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A modulação dos efeitos temporais de declaração de inconstitucionalidade na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal

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A MODULAçãO DOS EFEITOS TEMPORAIS DA

DECLARAçãO DE INCONSTITUCIONALIDADE NA

JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Sílvia Porto Buarque de Gusmão1

Resumo

A declaração de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo tem como consequência natural a nulidade dessa lei e sua exclusão do mundo jurídico. Contudo, o ordenamento jurídico brasileiro, com respaldo da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, abriu-se à possibilidade de diferentes técnicas de decisão, entre elas a limitação temporal dos efeitos da declaração nulidade, por razões de relevante interesse social e segurança jurídica. Busca-se, assim, analisar a utilização dessa técnica pelo Supremo Tribunal Federal, dada a fre-quência com que tem sido usada, bem como a extensão e restrição de sua apli-cação, e ainda constatar como se dá a avaliação dos conceitos indeterminados de segurança jurídica e excepcional interesse público.

Palavras-chave: Controle de constitucionalidade. Modulação temporal de efeitos. Efeitos prospectivos.

ABsTRACT

The unconstitutional ruling in Brazil tends to invalidate the norm submitted to the Supreme Court. However, the Brazilian Supreme Court has been restricting

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the effects of the declaration of a law as unconstitutional so it still can be applied to the situations that need stability for a certain period. Therefore, the modulation of the effects of these decisions are accepted for social interest and juridicial security reasons, allowing that the ruling have prospective effects. Thus, this paper aims to analyze the implications arising from the diverse use of this technique by the Supreme Court nowadays. It also tries to explain how the multiple cases submitted to the Supreme Court have been modeling the understanding of this legal institute.

Key words: Constitutional review. Declaration of unconstitutionality. Prospective effects.

INTRoDuÇÃo

Desde a publicação das Leis 9.868 e 9.882 de 1999, que instituíram as re-gras sobre o processo e o julgamento da ação direta de inconstitucionalidade, da ação declaratória de constitucionalidade e da arguição de descumprimento de preceito fundamental, discutem-se os efeitos temporais de eventual deci-são de inconstitucionalidade de lei ou ato normativo diante da realidade posta e muitas vezes produzidas e amparada em leis inconstitucionais.

Como se sabe, a teoria constitucional aponta como principal consequ-ência da declaração originária de inconstitucionalidade o seu efeito invalida-tório, ou seja, a “eliminação retroativa da norma declarada inconstitucional” (CANOTILHO, p.1012).

Esclarece Canotilho que:

A declaração com força obrigatória geral da inconstitucionalidade de uma norma implica a nulidade ‘ipso jure’ da mesma norma, produzindo efeitos ex tunc, ou seja, desde a entrada em vigor da norma declarada inconstitucional. Por outras palavras: a declaração de inconstitucionali-dade produz um efeito de invalidação da norma porque faz remontar os seus efeitos à data de sua entrada em vigor. Se os efeitos fossem apenas ex nunc, contados a partir da data da publicação da decisão do Tribunal, a declaração de inconstitucionalidade produziria somente um efeito re-vogatório (CANOTILHO, 2003).

O Supremo Tribunal Federal, que entre a promulgação da Constituição em 1988 e a edição da Lei n. 9868 em 1999 viu-se obrigado a fixar os pa-râmetros do julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação

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declaratória de constitucionalidade, firmou nesse intervalo entendimento no sentido da nulidade da lei declarada inconstitucional.

Nessa linha, o primoroso voto do Ministro Celso de Mello na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 652, julgada em 2.4.1992, em que afirma que a declaração de inconstitucionalidade de uma lei alcança os atos pretéritos com base nela praticados, uma vez que o reconhecimento desse vício jurídico “inquina de total nulidade os atos emanados do poder público, desampara as

situações constituídas sob sua égide e inibe – ante a sua inaptidão para produzir efeitos jurídicos válidos – a possibilidade de invocação de qualquer direito”.

Ensina o Ministro que a declaração de inconstitucionalidade em tese traz consigo um “juízo de exclusão”

que, fundado numa competência de rejeição deferida ao Supremo Tribunal Federal, consiste em remover do ordenamento positivo a ma-nifestação estatal inválida e desconforme ao modelo plasmado na Carta política, com todas as consequências daí decorrentes, inclusive a plena restauração de eficácia das leis e das normas afetadas pelo ato declarado inconstitucional . Esse poder excepcional – que extrai a sua autoridade da própria Carta política – converte o Supremo Tribunal Federal em ver-dadeiro legislador positivo2.

Não obstante o modelo brasileiro adotar a teoria da nulidade da lei ou ato normativo inconstitucional, as referidas leis introduziram no sistema de controle concentrado instrumento que relativiza a retroatividade natural da declaração de nulidade: a possibilidade de modulação temporal dos efeitos da declaração de invalidade da norma inconstitucional ou a não retroatividade dessa declaração.

Rezam os artigos 27 da Lei 9.868/99 e 11 da Lei 9882/99 que, em razão da segurança jurídica ou de excepcional interesse social, o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços dos seus membros, poderá restringir os efei-tos da declaração de inconstitucionalidade ou decidir que ela só tenha eficácia a partir do seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.

Observe-se que não se trata de restringir efeitos da declaração de in-constitucionalidade por exaurimento dos efeitos da própria norma objeto do 2 A adoção da teoria da nulidade dos atos inconstitucionais também ficou evidente nos julga-mentos: Representação n. 971, Relator Ministro Djaci Falcão, (RTJ, vol. 87, p. 758/768); RE n. 49.735, Relator Ministro Pedro Chaves (RTJ, vol. 37, p. 165).

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controle de constitucionalidade, como se daria, por exemplo, se a relação ju-rídica material regulada pela lei dita inconstitucional já estivesse extinta pelo cumprimento da obrigação.

Nessa hipótese, eventual declaração de inconstitucionalidade da lei seria inútil e irrelevante, pois a própria lei já não mais produzia efeitos sobre qual-quer situação jurídica, como ocorre com as chamadas leis temporárias3.

Cuida-se, por outro lado, da manutenção por determinado período de tempo dos efeitos de norma declarada inconstitucional sobre situações jurídicas abertas, porém insuscetíveis de alteração em razão da segurança ju-rídica ou de excepcional interesse social.

A tensão que surge entre o princípio da nulidade dos atos inconsti-tucionais (que implica a declaração de inconstitucionalidade com efeitos ex

tunc) e o princípio da segurança jurídica e do excepcional interesse social (que

exige a manutenção por certo tempo da norma inconstitucional) foi levantada nas ações diretas de inconstitucionalidade propostas contra o art. 27 da Lei 9.868/99.

Nas ADIs 2154 e 2258, cujo julgamento está suspenso em razão de pe-dido de vista desde 2007, o então Relator, Ministro Sepúlveda Pertence, votou pela inconstitucionalidade do art. 27 da Lei 9868/99, ao argumento de não haver amparo na Constituição da República para que se flexibilizem os efeitos d a declaração de nulidade de lei inconstitucional. Nesse sentido, ressaltou que “a nulidade da lei inconstitucional decorre, no sistema da Constituição, da

adoção, paralela ao controle direto e abstrato, do controle difuso de inconstitu-cionalidade, entendeu que uma alteração dessa magnitude só poderia ser feita por emenda constitucional”4.

Tal posicionamento teve adesão de parte da doutrina nacional, ao argumento de que a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucio-nalidade contrariaria o dogma da nulidade do ato inconstitucional e, conse-quentemente, o postulado da supremacia constitucional. Álvaro Ricardo de Souza Cruz, por exemplo, acentua que “a admissão do efeito pro futuro,

man-tendo a eficácia da norma mesmo com o reconhecimento do vício de incons-titucionalidade, mediante a aplicação da técnica da ponderação de valores é

3 Podem ser citados como exemplo os seguintes julgados: ADI n. 612-QO/RJ, Relator o Ministro Celso de Mello, Plenário, DJ 6.5.1994; ADI 1.979-MC/SC, Relator o Ministro Marco Aurélio, Plenário, DJ 29.9.2006 e ADI n. 4.502/AL, Relator o Ministro Gilmar Mendes, decisão monocrática, DJ 23.11.2012.

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absolutamente ilegítima e incompatível com o Estado Democrático de Direito”

(CRUZ, 2004)5.

É curioso que o Estado Democrático de Direito também seja men-cionado como argumento a favor da modulação dos efeitos da nulidade da norma inconstitucional, pois dele decorre o princípio da segurança jurídica, o qual autorizaria a manutenção das situações jurídicas firmadas com base em lei posteriormente invalidada.

Como dito, prevalece no direito brasileiro o princípio da nulidade da lei declarada inconstitucional, o qual só pode ser afastado se for possível demonstrar que a exclusão da lei inconstitucional do ordenamento jurídico geraria o sacrifício da segurança jurídica ou de outro valor constitucional correspondente a excepcional interesse social. Nesse sentido, bem expôs o Ministro Gilmar Mendes que:

A teoria da nulidade tem sido sustentada por importantes constituciona-listas. Fundada na antiga doutrina americana, segundo a qual ‘the incons-titutional statute is not law at all’, significativa parcela da doutrina brasileira posicionou-se pela equiparação entre inconstitucionalidade e nulidade. Afirmava-se, em favor dessa tese, que o reconhecimento de qualquer efeito a uma lei inconstitucional importaria na suspensão provisória ou parcial da Constituição. Razões de segurança jurídica podem revelar-se, no entanto, aptas a justificar a não-aplicação do princípio da nulidade da lei inconstitucional. Não há negar, ademais, que aceita a ideia da situação ‘ainda constitucional’, deverá o Tribunal, se tiver que declarar a inconstitu-cionalidade da norma, em outro momento fazê-lo com eficácia restritiva ou limitada. Em outros termos, o ‘apelo ao legislador’ e a declaração de inconstitucionalidade com efeitos limitados ou restritos estão intima-mente ligados. Afinal, como admitir, para ficarmos no exemplo de Walter Jellinek, a declaração de inconstitucionalidade total com efeitos retroativos de uma lei eleitoral tempos depois da posse dos novos eleitos em um dado Estado? Nesse caso, adota-se a teoria da nulidade e declara-se inconstitu-cional e ipso jure a lei, com todas as consequências, ainda que dentre elas esteja a eventual acefalia do Estado? Questões semelhantes podem ser sus-citadas em torno da inconstitucionalidade de normas orçamentárias. Há 5 No mesmo sentido: FERREIRA, Olavo Alves. Controle de Constitucionalidade e seus Efeitos. São Paulo: Método, 2003; SARMENTO, Daniel. A eficácia temporal das decisões no controle de constitucionalidade. In: SAMPAIO, José Adércio Leite e CRUZ, Álvaro Ricardo de Souza (Coord.). Hermenêutica e Jurisdição Constitucional. Belo Horizonte: Del Rey, p. 9-45, 2001.

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de se admitir, também aqui, a aplicação da teoria da nulidade tout court? Dúvida semelhante poderia suscitar o pedido de inconstitucionalidade, formulado anos após a promulgação da lei de organização judiciária que instituiu um número elevado de comarcas, como já se verificou entre nós. Ou, ainda, o caso de declaração de inconstitucionalidade de regime de servidores aplicado por anos sem contestação. Essas questões -- e haveria outras igualmente relevantes -- parecem suficientes para demonstrar que, sem abandonar a doutrina tradicional da nulidade da lei inconstitucional, é possível e, muitas vezes, inevitável, com base no princípio da segurança jurídica, afastar a incidência do princípio da nulidade em determinadas situações. Não se nega o caráter de princípio constitucional ao princípio da nulidade da lei inconstitucional. Entende-se, porém, que tal princípio não poderá ser aplicado nos casos em que se revelar absolutamente inidôneo para a finalidade perseguida (casos de omissão ou de exclusão de benefício incompatível com o princípio da igualdade), bem como nas hipóteses em que a sua aplicação pudesse trazer danos para o próprio sistema jurídico constitucional (grave ameaça à segurança jurídica). (RE 364.304-AgR, voto do rel. min. Gilmar Mendes, julgamento em 3-10-2006, DJ de 6-11-2006.) Contudo, não se pretende neste trabalho rediscutir a natureza da deci-são de inconstitucionalidade (se declaratória ou constitutiva), pois qualquer que seja a teoria adotada, ambas merecem temperamentos6. Assim, ainda que se defenda a prevalência do princípio da nulidade do ato inconstitucional, como já assentado pelo Supremo Tribunal Federal, a própria Constituição já lhe impôs restrições, quando se trata de coisa julgada, direito adquiridas e ato jurídico perfeito (SARLET, 2014).

O que se busca analisar é a aplicação cada vez mais frequente da modula-ção dos efeitos da declaramodula-ção de inconstitucionalidade pelo Supremo Tribunal Federal (o que demonstra uma tendência a considerar constitucional tal pos-sibilidade) e a sua utilização não apenas para resguardar situações concretas por certo período de tempo, mas também para ajustar o conteúdo decisório de alguns julgamentos às demandas oriundas da declaração invalidatória. 6 Nesse sentido: MENDES, Gilmar Ferreira, “Processo e Julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade e da Ação Declaratória de Constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal: uma proposta de projeto de lei”, in Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade, São Paulo, Celso Bastos, 1998, pp. 425.

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A LImITAÇÃo TemPoRAL Dos eFeITos DA INVALIDAÇÃo

De LeI PeLo sTF

Posto que até a edição das leis reguladoras do processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade não se havia falar em modulação de efeitos da decisão de inconstitucionalidade de lei, pois o Supremo Tribunal Federal já havia fixado que os efeitos de tal declaração seriam ex tunc, passa-se a análise dos precedentes em que foi reconhecida a necessidade de limitação temporal da declaração de nulidade.

De início, é válido mencionar a constatação do Ministro Celso de Mello sobre a tendência ainda tímida à flexibilização do rigor com que era aplicada a teoria da nulidade aos atos inconstitucionais:

Impõe-se reconhecer, no entanto, que se registra, no magistério juris-prudencial desta Corte, e no que concerne a determinadas situações, uma tendência claramente perceptível no sentido de abrandar a rigidez dogmática da tese que proclama a nulidade radical dos atos estatais in-compatíveis com o texto da Constituição da República (RTJ 55/744 -- RTJ 71/570 -- RTJ 82/791, 795). Mostra-se inquestionável, no entanto, a despeito das críticas doutrinárias que lhe têm sido feitas, que o Supremo Tribunal Federal vem adotando posição jurisprudencial, que, ao estender a teoria da nulidade aos atos inconstitucionais, culmina por recusar-lhes qualquer carga de eficácia jurídica. Embora o status quaestionis esteja assim delineado no Supremo Tribunal Federal, não há dúvida de que o relevo dessa matéria impõe novas reflexões sobre o tema, especialmente se se tiver em consideração a experiência constitucional de outros países, cujas Leis Fundamentais -- como ocorre em Portugal (art. 282, n. 4, na redação dada pela 4ª Revisão/1997), na Espanha (art. 164) e na Itália (art. 136), p. ex. -- dispõem sobre a amplitude e o regime jurídico inerentes aos efeitos que resultam da declaração de inconstitucionalidade. Essa nova percepção do tema reflete, de certa maneira, nítida influência decorrente da prática jurisprudencial do Tribunal Constitucional Federal germâ-nico, como ressalta Paulo Bonavides (Curso de Direito Constitucional, p. 308, item n. 9, 10ª ed., 2000, Malheiros), cujo autorizado magistério sustenta a necessidade de criar-se, no plano do controle de constitu-cionalidade dos atos estatais, ‘um espaço de tempo, intermediário, que assegure a sobrevivência provisória da lei declarada incompatível com

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a Constituição’ (ADI 2.215-MC, rel. min. Celso de Mello, decisão mono-crática, julgamento em 17.4.2001, DJ 26.4.2001).

Sobre essa flexibilização dos efeitos da nulidade da lei inconstitucional, vale recordar os julgamentos que envolviam a criação de municípios sem a observância da formalidade prevista na Constituição, como os municípios Luís Eduardo Magalhães e Mira Estrela.

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 2240, Relator o Ministro Eros Grau, questionava-se a validade da lei que criou o Município de Luís Eduardo Magalhães, por contrariedade ao art. 18, § 4º da Constituição da República. Na espécie, não havia dúvida quanto à inconstitucionalidade da norma questionada, contudo o relator, diante da necessidade evidente de se preservar as situações jurídicas decorrentes da lei inconstitucional (que alte-rava a própria estrutura político-jurídica do Estado brasileiro por criar novo Município) julgou inicialmente improcedente a ação, pois a nulidade do ato impugnado seria mais nefasta do que a manutenção do estado de inconstitu-cionalidade observado.

Em voto-vista, o Ministro Gilmar Mendes propôs solução vencedora que contemplou tanto a necessidade de preservação dos efeitos pretéritos da lei impugnada quanto a observância ao princípio da nulidade das leis ou atos normativos declarados inconstitucionais. Decidiu-se então pela aplicação do art. 27 da Lei 9868/99, para declarar a inconstitucionalidade da lei atacada sem pronúncia de nulidade, mantendo sua vigência pelo prazo de 24 (vinte e quatro) meses, prazo para que o legislador estadual reapreciasse o tema com base em parâmetros fixados na lei complementar de que trata o art. 18, § 4º da Constituição da República.

Ficou vencido nesse julgamento o Ministro Marco Aurélio, que mesmo quase 10 anos pós sua primeira manifestação sobre a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, mantém-se firme ao entendimento então adotado ao argumento de que tal posição atentaria contra a supremacia da Constituição da República.

A decisão de declarar a inconstitucionalidade sem pronúncia de nuli-dade e determinar efeitos pro futuro dessa declaração também foi a solução jurídica adotada na Ação Direta de Inconstitucionalidade 875, em que se questionavam os coeficientes de repasse fixados para divisão entre os estados e o Distrito Federal dos recursos do Fundo de Participação dos Estados – FPE. Assentou-se que a declaração ortodoxa de nulidade dos coeficientes previstos

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na Lei Complementar 62/89 inviabilizaria o repasse dos recursos, pois deixa-ria o fundo sem critério de rateio. Decidiu-se, portanto, pela declaração de inconstitucionalidade sem pronúncia de nulidade com prazo até 31/12/2012 para que nova lei fosse editada.

Além da técnica de decisão que aplicou o art. 27 da Lei 9868/99 e modu-lou os efeitos da declaração de inconstitucionalidade, ambos os julgamentos têm em comum o fato do apelo ao legislador - para que formulasse normas constitucionalmente válidas no prazo de dois anos - ter sido solenemente ig-norado pelo Congresso Nacional. A nova lei complementar sobre o rateio do Fundo de Participação dos Estados só foi publicada em 17.7.2013 e ainda se aguarda a lei complementar que trate da criação, incorporação, desmembra-mento e fusão de municípios.

A moDuLAÇÃo Dos eFeITos TemPoRAIs DA

INCoNsTITuCIoNALIDADe em CoNTRoLe DIFuso

Ainda que autorizada por dispositivos das leis sobre controle concentra-do, a utilização da técnica da limitação dos efeitos temporais foi estendida aos processos subjetivos em que há controle difuso de constitucionalidade, o que já foi admitido em diversos julgados.

Precedente emblemático da utilização da técnica da modulação em con-trole difuso é o Recurso Extraordinário n. 197.917, relatado pelo Ministro Maurício Corrêa, no qual se questionava a proporcionalidade entre o número de vereadores e a população. Conclui-se pela inconstitucionalidade incidental da lei local que fixara número de vereadores acima do que permitido pela Constituição, contudo, em razão da segurança jurídica e da ameaça ao siste-ma legislativo que os efeitos retroativos causariam, asseguraram-se os efeitos meramente prospectivos dessa declaração de inconstitucionalidade.

Assim, fixou-se que o modelo difuso não se mostra incompatível com a te-oria da limitação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade, como se vê: Limitação de efeitos no sistema difuso. Embora a Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999, tenha autorizado o Supremo Tribunal Federal a declarar a inconstitucionalidade com efeitos limitados, é lícito indagar sobre a admissibilidade do uso dessa técnica de decisão no âmbito do controle difuso. Ressalte-se que não se está a discutir a constitucionali-dade do art. 27 da Lei n. 9.868, de 1999. Cuida-se aqui, tão-somente, de

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examinar a possibilidade de aplicação da orientação nele contida no con-trole incidental de constitucionalidade. (...) `É preciso acrescentar que o Tribunal Constitucional deve declarar a inconstitucionalidade com força obrigatória geral e eficácia retroativa e repristinatória, a menos que uma tal solução envolva o sacrifício excessivo da segurança jurídica, da equidade ou de interesse público de excepcional relevo’ (Medeiros, A Decisão de Inconstitucionalidade, cit., p. 703/704). Na espécie, não parece haver dúvida de que o deferimento do efeito suspensivo justifica--se plenamente. A aplicação da decisão impugnada poderá criar quadro de grave insegurança jurídica. É certo, ademais, que, mantida a decla-ração de inconstitucionalidade, afigura-se plausível pedido manifestado no sentido de sua prolação com eficácia ex nunc. Concedo, portanto, o efeito suspensivo ao recurso extraordinário, ad referendum do Pleno, até o final julgamento da questão. (Pet 2.859-MC, rel. min. Gilmar Mendes, decisão monocrática, julgamento em 6-4-2004, DJ de 16-4-2004.) Tendo em conta o processo de objetivação ou abstrativização por que passa o sistema difuso desde a Emenda Constitucional 45/2004, pelo que se conferem efeitos típicos de decisões do Supremo Tribunal em ações de con-trole abstrato a resoluções de questões de constitucionalidade em processos subjetivos, a adoção da limitação dos efeitos não se apresenta novidade.

A modulação, por outro lado, é mecanismo que garante a coerência do sistema implantado, pois a possibilidade de repercussão geral da tese decidida em controle difuso muitas vezes enfrenta dificuldades diante dos valores da se-gurança jurídica e interesse social, exatamente como ocorre com a declaração de inconstitucionalidade de lei em tese.

Tal tema fica evidente quando se cuida da utilização da modulação de efeitos em matéria tributária, que é majoritariamente decidida no Supremo Tribunal pela via do recurso extraordinário.

A moDuLAÇÃo Dos eFeITos TemPoRAIs em

ResPosTA Às CoNseQuÊNCIAs DA DeCLARAÇÃo De

INCoNsTITuCIoNALIDADe

Outro julgamento de destaque que se valeu da técnica da limitação tem-poral dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade foi o da ação direta contra a lei que havia criado o Instituto Chico Mendes de conservação da

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biodiversidade (ICMBio). Entendeu-se que o processo legislativo de conver-são da medida provisória na lei criadora do instituto havia descumprido o art. 62, § 9º da Constituição da República, que prevê a necessidade de formulação de Comissão mista de Deputados e Senadores para apreciação e emissão de parecer sobre as medidas provisórias em tramitação. Assim, em um primeiro momento, declarou-se a inconstitucionalidade da Lei 11.56/11, que criara o ICMBio, mas sem pronúncia de nulidade, modulando temporalmente os efei-tos, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/99, para que após o prazo de 24 (vinte e quatro) meses, a contar da prolação da decisão, nova lei fosse editada.

Contudo, na sessão seguinte, o Plenário do Supremo Tribunal Federal, provocado por Questão de Ordem suscitada pelo Advogado-Geral da União, decidiu alterar o entendimento anteriormente fixado para não mais julgar pro-cedente a ação quanto à Lei n. 11.516/11 e apenas declarar incidentalmente a inconstitucionalidade da Resolução n. 1 de 2002 do Congresso Nacional, que permitia a emissão de Parecer por meio do Relator nomeado pela Comissão Mista diretamente no Plenário da Câmara.

A motivação dessa mudança de entendimento foi o alerta feito pelo Advogado-Geral da União de que haveria mais de 500 medidas provisó-rias que teriam sido convertidas em lei sem a observância do art. 62, § 9º, da Constituição da República. Logo, a procedência da ação, com o reconhe-cimento da inconstitucionalidade da lei editada nesses termos, ensejaria o questionamento de todas as leis que tiveram origem em processo legislativo semelhante. Optou-se, portanto, por julgar improcedente o pedido formulado e julgar incidentalmente inconstitucional, com efeitos ex nunc, a Resolução do Congresso Nacional que autorizava o procedimento censurado.

O relator, Ministro Luiz Fux, argumentou que seria temerário admitir que todas as leis que derivaram de conversão de Medida Provisória e não observaram o disposto no art. 62, § 9º, da Constituição, desde a edição da Emenda nº 32 de 2001, devessem ser expurgadas com efeitos ex tunc. Já o Ministro Ricardo Lewandowski enfatizou mais de uma vez que tais leis ou medidas provisórias ainda em tramitação cuidavam de questões delicadas, como programas sociais do governo e medidas econômicas que não poderiam ser excluídas da ordem jurídica sem a possibilidade de acomodação jurídica das situações por elas regidas.

É interessante notar que neste caso o Supremo Tribunal Federal dire-cionou-se no sentido oposto ao que havia feito no julgamento da ADI 2240, relator o Ministro Eros Grau. Naquela ocasião, o entendimento inicialmente

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adotado pelo relator era pela improcedência do pedido de declaração de in-constitucionalidade ante a necessidade de se dar segurança jurídica às situa-ções havidas na vigência de norma impugnada. Contudo, diante do voto-vista do Ministro Gilmar Mendes, prevaleceu entendimento de que não se poderia julgar improcedente a ação se havia concordância unânime quanto à incons-titucionalidade da lei. O que se tinha de fazer era ajustar os limites dessa deci-são, como foi feito, dando-lhe efeitos meramente prospectivos.

No caso da lei criadora do ICMBio, o Supremo Tribunal Federal optou por voltar atrás na decisão de procedência do pedido em razão dos seguintes argumentos alegados pelo Relator:

Informações preliminares dão conta de que aproximadamente quinhen-tas medidas provisórias tramitaram mediante a adoção do procedimen-to ora declarado inconstitucional. Daí a necessidade imperiosa que seja dada segurança jurídica às normas já editadas, evitando-se grave distorção de todo o sistema na corrida desenfreada ao Poder Judiciário. Quer dizer, essa é uma demonstração de que devemos ter, nesse caso, uma postura consequencialista.

Durante os debates, rejeitou-se a proposta inicialmente formulada na Questão de Ordem para que fosse dado prazo de 24 meses para que o Senado Federal se adequasse ao novo posicionamento do Supremo Tribunal. Ocorre que, conhecedor do insucesso da imposição anterior de prazo para atuação legislativa, o Ministro Ayres Britto asseverou: “sempre prefiro não

as-sinalar prazo, não marcar prazo para o Legislativo, porque nós sabemos que o Legislativo não é obrigado a legislar”.

Considerou-se como adequada, portanto, a solução apresentada pelo Ministro Gilmar Mendes, no sentido de que se deveria declarar a inconsti-tucionalidade incidental e com efeitos ex nunc da Resolução n. 1 de 2002 do Congresso Nacional que previa o procedimento sem parecer da Comissão Mista, em desacordo com a Constituição. Assim, todas as leis e medidas pro-visórias editadas até aquele julgamento ainda estariam acobertadas pela não retroatividade da invalidade da Resolução.

Quanto à lei que criara o ICMBio, originariamente questionada naquela ação direta, entendeu-se que teria sua constitucionalidade reconhecida por ser fruto de processo legislativo ainda considerado válido.

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Tribunal Federal buscou evitar diversos provimentos jurisdicionais em controle difuso sobre o tema, além de fixar a questão de forma que não mais pudesse ser alvo de questionamentos. Isso porque, ele entendeu que se sobreviesse o julgamento pela procedência da ação, tal juízo repercutiria sobre várias outras leis elaboradas em circunstâncias semelhantes, colocando em risco a segurança jurídica de todas as relações jurídicas interpessoais reguladas por essas leis.

A diferença de técnicas decisórias em ambos os casos pode causar es-panto, mas corresponde à utilização eficiente dos instrumentos disponíveis à jurisdição constitucional para adequar a declaração de inconstitucionalidade à complexidade fática apresentada. Como bem salientou o Ministro Gilmar Mendes no caso do ICMBio:

De fato, a situação é extremamente grave, talvez uma das mais graves com as quais nós já tenhamos nos deparado, tendo em vista a dimensão, que vai muito além do caso que foi objeto da discussão, uma vez que, pelo que se fala, de alguma forma poderia incidir sobre algo em torno de quinhentas leis ou medidas provisórias já convertidas em lei.

Assim, a decisão que se considerou segura para resguardar as relações jurídicas advindas de lei ou medidas provisórias submetidas a processo legis-lativo tido por inconstitucional foi a de resguardar integralmente a validade da legislação já existente, julgando a ação improcedente.

Situação semelhante ocorreu no julgamento da constitucionalidade da Emenda Constitucional n. 62/2009, relativamente ao pagamento de precató-rios. Inicialmente, o Supremo Tribunal Federal havia julgado parcialmente procedente as Ações Diretas 4357 e 4425, o que implicaria a extinção ex tunc do modelo de pagamento implantado pela Emenda Constitucional 62/2009, restaurando-se o modelo anterior, em razão do já conhecido princípio da nu-lidade do ato inconstitucional.

Contudo, de forma não usual, o Ministro Luiz Fux, por meio de decisão mo-nocrática, deferiu a modulação de efeitos dessa decisão para garantir a manuten-ção do regime declarado inconstitucional, pois havia notícia de que o pagamento dos precatórios havia sido interrompido, apesar de haver recursos disponíveis, pois a Presidência de alguns Tribunais entendera por paralisar os pagamentos/ levantamentos de valores enquanto não modulados os efeitos daquele acórdão.

O Ministro Luis Fux então determinou que os Tribunais de Justiça de todos os Estados e do Distrito Federal dessem imediata continuidade aos

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pagamentos de precatórios na forma como já vinham realizando até a deci-são proferida pelo Supremo Tribunal Federal e segundo o sistema vigente à época, respeitando-se a vinculação de receitas para fins de quitação da dívida pública, sob pena de sequestro. Restringiu, portanto, os efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade, garantindo a ultra-atividade do modelo de pagamento de precatório anterior.

Posteriormente, tal decisão foi referendada pelo Plenário do Supremo Tribunal Federal (inclusive com a concordância do Ministro Marco Aurélio que historicamente posiciona-se de maneira contrária à modulação de efei-tos da inconstitucionalidade) e nova acomodação foi sugerida ao caso, com a proposta geral de modulação do prazo de cinco anos para ultra-atividade da Emenda Constitucional 62/2009.

Interessante foi a proposição apresentada pelo Ministro Roberto Barroso em voto-vista, a qual continha quatro medidas de transição para viabilizar o pagamento dos precatórios nesse intervalo de cinco anos. Dessa solução logo divergiu o Ministro Teori, ao argumento de que as propostas fugiriam do conceito de modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucio-nalidade para efetivamente alterar a substância ou conteúdo do que decidido, bem como aplicar “regulamentação transitória” que corresponderia à verda-deira inovação legislativa. Prevaleceu a orientação do Ministro Teori.

É importante que se reconheça esse movimento de autocontrole do Supremo Tribunal Federal, ao apontar que a lei apenas o autoriza a modular os efeitos da declaração de inconstitucionalidade sob seu aspecto temporal, mas que eventuais conformações legislativas devem ser produzidas pelo pró-prio Poder Legislativo.

Discussão semelhante deu-se no julgamento que barrou a redistribui-ção de vagas de Deputado Federal feita pelo Tribunal Superior Eleitoral. Após concluir pela inconstitucionalidade do parágrafo único do art. 1º da Lei Complementar 78/93 e a Resolução TSE 23.389/2013, ao argumento de que a Constituição não permite a delegação à Justiça Eleitoral ou ao TSE da respon-sabilidade de fixar o número de representantes do Poder Legislativo, foi susten-tada a modulação de efeitos para que os critérios populacionais estabelecidos nesses diplomas perdurassem até que fosse editada nova Lei Complementar disciplinando a matéria. Assim, o Supremo Tribunal iria declarar a inconsti-tucionalidade dos dispositivos, mas sem pronúncia de nulidade.

A proposta não alcançou o quorum de dois terços (oito ministros) para aprovação, vencida pelo argumento de que não haveria razão para não

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reconhecer a nulidade do sistema veiculado nas leis impugnadas, uma vez que elas só teriam efeitos prospectivos mesmo (a partir das eleições de 2014), o que tornaria inútil eventual modulação, sendo suficientes os efeitos invali-datórios naturais da declaração de inconstitucionalidade, os quais restabele-ceram a ordem anterior.

Nova ‘restrição ao poder de modular’ foi fixada em julgado recente, vei-culado no Informativo STF n. 780, no qual se firmou entendimento quanto ao momento processual em que deve ser analisada a proposta de modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitucionalidade. Concluiu o Supremo Tribunal Federal que, em ação direta de inconstitucionalidade, com a procla-mação do resultado final, tem-se por concluído e encerrado o julgamento e, por isso, inviável a sua reabertura para fins de modulação. Consta da ata que:

O Plenário, por maioria, resolveu questão de ordem no sentido de afir-mar que o exame da presente ação direta fora concluído e que não seria admissível reabrir discussão após o resultado ter sido proclamado. Na espécie, na data do julgamento estavam presentes dez Ministros da Corte, porém, não se teria obtido a maioria de dois terços (oito votos) para se modular os efeitos da decisão, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/1999 (“Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato norma-tivo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado”) e o julgamento fora encerrado Na sessão subsequente, tendo em conta o comparecimen-to do Ministro ausente da sessão anterior, cogicomparecimen-tou-se prosseguir no julgamento quanto à modulação — v. Informativos 481 e 776. A Corte destacou que a análise da ação direta de inconstitucionalidade seria re-alizada de maneira bifásica: a) primeiro se discutiria a questão da cons-titucionalidade da norma, do ponto de vista material; e, b) declarada a inconstitucionalidade, seria discutida a aplicabilidade da modulação dos efeitos temporários, nos termos do art. 27 da Lei 9.868/1999. Assim, se a proposta de modulação tivesse ocorrido na data do julgamento de méri-to, seria possível admiti-la. Ressalvou que não teria havido erro material e, uma vez que a apreciação do feito fora concluída e proclamado o re-sultado, não se poderia reabrir o que decidido. Por conseguinte, estaria

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preclusa, à luz do postulado do devido processo legal, a possibilidade de nova deliberação.

Essa decisão não foi unânime, pois ficaram vencidos os Ministros Gilmar Mendes, Menezes Direito e Teori Zavascki, que admitiam a retomada do jul-gamento quanto à modulação dos efeitos. O Ministro Teori Zavascki enfati-zou que no caso específico teria havido “error in procedendo” e que o Supremo Tribunal não deveria fechar essa porta, pois poderia ser útil a possibilidade de eventual conformação ou adequação do julgado ante a realidade fática, como foi necessário no caso dos precatórios.

CoNCLusÃo

Ao analisar o instituto da modulação dos efeitos temporais no Direito brasileiro e na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, percebe-se ter havido uma série de alterações de seu alcance e possibilidades de aplicação.

Inicialmente, vê-se que a própria legitimidade constitucional do insti-tuto foi questionada (pela doutrina e em julgamento ainda não concluído), diante do postulado ou dogma da nulidade do ato declarado inconstitucional. Com o crescente volume de ações diretas de inconstitucionalidade sobre as mais distintas questões e atacando leis que davam amparo jurídico a di-versas situações concretas de difícil ou prejudicial desfazimento, o Supremo Tribunal Federal rendeu-se à autorização legislativa para não apenas atuar como legislador positivo, mas também definir, diante do quadro fático apre-sentado, qual o momento adequado para que o estado de inconstitucionali-dade fosse superado. Assim, municípios, eleições e demais relações jurídicas acobertadas pelo princípio da segurança jurídica e do excepcional interesse público foram preservadas.

Em seguida, a modulação inicialmente prevista como mecanismo de decisão em controle concentrado de constitucionalidade foi utilizada para salvaguardar situações jurídicas em controle difuso de constitucionalidade qualificados pelo instituto da repercussão geral.

Dando um salto a frente, a modulação dos efeitos serviu para adequar decisões de inconstitucionalidade que trariam consequências graves, como a paralização do pagamento dos precatórios ou a invalidação de mais de qui-nhentas leis e medidas provisórias e as relações jurídicas por elas reguladas.

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Contudo, quando novos saltos tentaram ser dados, o próprio Supremo Tribunal teve a cautela de não estender a finalidade precípua da utilização da modulação: alterar o momento, o tempo da declaração de inconstitucionali-dade, garantindo-se um período de sobrevida da lei invalidada.

Não se admitiu, portanto, que a modulação fosse entendida como auto-rização para inovar a ordem jurídica com regulamentações de transição, ainda que propostas em nome da segurança jurídica.

Também nessa linha, o Supremo Tribunal Federal rejeitou a possibilidade de formulação de pedido de modulação, ou sua sugestão, após o encerramento e proclamação do resultado do julgamento. A maioria entendeu que a necessi-dade de por termo final à discussão prevalece sobre eventual risco de erro no julgamento, o que parecer ser solução meramente formal, haja vista a prática de se suspender a sessão caso se queira atingir o quórum para deliberação sobre a modulação (a qual se dá por pelo menos 8 membros do Tribunal).

Dos julgados e entendimentos expostos é possível perceber que diante da crescente demanda de ações que envolvem questões de relevância políti-ca e social, aliada à postura mais ativa que o Supremo Tribunal Federal vem adotando, a modulação dos efeitos temporais da declaração de inconstitu-cionalidade vem sendo usada como instrumento de conformação e ajuste do princípio da soberania da Constituição (o qual justifica a própria existência do controle de constitucionalidade e da corte constitucional) ao valores juri-dicamente relevantes da segurança jurídica e excepcional interesse social, os quais adquirem contornos próprios em cada caso concreto.

Além disso, esse instrumento de atenuação do impacto da decisão de inva-lidade constitucional de determinada norma também tem sido utilizado como neutralizador de consequências indesejáveis não antevistas pelos julgadores constitucionais, especialmente quando veiculado por meio de embargos de de-claração, pelo que abre a possibilidade de os agentes envolvidos expressarem seus argumentos quanto à necessidade de manutenção de lei, ainda que em estado de inconstitucionalidade, mas em razão de outro princípio de sede constitucional.

ReFeRÊNCIAs

1. ÁVILA, Ana Paula. A Modulação de Efeitos Temporais pelo STF no Controle de

Constitucionalidade: Ponderação e regras de argumentação para a interpretação conforme à Constituição do artigo 27 da Lei nº 9.868/99. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2009.

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2. BARROSO, Luís Roberto. Parecer: Mudança da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal em matéria tributária. Segurança jurídica e modulação dos efeitos temporais das decisões judiciais. Revista de Direito do Estado. Rio de Janeiro: Renovar, ano 1, nº 2, p. 261-288, abr-jun 2006.

3. BRASIL. Lei n. 9.868, de 10 de novembro de 1999. Dispõe sobre o processo e julgamento da ação direta de inconstitucionalidade e da ação declaratória de constitucionalidade perante o Supremo Tribunal Federal.

4. BRASIL. Lei n. 9.882, de 3 de dezembro de 1999. Dispõe sobre o processo e jul-gamento da argüição de descumprimento de preceito fundamental perante o Supremo Tribunal Federal.

5. BULOS, Uadi Lammêgo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2007.

6. CANOTILHO, J.J. Gomes Canotilho. Direito constitucional e teoria da consti-tuição. 7. ed. Portugal: Editora Almedina, 2003.

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8. MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 3. ed. rev. e atual, São Paulo: Saraiva, 2008.

9. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

10. MENDES, Gilmar Ferreira. Jurisdição Constitucional. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

11. MENDES, Gilmar Ferreira. Direitos Fundamentais e Controle de Constitucionalidade: Estudos de Direito Constitucional. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2004.

12. SARLET, Ingo; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de

direito constitucional. 3. ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014.

Recebido em: 18/06/2015 Aceito em: 30/06/2015

Referências

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