheanalyst,sensesus-pensionandopening.
1Ainspiraçãodestetrabalhoadvém,claramente,dosSemináriosda
A
ntígona deSófoclesé,comotodasastragédias,umtextoemocionante,fas-cinantee,namesmaproporção–ou,justamenteportaiscaracterísticas–, umtextocomplexo.Emocionante,fascinanteouinquietantee,assim,complexo, porque,comovemosna“Poética”deAristóteles(1999),setratadeencenaros homensemação–issoparasublinharquenãosetratadeumacolocaçãoem cenadecaráteres,pois,paraAristóteles,ospersonagensadquiremcaráterna realizaçãodeaçõesenãoocontrário(personagensqueagiriamparacolocarem cenacaráteres);assimocaráteréaquiloquereveladeterminadadeliberaçãooua escolhaquesefazouqueseevitafazer.ParaAristóteles,então,importadeter-se nomodocomoasaçõessedispõem,ouseja,natramaoutecituradasações.Meuobjetivonestetrabalhonãoé,noentanto,apresentaratecituradasações, mas,mesmoassim,seránecessárioapresentarminimamentetaltramaparapoder delimitaroestatutodapalavradeTirésias,istoé,oestatutodapalavraoracular ouprofética,ouainda,palavrapura.
ATRAMADEANTÍGONA
Estatragédiapressupõeodesenrolardosacontecimentosdapeça“Setecontra Tebas”,emqueÉsquilo(1975)apresentaabatalhaqueosfilhosdeÉdipoPoli-niceseEtéoclestravaramumcontraooutronalutapelotronodeTebas.Luta estaresultadodonão-cumprimentoporpartedeEtéoclesdadecisãodeÉdipo daalternânciadeseusdoisfilhosnoreinadodeTebas.Porisso,Polinicesreúne umexércitoetentatomarotronodoirmão,mas,nabatalha,elesmatamumao outro.ÉnestasituaçãoqueCreonte,como“herdeiromaischegadodoseusan-gue”2(SÓFOCLES,1965,v.174)acabaporocuparotronoeopoderdeTebas.
ApeçaseiniciacomumaconversaentreAntígonaesuairmãIsmenesobre oeditorecémproclamadoporCreontequedeterminaoenterrodeEtéoclese aproibiçãodoenterrodePolinices,ambosigualmenteirmãosdeAntígonae Ismene.Antígonaapresentaoeditoàirmã,queaindaodesconhecia,eaconvida paraenterrarPolinices,apesardesaberdapenaimpostaaotransgressordoedi-to:lapidaçãoempraçapública.OargumentodeAntígonasebaseianorespeito paracomolaçodesangue–elessãoirmãos–eàpiedadeparacomosmortos –respeitoparacomasleisdosdeusessubterrâneosouinferiores.Ismene,no entanto,recusaoconvitedeAntígona.Masesta,mesmosozinha,estádecidida adarumasepulturadignaaoseuqueridoirmão.
Creonteapresenta-separaoCorocomonovoreidevidoasuaproximidade desanguecomosLabdácidasefaladeseueditocomoumaprimeiradecisão
2NoqueserefereàutilizaçãodotextodeSófocles,seráutilizadaaindicaçãodosversosem
dasnormasquepretendepôrempráticaparatornargrandeacidadedeTebas: “nuncaemminhaestimahãodeterdireitoigualosmauseosjustos”(SÓFO-CLES,1965,v.207-208).
Umguardachegaaopaláciotrazendoanotíciadoenterrosecretodomorto; ninguémviuquemopraticou.Naverdade,elenãofoipropriamenteenterrado, masfoijogadasobreeleumalevepoeira.Comoninguémviuoautordetal ato,oCoroentendeoacontecimentocomoimposiçãodosdeuses.Creontenão concordacomaidéiadoCoroeordenaaoguardaquedescubraoculpadoeo tragaatéele.
Oguardaretornatrazendo,dessavez,Antígonaacorrentada.EcontaaCreonte que,maisumavez,Antígonapraticavaoritualfúnebree,peranteocorpode Polinices,lamentava-seelançavamaldiçõesbrutaiscontraossacrílegos.Além disso,comentaoguarda,elanãonegaquetenhacometidooscrimes.Antígo-naapresentacomoargumentodoseuatoasnãoescritaseintangíveisleisdos deuses,asquais,pornada,transgrediria.Creonteentendeque,mesmosendo Antígonafilhadesuairmã(Jocasta),elenãoseriahomemsenãopunissetal ousadia,eaindaacusaIsmenedesercúmplicedocrimee,porisso,manda buscá-la.
IsmeneafirmaaCreonteterparteigualnoenterrodoirmãoe,portanto,a mesmaculpaqueAntígona,masAntígonanãoaceitaqueairmãtomeparasi umatoalheio.Creonteestádecididoamatarsuasduassobrinhas,umadasquais –Antígona–noivadeseufilhoHémon.
HémoneCreontedialogamsobreadecisãodeCreonte.Hémontentaargu-mentarcomseupaiafavordeAntígonafalandodochorodetodaacidadepela sortedela.ComoCreontemantém-seinflexível,HémonafirmaqueseAntígona morrer,elanãomorrerásozinha,oqueCreontetomacomoumaameaçaasie, portanto,ficaenfurecido.
PorsugestãodoCoro,CreontedecidepouparIsmenedamorte.Sobreamorte deAntígona,eledispõeoseguinte:
“Mandarei levá-la a um lugar deserto e enterrá-la viva em um antro rochoso, comcomida,afimdeevitarsacrilégioe,paraacidade,amáculadeumcrime.Lá talvez,rogandoaoHades,seudeusúnico,possaobteragraçadeescaparàmorte; ouaprenderá,pelomenos,queéesforçoinútilhonrarosdeusesinferiores.”(SÓ-FOCLES,1965,v.774-780)
Eis que, por fim, entra Tirésias, o vidente cego, conduzido pelo menino queoguia.Creontevoltaàcenaparasaberquaisasnovastrazidasportalan-cião.InterrogadoporCreonte,Tirésiaspedequeogovernantedê-lhecrédito eavisa:“Cuidado!Andassobreumfiodenavalha!”(SÓFOCLES,1965,v.996). Emseguida,ovelhodescreveossinaisdesuaarteparadizeraCreonte:“Vem doteuquereromaldestacidade.”(idem,v.1.015)eexplica,relacionandotais sinaiscomo“cadáverdessefilhodeÉdipo”(idem,v.1.018),afirmandoque“Já osdeusesrecusamnossossacrifícioseoraçõeseaflamanãosobedascoxasda vítimaeasavesgritammausaugúriosfartasdessagraxaedessesanguehuma-no”(idem,v.1.019-1.022).Ovidentecegopede,então,aCreonte:“Cede,poisà morte:poupaessecadáver”(idem,v.1.029),perguntando-lhe:“Podeserfaçanha assassinarummorto?”(idem,v.1.030).Noentanto,Creonterespondenegati-vamente,tomandoaspalavrasdoadivinhocomoofensaasi(damesmaforma como,antes,tomouaspalavrasdeseuprópriofilho),reafirmandoque“jamais sepultareiessehomem;mesmoquedesejemaságuiasdeZeusaotronododeus levaressacarniça,nemassim,temendoumaconspurcação,heidepermitirque seenterreessemorto”(idem,v.1.039-1.043).
Segue-seumtensodiálogonoqualCreontecontinuasedefendendodoque eleentendeseremofensase,porisso,ofendendoTirésias,atéquepedequeo adivinhofaleoqueguardavaoculto,apesarde,juntamente,afirmarquepor nadamudarádeidéia.Tirésias,então,lheavisa:
“Tu,portuavez,sabequenãoverásmuitotempoosolcumprirseugirodiurno antesdepagarporessemortoopreçodeoutromortodoteuprópriosangue,pois lançasteláembaixoumserdeaquidecimaimpiedosamentedandoaumvivoum túmulo,enquantoreténs,negando-oaosdeusesínferos,insepultoesemexéquias, umcadáver.(...)Poucotempofalta,emtuaprópriacasahãodeuivardedoros homens e as mulheres. Contra ti, clamando, hão de erguer-se as cidades cujos mortossócãeseferassouberamenterrar,ouaavequelevouaoslaresseubocado vildecarniçainsepulta.”(SÓFOCLES,1965,v.1.065-1.084)
Tirésias sai conduzido pelo menino e fica Creonte confabulando com o Coro.OCoroconvenceCreonteavoltaratrás,alegandoquetudoqueTirésias dissesempreaconteceu,logo,tambémasdesgraçasprevistasporTirésiassobre acasadeCreonteesobreTebasiriamacontecer.ÉassimqueCreontesegueo conselhodoCoroevai,pessoalmente,juntocomescravos,enterraromortoe livrarAntígonadaprisãosubterrânea.
escravosenterraramPolinicesconformeashonrasgregasesedirigiramaoan-trodepedraondeestavaAntígona.Masquandoalichegaram,Creonteouviua vozdeHémone,quandodesceuatéacaverna,viuAntígonaestranguladacom seuprópriovéu–suicidou-se–eseunoivo–Hémon–estavaatiradosobreela chorando,sozinho.Creontechamouofilho,masele,cheiodeódio,cuspiu-lhenacaraetentoumatá-locomsuaespada;Creontefogiue,então,Hémon, desesperado,voltoutodoseufurorcontrasi,matando-se.
EurídicesaidecenaapóssaberdoquesucederaaofilhoeàAntígona. CreontechegacomocadáverdeHémonnosbraçoseadmiteseroculpadoda mortedoprópriofilhoemfunçãodaloucuradasleisditadasporsipróprio.
EntraoutromensageiroanunciandoamortedeEurídiceque,aosaberda mortedofilho,suicidou-seelançousobreCreonteaduplaacusaçãodeassassi-nato:delaprópriaedofilho.
Creontelamenta-semuitoepedeparaque,depressa,olevemdali,paraque elenuncamaisvejaonascerdeumoutrodia.OCorodiz-lhequenemprecisa pedir,poisnenhummortaljamaisconseguiufugiràsortetraçada.
APALAVRAORACULAR
Éprecisodesdejáavisarqueesteartigonãotratadetomarapalavraoracularno seucaráterdeprediçãoaoqualquasequeinevitavelmentesomoslevadosquan-dopensamosemoráculo;ouseja,nãosetrata,aqui,darepresentaçãocomum dooráculoenquantooque,interpretado,simplesmentepredizouadivinhao futuro.
Damesmaforma,nãoésimplesmenteporqueéditoouenunciadoporTiré-siasquetemoestatutodepalavraoracular,masporqueoqueéditoporTirésias temumaformaespecíficadeenunciaçãoquesesituanolimitedacomunicação corrente.
decontradiçõeseambigüidadesqueelaconsegueasseguraraconvergênciados elementosparticularesoudosconteúdosisolados,poiselesmuitasvezessão contraditóriosentresi.
Assim,oquedizTirésias–suapalavra–searticuladecertomodoespecífico, deummododiferentedomodocomosearticulaodiscursoargumentativode CreonteedeAntígona.ApalavradeTirésiasapontaparaalgoqueestáacima e,decertaforma,incluiosargumentosdospersonagensreferidos.Apalavra oracular pode também ser chamada de palavra pura por fazer abstração de qualquerproblemamoraloupolíticoe,justamenteportalabstração,consegue incluirtantooargumentodeCreontequantoodeAntígona.Taisproblemas –moraisepolíticos–seriam,então,aorigemdaoposiçãodosargumentosdos personagensdatrama.
Maspalavrapurafazaindaoutracoisaalémdaabstraçãodeproblemasmorais epolíticosenvolvidosnosargumentosouenunciados:
“‘apalavrapura’(ou‘linguagempura’)daprofeciaconstituiapalavrasuigeneris, quenãotransmiteapenasconteúdosdeterminados,mas,antesdetudo,umaespécie desuspensãodetodososconteúdos–uma‘cesura’rítmicaquepermitever,alémdas relaçõesincritasnoordenamentohierarquizadodasrepresentaçõessucessivas,outras ordenspossíveisentreosmesmoselementos.”(ROSENFIELD,2000,p.294)
Apalavraoracular,então,nãoapenasasseguraaconvergênciadoselementos particularesoudosconteúdosisolados,mas,oqueémaisimportante,suspende todososconteúdos–ouseja,elaprovocaumefeitodesuspenderosconteúdos dosargumentosdeAntígonaeCreonte–porqueela,comtalefeitodesuspensão, apontaparaestacesurarítmica,ouseja,essadimensãoqueuneeligasoboutra lógicaquealógicaapresentadapelosargumentospormeiodosseusconteúdos. Éestaoutralógicaparaaqualapalavrapuraapontaounaqualelasemoveque permiteverqueosmesmoselementosouconteúdospodemserdiferentemente ordenados.
Retomemosotextotrágicoparaexplicitardequemodoapalavraoudiscurso deTirésiasasseguraaconvergênciadoselementosparticulareseemquemedida ela permite a subsistência das contradições dos discursos argumentativos de CreonteeAntígonae,mesmoassim,osinclui.
deoutromodo,oembateemníveldosargumentosaparece,grossomodo,da seguinteforma:leisdoshomens(doladodeCreonte)versusleisdosdeuses (doladodeAntígona).Aparentemente,nãoháconciliaçãopossívelparaosar-gumentosdeAntígonaeCreonte.Noentanto,apalavradeTirésiasreordenaos elementosouconteúdos.
Tirésiassevaledaartedosáuguresjustamenteenquantovisaapontaralgo paraalémdosargumentosdeCreonteeAntígona.Algoqueestáalémeque inclui tais argumentos na medida que aponta para a necessidade de manter –enquantoaindaerapossível,istoé,antesdeAntígonasuicidar-se–e,depois, derestabelecerolimiteentreomundodosvivoseomundodosmortos.Com isso,oadivinhomarcaanecessidadedequesetratediferentementetaismundos eseusrepresentantes(deixandoosvivos,vivos,eenterrandoosmortos).Tal necessidadedelimiterepresenta(porissonolimitedacomunicaçãocorrente) amanutençãodetodososlimitesnecessáriosàmanutençãodavida,porisso nãosetrata(quantoànecessidadedeenterrarPolinices)propriamentedefazer obemouajustiça(argumentodeCreonte),nemdeserpiedoso(argumentode Antígona).Dessaforma,talconteúdo(oenterrodePolinices)aparece,apartir dapalavradeTirésias,soboutralógica.
Entendoque,assimcomofazapalavraoracular,apalavradoanalistatambém visaprovocarumefeitodesuspensãodoconteúdodosenunciadoscontidosna faladeumanalisante,namedidaqueapontaparaaenunciação,ouseja,para estaoutradimensão–inconsciente–quefuncionasoboutralógicaquealógica dosargumentos.
Alógicaparaaqualapontaouaqualvisaumaintervençãoanalíticaé,de acordocomateorialacaniana,alógicadosignificante.
“(...)estaVerschlungenheit,propriedadedeentrecruzamento(...).Verschlungenheitdesigna oentrecruzamentolingüístico–todoosímbololingüísticofacilmenteisoladoé nãosósolidáriodoconjunto,masrecorta-seeconstitui-segraçasaumasériede afluências,desobredeterminaçõesoposicionaisqueosituamsimultaneamenteem váriosregistros.”(LACAN,1953-1954/1986,p.79)
Asafluências,assobredeterminaçõesoposicionaiseasimultaneidadenos registrosdetodosímbololingüísticosedevemaestaestruturaarticuladado significanteemfonemasecadeia.
NaauladeLacandodia20denovembrode1957,constatamosqueasforma-çõesdesentidosãogeradasnumafalapelascombinaçõesdosignificante.Pormeio doelementodiferencialúltimodosignificante–ofonema–podemosapreender alinguagemnoníveldeumregistroelementar;“duplamentedefinido–como cadeiadiacrônicae,nointeriordessacadeia,comopossibilidadepermanente desubstituiçãonosentidosincrônico”(LACAN,1957-1958/1999,p.52).Está, assim,nessenívelfundamentalelementardasfunçõessignificantes–metonímia (cadeiadiacrônica)emetáfora(cadeiasincrônica)–apotênciaoriginalpresente emtodaaformaçãodesentido;presente,portanto,pelomenosempotência, emtodafalanosentidoestrito,istoé,nosentidopsicanalítico.
Portanto,osfonemas,enquantoelementosdiferenciaisúltimosdosignifi-cante,possibilitamestacesurarítmicaquepermiteveroutrasordenspossíveis entreosmesmoselementos,namedidaqueelespermitemqueosignificado recalcadoconsigaviràtonaouapareceremdiferentes,masemcertosentido repetidas,significações.
Acesurarítmicaaquiapresentadacomoumacaracterísticadapalavraoracular dizrespeitoaoquevemosaparecer,numapsicanálise,nafaladeumpaciente quando,porumefeitorítmiconasuafala,eleacentuaouisolaalgumfonema emespeciale,comisso,fazressoaroutrossentidosqueaquelequeintencional-mente(ouconscientemente)desejavacomunicar.
Seconsiderarmosqueessecontextomaisabrangentequeasseguraacoerên-ciaeconvergênciadeconteúdosisoladoséaoqueapalavraoracularremete, nocasodapalavradoanalista,enquantoapontaasrepetiçõesqueaparecemna cadeiasignificante,tambémremeteaumconteúdomaisabrangentee,nocaso, inconsciente.
classificacomoaparentes,pois,comojávimos,remetemaalgoqueasinclui. Esabemostambém,desdeFreud,quenãohácontradiçãonoinconsciente,que, noseuregistro,idéiasopostascoexistem.
Dessaforma,apalavradeTirésiastemoestatutodeoracularouépalavrapura quandoapontaparaCreonte,aindanaprimeirapartedeseuoráculo,queomal dacidadevemdoquererdeCreonte.ÉimportantesublinharqueTirésiasnão entranoníveldosargumentos,istoé,emmomentoalgumelefazumaanálise moral,legal,oupolítico-religiosa.Não.Tirésiasapontaparaadesmedidado quererdeCreonte,desmedidaestaquefezcomqueelepromulgasseumedito praticamente impossível de ser obedecido; isto porque Creonte agiu movido peloquererserrei,ouseja,peloquererserreconhecido,sobretudo,comoum reijustoquerespeitaasleisequerobemdetodos.
Oestatutodapalavrapura,portanto,édadoporessaoutralógicaqueul-trapassaalinhadosargumentosequereconhecemos,numapsicanálise,sera lógicadoinconscienteque,comosabemos,aparecenoatodefala.
Éassimquenessequererdesmedido,ele,queestavajustamentenaposição depoderefetuarasempredesejada–porquenuncasatisfeita–purificaçãode Tebas,acaba,maisumavez,porpoluirseuchão.Creonteassimofazporque nãorespeitaoslimitesentreosvivoseosmortos,ouolimiteentreoshomens, osdeusessubterrâneoseosdeusesolímpicos,umavezquenegasepulturaa ummorto,filhodacidade,edásepulturaaumapessoaviva.Éporissoque TirésiasinsistenanecessidadedeenterrarPolinices(SÓFOCLES,1965,v.1.016-1.030) bem como de libertar Antígona de sua prisão subterrânea (idem, v.1.068-1.071).
OessencialdasintervençõesdeTirésias,nosdizRosenfield,
“éofatoqueelassuspendemalógicaargumentativaeconceitualdosprotagonistas recorrendoaumadimensãomaisabrangentenaqualosenunciados,osgestoseas açõesdosprotagonistasencontram-seigualizados,surgindoasensaçãodequeeles poderiamagenciar-sesegundoumaoutrarelaçãodoqueaquelaqueaparecianos diálogosanteriores”.(ROSENFIELD,2000,p.297)
estaédaordemdodesejo,ouseja,daordemdossignificantesenãodaordem doenunciadooudodiscursoracional.
Lacanentende,seguindoaindicaçãodeFreuddatécnicadaatençãoflutuante ouequiflutuante,queumanalistadeveescutarigualmenteatodosossignificantes enãoprivilegiaralguns.
Dessaforma,umavezqueapalavradoanalistarecorreouremeteauma dimensãomaisabrangentedaqualparticipamindistintamentetodosossignifi-cantes,elaproduz–ouvisaproduzir–noanalisanteasensaçãodequeoutros agenciamentosseriampossíveisparaoconteúdoporelerelatado,ouseja,visa produziraberturasdesentido.
Comoapalavradoadivinhorecorreaumadimensãomaisabrangenteque a dos enunciados dos argumentos dos protagonistas, tal palavra não deduz nemconcluiapartirdeumdospressupostosdaargumentaçãoanterior,maso adivinho
“dáaveropontodefugaemqueseinsereos(significantesdos)interesseshumanos numcontextomaior,natotalidadecósmica(ou‘linguageira’)–na‘potênciada naturezaselvagem’,queé‘excêntrica’emrelaçãoaosinteresseshumanoseameaça levarohomememdireçãodoabismoda‘potêncianatural’ourumoao‘tempo torrencial’”.(ROSENFIELD,2000,p.299)
Apalavradoanalista,assimcomoapalavraoracular,deslindaainevitável relaçãoereferênciaaoOutronumatodelinguagem,ouseja,numafala.Elainsere osujeito,assim,nessarelaçãocomoOutroenquantotesourodossignificantes, logo,enquantototalidadelinguageiraqueantecedeeultrapassaosujeito.
ApontandoparaadesmedidadoeditoproclamadoporCreonte,Tirésiasestá apontandoparaodeinosquefoicantadopeloCoronohinoaohomem,istoé, eleapontaparaestemodoprópriodohomemser,aomesmotempo,maravilhoso eterrível,enquantoestaaudáciaouestadimensãoformidáveldohomemnos seusesforçoscivilizatóriospode,comomuitobemcolocaRosenfield,“tanto provocarresultadosbenéficos,comocausarconseqüênciascatastróficas–embora nenhumescrutíniopreliminarpermitaaoentendimentohumanopredizerasaí-da.Somenteotemporevelaráprogressivamenteovalordaconstelaçãoarriscada” (ROSENFIELD,2000,p.308).Comosabemos,ésomentedepois(après-coup)!
sobre-humano–queCreonteenterrassePolinices,bemcomoliberasseAntígona deseusepultamentoviva.Maselenãoconseguiureconheceralgodoseudesejo nalógicadossignificantestrazidaporTirésias;eleapenasconseguiutomaras palavrasdoadivinhocomoofensaeambição.Foiassimque,nofiodanavalha, Creonteimolou-se.
Recebidoem11/9/2006.Aprovadoem13/11/2006.
REFERÊNCIAS
ARISTÓTELES.(1999)“Poética”,inOspensadores,Aristóteles.SãoPaulo: EditoraNovaCulturalLtda.
ÉSQUILO. (1975) “Sete contra Tebas”, inTeatro completo. Tradução de VirgílioMartinho.Lisboa:EditorialEstampa.
LACAN,J.(1998)“Ainstânciadaletranoinconscienteouarazãodesde Freud”,inEscritos.RiodeJaneiro:JorgeZaharEditor.
.(1953-1954/1986)OSemináriolivro1,OsescritostécnicosdeFreud. Lisboa:PublicaçõesDomQuixote.
.(1957-1958/1999)OSemináriolivro5,Asformaçõesdoinconsciente. RiodeJaneiro:JorgeZaharEditor.
ROSENFIELD,K.H.(2000)Antígona–deSófoclesaHölderlin:porumafilosofia trágicadaliteratura.PortoAlegre:L&PM.
SÓFOCLES. (1965)A Antígone. Transcrição de Guilherme de Almeida. Petrópolis:Vozes.
HeloisaHelenaMarcon