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Brasil, 1979-1989 : uma década perdida?

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E ECONÔMICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ECONOMIA. JADIR PEÇANHA ROSTOLDO. BRASIL, 1979-1989: UMA DÉCADA PERDIDA?. VITÓRIA 2003.

(2) JADIR PEÇANHA ROSTOLDO. BRASIL, 1979-1989: UMA DÉCADA PERDIDA?. Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação em Economia do Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas da Universidade Federal do Espírito Santo, como requisito parcial para obtenção do Grau de Mestre em Economia. Orientador: Prof. Doutor Geraldo Antônio Soares.. VITÓRIA 2003.

(3) Dados Internacionais de Catalogação-na-publicação (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Espírito Santo, ES, Brasil). R839b. Rostoldo, Jadir Peçanha, 1967Brasil, 1979-1989 : uma década perdida? / Jadir Peçanha Rostoldo. – 2003. 139 f. : il. Orientador: Geraldo Antônio Soares. Dissertação (mestrado) – Universidade Federal do Espírito Santo, Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. 1. Brasil – História. 2. Brasil – Condições econômicas – 1979-1989. 3. Brasil – Condições sociais – 1979-1989. I. Soares, Geraldo Antônio. II. Universidade Federal do Espírito Santo. Centro de Ciências Jurídicas e Econômicas. III. Título. CDU: 33.

(4) JADIR PEÇANHA ROSTOLDO. BRASIL, 1979-1989: UMA DÉCADA PERDIDA?. Dissertação submetida ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Economia.. Aprovada em 11/07/2003 por:. Prof. Dr. Geraldo Antônio Soares – Orientador. Prof. Dr. Rogério Arthmar – UFES. Prof.ª Dr.ª Maria da Penha S. Siqueira – IH - ES.

(5) Aos meus pais, Jadyr e Alny, Pela vida e por me ensinarem a viver.. A Raquel, “Você caiu do céu.”.

(6) Agradecimentos Institucionais. Ao Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo, pela estrutura e pelo interesse em produzir conhecimento.. Ao Departamento de História da Universidade Federal do Espírito Santo, por trabalhar na formação de profissionais críticos e empenhados na busca de um país mais justo.. Ao Banco do Brasil, por apoiar seus funcionários em projetos de autodesenvolvimento.. À Fundação Ceciliano Abel de Almeida, pelo auxílio..

(7) Agradecimentos Especiais. Ao professor e orientador Geraldo Antônio Soares, pela serenidade, disposição e interesse.. Aos professores do Programa de Pós-Graduação em Economia da Universidade Federal do Espírito Santo, por conduzirem um historiador pelos caminhos da economia.. À minha “turma”: Felipe, Fernanda, Gustavo e Robert, pelo companheirismo.. À Ana Bizzo, pelo apoio e incentivo a todo o momento.. À família Faller pela hospitalidade..

(8) RESUMO. Analisa as transformações da sociedade brasileira, no período de 1979 a 1989, efetuando reflexões que levam a uma compreensão mais ampla da natureza dos problemas do País. A análise foi efetuada a partir de uma ótica multidisciplinar, questionando a expressão “Década Perdida” à qual o período é normalmente vinculado. Recupera a política econômica de 1955 a 1989. Descreve as expressões culturais, os movimentos sociais e o movimento sindical dos anos 1980, mostrando seu papel transformador. Discorre sobre o processo de redemocratização, desde a Anistia Política até as eleições diretas para presidente da República. Levanta os indicadores sociais do período, inclusive o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), e relaciona com o conceito de desenvolvimento humano. Conclui que, apesar da recessão econômica, a sociedade obteve ganhos em vários aspectos e o período pode ser considerado de mudanças e transformações, e não perdido.. PALAVRAS-CHAVE: Brasil, Anos Oitenta, Sociedade, Economia, História..

(9) ABSTRACT. Analyses the transformations of the Brazilian Society, from 1979 to 1989, making reflections that take to a wider comprehension of the country problems. The analysis was done through a multi-disciplinary view, questioning the expression “Lost Decade”, which the period is usually connected to. Recovers the economic politics from 1955 to 1989. Describes the cultural expressions, social movements and syndicalist movement of the 1980’s, showing their transforming action. Runs over about the redemocratization process, since the politic amnesty until the direct elections for President. Brings the social indicators of the period, including the Human Development Index (HDI) and its relation to the concept of human development. The conclusions show that even there was economic recession, the society had positive achievements in many aspects and the period can be considered as a period of changes and transformations, not lost.. KEY-WORDS: Brazil, Nineteen eighty’s, Society, Economic, History..

(10) SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO ............................................................................................... 9. 2. A ECONOMIA BRASILEIRA: DO PLANO DE METAS AO PLANO VERÃO, 1955-1989 ......................................................................... 12. 2.1. O CONTEXTO INTERNACIONAL ................................................................ 12. 2.2. DOS “CINQUENTA ANOS EM CINCO” AO II PLANO NACIONAL DE DESENVOLVIMENTO, 1955 a 1979 .............................................................. 20. 2.3. A ECONOMIA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1980 ................................ 36. 3. A SOCIEDADE EM MOVIMENTO: SUJEITO HISTÓRICO NA TRANSFORMAÇÃO SOCIAL DA DÉCADA DE 1980 ........................... 55. 3.1. CULTURA E EXPRESSÃO CULTURAL ..................................................... 55. 3.2. MOVIMENTOS POPULARES E SOCIAIS: A SOCIEDADE EM AÇÃO .... 71. 3.3. MOVIMENTO SINDICAL: DA ESTRUTURA OFICIAL À AÇÃO POLÍTICA ........................................................................................................ 81. 4. OS AVANÇOS POLÍTICOS, O RETORNO À DEMOCRACIA E O DESENVOLVIMENTO HUMANO NA “DÉCADA PERDIDA” ............ 96. 4.1. O CAMINHO PARA A DEMOCRACIA: DA ANISTIA POLÍTICA À CONSTITUIÇÃO DE 1988 .............................................................................. 96. 4.2. DESENVOLVIMENTO HUMANO E CRESCIMENTO ECONÔMICO .. 113. 5. CONCLUSÃO ............................................................................................... 132. 6. REFERÊNCIAS ............................................................................................. 135.

(11) 9. 1. INTRODUÇÃO. A década de 1980 no Brasil caracterizou-se por condições específicas que contribuíram para a construção do País que temos hoje, vivenciando processos de mudanças sociais, econômicas, culturais e políticas, ao mesmo tempo em que profundas transformações aconteceram nas relações entre o Estado e a Sociedade. A situação do País e as mudanças que ocorreram na condução de suas políticas em 1979 fazem desse ano um marco significativo da nossa história: não elegíamos nossos governantes, era uma época de governos militares, existia a censura da imprensa, proibição do pluripartidarismo político, restrições à exposição pública de idéias e, no contexto internacional, havia a Guerra Fria. Em contrapartida, quando olhamos para o ano de 1989, apesar do quadro de instabilidade, recessão, descontrole inflacionário e indefinição da política econômica, vemos outra realidade. Uma nova constituição tinha sido promulgada, existia liberdade política e de imprensa e a sociedade era ativa. O Brasil se transformou, e é esse processo de mudança que vamos analisar neste trabalho. Uma sucessão de experiências frustrantes na década de 1980 gerou um diagnóstico politicamente pessimista que, atrelado a interpretações economicistas, vinculou, de forma simplista, o destino da sociedade democrática ao da economia. A economia brasileira nesse período foi marcada por graves desequilíbrios externos e internos, caracterizando-se por uma estagnação prolongada, falta de sucesso no combate à inflação, incertezas quanto às renegociações externas, agravamento do desequilíbrio fiscal e indefinições da política industrial. Apoiados nesse diagnóstico, é comum a imprensa e alguns autores referirem-se aos anos 1980 como uma “Década Perdida”. Conceito construído a partir de aspectos.

(12) 10. macroeconômicos que sugerem uma visão restrita do desenvolvimento humano, vinculado unicamente ao econômico. O reducionismo da expressão não considera todas as variáveis e perspectivas da sociedade, levando-nos a questionar se as referências utilizadas para identificar a década como perdida são suficientes para comprovar essa situação. Os dados econômicos não podem ser determinantes para explicar a sociedade, pois dessa forma se desprezariam as relações sociais, políticas e a cultura, elementos essenciais para se compreender o sujeito histórico. O desenvolvimento de um país não é resultado apenas de políticas econômicas; os fatores extra-econômicos devem ser considerados. Não devemos simplesmente analisar dados econômicos isolados, mas situá-los e discuti-los para uma melhor compreensão. A idéia não é abandonar a perspectiva econômica, mas enxergá-la como mais uma variável para explicar a realidade, e não a variável determinante. O Estado e a sociedade brasileira têm como uma de suas preocupações centrais a economia: como fazer para que os empresários voltem a investir, como controlar a inflação, como melhorar as relações capital-trabalho, como promover o desenvolvimento, entre outras questões. Esses assuntos são relevantes, mas existem outros com a mesma magnitude que precisam ter a sua importância reconhecida, sob o risco de a sociedade não conseguir construir caminhos para solucionar seus problemas ou até mesmo compreendê-los. Nesse sentido, não podemos pensar o Brasil sem entender, necessariamente, todas as variáveis envolvidas. Nos anos 1980, a sociedade buscou, a partir da cultura e de suas formas de expressão, principalmente as artes, o cinema e a música, reagir à situação vigente. Demonstrou suas inquietações, preocupações e pretensões, refletindo as transformações que ocorreram. Os movimentos sociais e o movimento sindical também passaram por grandes mudanças, seja em sua organização, seja em suas reivindicações. Outro movimento essencial para se entender a década foi o processo de redemocratização que, partindo da campanha pela Anistia Política,.

(13) 11. chegou às eleições diretas para presidente da República. Essas variáveis vão fazer parte de nosso trabalho como elementos fundamentais para se entender o período, evitando, assim, uma visão restrita e amorfa. O período a ser analisado, 1979 a 1989, foi uma escolha pessoal, por entendermos que esses dez anos representam uma importante fase da história do País. Eles concentram o último Governo autoritário, 1979-1984, do general João Baptista de Oliveira Figueiredo, e o primeiro Governo de um presidente civil, José Sarney, 1985-1989, após o regime militar implantado em 1964. Não pretendemos, no entanto, erguer barreiras e isolar a análise, até porque uma pesquisa histórico-social-econômica não se sustentaria dentro dessa perspectiva. O objetivo da delimitação é metodológico, mas sempre mantendo uma visão global. A importância deste trabalho está em buscar compreender a mobilização e as transformações da sociedade brasileira, no período de 1979/1989, que influenciaram o futuro do País. Vamos revisitar o passado a partir de uma análise multidisciplinar, recuperando dimensões que vão revelar mudanças sociais e transformações nascidas na própria sociedade, a partir de uma dinâmica própria, independente, e não atrelada a um aspecto único: o econômico. O objetivo é efetuar reflexões que levem a uma compreensão mais ampla da natureza dos problemas da sociedade brasileira..

(14) 12. 2. A ECONOMIA BRASILEIRA: DO PLANO DE METAS AO PLANO VERÃO,. 1955-1989. 2.1. O CONTEXTO INTERNACIONAL. O século XX foi um período da história da humanidade em que ocorreram transformações sem precedentes: as revoluções sociais, a Guerra Fria, a preocupação com a natureza, os limites e o colapso do socialismo, o progresso dos países exportadores de produtos primários, entre outras, que mudaram a fisionomia do mundo. Hobsbawm (1995) chamou essa época de “Breve Século XX” e formatou sua estrutura em. três períodos. históricos: a Era de Catástrofe, que vai de 1914 até o final da Segunda Guerra Mundial; a Era de Ouro, que se estende até o início da década de 1970; e as Décadas de Crise, os anos 1980 e início dos 1990, que pontuaram o fim do século. A Era de Catástrofe, que durou cerca de quarenta anos, foi abalada por duas guerras mundiais, rebeliões e revoluções globais, que levaram os impérios coloniais do século XIX a se desmancharem. Foi também uma época de crise econômica mundial sem precedentes, que abalou todas as economias capitalistas, inclusive a dos Estados Unidos da América (EUA). Nesse contexto, as democracias liberais foram diretamente afetadas, dando espaço para toda sorte de movimentos e regimes autoritários. Esse ponto identifica um dos momentos mais críticos e contraditórios do século XX, quando uma aliança entre o capitalismo liberal e o comunismo, sempre antagônicos, foi necessária para enfrentar a Alemanha e possibilitar a sobrevivência democrática. Sendo assim, ajudado por seu maior inimigo, o capitalismo global sobreviveu à depressão, ao fascismo e à guerra. A Era de Ouro, 1947-73, representou, tanto em escala quanto em impacto, uma extraordinária transformação econômica, social e cultural nas sociedades. Foram mudanças.

(15) 13. profundas e irreversíveis, que afetaram todo o planeta. Um período de extraordinário crescimento econômico e transformação social, que provocou mudanças profundas e nunca vistas antes na sociedade humana em tão curto espaço de tempo. Em seguida, chegamos ao que Hobsbawm (1995) chama de Décadas de Crise, um período de crise que afetou todo o mundo, em conseqüência da economia mundial única, integrada e universal, criada na Era de Ouro. Iniciou-se um período de problemas de longo prazo, que lembravam os tempos do entreguerras: desemprego em massa, depressões cíclicas severas, profunda desigualdade social, Estados com problemas econômicos e o socialismo em colapso. O último período voltou a demarcar uma era de decomposição, incertezas e crise. Gray (1999) também efetuou uma importante análise do século XX. Para ele o mercado livre, ou seja, a política do laisser-faire, predominou de meados do século XIX até a Primeira Guerra Mundial, quando foi substituído por uma política econômica propensa a utilizar os poderes do Estado para moderar os efeitos das forças de mercado, diminuir a pobreza e promover o bem-estar social. Surgia a política do welfare state, que só se firmou após o horror dos colapsos econômicos e das ditaduras que resultaram na Segunda Guerra Mundial. As diretrizes do laisser-faire tiveram um retorno problemático à vida política durante as décadas de 1980 e 1990, quando, devido à queda da produtividade e aos conflitos sociais e industriais na Inglaterra, ocorreu a intervenção do Fundo Monetário Internacional (FMI) 1 na economia daquele país, em 1976. Essa intervenção minou a política de bem-estar social até então vigente e levou ao poder Margaret Tatcher, 2 em 1979, que se tornou referência mundial do livre mercado. Suas políticas de desregulamentação e submissão ao mercado foram reproduzidas em todo o mundo.. 1. Entidade internacional que socorre países com problemas em sua economia, desde que esses países adotem suas diretrizes e orientações. 2 Primeira-ministra britânica, conhecida como “Dama de Ferro”..

(16) 14. As análises de Hobsbawm (1995) e Gray (1999) sobre o século XX apontam. um. período de transformações e mudanças fundamentais para a sociedade humana. O primeiro com uma visão histórica do “Breve Século”, segmentado a partir de eventos históricos que afetaram a todos, e o segundo com uma visão econômica do caminho do capitalismo e da influência do mercado no contexto internacional. Apesar dos focos diferenciados, os autores concordam em alguns aspectos, e aqui vamos abordar um deles: a especificidade do período pós-Segunda Guerra Mundial. O objetivo não é efetuar uma discussão profunda, eliminando todas as dúvidas e questionamentos, mas conhecer a dinâmica do mundo nesse período e seus fatos históricos mais relevantes, o que nos parece essencial para contextualizar o real objeto de análise neste trabalho, a década de 1980 no Brasil. A segunda metade do século XX ficou marcada pelo permanente conflito entre duas superpotências mundiais que emergiram a partir da Segunda Guerra Mundial, os Estados Unidos e a União das Repúblicas Socialistas Soviéticas (URSS). A chamada Guerra Fria se sustentou na possibilidade de ocorrer uma guerra nuclear global, na qual a humanidade seria devastada. Segundo Hobsbawm (1995), não existiu um perigo iminente de guerra mundial, pois os países dominantes aceitaram a distribuição de forças realizada no fim da Segunda Guerra, fazendo com que a situação permanecesse relativamente estável até meados da década de 1970. As superpotências trabalharam para resolver suas disputas sem choques abertos entre suas Forças Armadas, mantendo a idéia de que a coexistência pacífica era possível a longo prazo. Para Hobsbawm (1995), a Guerra Fria afetou o contexto internacional, basicamente, em três aspectos. Primeiramente, eliminou todos os conflitos e rivalidades da política mundial que existiam antes da Segunda Guerra, exceto entre EUA e URSS. Isso foi possível pelo desaparecimento de alguns impérios coloniais do pré-guerra (França, Inglaterra, Holanda etc), que acabou com a luta pelo domínio de territórios, e pelo deslocamento das ex-potências para.

(17) 15. o segundo ou terceiro plano da política mundial, pois perderam sua autonomia e se tornaram dependentes das superpotências. Em segundo lugar, imobilizou a situação mundial em torno do poder, da influência política e da lógica da bipolaridade entre EUA e URSS. A Alemanha dividida é um bom exemplo dessa situação. E em terceiro lugar, provocou o armamento do mundo em um grau nunca visto. Os países precisavam se preparar para uma guerra que poderia acontecer a qualquer momento, o que resultou em um mercado de armas volumoso e ativo. Durante a história da humanidade, as guerras foram travadas por conflitos territoriais e dinásticos, por hostilidades religiosas e étnicas e por interesses econômicos divergentes de Estados soberanos. Somente durante os quarenta anos da Guerra Fria houve uma alteração nessa afirmativa e as diferenças ideológicas foram as principais motivadoras. Gray (1999) argumenta que o conflito global foi uma disputa entre duas ideologias iluministas, 3 o liberalismo e o marxismo soviético, que se originaram na civilização ocidental. Dessa forma, a dita Guerra Fria, entre o comunismo soviético e a democracia liberal, não foi um conflito entre o Ocidente e o resto do mundo, mas “[...] uma briga familiar entre ideologias ocidentais” (GRAY, 1999, p. 135). A derrota soviética não representou uma vitória incondicional da democracia liberal e não proporcionou uma aceitação global de suas instituições e valores, mas levou à ruína o comunismo soviético e o relacionamento daquele país com os demais países do mundo. O conflito político, diplomático, econômico e ideológico, que marcou o período pósSegunda Guerra, foi uma luta pela hegemonia mundial entre os EUA e a URSS que gerou conseqüências em várias partes do mundo. Fusfeld (2001) relata alguns desses acontecimentos que foram importantes para definir o rumo de toda a humanidade. A Europa. 3. Ideologias que lutavam por uma civilização global, universal, sob seu domínio..

(18) 16. Ocidental, ligada aos EUA, recebeu apoio do Programa de Recuperação Econômica (Plano Marshal), em 1947, para se recuperar da guerra, e passou a estar com sua defesa garantida pela Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN), criada em 1949. Por outro lado, a Europa Oriental, vinculada a URSS, recuperou-se economicamente por meio dos programas de planificação econômica, e também criou uma organização para se proteger, a Organização do Tratado de Varsóvia, em 1955. Em 1948, a Coréia foi dividida em duas nações independentes, a do Sul, vinculada aos EUA, e a do Norte, à URSS. A Coréia do Norte invadiu a do Sul e provocou a Guerra da Coréia (1950-1953) que ratificou a disputa entre as duas superpotências pela hegemonia mundial. A guerra do Vietnã (1961-1973), travada também num país dividido entre Norte e Sul, em 1954, teve a contundente intervenção dos EUA, que não conseguiram eliminar o Governo comunista do Norte, que manteve o controle do País unificado. O caso dos mísseis nucleares soviéticos instalados em Cuba, em 1962, também foi marcante. Em retaliação à instalação de mísseis nucleares americanos na Turquia, a URSS plantou suas armas nucleares em Cuba, provocando a reação americana pelo bloqueio naval ao País vizinho. A situação foi resolvida com negociações, demonstrando que os EUA e URSS chegaram à conclusão de que a formalização de acordos era melhor do que uma guerra nuclear. Analisando os acontecimentos da Guerra Fria, fica evidente a disputa mundial pelo poder, porém com certos limites. Os conflitos, tanto ideológicos quanto militares, foram resolvidos de forma a evitar um retorno à Guerra Global, pois as recordações da sociedade e do Governo em relação as duas Guerras Mundiais ainda estavam muito presentes, assim como suas conseqüências. É claro que a Guerra Fria teve seus momentos “quentes”, mas todos foram conduzidos para que a solução ocorresse mediante acordos ou tratados. O período que vai dos anos 1950 aos anos 1970 ficou conhecido como “Os Trinta Anos Gloriosos” para os franceses e a “Era de Ouro” para os anglo-americanos, quando o.

(19) 17. mundo do capitalismo desenvolvido passou por uma excepcional fase de prosperidade. Analisando o período, Hobsbawm (1995) sustenta que os EUA continuaram seu crescimento dos anos de guerra, e os países da Europa e o Japão atingiram, já em 1950, o mesmo nível econômico do pré-guerra. Durante todo o período, essas regiões representaram cerca de três quartos da produção do mundo, e mais de 80% das exportações manufaturadas mundiais. No entanto, o crescimento foi um fenômeno mundial. Apesar da desigualdade na distribuição da riqueza gerada, não ocorreu fome endêmica e a produção em massa de alimentos cresceu mais rapidamente que a população em todas as regiões do mundo. O setor industrial também se expandiu, ocorrendo revoluções industriais em países, como a Espanha e a Finlândia, e o surgimento de expressivos setores industriais em países originariamente agrícolas, como a Bulgária e a Romênia. Resumindo, a economia mundial cresceu a uma taxa explosiva: a produção mundial de manufaturas quadruplicou entre 1950 e o início de 1970; o comércio mundial desses produtos aumentou dez vezes; a produção agrícola mundial se expandiu baseada na produtividade e não no cultivo de novas terras, fazendo com que a produção de grãos por hectare quase duplicasse entre 1950/52 e 1980/82, e mais que duplicasse na América do Norte, Europa Ocidental e Leste Asiático; e as indústrias de pesca mundial triplicaram suas capturas (HOBSBAWM, 1995). A reestruturação do capitalismo e o avanço na internacionalização da economia foram fundamentais para o grande crescimento da “Era de Ouro”, argumenta Hobsbawm (1995). As mudanças no capitalismo produziram uma economia mista e os Estados passaram a planejar e administrar a modernização econômica. O compromisso político com o pleno emprego e a diminuição da desigualdade social fizeram com que a demanda aumentasse. A internacionalização da economia multiplicou a capacidade produtiva da economia mundial, gerando uma divisão de trabalho internacional mais elaborada e sofisticada..

(20) 18. O crescimento econômico mundial pós-Segunda Guerra foi incomparável. Capitaneados pelos EUA, que continuaram seu crescimento do período da guerra, a Europa Ocidental se recuperou, 4 a Europa Oriental voltou a crescer acompanhando a economia soviética, o Japão se tornou a terceira potência industrial mundial e várias nações subdesenvolvidas atingiram o status de nações em desenvolvimento, inclusive o Brasil. Fusfeld (2001) relata as razões mais importantes desse avanço: o forte investimento nos setores de eletrônicos, plásticos, energia atômica e transportes motorizados, que criou oportunidades econômicas em diversas áreas; o investimento maciço em pesquisa pelas empresas privadas e públicas, que trouxe um novo dinamismo ao sistema econômico; a importância do consumidor que, com uma renda melhor, passou a ser o maior responsável pela determinação do nível e da composição da atividade econômica; e os grandes gastos governamentais em armamentos e defesa, que provocaram investimentos maciços em tecnologia e grandes oportunidades para as empresas se expandirem. Furtado (1981, p. 97-98), argumenta que o. [...] formidável processo de transformação ocorrido no período, foi resultado de quatro linhas de força. A primeira delas foi a crescente integração dos mercados dos países industrializados, sob o domínio político e militar dos EUA, que permitiu a intensificação da concentração do poder econômico e que se formasse centros de decisão em âmbito transnacional, onde as empresas passaram a ter maior autonomia de ação em relação aos Estados Nacionais. Em segundo lugar ocorreu um considerável avanço da acumulação em amplas áreas fora do sistema capitalista, baseado, principalmente, nos avanços tecnológicos. Outra força determinante foi a corrida armamentista, que impulsionou o progresso tecnológico sustentado por orçamentos militares vultosos; e, em quarto lugar a emergência na esfera política internacional dos países chamados de Terceiro Mundo, que passaram a tomar consciência de sua situação de dependência, e da necessidade de lutar contra a estrutura do poder mundial vigente.. Em suma, para o autor, os ingredientes mais importantes para se entender a história desse período foram a luta pelo poder em escala mundial entre os EUA e a URSS e a forma 4. Com a injeção de U$ 12.000.000 do Plano Marshal..

(21) 19. dessa luta pela corrida armamentista apoiada na inovação tecnológica. Justifica, dessa forma, as grandes transformações: a ascensão das empresas transnacionais, as frustrações das experiências socialistas, a emergência do Terceiro Mundo e a crise do sistema capitalista a partir de meados da década de 1970. Construídos sob a influência de acontecimentos históricos fora do comum, 5 os trinta anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra foram ímpares na história da humanidade. Para Hobsbawm (1995, p. 281), foi a época da “[...] mais impressionante, rápida e profunda revolução nos assuntos humanos de que a história tem registro”.. O campesinato diminuiu enormemente e quase se extinguiu, conseqüentemente o mundo se tornou urbano com migrações maciças para as cidades; a educação secundária e superior, juntamente com a primária, passaram a ser exigência básica, provocando um aumento considerável no número de universidades e tornando possível a mobilização social e política dos estudantes; a classe operária, apesar de todas as mudanças tecnológicas, manteve seu espaço na sociedade; e as mulheres entraram decisivamente na vida econômica, social e política do mundo.. Não há dúvida de que o quarto de século que se seguiu à reconstrução pósSegunda Guerra Mundial foi um período de prosperidade e expansão sem precedentes para a economia mundial. Entre 1950 e 1975, a renda per capita nos países em desenvolvimento teve um aumento médio de 3% ao ano, acelerando-se de 2% na década de 1950 para 3,4% na seguinte. Essa taxa de crescimento, historicamente sem precedentes nesses países, ultrapassou a que fora alcançada pelos países desenvolvidos em sua fase de industrialização [...]. Nos próprios países desenvolvidos, [...] o PIB e o PIB per capita cresceram quase duas vezes mais depressa do que em qualquer período anterior, desde 1820. A produtividade do trabalho aumentou duas vezes mais depressa do que em qualquer época e houve uma aceleração extraordinária na taxa de crescimento do estoque de capital. O aumento desse estoque representou uma explosão de investimentos, de duração e vigor sem precedentes históricos (GLYN et al., apud ARRIGHI, 1996, p. 307).. 5. Guerra Fria, internacionalização da economia, busca do pleno emprego, avanço tecnológico, fortalecimento do Terceiro Mundo etc..

(22) 20. Acompanhando a análise de Arrighi (1996), mais uma vez identificamos as grandes mudanças e transformações do período. Entre 1950 e 1960, o capital excedente foi reinvestido no comércio e na produção de mercadorias com uma velocidade e alcance nunca vistos anteriormente, provocando uma enorme expansão do sistema capitalista mundial. No entanto, entre 1968 e 1973, os recursos passaram a se direcionar para o sistema financeiro europeu, materializados em depósitos no mercado de eurodólares ou de eurodivisas. 6 Esse movimento do capital fez com que os EUA, em 1971, abandonassem o padrão de câmbio ouro-dólar, 7 e, em 1973, substituíssem o regime de taxa de câmbio fixo pelo de taxa de câmbio flutuante, 8 no que foram acompanhados por todos os outros bancos centrais dos países desenvolvidos. Essa mudança afetou toda a economia mundial, pois os países passaram a manipular as taxas de câmbio de suas moedas e as taxas de juros, objetivando atrair ou repelir capitais. Do outro lado, os países com empréstimos baseados em taxas fixas de juros viram suas dívidas chegarem a valores exorbitantes. Dessa forma, reconhecemos a importância do período para o entendimento dos caminhos trilhados pela humanidade, pois a ordem mundial foi afetada e isso ficaria claro a partir da década de 1980.. 2.2. DOS “CINQUENTA ANOS EM CINCO” AO II PLANO NACIONAL DE. DESENVOLVIMENTO - 1955 A 1979. A economia brasileira, entre o Governo de Juscelino Kubitshek (1955-1961) e o Governo do general Ernesto Geisel (1974-1979), viveu um período de crescimento intercalado por recessões e descontrole financeiro, enquanto o País passava por um. 6. São depósitos em dólares efetuados em bancos europeus por países de todo o mundo e pelas corporações americanas, motivados pela busca de segurança e melhores ganhos financeiros. 7 A cotação do dólar era garantida pela quantidade de ouro que o país possuía. 8 A taxa de câmbio deixou de ser definida pelo Governo (fixa) para flutuar de acordo com o mercado..

(23) 21. conturbado momento político e social. Vejamos, então, como esse contexto foi entendido a partir de diferentes interpretações. A segunda metade da década de 1950 demarcou um período em que o Governo brasileiro depositou todas as suas esperanças em uma política de desenvolvimento planejada pelas ações definidas no Plano de Metas, que representava o conjunto de investimentos para o Brasil crescer “50 anos em 5”, como desejava o então presidente Juscelino Kubitshek. O Plano de Metas foi um plano de desenvolvimento que priorizou cinco áreas principais: energia, transporte, alimentação, indústrias de base e alimentação, além da construção da nova Capital Federal no Centro-Oeste, Brasília.. TABELA 1 - BRASIL: Plano de Metas. Estimativas do Investimento Total 1957-1961 (bilhões de Cr$). Energia Transporte Alimentação Ind. Básica Educação Total. Investimento interno 110,0 75,3 4,8 34,6 12,0 236,7. Investimento externo 69,0 46,6 10,5 59,2 185,3. Total. % 179,0 121,9 15,3 93,8 12,0 422,0. 42,4 28,9 3,6 22,3 2,8 100,0. Fonte: Conselho de Desenvolvimento, adaptada de Orenstein e Sochaczewski, 1989, p. 177. Os setores de energia e transporte foram os que receberam maiores investimentos, seguidos da indústria de base (TABELA 1). A melhoria da infra-estrutura e a diminuição das importações eram os objetivos que norteavam as ações e seriam atingidos a partir de algumas metas principais, tendo o setor público como maior financiador. Orenstein e Sochaczewski (1989, p. 178) sintetizaram assim as metas:.

(24) 22. • • • • • • • • •. Energia elétrica: elevar a capacidade geradora de 3,2 milhões de kw em 1955 para 5,2 milhões de kw em 1960 e iniciar obras que assegurassem um aumento de 3,6 milhões de kw no período de 1961-1965; Carvão: aumentar a produção de 2,1 milhões de ton. em 1955 para 3,1 milhões de ton. em 1960; Petróleo: aumentar a produção de 6.000 barris/dia em 1960; Ferrovias: além do reaparelhamento do material rodante, o plano previa a construção de 3.110 km de linhas sobre um total de 37.000 km; Rodovias: construção de 13.000 km e pavimentação de 5.800 km; Siderurgia: elevar a produção de aço bruto de 1,2 milhão ton. em 1955 para 2,3 milhões em 1960 e iniciar obras para alcançar 3,5 milhões em 1965; Cimento: aumentar a produção de 3,6 milhões de ton. em 1955 para 5 milhões de ton. em 1960; Indústria automobilística: instalar a indústria e produzir em 1960 um total de 170.000 veículos com índice de nacionalização de 90% para caminhões e caminhonetas e 95% para automóveis; Indústria mecânica e de material elétrico pesado: subsetores a serem estimulados – material elétrico pesado, máquinas operatrizes, máquinas e equipamentos para indústrias diversas, caldeiras e outros equipamentos pesados.. Para os autores, a execução das ações do Plano de Metas levou a um crescimento, no período de 1957-1961, de 8,2% na taxa anual do PIB, o que elevou para 5,1% ao ano a renda per capita.. As metas, apesar de não terem sido cumpridas totalmente, alcançaram índices muito bons, porém a inflação média atingiu 22,6%, resultado do financiamento inflacionário do plano baseado no aumento de lucros, no aumento da tributação nominal e diferencial e na emissão de moeda. A política econômica do Governo desenvolvimentista de Juscelino seguia a regra de que economias subdesenvolvidas só teriam condições de se industrializar mantendo um nível de inflação controlável, e não pelo controle monetário ou dos preços. O Plano de Metas, segundo Singer (1977), resultou em um incremento dos setores de bens de capital em detrimento dos setores de bens de consumo não duráveis, o que fez com que as importações de bens de capital aumentassem, tendo em vista a carência do País em relação aos meios de produção utilizados nessa indústria. A importação de bens de capital passou de US$ 302,7 milhões em 1956 para US$ 599,8 milhões em 1959, enquanto a amortização dos empréstimos estrangeiros passou de US$ 87 milhões em 1955 para US$ 297.

(25) 23. milhões em 1959, e o pagamento de juros de US$ 48 milhões em 1955 para US$ 89 milhões em 1959. Continuando sua análise, Singer (1977) argumenta que o foco do Plano era fomentar o desenvolvimento da indústria de produção de bens duráveis, porque, segundo o Governo, era o setor que apresentava maior projeção de demanda. Parte dos recursos para financiar os projetos foram gerados a partir de déficits no orçamento do Governo, cobertos pela emissão de moedas. A partir de uma política monetária flexível, o Estado, devido à inflação, passou a provocar uma poupança forçada e alterações da demanda, que se deslocou de bens semiduráveis e não duráveis para bens duráveis. Por outro lado, uma grande parcela dos investimentos foi feita por meio do capital estrangeiro, principalmente por multinacionais, que procuravam novos destinos após a reconstrução da Europa. As multinacionais, devido aos benefícios que lhes eram concedidos pelo Governo, passaram a dominar grande parcela da economia brasileira, uma verdadeira desnacionalização. Ao mesmo tempo que contribuíram para o progresso tecnológico e organizacional do Brasil, aprofundaram a dependência internacional do capital e da tecnologia. O desenvolvimentismo do Governo JK não retirou o Brasil dos trilhos da dependência internacional. A política de abertura ao capital estrangeiro obteve grande êxito por ter sido implantada após a recuperação das economias européias dos efeitos da Segunda Guerra. Dessa forma, um grande volume de recursos foi direcionado para as economias em fase de industrialização, que era o caso do Brasil. A industrialização brasileira passou, então, a estar subordinada ao “[...] movimento do capital internacional [...]” (SINGER, 1977, p. 48), sofrendo as conseqüências de sua expansão e retração, mas, como argumenta o autor, apenas 20% do capital estrangeiro foi destinado a investimento, os outros 80% eram empréstimos que incrementaram a dívida externa e o déficit no balanço de pagamentos do País, além da inflação (TABELA 2)..

(26) 24. TABELA 2 - DESEMPENHO ECONÔMICO-FINANCEIRO DO GOVERNO JK (1956-1960). Ano 1955 1956 1957 1958 1959 1960. Milhões de dólares PIB (%) Inflação (%) Dívida externa Balanço pagamentos 8,8 12,15 1.445 2,9 24,54 2.694 194 7,7 6,96 2.658 - 180 10,8 24,40 3.069 - 253 9,8 39,42 3.392 - 154 9,4 30,46 3.907 - 410. Fonte: IBGE, Banco Central do Brasil e Folha de São Paulo, adaptada de Brum, 1999, p. 240. Brum (1999) argumenta que a crescente demanda por bens duráveis foi fomentada por uma pequena parcela da sociedade, o que levou a uma concentração espacial e privada da propriedade, da riqueza, do capital e da renda. Para o autor, esse processo proporcionou a estruturação do mercado nacional, tendo em vista a concentração da produção em determinada região do País e sua distribuição para todas as outras, exigindo a ampliação e aperfeiçoamento da infra-estrutura nacional: geração de energia, modernização das comunicações e melhoria dos transportes. O modelo de desenvolvimento estava voltado para o crescimento acelerado, acima dos padrões históricos, objetivando atingir o nível de industrialização e renda dos países desenvolvidos, tendo como principal indutor o Estado. Analisando a questão de desenvolvimento-subdesenvolvimento, Brum (1999) demonstra que, na década de 1950, predominava a visão de que o subdesenvolvimento era resultado, simplesmente, de um atraso no ritmo do crescimento econômico. O desenvolvimento significava somente crescimento econômico. Sendo assim, acelerando o ritmo do crescimento, chegava-se ao desenvolvimento e dessa forma se justificava a opção econômica adotada pelo Governo. Com o passar do tempo, essa concepção adquiriu uma dimensão mais ampla, incluindo não só aspectos quantitativos e econômicos, mas também sociais, políticos e culturais. Então, desenvolvimento passou a ser entendido como a melhoria.

(27) 25. [...] da qualidade de vida, bem-estar, equilíbrio social, segurança, solidariedade e felicidade das pessoas e da sociedade. Um processo endógeno, desejado, induzido, contínuo e auto-sustentado de mudança e aperfeiçoamento social, em todos os aspectos da vida, assumido, construído e usufruído participativamente por todos os membros da sociedade (BRUM, 1999, p. 232).. Tavares (1979) defende que o período de 1956 a 1961 foi o de ritmo de desenvolvimento mais acelerado no Brasil até então, com o aprofundamento do processo de substituição de importações que se caracterizou por dois fatores: o aumento da participação direta e indireta do Governo nos investimentos; e a entrada de capital estrangeiro privado e oficial para financiar certos setores. A autora lembra, porém, que esse desenvolvimento teve um considerável custo social, o agravamento das pressões inflacionárias e das desigualdades regionais, que produziu uma economia dual na qual existia. [...] um ‘setor’ capitalista dinâmico que cresce rapidamente empregando relativamente pouca gente, com alto nível comparativo de produtividade, e de um ‘setor’ subdesenvolvido no qual se concentra a maior parte da população que se mantém praticamente à margem do processo de desenvolvimento (TAVARES, 1979, p. 110).. Analisando o Plano de Metas, Oliveira (1977) defende que ele marcou uma mudança fundamental na economia brasileira: alterou seu padrão de acumulação, redefiniu o papel do Estado e de suas relações com a sociedade civil e alterou a relação de forças políticas existentes. Essa mudança levou o País a viver déficits em seu balanço de pagamentos diferentes daqueles gerados pela ineficiência da exportação de produtos. Eles se expressam. [...] na contradição entre uma industrialização voltada para o mercado interno mas financiada ou controlada pelo capital estrangeiro e a insuficiência de geração de meios de pagamento internacionais para fazer voltar à circulação internacional de capitais a parte do excedente que pertence ao capital internacional (OLIVEIRA, 1977, p. 87)..

(28) 26. Rego e Marques (2000) confirmam essa idéia, argumentando que o controle externo da estrutura produtiva do Brasil, na segunda metade da década de 1950,. demonstra uma. contradição: ao mesmo tempo em que o Plano de Metas impedia a entrada de produtos similares aos nacionais, objetivando diminuir as importações, liberava, sem restrições, a entrada de capital estrangeiro. Isso mudou a dependência externa do País, pois de fornecedor de produtos básicos e matérias-primas passou a dependência financeira e tecnológica. O que realmente marcou a mudança na economia brasileira na segunda metade da década de 1950, segundo Mendonça (1990), foram as novas modalidades de financiamento. O Brasil passou a conciliar a empresa estrangeira com a dinâmica industrial nacional. Os projetos de desenvolvimento nacional autônomos foram abandonados e a economia internacionalizada, por meio de empréstimos e investimentos diretos externos. O Plano sustentou o crescimento industrial com o capital privado estrangeiro, o capital privado nacional e o capital estatal, respectivamente responsáveis pelo setor de bens de consumo duráveis, setor produtor de bens de consumo e setor de bens de produção. No final da década de 1950, o balanço de pagamentos do País refletia a conjuntura do Plano de Metas, estava desequilibrado devido ao aumento dos custos do capital estrangeiro e à deterioração das relações de troca. Outro problema era a taxa de inflação, que apresentava crescimento constante. Nesse contexto, o crescimento continuou até 1962, quando o ritmo de crescimento industrial caiu, levando o País a um período de crise que durou até 1967. Segundo Rego e Marques (2000, p. 101), a crise de 1962. Tratou-se efetivamente de uma crise cíclica, agravada pelo aumento da instabilidade política e pelas políticas de estabilização recessivas, como o Plano Trienal [1961], num primeiro momento, e o próprio PAEG [Plano de Ação Econômica do Governo], a partir de 1964. Some-se a isso o fato de que era uma economia que se industrializara mantendo enorme dependência com relação ao setor externo, o que provocava frequentes crises cambiais.. Para Abreu (1989), a política econômica adotada no curto Governo de Jânio Quadros,.

(29) 27. que renunciou em agosto de 1961, objetivou o controle da inflação e da dívida externa, desvalorizou o câmbio e renegociou a dívida, reescalonando os pagamentos e obtendo novos empréstimos. A tentativa de estabilização da economia foi abandonada com a renúncia do presidente e a crise política que o Brasil passou a enfrentar. A crise política, que envolveu a posse do vice-presidente, 9 levou à adoção do regime parlamentarista no Brasil, entre setembro de 1961 e janeiro de 1963. Nesse período, nenhuma política econômica reformadora ou inovadora foi adotada, mantendo-se ações com o objetivo de conter a inflação e estabilizar as contas externas. O Brasil retornou ao regime presidencialista em 1963, e a equipe econômica continuou a luta contra a deterioração externa e a aceleração inflacionária por meio do Plano Trienal, que foi desenvolvido sob a coordenação de Celso Furtado. 10 Com um diagnóstico ortodoxo, segundo Abreu (1989), o Plano baseou-se na premissa de que a aceleração inflacionária era resultado do excesso de demanda via gasto público, que deveria ser resolvido. No entanto, os resultados não foram positivos e o novo plano de estabilização fracassou mais uma vez, os preços industriais aumentaram 8% em junho, assim como, nesse mesmo mês, o déficit das contas públicas atingiram 30% das despesas do Governo, a taxa de crescimento do PIB despencou de 6,6% em 1962 para 0,6% em 1963, fazendo com que o Brasil entrasse em um período de recessão econômica. A partir de 1964, o País passou a viver sob um regime militar, que manteve um discurso desenvolvimentista priorizando o crescimento econômico. O País buscou a normalização do relacionamento com os organismos internacionais e, segundo Rego e Marques (2000), aprofundou a política dependente do Governo JK. O regime militar aproximou-se dos países capitalistas desenvolvidos, principalmente os Estados Unidos, e adotou uma política dependente do capital externo, abrindo a economia brasileira às 9. João Goulart. Ministro extraordinário para assuntos do desenvolvimento econômico.. 10.

(30) 28. multinacionais. Como resultado imediato, a dívida externa cresceu aceleradamente, o que marcaria os rumos da economia nacional. O plano de estabilização, implantado pelo novo Governo, a partir de novembro de 1964, ficou conhecido como Programa de Ação Econômica do Governo (PAEG) e visava à redução da inflação com a manutenção do crescimento econômico. Resende (1989, p. 213214), citando o próprio plano, apresenta-nos alguns de seus principais objetivos:. • • • • •. Acelerar o ritmo de desenvolvimento econômico interrompido no biênio 1962/1963; Conter, progressivamente, o processo inflacionário, durante 1964 e 1965, objetivando um razoável equilíbrio de preços a partir de 1966; Atenuar os desníveis econômicos setoriais e regionais, assim como as tensões criadas pelos desequilíbrios sociais, mediante melhoria das condições de vida; Assegurar, pela política de investimentos, oportunidades de emprego produtivo à mão-de-obra que continuamente aflui ao mercado de trabalho; Corrigir a tendência a déficits descontrolados do balanço de pagamentos, que ameaçam a continuidade do processo de desenvolvimento econômico, pelo estrangulamento periódico da capacidade de importar.. Segundo Resende (1989), o sucesso da política estabilizante do PAEG só foi possível porque, ao mesmo tempo, foram implementadas reformas institucionais. Essas reformas foram direcionadas para três áreas: a desordem tributária; as deficiências de um mercado financeiro subdesenvolvido e a inexistência de um mercado de capitais; e as ineficiências e as restrições ligadas ao comércio exterior. As políticas e ações do Governo deram resultado e o País conseguiu uma relativa estabilização e redução da inflação, plantando a semente de um período de crescimento econômico que viria a seguir. A política econômica brasileira, de 1967 a 1973, esteve sob o comando do poderoso ministro da Fazenda do Governo Costa e Silva e Médici, Antônio Delfim Netto, e foi explicitada a partir do Programa Estratégico de Desenvolvimento (PED). Syvrud (apud LAGO, 1989, p. 235) descreve os objetivos do Plano:.

(31) 29. [...] busca do crescimento econômico promovido pelo aumento de investimentos em setores diversificados; diminuição do papel do setor público e o estímulo a um maior crescimento do setor privado; incentivos à expansão do comércio exterior, e uma elevada prioridade para o aumento da oferta de emprego e outros objetivos sociais, ou seja, a aceleração do desenvolvimento e a contenção da inflação.. Essas metas eram totalmente apoiadas pelo regime militar vigente, que precisava se fortalecer. Dessa forma, a contenção da inflação com o crescimento econômico e a manutenção da demanda eram armas infalíveis. Para Lago (1989), o resultado dessas ações foi positivo, como nos mostram os dados apresentados pelo autor: entre 1968 e 1973, o PIB real cresceu à taxa média de 11,2%, contra uma média histórica do período pós-guerra de 7% ao ano; a indústria de transformação cresceu a uma taxa média de 13,3% e a indústria de construção a uma taxa média de 15% ao ano; o setor primário cresceu a uma taxa de 4,5%, superando a taxa de crescimento da população, no mesmo período, de 3% ao ano; o comércio cresceu a uma taxa média de 11,1% e os setores de transporte e comunicações a uma taxa média de 13% ao ano. As metas estabelecidas pelas políticas econômicas, do período 19671973, foram amplamente alcançadas, exceção feita à contenção da inflação e à retração da dívida externa. Dessa forma, a economia brasileira cresceu dando um grande salto quantitativo e qualitativo. Singer (1977) argumenta que a retomada do crescimento, após 1967, ocorreu devido a uma política liberal de crédito que, após vários anos de recessão, encontrou uma economia com capacidade produtiva ociosa, altas taxas de desemprego e custo de mão-de-obra pouco qualificada baixo, além de uma alta propensão a consumir das classes com rendas elevadas. Apesar de a economia brasileira, a partir de 1968, ter apresentado crescentes taxas de expansão, o Governo não abriu mão de controlar a política salarial e os principais preços industriais, variáveis que poderiam gerar um descontrole da inflação e da demanda. No entanto, as importações cresceram mais do que as exportações gerando um déficit na balança.

(32) 30. comercial e de serviços, que foram cobertos pela entrada de capital estrangeiro, em grande parte de empréstimos, gerando um aumento considerável na dívida externa do País. O autor defende que esse crescimento foi altamente desigual, pois as indústrias que produziam bens duráveis de consumo, equipamentos e bens intermediários 11 cresceram muito mais do que as indústrias de bens não duráveis de consumo; além do que, enquanto as primeiras cresceram em resposta ao aumento da demanda interna, as últimas cresceram voltadas para o mercado externo. A expansão provocou uma mudança na estratégia de desenvolvimento do País, a economia se abriu para fora, as prioridades na industrialização deixaram de ser o mercado interno e passaram a ser também o mercado externo. Porém, foi uma abertura que provocou o aumento da dependência externa, tanto financeira como tecnológica. Utilizando-se do critério das “vantagens comparativas”, 12 o Brasil não investiu nas indústrias de bens de produção e, principalmente, em tecnologia, concentrando-se em indústrias de bens de consumo não duráveis e duráveis já existentes. Para Garofalo Filho (2002), a política econômica adotada no pós-1964 manteve o País vulnerável em dois pontos: a excessiva dependência em relação às importações de derivados de petróleo e de matérias-primas industriais, tendo em vista que a importação desses produtos alcançava 60% do total das importações brasileiras, que mantinha uma tarifa aduaneira mínima. Essa situação fomentava o aumento da dívida externa, tanto pelo déficit entre exportação e importação quanto pelo déficit de serviços, gerando um processo de endividamento adicional e de realimentação. A dívida líquida 13 aumentou de US$ 3,5 bilhões em 1968 para US$ 6,2 bilhões em 1973. No entanto, o autor lembra que o endividamento não ocorreu somente para cobrir os déficits, mas também para elevar as reservas internas.. 11. Comprados, principalmente, por grupos de elevada renda. Cada país se especializa no que pode produzir a custo mais baixo. 13 Dívida bruta menos as reservas. 12. Entre.

(33) 31. 1971 e 1973 entraram cerca de US$ 3,4 bilhões de capitais no Brasil, mais do dobro das necessidades de financiamento da conta corrente. Era a política definida pelo Banco Central como “crescimento com dívida” em ação, pela qual a dívida deveria representar pequena parcela do PIB, o que efetivamente vinha acontecendo. Rego e Marques (2000) mostram os números dessa política, defendendo que o crescimento da dívida não aconteceu para solucionar déficits no balanço de pagamentos, mas devido ao excesso de recursos externos disponíveis a juros baixos, o que fez com que as empresas captassem recursos no exterior. Podemos verificar nos dados abaixo que, apesar do intenso crescimento de seis anos, o endividamento líquido do País foi de apenas US$ 3,1 bilhões, e que cerca de 2/3 do aumento do endividamento total foram convertidos em reservas.. TABELA 3 - COMPARAÇÃO ENTRE DÍVIDA EXTERNA BRUTA, DÍVIDA EXTERNA LÍQUIDA E RESERVAS INTERNACIONAIS (1967 e 1973) – US$ BILHÕES Ano 1967 1973. Dívida externa bruta 3,4 12,6. Dívida externa líquida. Reservas internacionais 3,1 6,2. 0,2 6,4. Fonte: Banco do Brasil e Banco Central, adaptada de Rego e Marques, 2000, p. 114-115. A partir do regime militar, argumenta Brum (1999), o desenvolvimento econômico passou a ser o objetivo principal do Governo, pois, segundo a concepção dominante entre os militares, o desenvolvimento econômico acelerado era um elemento fundamental da segurança nacional. O desenvolvimento era entendido basicamente como crescimento econômico, ou seja, aumentar a expressão do Brasil como potência mundial, fortalecendo o poder nacional. A meta era o crescimento econômico global, independente de sua distribuição ou conseqüências na sociedade, sustentado pela associação do capital público e privado nacional e internacional. O Plano atingiu seus objetivos e a economia brasileira se.

(34) 32. reorganizou e voltou a crescer, “O êxito do plano de estabilização econômica deveu-se principalmente ao diagnóstico adequado da situação do país, à capacidade do governo autoritário para impor sacrifícios à sociedade, e à ajuda externa” (BRUM, 1999, p. 317). A entrada de capitais, segundo Oliveira (1977), teve como objetivo principal a liquidação de obrigações anteriores do País e só secundariamente o financiamento de novos investimentos. No entanto, contribuiu decisivamente para a superação da crise que o País viveu. O crescimento alcançado não foi positivo para grande parcela da sociedade, pois levou os setores de produção de bens de consumo não duráveis, que atendem a maioria da população, a dependerem novamente das exportações, além de fazer com que os salários não tivessem ganhos reais. Por outro lado, ocorreu uma desproporção entre a produção de bens de produção e de bens de consumo duráveis, que não foi solucionada pelo crescimento do primeiro deles, e resultou em um grande crescimento nas importações. Para o autor, as conseqüências são óbvias: aumento da dívida externa, o não crescimento da poupança interna, 14 e o surgimento de uma inflação de custos resistente. Singer (1977) sustenta que a taxa de investimentos não acompanhou a taxa de crescimento e o sistema passou a se esgotar a partir de 1973. Isso ficou visível nos déficits do balanço de pagamentos e no aumento dos preços que, em 1974, chegaram, respectivamente, a US$ 1,3 bilhão e aumento de cerca de 35%. O autor defende que esse esgotamento foi resultado da incapacidade da economia brasileira em se transformar estruturalmente, ou seja, expandir a produção de bens de produção tornando a taxa de investimentos independente da capacidade de importar. Nesse contexto, o País se manteve dependente das variações na economia internacional, que, a partir de 1973, não foram favoráveis, com a crise do petróleo e. 14. Devido ao fato de as poupanças se direcionarem para o mercado e as empresas estrangeiras exportarem seus excedentes..

(35) 33. o aumento considerável em seu preço, fazendo com que o valor das importações dobrasse, atingindo diretamente o modelo econômico adotado no Brasil. Nos primeiros anos da década de 1970, o contexto internacional mudou, os juros dos empréstimos externos deixaram de ser fixos para se tornarem flutuantes e o preço do petróleo saltou de US$ 3,0 para US$ 12,0 em outubro de 1973. 15 Para Garofalo Filho (2002), essa mudança de preços afetou diretamente o Brasil, tendo em vista a queda do poder de compra das exportações em relação às importações e à recessão mundial, além da enorme dependência externa do País. O balanço de pagamentos apresentou um grande desequilíbrio, entre 1974 e 1978, com a média da poupança externa captada equivalente ao déficit em conta corrente, de cerca de US$ 6,2 bilhões por ano. O que anteriormente era um procedimento complementar, representando 10% do investimento e 2% do PIB, passou, em 1974, a representar 22% dos investimentos e 6,8% do PIB, o que provocou um crescimento acelerado de nossa dívida externa, que saltou de US$ 6,2 bilhões em 1973 para US$ 31,6 bilhões em 1978. Visando a resolver os problemas da crise do petróleo e do balanço de pagamentos, o Governo Geisel (1974/1979) implantou o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND). De acordo com Garofalo Filho (2002), o Plano se estruturou em três componentes básicos: um ajuste macroeconômico com desaceleração progressiva do crescimento do PIB, mas tentando evitar a recessão; uma transformação estrutural na indústria e no balanço de pagamentos, por meio dos programas de insumos básicos e de bens de capital, objetivando a substituição de importações e, posteriormente, o crescimento de exportações; e restrições à demanda de derivados de petróleo e a realização de um grande programa de investimentos em petróleo e energia elétrica. A implantação de uma política de ajustamento e não recessiva pode ser explicada, conforme o autor, por um erro na análise da conjuntura internacional, pois se 15. Devido à decisão de membros da Organização dos Países Produtores de Petróleo (OPEP) em usar o petróleo como arma política na guerra do Yom Kippur, contra Israel..

(36) 34. acreditava que o período recessivo nos países desenvolvidos seria passageiro, o que não ocorreu. Além disso, uma política restritiva poderia trazer reflexos para a estrutura socioeconômica e política do País: desemprego, piora nas condições de vida e instabilidade política. Para Carneiro (1991), o período de 1974/1980 foi o primeiro momento da crise econômica que surgirá com grande intensidade na década de 1980. Para ele, as características principais do período são: o momento de realização do II Plano Nacional de Desenvolvimento foi inadequado devido à conjuntura internacional recessiva e à desaceleração interna; o programa não efetuou uma boa articulação entre os investimentos e superdimensionou algumas metas; utilizou-se o financiamento externo em demasia e descuidou-se da questão energética, mantendo o País vulnerável a novos choques externos; e o crescimento acelerado, a qualquer preço, era justificado para atender aos interesses do regime, e não para estabilizar a economia do País. O autor acredita que o desequilíbrio no balanço de pagamentos se agravou devido à dependência da energia importada. A política econômica se preocupou em promover substituição de bens intermediários, de bens de capital e matérias-primas, não dando a importância devida à dependência do petróleo. O ajuste estrutural promovido não alterou o padrão de crescimento da economia brasileira, não deslocando seu eixo para a indústria de bens de capital. Esse fato e a vulnerabilidade externa são decisivos para se entender o efeito da década de setenta na economia brasileira. Garofalo Filho (2002) concorda que a política econômica adotada pelo Governo Geisel foi insuficiente, o II PND representou “[...] uma tentativa de procurar uma solução definitiva para o desequilíbrio estrutural, mas de forma a diluir um pouco, no tempo, o custo social a ser pago” (2002, p. 35). Para ele, o tempo gasto por esse processo foi muito longo, o que levou ao surgimento da expressão “Década Perdida” para os anos 1980..

(37) 35. No entanto, o autor argumenta que, apesar das críticas a essa política e do excessivo endividamento externo, em alguns aspectos, seus resultados foram positivos: em 1978, o déficit da balança comercial tinha sido praticamente eliminado e o de transações correntes, reduzido; o PIB manteve um crescimento médio de 7,7% a.a. e a renda per capita 4,4% a.a. no período de 1974/1978; e as exportações cresceram a uma taxa média anual de 15,6% a.a. Criou-se, com a grande expansão de indústrias de bens de capital, insumos básicos, petróleo e energia elétrica, uma nova economia no País, que se converteu numa das grandes economias industriais do mundo. Analisando a opção feita pelo Governo Geisel, Brum (1999) argumenta que não se deve discutir se ela foi a melhor, mas sim por que a opção pelo crescimento em um quadro recessivo. Para o autor, o Governo não tinha condições políticas e nem apoio dos militares para um ajuste restritivo, mesmo um governo autoritário não suportaria a pressão da sociedade e dos agentes econômicos, que vinham de um período de crescimento contínuo. A oposição se fortaleceria e o caminho para a redemocratização do País poderia ser afetado, tendo em vista a disputa interna na área militar entre moderados e radicais, respectivamente, a favor e contra a volta da democracia. Brum (1999) acredita que as fontes de financiamento que o Brasil utilizou a partir do regime militar – empréstimos externos, compressão salarial, inflação e endividamento interno – esgotaram-se no início dos anos 1980, fazendo com que o País entrasse em um período de estagnação e recessão, refletindo negativamente não só na economia mas também no aspecto social, levando o Brasil a uma séria crise. De modo geral, as várias análises feitas sobre o período em questão apresentam fortes pontos de convergência: um período de crescimento econômico em busca do “status” de país desenvolvido baseado nos investimentos estrangeiros, seguido de um período recessivo, sem uma política econômica definida, marcado por importantes conflitos políticos e sociais. A.

(38) 36. partir de 1964, o ingresso em um regime militar, provocou a busca do. crescimento. econômico como fator de afirmação de seu poder e da segurança nacional que, partindo de uma política econômica recessiva, preparou o País para anos de expansão. Da segunda metade da década de 1960 até o final dos anos 1970, o Brasil cresceu economicamente, mas também surgiram sérios problemas: inflação acelerada, crescente dívida externa, déficits no balanço de pagamentos, desnacionalização da economia, desigualdade social e regional e forte dependência externa, principalmente financeira e tecnológica. Essa conjuntura, atrelada ao contexto internacional de alta nos preços do petróleo, instabilidade nos termos de troca e elevação das taxas de juros, vai marcar profundamente a década de 1980 no Brasil, que será nosso objeto de análise nas próximas seções.. 2.3. A ECONOMIA BRASILEIRA NA DÉCADA DE 1980. Os anos 1980 caracterizaram-se pelo insucesso constante dos planos de estabilização da economia brasileira, pelo grande aumento da dívida externa e da inflação e por crises financeiras. No entanto, ocorreram mudanças significativas na sociedade brasileira, que merecem ser abordadas para melhor compreensão do período. Nesta seção, vamos abordar os aspectos econômicos da década, por meio de várias interpretações, acreditando que essa sistemática seja uma das melhores formas de análise do nosso objeto de estudo. A crise financeira internacional começou a se desenhar em 1979, com o segundo choque do petróleo, e teve seu ápice em setembro de 1982, com a moratória mexicana. Segundo Garofalo Filho (2002), atingiu todos os países com processo de endividamento externo como nunca tinha acontecido antes, gerando desemprego, quedas reais do salário e uma enorme frustração, econômica e social, nos países ditos “emergentes”, que acreditavam estarem próximos ao patamar do “desenvolvimento” e acabaram retornando ao caminho do.

Referências

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