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A construção histórico-jurídica na era moderna da liberdade e da autonomia sindicais nas relações coletivas obreiras: a norma coletiva no direito brasileiro e a extensão da eficácia subjetiva ao empregado não sindicalizado na atualidade

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO DA FACULDADE DE DIREITO

MARIANA AQUINO CORCINI FERNANDEZ

A CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA NA ERA MODERNA DA

LIBERDADE E DA AUTONOMIA SINDICAIS NAS RELAÇÕES

COLETIVAS OBREIRAS: A NORMA COLETIVA NO DIREITO

BRASILEIRO E A EXTENSÃO DA EFICÁCIA SUBJETIVA AO

EMPREGADO NÃO SINDICALIZADO NA ATUALIDADE

SALVADOR 2019

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A CONSTRUÇÃO HISTÓRICO-JURÍDICA NA ERA MODERNA DA

LIBERDADE E DA AUTONOMIA SINDICAIS NAS RELAÇÕES

COLETIVAS OBREIRAS: A NORMA COLETIVA NO DIREITO

BRASILEIRO E A EXTENSÃO DA EFICÁCIA SUBJETIVA AO

EMPREGADO NÃO SINDICALIZADO NA ATUALIDADE

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra, sob a orientação do Professor Doutor Rodolfo Pamplona Filho

SALVADOR 2019

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FICHA CATALOGRÁFICA

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MARIANA AQUINO CORCINI FERNANDEZ

Dissertação aprovada ao Programa de Pós-Graduação da Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia como requisito parcial para a obtenção do título de Mestra pela seguinte banca examinadora:

Nome:__________________________________________________________ Titulação e instituição:_______________________________________________ Nome:__________________________________________________________ Titulação e instituição: _____________________________________________ Nome:__________________________________________________________ Titulação e instituição:_____________________________________________ Salvador, ____/_____/ 2019

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Agradeço antes de tudo a Jesus Cristo, meu Senhor e Salvador. Suas Palavras lembram-me de focar nos propósitos desta vida que reverberam agora e na eternidade: relacionamento, com Deus e com as pessoas, permeado pelo amor, alegria, paz, perseverança, gentileza, bondade, fé, mansidão e domínio próprio.

Agradeço de coração o apoio de meu amado marido, Leandro, assim como de meus pais, Sebastiana e Francisco, e de minha irmã Marina. Todos vocês são fundamentais na minha vida e é impossível expressar o quanto do afeto de vocês me ajudou a chegar até aqui.

Ao professor Pamplona, minha imensa gratidão. Sendo meu amigo, orientador e referência em toda a minha vida acadêmica (graduação, especialização e agora mestrado, incluindo o tirocínio) e jornada profissional (do estágio na gloriosa 1ª Vara à tutoria da Pós Graduação EAD da Estácio/CERS), devo-lhe muito por tudo que pude aprender nessa jornada.

Obrigada aos demais membros da banca examinadora, prof. dr. Luciano Martinez e profa. dra. Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do Vale, por disporem de seu precioso tempo para honrarem-me com a participação nesta defesa.

Agradeço ainda a dra. Ana Emília Albuquerque pela oportunidade de aprender mais sobre Direito Sindical, no estágio na PRT da 5ª Região e na assessoria jurídica no 2º grau. Nossas conversas contribuíram para o meu crescimento na área e para as ideias basilares deste trabalho.

Sou grata também aos meus amigos e amigas de Recife: dra. Jair Henrique Marinho, Elaine Viana, Victor, Paloma, Rodrigo, Lara, Thereza, Guilherme e toda a nossa turma unida pelo concurso do TRT6, além dos membros da Igreja Batista Mosaico. Do mesmo modo, meu obrigada a amigos e amigas de Salvador: Elaine Priscilla, Lukas; Carlinha; Áurea e Antônio; Adriana e Társis; Felipe e Claiz, além dos ex-colegas do MPT, que já conversavam comigo sobre pontos desta dissertação bem antes de ela nascer. Agradeço em especial aos colegas do curso do PPGD, Joeline, Cyntia e Luis Assis, pela generosidade em compartilhar informações e auxiliar em momentos que eu não pude estar presente em Salvador.

Por fim, deixo meu agradecimento àqueles e àquelas que, por um lapso meu de cansaço, talvez não foram citados nominalmente aqui, mas que sabem que, no meu coração, têm um lugar especial em que a gratidão durará para sempre.

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O objetivo principal deste trabalho é sobre a legitimidade do acordo de negociação coletiva e a idéia tradicional na lei brasileira de que o empregado não sindicalizado deve necessariamente observar essas regras, como faz um membro filiado. Assim, busca-se entender a ideia de liberdade do ser humano, a formação de grupos sindicais no mundo e a associação de pessoas como fato natural. Em seguida, estuda-se os interesses públicos, coletivos e individuais e a relação entre eles e a manifestação da vontade respectiva. Verifica-se que a História brasileira foi fortemente influenciada pelo corporativismo italiano, mas há uma diferença significativa no tratamento legal no sistema brasileiro. A principal diferença é que o o convênio fruto de negociação coletiva não é aplicável ao não sindicalizado, exceto no caso em que a autoridade pública determina a extensão dessa obrigação acerca da norma coletiva para os não filiados. A lei trabalhista determinou isso expressamente de 1932 até 1967, dando mais liberdade ao trabalhador àquela época do que atualmente. Então, isso demonstra que a liberdade individual do trabalhador é limitada por uma compreensão equivocada da relação entre o trabalhador e a entidade sindical. Para sanar este lapso e transformar positivamente as relações sindicais , propoe-se a adoção da ideia de taxa de rateio dos custos da negociação coletiva como mecanismo efetivo para evitar os “caroneiros” e equilibrar as responsabilidades financeiras e direitos do trabalhador sindicalizado ou não.

Palavras-chave: sindicato, representação sindical, autonomia da vontade; convênio

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The core of this work is about the legitimacy of collectively bargaining agreement and the traditional ideia into the Brazilian law that the non-union employee must have to obey these rules, like a union involved worker does. So, it seeks to understand the idea of human being freedom, the formation of union trade groups in the world and the people association like a natural fact. Then, it studies the individual, the collective and the public interests and the relation between it and the manifestation of the will. It is verified that Brazilian history was strongly influenced by Italian corporatism, but there is a important difference in the legal treatment in the Brazilian legal system. The main difference is that the Brazilian collectively bargaining agreement is not apply, to non involved-union, except in the case that the public authority determines the extension of this obligation about collectively bargaining agreement. The labor law rules about this subject since 1932 until 1967, giving more freedom to worker in the past than now. So, it proves that the individual freedom of the worker is limited by a incorrect comprehension of the relationship between the worker and the union trade. To correct this problem and transform the relationships in the union trade context it purposes the adoption of the ideia of agency fee like a effective mechanism to avoid the free riderism and balance the financial responsabilities and rights of the involved and non involved worker.

Key-words: unions trade, trade union representation, manifestation of will, collectively

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1 INTRODUÇÃO...09

2 LIBERDADE SINDICAL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO...12

2.1 A LIBERDADE SINDICAL INDIVIDUAL NEGATIVA...16

2.2 SINDICATO: RECORTES METODOLÓGICOS PRÉVIOS...18

2.3 CONTEXTO HISTÓRICO-JURÍDICO DO NASCIMENTO DA LIBERDADE GERAL NA EUROPA...19

2.3.1 Fim do Medievo e ascensão da Modernidade...20

2.3.2 A Modernidade, o Estado soberano e o indivíduo...23

2.4 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LIBERDADE SINDICAL...27

2.4.1 A Inglaterra e a França como berços da construção da liberdade sindical...27

2.4.2 A fase da proibição ...31

2.4.3 A fase da tolerância jurídica...33

2.4.4 A fase do reconhecimento do direito de coalizão e livre organização sindical no Ocidente... 34

2.5 ORGANIZAÇÃO INTERNACIONAL DO TRABALHO E A LIBERDADE SINDICAL... 40

3 AS FONTES NORMATIVAS E PECULIARIDADES DO DIREITO DO TRABALHO...45

3.1 PLURALISMO VERSUS MONISMO JURÍDICO ...45

3.2 BREVE REVISÃO DA HIERARQUIA DE FONTES E AS ESPECIFICIDADES NO DIREITO DO TRABALHO...54

3.2.1 Teoria dinâmica das fontes e a norma mais favorável...57

3.2.1.1 Teoria da acumulação...60

3.2.1.2 Teoria do conglobamento puro...61

3.2.1.3 Teoria do conglobamento mitigado (ou por instituto)...62

3.2.2. O art. 620 e art. 611-A, caput da Consolidação das Leis do Trabalho: a fragilização da norma mais favorável...64

3.3 A NATUREZA JURÍDICA DO SINDICATO NO BRASIL... 74

3.4 A COMISSÃO REPRESENTANTE DOS EMPREGADOS X SINDICATO...79

4 DA AUTONOMIA À FORMAÇÃO DAS NORMAS COLETIVAS NO BRASIL...82

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4.1.2 Autonomia privada e a busca dos interesses individual e coletivo...89

4.2 A EVOLUÇÃO DA AUTONOMIA SINDICAL BRASILEIRA...96

4.2.1 Teorias acerca da natureza jurídica da norma coletiva...100

4.2.1.1 Teorias contratualistas...101

4.2.1.2 Teorias normativistas...105

4.2.1.3 Teorias negativas da natureza contratual...107

4.2.2 A norma coletiva na contemporaneidade: um tercium genus na ordem jurídica...112

4.2.3. O Corporativismo italiano e a sua chegada ao Brasil...112

4.2.4 O Corporativismo brasileiro e a relação sindical...114

4.2.4.1 Da Independência do Brasil à Era Vargas: Constituições de 1824, 1891, 1934 e 1937 - e sua respectiva legislação infraconstitucional...114

4.2.4.2 Do Estado Novo à redemocratização: Constituições de 1946, 1967/69 e de 1988 ...124

5 O EFEITO EXTENSIVO DA EFICÁCIA DAS NORMAS COLETIVAS AOS NÃO SINDICALIZADOS E A LIBERDADE SINDICAL INDIVIDUAL NEGATIVA NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO...129

5.1. O DESCONHECIMENTO DO CONVÊNIO COLETIVO, ATO TÍPICO DA ATUAÇÃO SINDICAL...130

5.2 A LIBERDADE SINDICAL INDIVIDUAL NEGATIVA: VISÃO DOUTRINÁRIA SOBRE A EFICÁCIA DA NORMA COLETIVA ATUALMENTE NO BRASIL...133

5.3 AS TRÊS ESPÉCIES DE EXTENSÃO DOS EFEITOS DA NORMA COLETIVA AOS NÃO SINDICALIZADOS ...136

5.4 A EVOLUÇÃO DA NORMA BRASILEIRA SOBRE A EXTENSÃO DA NORMA COLETIVA A NÃO SINDICALIZADOS...138

5.5 AS NORMAS CONSTITUCIONAIS DE 1988 E A EXTENSÃO AUTOMÁTICA DA NORMA COLETIVA AOS NÃO SINDICALIZADOS...146

5.5.1 A unicidade sindical versus participação sindical na formação da norma coletiva...146

5.5.2 A participação obrigatória na negociação coletiva...147

5.5.3 Sindicato como representante dos interesses coletivos e individuais da categoria ...150

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sindicalizados: o exemplo da contribuição confederativa...154

5.6 LIBERDADE SINDICAL INDIVIDUAL NEGATIVA COMO ÔNUS: FREE RIDERS, O SISTEMA DE FINANCIAMENTO DE ATOS TÍPICOS E O FIM DA COMPULSORIEDADE DA CONTRIBUÇÃO SINDICAL ...157

5.6.1 Os free riders...159 5.6.2 O renascimento da taxa de custeio da negociação coletiva...164 5.6.3 Breves ponderações sobre situações jurídicas que poderiam surgir com o reconhecimento de que a eficácia das normas coletivas não é extensível automaticamente aos não sindicalizados...168 6 CONCLUSÕES ...173 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...190

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1 INTRODUÇÃO

A Constituição de 1988 inaugurou uma nova época para a autonomia negocial sindical, ao proibir a interferência e a intervenção estatais em sua organização, ao mesmo tempo que atribuiu aos membros de uma categoria a liberdade de filiação ou não filiação. De outro lado, ainda manteve algumas previsões, como a anuência com uma contribuição prevista em lei voltada ao sindicato e a unicidade sindical, que mostram resquícios de um período corporativista incompatível com o nível de liberdade sindical propugnado internacionalmente e com o próprio Estado Democrático de Direito.

O presente trabalho tem por escopo examinar questão polêmica, porém tratada de modo superficial pela doutrina e que exige análise acurada para eventual correção de posições que limitam injustificadamente a liberdade sindical individual negativa. Objetiva-se verificar a possibilidade de que a liberdade sindical individual negativa signifique, como desdobramento, que o não sindicalizado está fora do âmbito de eficácia automática das normas coletivas. Caso confirmada a hipótese, não haveria razão jurídica para a comum interpretação de compulsoriedade dos efeitos subjetivos (ou, nas palavras de Orlando Gomes, da “extensão automática”) da norma coletiva para todos os membros da categoria.

O segundo capítulo destina-se a uma visita à própria origem da concepção de liberdade geral, passando pela Modernidade e as adaptações ocorridas na relação do Estado com o indivíduo, o reconhecimento da existência de grupos sociais e, ao fim, o reconhecimento legal da existência da entidade sindical como associação profissional, de modo que o atual Estado Democrático de Direito consegue alçar a liberdade sindical à posição de direito fundamental objetivo e subjetivo, conquista ratificada por tratados internacionais que mostram a excelência da concepção da liberdade sindical plena.

As fontes normativas e as peculiaridades de sua compreensão no Direito do Trabalho serão objeto de discussão do terceiro capítulo, que também abordará os impactos da transição do monismo jurídico para o pluralismo, a relativização da teoria da hierarquia das fontes, as implicações das peculiaridades trabalhistas envolvendo a aplicação da norma mais benéfica, especialmente diante da Lei 13.467/2017, que alterou pontos importantes relacionados ao tema. Ainda abordar-se-á as teorias relacionadas à aplicação da norma jurídica trabalhista e a natureza jurídica do

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sindicato no Brasil, que permite ter melhor dimensão do tipo de norma produzida pelo mesmo.

O quarto capítulo destina-se a investigar especificamente a evolução da noção de autonomia como embasamento para o poder normativo sindical. Para tal desiderato, reflete-se acerca dos níveis de autonomia a partir dos interesses defendidos, bem como, especialmente no Brasil, as diversas teorias envolvidas com o tema que buscam justificar a produção da norma coletiva sindical ao atribuir-lhe natureza jurídica específica, de modo a explicitar a relação existente entre o indivíduo obreiro e o grupo profissional. Ainda se reflete, a partir disso, o grau de influência do corporativismo no sindicalismo nacional e o legado que o mesmo deixou ao longo da história constitucional nacional, até alcançar a Constituição atual de 1988.

No quinto capítulo, depois de compreensão da relação entre sindicato e os indivíduos da categoria, o caminho de construção da norma coletiva como exercício da liberdade sindical e da autonomia coletiva, seu significado histórico e as bases da construção do sindicalismo nacional, passa-se à análise específica da relação estabelecida entre o não sindicalizado e o sindicato. Destrincha-se, a partir de toda construção histórica e jurídica da liberdade sindical individual negativa, os fundamentos encontrados na própria base legislativa e doutrinária brasileira que podem apontar para um entendimento equivocado na atualidade acerca da abrangência atribuída à norma coletiva. A partir da compreensão de que há uma interpretação da extensão dos efeitos da norma coletiva que está afetando injustificadamente a liberdade sindical individual negativa do não associado, reflete-se sobre possíveis ponderações para que reflete-sejam obreflete-servadas a liberdade sindical do modo mais pleno possível, ao mesmo tempo que se respeita o conteúdo e limites previstos no texto constitucional. Para tanto, reflete-se acerca da liberdade sindical negativa individual como um direito que assegura a não obrigatoriedade de aplicação da norma coletiva sobre os não sindicalizados. Também se pondera que tal desvinculação é uma responsabilidade de escolha do não filiado, que, a princípio, não será beneficiado por uma norma coletiva vantajosa de modo gratuito (free riderism), especialmente após o fim da contribuição compulsória sindical. Nesse sentido, e considerando a situação atual de todos os envolvidos na norma coletiva – empregadores, sindicatos, filiados e não filiados-, propõe-se, em respeito ao pluralismo, à democracia, à liberdade sindical e à autonomia negocial, uma ideia que não é nova, mas que faz, mais do que nunca, sentido de ser francamente adotada:

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que seja possível a adesão do não filiado à norma coletiva que entender vantajosa, mediante o pagamento de uma contribuição objetivando apoiar os custos financeiros da negociação coletiva. Assim, evita-se uma filiação indesejada e, ao mesmo tempo, permite-se que a norma coletiva possa alcançar o não associado sem que isso signifique uma sobrecarga para os associados. Respeita-se, destarte, tanto a liberdade sindical individual negativa quanto a positiva.

No sexto capítulo, tem-se a conclusão do presente trabalho, com a afirmação de que a liberdade sindical, construída duramente ao longo de séculos e pouco familiar ao sindicalismo brasileiro, encontrou na Constituição Federal de 1988 um baluarte de sua defesa máxima a partir dos limites também por ela estabelecidos. E, da análise de seu texto e da construção histórico-legislativa nacional, não há elementos que justifiquem a restrição à liberdade sindical individual negativa por uma mera questão de equívoco interpretativo que tem imposto a aplicação normativa negociada sobre os não associados à revelia do direito fundamental tão caro, ao mesmo tempo que a prática traz sobre os associados, especialmente diante das mudanças da Lei 13.467/2017, um desequilíbrio financeiro que afeta também a liberdade individual sindical positiva.

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2 LIBERDADE SINDICAL: CONCEITO E CLASSIFICAÇÃO

A noção completa de liberdade é missão impossível de ser compreendida em um parágrafo. Impossível de ser contemplada até mesmo em uma dissertação inteira.

Há séculos, pensadores das mais diversas áreas tentam esmiuçar o conteúdo da liberdade geral, defini-la, limitá-la ou disseminá-la. Em verdade, a liberdade não apenas é objeto de paixões acadêmicas, como também é a razão de conflitos e guerras que ocorreram ao longo da História humana.

O que é a liberdade para o Direito? E quais os prismas que a liberdade no Direito pode assumir? Sem a pretensão de esgotar as possíveis definições, é construtiva a colaboração do dicionário da Academia Brasileira de Letras Jurídicas para o tema, razão pela qual será trazida algumas das principais definições e qualificações da liberdade em sentido jurídico:

LIBERDADE. S. f. (Lat. libertas) Faculdade que tem cada um de agir em obediência apenas a sua vontade. OBS. Esse conceito lato sofre restrições no estádio do homem coletivizado, sendo peculiar tão somente ao estádio da horda. Cf. liberdade civil, política e pública, em verbetes autônomos (...).LIBERDADE CIVIL. Dir. Civ. Poder de ação dependente da subordinação e integração do homem na sociedade; poder de fazer prevalecer a própria vontade até o ponto em que não interfira com a liberdade alheia (...) LIBERDADE DE AGIR. Dir. Fund. Faculdade que o indivíduo tem de fazer o que deseja, desde que o não proíba a lei. O pressuposto básico da liberdade, ou a liberdade propriamente dita. CF, art. 5º(II). LIBERDADE DE ASSOCIAÇÃO. Dir. Fund. Capacidade assegurada a todos de se organizarem em associações para fins lícitos, a qual não poderá ser dissolvida senão em virtude de decisão judicial. CF, art. 5º(XVII). LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA. Dir. Fund. Faculdade essencial da personalidade, que assegura ao indivíduo crer, descrer ou deixar de crer em qualquer religião, por motivo exclusivo de sua consciência. CF, art. 5º (VI). LIBERDADE DE CONTRATAR. Dir. Obr. Faculdade que tem a parte de manifestar livremente a sua vontade no ato de contratar, desde que exercida em razão e nos limites da função social do contrato. CC, art. 4211.

A partir dessas breves definições exemplificativas de conotações jurídicas que a liberdade pode assumir, é possível verificar que algumas expressões costumam aparecer repetidamente: capacidade, faculdade, vontade, poder.

1 ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS JURÍDICAS. Dicionário Jurídico. Organização J. M. Othon Sidou ...[et.al]. - 11. ed., rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p.626-627 (e-book).

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Assim, é a faculdade de ser humano, considerado de modo individual ou coletivo, de proceder conforme bem lhe pareça, ou de agir livremente tendo como limite a lei ou o direito de outrem, sejam regras positivadas ou consuetudinárias2.

Vê-se quantas conotações diferentes podem ser emprestadas à liberdade, mesmo que analisada apenas sob a perspectiva jurídica, pois cada prisma atrai um novo olhar sobre as possibilidades de uso desse poder, bem como seus limites.

De fato, dificilmente encontrar-se-á uma definição de liberdade voltada para o Direito sem que se faça acompanhar de alguma limitação. Seja a lei, o costume ou a própria liberdade alheia, percebe-se que essa faculdade, ao mesmo tempo que só faz sentido ser tratada juridicamente quando há interação humana, também só ganha relevância jurídica quando há necessidade de delimitar âmbitos de atuação lícita por cada titular diante de potenciais terceiros também titulares.

No presente trabalho, das muitas conotações que a liberdade pode assumir, deseja-se destacar a liberdade sindical. Ela também possui estreitos laços com a liberdade de associação, de contratar, de consciência, de expressão e outros aspectos voltados para o estudo jurídico Por ora, deseja-se demonstrar como ela assumiu sua relevância ao longo da história moderna, desenvolvendo-se lado a lado com o capitalismo industrial e com as relações trabalhistas estruturadas a partir do liberalismo.

A liberdade sindical é a base de todo o Direito do Trabalho, analisado na perspectiva das relações coletivas de trabalho.

Assim, é a base do Direito Coletivo do Trabalho, também chamado de Direito Sindical3 e é a seara de estudo que interessa ao presente trabalho, enquanto meio de

2 PAMPLONA FILHO, Rodolfo, LIMA FILHO, Cláudio Dias. 2ª ed. rev. ampl. Pluralidade Sindical e Democracia. São Paulo: LTr ,2013, p.60.

3 Segundo José Arouca, há grande celeuma entre os doutrinadores sobre a definição do nível de autonomia científica, bem como da melhor nomenclatura, para a seara jurídica que estuda relações coletivas de trabalho. Existem quatro grandes grupos: a) aqueles que defendem ser o estudo das relações coletivas laborais uma vertente do próprio Direito do Trabalho, mantendo-se nele; b) a corrente do “Direito Corporativo”, que centrava a análise das relações coletivas no Estado, bastante destacada no período corporativista brasileiro do Estado Novo, mas já superada; c) a linha que define o “Direito Coletivo Sindical”, que define o Direito Coletivo como verdadeiro “Direito Sindical” e d) a corrente que defende a utilização da expressão “Direito Coletivo do Trabalho”, por ter já certa estabilidade e aceitação internacional, sendo usual entre os juristas europeus. No presente trabalho, justamente reconhecendo a impossibilidade de uma definição pacífica, adota-se como sinônimos a expressão Direito Sindical e Direito Coletivo do Trabalho. Não se ignora, porém, que ambas as denominações têm suas limitações: a primeira porque o estudo das relações coletivas de trabalho não se limita apenas às discussões sindicais, precisando dialogar com as comissões de empresa, associações profissionais não sindicalizadas, entre outros. A segunda porque pode soar, por vezes, tão abrangente ao invocar o direito das coletividades em geral, a ponto de banalizar sua importância

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“proteção do trabalho humano dependente”, salvaguardando, consecutivamente, a pessoa humana, através do grupo social reconhecido pelo ordenamento jurídico4.

Segundo o doutrinador italiano Gino Giugni, a liberdade sindical ocorre quando “(...) a faculdade de efetuar a defesa e promoção dos interesses envolvidos no mundo do trabalho é atribuída aos próprios sujeitos protagonistas do conflito(...)” ou ainda a faculdade concedida aos sujeitos de um conflito de índole laboral de “unirem-se para promover a defesa de seus próprios interesses, escolhendo livremente, no exercício da própria autonomia, os meios mais convenientes para tal fim” 5. O exercício de tal

liberdade ocorreria, ao citar o direito italiano, na liberdade de organizar-se, que deve ser garantida tanto contra o Estado como contra a terceiros privados6.

Gilberto Stürmer7 concede uma definição completa, embora reconheça que não

é totalmente condizente com a realidade dessa liberdade no Brasil. Para ele, a liberdade sindical é

(...) direito dos trabalhadores, entendidos como tal empregados, empregadores autônomos e profissionais liberais, de livremente constituírem e desconstituírem sindicatos; de individualmente ingressarem e saírem dos sindicatos conforme seus interesses e sem limites decorrentes da profissão à qual pertençam; de livremente administrarem as organizações sindicais, constituírem órgãos superiores e associarem-se a órgãos internacionais; de livremente negociarem sem qualquer interferência do Poder Público (Executivo, Legislativo ou Judiciário); e de livremente exercerem o direito de greve, observadas as formalidades legais; tudo isso sem limitação de base territorial e num regime de pluralismo, sendo o sistema de financiamento única e exclusivamente pelas contribuições espontâneas por ele mesmo fixadas (...)

Evaristo de Moraes Filho8 comenta que a liberdade sindical não é precisa e

bem definida, variando conforme entendimento de cada tratadista. Assim, variam os conceitos de liberdade sindical e há confusão entre as faculdades do indivíduo diante do sindicato e dos poderes sindicais propriamente ditos.

No fim das contas, porém, Evaristo afirma que os temas que envolvem a liberdade sindical podem ser resumidos em três questões essenciais: a) a liberdade

e peculiaridade (AROUCA, José Carlos.Curso Básico de Direito Sindical. São Paulo: LTr, 2006. p.30-34).

4GOMES, Orlando; GOTTSCHALK, Elson. Curso de direito do trabalho. Rio de Janeiro: Forense, 2005, p. 536.

5 GIUGNI, Gino. Direito Sindical, São Paulo, LTr, 1991, p.46-47. 6 Ibidem. p.47.

7 STÜRMER, Gilberto: A Liberdade Sindical na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 e a sua relação com a Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2007, p.60-61.

8 MORAES FILHO, Evaristo de. O Problema do Sindicato Único no Brasil: seus fundamentos sociológicos. 2. Ed. São Paulo: Alfa-Ômega, 1978, p.147-148.

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sindical no exercício da autonomia diante de outros organismos profissionais e principalmente diante do Estado; b) a liberdade de constituição sindical com a plena capacidade de representação, permitindo que exista mais de uma entidade para a mesma profissão (aqui reside o debate do sindicato único ou plural) e c) liberdade do indivíduo de ingressar em qualquer sindicato que lhe diga respeito, podendo dele eximir-se quando desejar (intervenções nesse ponto ensejariam discussões sobre obrigatoriedade sindical).

A realidade sindical brasileira, como será estudada mais adiante, na sua formação histórica, deixa a desejar em diversos aspectos dos padrões internacionais para uma liberdade sindical plena. Nesse sentido, é interessante observar os comentários que Batalha e Batalha9 apresentam de dois aspectos relevantes sobre a

liberdade sindical.

O primeiro é a necessidade de existência privatística da liberdade sindical, relacionando-a à própria natureza do sindicato. Desse modo, a liberdade sindical só é expressa na manutenção da entidade como agrupamento com cunho de direito privado, sob pena de nada mais ser que um segmento estatal.

O segundo aspecto essencial para poder se falar em liberdade sindical, conforme os doutrinadores, é o individualístico, que inclui a faculdade de um indivíduo escolher pela filiação (individual positiva) ou não (individual negativa) ao sindicato.

2.1 A LIBERDADE SINDICAL INDIVIDUAL NEGATIVA

As liberdades sindicais individuais negativa e positivação parte de uma classificação consolidada na doutrina. O diferencial acerca dessas considerações dos autores é que o aspecto individualístico iria além da mera possibilidade de se filiar, pois exigiria a faculdade de escolher a qual sindicato se filiar. Assim, mesmo sob a Constituição Federal de 1988, não haveria ainda a liberdade sindical individual completa para eles, pois não há liberdade de escolher a qual entidade engajar-se.

Tal entendimento é coerente e ratifica a crítica comum de que a liberdade sindical individual brasileira ainda se encontra limitada por resquícios de uma tradição corporativista injustificável e que pouca relação tem com a própria lei, senão com o

9 BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Sílvia Marina Labate. Sindicatos, Sindicalismo. 2ª ed. rev. e ampl. São Paulo: LTr, 1994, p.82.

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modo que tem sido aplicada a noção da autonomia individual dos não sindicalizados diante da autonomia coletiva.

Todavia, apesar de todas as limitações que podem ser encontradas no exercício da liberdade sindical no Brasil, é imprescindível destacar que é possível delinear a sua manifestação em dois principais aspectos, amplamente adotados pela doutrina.

A classificação doutrinária mais comum é analisar o aspecto coletivo (manifestada pela formação e atuação de um agrupamento sindical) e individual (expressa nas faculdades do indivíduo enquanto membro da categoria). Esta, por sua vez, como positiva (havendo filiação e atividade de uma pessoa na entidade) ou

negativa (quando essa pessoa se abstém de filiar-se e de atuar na entidade sindical).

O tema será melhor esmiuçado a seguir.

Para Brito Filho10, a liberdade sindical individual é consistente no direito de

filiação, não-filiação e desfiliação de um ente sindical por uma pessoa. Já a coletiva é definida a partir da possibilidade de associação de trabalhadores e empregadores para fundação de um sindicato e, a partir daí, na liberdade de organização, de administração (ausência de interferência ou intervenção estatal e de terceiros) e, por fim, no exercício de suas funções.

Nessa mesma linha, cita-se Octávio Bueno Magano, que destaca a liberdade sindical sob dupla face: a que reconhece ao indivíduo a possibilidade de “participar, ou não, das organizações sindicais” (individual positiva ou negativa) e uma segunda, que “relaciona-se à questão da unidade ou da pluralidade sindical, pouco importando a base para a organização seja a categoria, a profissão, a indústria, ou, mesmo, a empresa (coletiva)11”.

Essa classificação da liberdade sindical individual apresenta a dualidade positiva e negativa.

A mais importante para o presente trabalho, porém, é olhar os pormenores da liberdade individual negativa. Ela tem sido subestimada em sua amplitude prática como direito, e a atividade sindical brasileira ignora o legado histórico-legislativo que

10 BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito Sindical. 7. ed. São Paulo: LTr, 2018, p.82-84. 11 MAGANO, Octávio Bueno. Convenção Coletiva de Trabalho, p.483-484. In: Curso de Direito do Trabalho: em homenagem a Mozart Victor Russomano. __________(org.). São Paulo: Saraiva, 1985, pp.495-511.

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dá tal força ao exercício da autonomia da vontade do não sindicalizado ao ponto de eleva o exercício de tal liberdade sindical negativa a outro nível.

Por ora, também importa fazer a distinção básica da liberdade sindical do indivíduo e da atuação da coletividade sindical de trabalhadores têm sempre um pressuposto comum: a relação de pessoas físicas prestando sua força de trabalho a um terceiro tomador (pessoa física ou jurídica), em troca de bens ou dinheiro, presumivelmente para sua sobrevivência e/ou de sua família. Há, portanto, relações individuais de trabalho, tratado pelo Direito Individual do Trabalho, que recebem influência da relação desses trabalhadores com o sindicato. Por sua vez, o sindicato obreiro mantém relações jurídicas com os empregadores/sindicatos patronais, fechando um triângulo em que empregados-sindicato-empresa mantém relações concomitantes entre si e que se influenciam mutuamente.

Assim, o Direito Individual do Trabalho e o Coletivo do Trabalho exigem estudos concomitantes, apesar de ramos autônomos, pois os principais atores são partes comuns nas duas searas. Os empregados são elementos especiais do Direito Individual do Trabalho por conta da hipossuficiência. Também são a razão de existir para o Direito Coletivo.

Em outras palavras: para o alcance adequado dos objetivos deste estudo, as referências quanto à construção histórica, política e jurídica da liberdade sindical será voltada para o agrupamento dos trabalhadores. De igual modo, enfatizar-se-á a relação desse agrupamento de empregados filiados ao sindicato (no exercício coletivo da liberdade) com não sindicalizados (no livre exercício do aspecto individual negativo).

Também é necessário entender que a classificação entre liberdade sindical coletiva e individual (positiva ou negativa) não surgiu repentinamente, mas mostrou a sua necessidade durante a própria construção histórica e jurídica das relações trabalhistas modernas.

Isso porque o sindicalismo é fruto do espaço-tempo Ocidental moderno. Sem o liberalismo moderno, não seria visível a liberdade humana individual. Sem o capitalismo industrial, seria impossível alcançar a consciência proletária para resistir aos abusos; sem o Estado soberano, ora apoiando, ora combatendo as associações sindicais, não seria tão óbvia que independência desse movimento só é efetiva com a ausência de qualquer interferência oficial pública.

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Assim a liberdade sindical, mas do que uma classificação, é fruto de um longo, laborioso e heroico processo em que ela foi forjada, burilada e lapidada, podendo ser, hoje, uma das maiores formas de expressão de liberdade, a ponto de ser motivo de tratados internacionais.

É sobre esse processo contencioso, mas de valor inestimável, que passar-se-á a tratar agora.

2.2 SINDICATO: RECORTES METODOLÓGICOS PRÉVIOS

Passar-se-á a analisar a liberdade sindical a partir das diferentes camadas que a compõem. Sobretudo, são destacadas as classificações que permitirão examinar a liberdade sindical individual negativa, pressuposto deste trabalho, já que é através dela que um trabalhador não sindicalizado pode abster-se de ter ligações jurídicas com o ente sindical.

Em verdade, com a missão de estudar a relação da liberdade sindical individual negativa do empregado com o sindicato obreiro que potencialmente o representa, a tônica é voltada a essas relações (sindicato de classe profissional – composto por empregado da categoria), Não se ignora, porém, que a formação sindical brasileira também contempla a possibilidade de grupos sindicais diversos do de trabalhadores, tais como12: profissionais liberais, agentes autônomos, empregadores e servidores

públicos civis, sejam ativos ou aposentados.

Essas associações sindicais podem vir a ser citadas e brevemente estudadas quando apresentarem relevantes observações para o cumprimento do objetivo acadêmico ora perseguido, mas não serão objeto do trabalho.

De igual modo, não obstante a importância da federações e confederações na organização sindical brasileira, inclusive exercendo a função de negociação coletiva na ausência ou recusa de atuação do sindicato de base, a fim de evitar repetições desnecessárias, solicita-se do leitor a compreensão de que as referências aos sindicatos ao longo do texto já incluem (exceto quando expressamente ressalvado) a

12Art. 7º: “É livre a associação profissional ou sindical(...): VII - o aposentado filiado tem direito a votar e ser votado nas organizações sindicais”; art. 37, VI : “é garantido ao servidor público civil o direito à livre associação sindical” (CF/1988). Art. 511, CLT: “É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como

empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas”.

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possível aplicação subsidiária das mesmas considerações às demais entidades profissionais, quando convocadas à atuação nas relações coletivas13, nos casos

excepcionais previstos em lei.

Passados esses primeiros esclarecimentos, volta-se ao estudo da liberdade sindical propriamente dita.

2.3 CONTEXTO HISTÓRICO-JURÍDICO DO NASCIMENTO DA LIBERDADE GERAL NA EUROPA

Optou-se aqui em explicar o nascimento da ideia moderna de liberdade separadamente da construção do sindicalismo (atrelada à liberdade sindical específica).

Isso porque, como será comentado à frente, a ideia de liberdade geral surge, de certo modo, com bases ideológicas exatamente opostas à da liberdade sindical. Valoriza o indivíduo solitariamente e combate associações intermediárias entre o Estado e esse indivíduo. Destarte, termina prestigiando a imediatidade e a omissão estatais, deixando desamparados aqueles que estão em situação social mais vulnerável e privilegiando a liberdade de impor as próprias regras de âmbito privado àquele que detém o poder e o novo elemento indicador de riqueza: o capital.

Portanto, primeiro serão explicitados os fundamentos sociais, jusfilosóficos e históricos que embasaram essa mudança paradigmática social que alçou a liberdade a um direito humano. Em outro tópico, tratar-se-á pragmaticamente da evolução da liberdade sindical como movimento social e sua relação com a sociedade, com o empregador e com o Estado, demonstrando, como nos diversos momentos da História da organização civilizatória ocidental14, a liberdade das relações sindicais foi

13 Sobre isso, dispõe a CLT: Art. 533 - Constituem associações sindicais de grau superior as federações e confederações organizadas nos termos desta Lei”.” Art. 617 - Os empregados de uma ou mais emprêsas que decidirem celebrar Acôrdo Coletivo de Trabalho com as respectivas emprêsas darão ciência de sua resolução, por escrito, ao Sindicato representativo da categoria profissional, que terá o prazo de 8 (oito) dias para assumir a direção dos entendimentos entre os interessados,

devendo igual procedimento ser observado pelas emprêsas interessadas com relação ao Sindicato da respectiva categoria econômica. § 1º Expirado o prazo de 8 (oito) dias sem que o Sindicato tenha se desincumbido do encargo recebido, poderão os interessados dar conhecimento do fato à

Federação a que estiver vinculado o Sindicato e, em falta dessa, à correspondente Confederação, para que, no mesmo prazo, assuma a direção dos entendimentos. Esgotado êsse prazo, poderão os interessados prosseguir diretamente na negociação coletiva até final”.

14 Quando se faz referência a “Ocidente” ou “ocidental”, sabe-se da tendência que isso traz como uma generalização simplificadora. Porém, faz-se necessário algum grau de generalização para a funcionalidade e objetividade do trabalho. Tenha-se em mente que a evolução sindical não se deu de igual modo na América Latina entre os próprios países (como Brasil X México) e estes em

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tratada de modo tão distinto: desde inexistentes, ignoradas e ilegais até toleradas, aceitas e compulsórias.

Passa-se ao cumprimento do objetivo, explicitando como a liberdade nasceu junto com a Idade Moderna.

2.3.1 O Fim do Medievo e a ascensão da Modernidade

Os grupos intermediários modernos, entre eles, o sindicato15, tenderam ao

desenvolvimento, uma vez que o capitalismo industrial cada vez mais agrupava trabalhadores em meios urbanos, que podiam ver não apenas a diferença social abismal que havia entre empregados e empregadores, mas também compreender novas ideias filosóficas e jurídicas que pululavam entre todas as camadas, afirmando todos os humanos como naturalmente livres, iguais e dignos, pelo tão só fato de serem humanos – aqui, era fruto de uma releitura do direito natural, o Jusnaturalismo, que ganhava popularidade tanto entre pensadores como pessoas comuns.

Em um sentido oposto, na Idade Média havia pouco espaço político para discutir-se sobre flexibilidade da vida social ou direitos inerentes a todas as pessoas. As relações de poder davam-se em torno da manutenção da posição aristocrática e do sistema de vassalagem e suserania, em uma estrutura hierárquica e cristalizada, ignorante nos valores cidadania e liberdade. Já em comum com os tempos seguintes, conhecia-se as diferenças sociais ditadas a partir de um elemento que se manteve na Modernidade: a concentração e o prestígio da propriedade. Na Idade Média, porém, a importância maior era dada à propriedade fundiária, perspectiva relativamente alterada a partir da industrialização e urbanização16.

comparação com os Estados Unidos da América. Em verdade, é sabido que sequer nos países europeus ocidentais ela ocorreu de maneira uniforme. As nuances distintas já são possíveis de vislumbrar mesmo no breve estudo histórico aqui apresentado e, quanto mais profundo for o estudo, mas peculiar será a evolução sindical em cada divisão geográfica, pois é movimento espontâneo e nasce e desenvolve-se absorvendo as necessidades e as questões culturais e históricas de cada povo.

15 O que conduz, portanto, à formação de entidades intermediárias, entre o Estado e o indivíduo, são os interesses coletivos especiais e autônomos, que não representam a mera soma dos interesses de cada um dos componentes do grupo (...). Exatamente por constituírem corpos intermediários entre as pessoas e o Estado, tais organismos têm uma influência bastante dinâmica na vida social, quer porque influem nos direitos individuais, até mesmo impondo ou vedando condutas, quer porque se transformem em autênticos parceiros das demais forças sociais e, também, do Estado, na condução das questões de ordem política e econômica (Ibidem, p. 481-482)

16 Segundo Valcir Gassen, a fuga de muitos servos para a cidade na Idade Média permitiu o fortalecimento das Corporações de Ofício, levando a propriedade fundiária a sofrer diversas

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Ou seja, no Medievo os papéis eram definidos pela linhagem e nascença e a propriedade não era distribuível; a própria ausência de sistematização do direito não permitia o aprofundamento de estudos em torno de conceitos voltados para direitos e deveres além da religião, que, usada para legitimar em parte a organização social estática e estava longe de permitir a busca de melhor condição de vida ainda neste plano terreno.

Nesse contexto, a liberdade, atrelada à atividade do sindicalismo, não existiria antes do declínio da Idade Média, devido ao modo como o trabalho e a vida giravam em torno da terra para a esmagadora maioria da população, mantida estática em sua posição de nascimento.

Maurício Godinho Delgado17 aponta dois motivos porque não pode ser

encontrada formação sindical anteriormente na História: a) jamais houve na História um sistema econômico-social com as características que formam o conjunto próprio que hoje é entendido como Capitalismo; b) nunca houve uma relação com as características próprias do que atualmente se compreende como relação de emprego, que ocupa um papel fulcral no sistema econômico dos últimos dois ou três séculos.

As corporações de ofício não permitem entender que houve aí a primeira organização sindical, pois eram células econômicas fechadas. Aqui a economia fechava-se aos companheiros e aprendizes, pois a ascensão dos mesmos dependia da discricionariedade dos mestres18.

Por essa razão, Amauri Mascaro Nascimento ressalta que as corporações (ou grêmios) tinham uma estrutura interna diferente da que os sindicatos vieram a ter, mas foram instituições que, de alguma maneira, desenvolveram uma forma de organização do trabalho, integrando os sujeitos componentes da relação laboral. Eram compostas por empregadores, trabalhadores e menores, formando um núcleo de classe produtora, dividida por atividades econômicas. Assemelhar-se-iam, atualmente, mais com os conselhos de fiscalização do exercício profissional do que com sindicatos. O

à essa época de declínio do Medievo, era um conceito não absoluto e pleno como em Roma e na atualidade, mas era confuso, contando com vários diferentes domínios ao mesmo tempo. Era um direito de propriedade que não exclui outros da relação, havendo vários possuidores de títulos com a mesma amplitude e sobre a mesma coisa. GASSEN, Valcir. A natureza histórica da instituição do direito de propriedade. In:WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de história do direito. 8. ed., ver e ampl. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2014, p.169-184 (cap. XII), p.181-182.

17 DELGADO, Mauricio Godinho. Direito Coletivo do Trabalho. 3. ed. São Paulo: LTr, 2008, p. 102-103.

18 BATALHA, Wilson de Souza Campos; BATALHA, Sílvia Marina Labate. Sindicatos, Sindicalismo. 2ª ed. rev. e ampl.. São Paulo: LTr, 1994, p.21-22.

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sindicato foi uma bifurcação que colocou, de um lado, os empregadores e, de outro, os trabalhadores19.

Destarte, para Rodolfo Pamplona e Claudio Lima, é possível afirmar que, mesmo considerando as esparsas manifestações anteriores ao período, o sindicalismo só nasce, com o reconhecimento efetivo de um direito de associação de trabalhadores, a partir dos acontecimentos próprios da Revolução Industrial (século XXIII). Mais especificamente, o sindicalismo nasce, no modo que é compreendido hoje, no Reino Unido, por volta de 1720, com a formação de grupos de associações de trabalhadores que lutavam por melhores condições de trabalho, especialmente voltados para melhoria salarial e jornada de trabalho. Porém, rapidamente, da recém existência e tolerância, o parlamento inglês em 1799 considerou a prática sindical um delito e, portanto, ilícita20.

O declínio do sistema feudal, acompanhado do desenvolvimento do comércio e da manufatura é o marco da mudança de paradigma econômico para boa parte da Europa ocidental, que se encaminha para a Modernidade.

Segundo Gassen, não apenas a propriedade privada moderna nas primeiras cidades da Baixa Idade Média permitem o desenvolvimento da nova divisão do trabalho, mas também a divisão entre produção e intercâmbio. Este promove as ligações entre as cidades ao ponto de alcançar uma circulação mundial, já baseado na grande indústria. Desse modo, a manufatura também altera o relacionamento entre o tomador do serviço e o prestador, pois passam a manter um vínculo sobretudo monetário, perdendo a conotação patriarcal das corporações de ofício21.

O Renascimento apresenta-se como esse período de transição histórica, com mudanças não apenas de paradigmas econômicos, mas também das tendências político-sociais, que vão buscar as suas referências fora do Medievo para superá-lo. Para tanto, retorna-se ao estudo da Antiguidade clássica greco-romana como fonte

19 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Compêndio de Direito Sindical. 4. ed. São Paulo: LTr, 2005, p.41-43. Neste mesmo sentido entende José Cláudio de Brito Filho, que, enfatizando serem as corporações de ofício organizações em que os mestres controlavam de modo rígido a ascensão até o último grau, ressalta que “A forma da organização das corporações de ofício, que reuniam dentro de si o capital (representado pelos mestres) e o trabalho (companheiros e aprendizes), nos leva a concluir não poderem ser elas consideradas embrião do sindicalismo” (BRITO FILHO, José Cláudio Monteiro de. Direito Sindical. 3. ed. São Paulo: LTr, 2009, p.49).

20 PAMPLONA FILHO, Rodolfo, LIMA FILHO, Cláudio Dias.2ª ed. rev. ampl. Pluralidade Sindical e Democracia. São Paulo: LTr ,2013, p.23

21 GASSEN, Valcir. A natureza histórica da instituição do direito de propriedade. In:WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de história do direito. 8. ed., ver e ampl. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2014, p.169-184 (cap. XII), p.181-182.

(25)

para a modernização de diversos ramos.

Inclui-se aí também o Direito, com o nascimento do Jusracionalismo, como parte do próprio Jusnaturalismo22. Naturalmente, como as rupturas históricas não ocorrem

abruptamente, já se começa a trazer a aplicação jurídica de influência romana ainda no contexto da Idade Média.

Como evolução da fase transitória do próprio Renascimento, tem-se caminhando lado a lado o Jusracionalismo e o Iluminismo, que catalisarão a inserção das ideias modernas de liberdade, individualismo e soberania nos Estados.

2.3.2 A Modernidade, o Estado soberano e o indivíduo: o nascimento da liberdade

Jusracionalismo e o Iluminismo foram duas das principais ideias que disseminaram a ideologia do Estado moderno. Porém, são teorias diferentes.

O Iluminismo aparece como um agrupamento de ideias que encaminham uma ruptura moral e religiosa para uma nova visão da vida, implicando a mudança de opinião pública e grandes reformas políticas. O Jusracionalismo é uma “nova versão de uma filosofia social continuamente presente na tradição antigo-ocidental”23: ou

seja, é uma releitura, como dito, de uma teoria jusfilosófica já presente no Direito ocidental em outros tempos.

O Iluminismo, por sua vez, foi um verdadeiro herdeiro do Renascimento e do Humanismo24. A este último, principalmente, deve-se o retorno às antigas fontes da

crítica textual e a reforma do ensino, como um capítulo da renovação geral da vida nos primórdios da Modernidade.

De fato, olhava-se para trás, a fim de fitar inspirações greco-romanas, ao tempo que se apontava para a crença no progresso humano futuro, através dos avanços científicos do século XVII na geologia, matemática, química, física etc., A cidadania é um dos conceitos resgatados da Antiguidade e adaptado para o pensamento moderno, de modo a fundamentar as bases liberais e individualistas da ascendente

22 “Pode designar-se por época do jusnaturalismo os dois séculos (1600-1800) nos quais a filosofia jurídica e social do ocidente (“jusnaturalismo”), na forma que lhe foi dada pelo primeiro iluminismo, adquiriu uma influência direta sobre a ciência jurídica. A legislação e a jurisprudência entre da maior parte dos povos da Europa (...) O jusracionalismo não constitui senão um curtíssimo capítulo histórico das muito mais vastas manifestações do jusnaturalismo” (WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 3. ed. Tradução de A.M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, p. 261;280).

23 Ibidem, p.354. 24 Ibidem, p. 282.

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burguesia, além da renovação da ideia sobre a propriedade privada25 que já não era

tão limitada à terra.

De fato, o voltar-se para as discussões em torno da liberdade humana só foi possível quando as reflexões filosóficas tomaram como referência o cidadão, ou seja, o indivíduo.

O indivíduo cidadão deve ser livre para fazer-se. Mais que isso, ele deve ter segurança para conseguir crescer social e economicamente.

Por trás disso tudo, tem-se a ascendente burguesia, que precisava de segurança para negociar. Essa segurança passava pelo reconhecimento de uma liberdade que aceitasse a ascensão social e a riqueza adquirida, mantida ainda na propriedade privada, mas não vinculada ao sangue ou à terra.

A segurança necessária passaria pela generalização impessoal da igualdade, liberdade e potencial propriedade privada. Ainda que formalmente, uma entidade precisava garantir impessoalidade, abstração e pouca arbitrariedade no tratamento a todos (independente da origem genealógica), além de potencial acesso e garantia de manutenção da propriedade privada.

É que essas promessas de uma civilização esclarecida, respeitosa e próspera – inspirada na nostalgia da civilidade greco-romana - demandavam que houvesse um vigilante poderoso, supremo, ainda que minimamente presente. Um ente que mantivesse e garantisse as condições básicas para o exercício da individualidade livre humana, mantendo ordem, segurança jurídica e liberdade individual, através do tratamento igualitário pela lei.

Essa mudança do contexto sócioeconômico para o liberalismo moderno torna-se bem relevante principalmente após as descobertas do Novo Mundo e a acumulação de capital consequente a partir dos insumos das colônias. Abre-se espaço para o surgimento de uma nova forma de propriedade, a industrial, que funciona ao lado da imobiliária e impõe-se sobre a até então suprema propriedade fundiária agrícola. Expande-se o comércio e passa-se do amadorismo manufatureiro para o maquinismo26. O papel do Estado, então, é trazer a organização social necessária

para que não haja perturbações no novo sistema socioeconômico.

25 CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e do Brasil, 10ª ed. 2ª tiragem. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2014, p.204.

26 GASSEN, Valcir. A natureza histórica da instituição do direito de propriedade. In:WOLKMER, Antônio Carlos (org.). Fundamentos de história do direito. 8. ed., ver e ampl. Belo Horizonte: Del Rey Editora, 2014, p.169-184 (cap. XII), pp.183-184

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Nesse sentido, segundo Flávia Castro27, para o pensamento iluminista, a

igualdade não abrangia algum tipo de redivisão dos bens materiais (propriedades) na sociedade. A igualdade era uma parte da própria liberdade do cidadão, assim como a propriedade. Mesmo o mais pobre era igual a todos os outros: teria como propriedade sua força de trabalho e como liberdade o poder de escolha para quem trabalhar. Assim, livres, proprietárias e iguais, as pessoas naturais pactuaram a associação voluntária que fundamenta o convívio em sociedade, regida pela razão e encarnada organizativamente no Estado.

O Jusnaturalismo, de mãos dadas com o contrato social28, ascende como

coerente embasamento jusfilosófico para o pensamento burguês moderno, já que os direitos, sendo naturais e existentes desde o princípio da humanidade, apenas retornavam à sua posição original, ao mesmo tempo que legitimavam a necessidade de uma organização de controle para permitir que fossem gozados.

Para os defensores do direito natural, em outras palavras, não se criava nada novo; organizava-se o que esteve ali todo o tempo e os jogos de poder até então impediram prevalecer. O homem racional, olhando para o que sempre esteve lá, organizou a sociedade através do contrato de convivência que incita a todos a uma vida de respeito das liberdades humanas.

Em verdade, o direito natural, colorido pela visão cristã, carregou consigo alguma noção de soberania, que caminhou ao lado do contrato social. E é essa ideia que vem, no plano explicativo-etiológico, para a teoria geral da soberania: a submissão irrevogável e voluntária às leis em nome do convívio racional dos indivíduos. A teoria da soberania estatal a partir do contrato social constrói um nicho perfeito para o prestígio do negócio jurídico. Equilibrou a liberdade absoluta ao diminuí-la parcialmente em nome da socialização29.

Portanto, o Estado soberano existiria para isso: manter a ordem social de modo que o exercício notadamente da liberdade, igualdade formal e propriedade privada

27 CASTRO, Flávia Lages de. História do direito geral e do Brasil, 10ª ed. 2ª tiragem. Lumen Juris, Rio de Janeiro, 2014, pp.205- 206.

28 O jusracionalismo recebeu da tradição, quase sem alterações, o método de argumentação (...). Como teoria que fundamentar a validade de todo o direito, o jusnaturalismo não pode se bastar com os protestos de uma consciência ferida (...); deve antes tornar inteligível, através de meios lógicos, a vigência do direito positivo ou sua crítica (...)”. Assim, se compreende que “(...) como a filosófica de uma ordem determinada, ele deve compatibilizar a validade da situação constitucional ou jurídica positiva com os postulados supra-positivos. Foi esta a tarefa que o pensamento ocidental tentou realizar através do modelo ou símbolo de um contrato social(...)” (Ibdem, p.300)

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fossem garantidos a cada indivíduo cidadão, o que denota que a preocupação maior não era o trabalhador, mas o burguês, o dono do negócio e, portanto, o empregador.

A partir de toda essa análise, pode-se concluir por uma nova formatação social dada na Modernidade, baseada na tônica do liberalismo, que pode ser bem resumida nas seguintes palavras:

O Estado Liberal clássico fundamentava-se na concepção dos sujeitos como indivíduos, que, por serem formalmente iguais, poderiam contratar livremente, pois o próprio mercado ditava as suas regras, sempre fundadas na autonomia da vontade, que, selada por meio de vinculação contratual, figurava como verdadeira “lei entre as partes”. Nesse contexto, ao Estado cabia tão só o afastamento das relações privadas, criando regras no sentido de assegurar às partes convenentes o livre exercício da autonomia sem limitações. Não é difícil compreender que, durante tal período, os primeiros Direitos Fundamentais, antes tidos como “naturais” – uma vez que decorrentes do jusnaturalismo, e “reconhecidos” pelas novas codificações – passaram a ser positivados também através de documentos constitucionais, que tinham como objetivo assegurar a plenitude da propriedade e do direito à liberdade e que, por conta disso, foram concebidos sob a ótica negativista do Estado, cuja missão somente consistia em assegurar a plenitude de seu afastamento das relações firmadas entre os indivíduos30.

Essa prioridade estatal com o capital e com o indivíduo significava pouca importância com o proletariado. No fim das contas, a preocupação teórica que moldou o Estado soberano favorecia a liberdade do burguês que era, em verdade, investidor, empresário e, normalmente, empregador.

Porém, o conceito de que a liberdade era inerente ao ser humano já estava introjetado na mente de cada pessoa, fosse rico ou pobre. Décadas de transição tornara a ideia de que a tríade liberdade-igualdade-propriedade era possível a todos. Não apenas uma possibilidade, mas um direito inerente cada ser humano, mesmo o mais miserável da escala social.

Destarte, como “efeito colateral” dessa nova formatação social e da visão liberal de cada ser humano, as pessoas mais pobres e que vendiam “livremente” sua única propriedade, que era a força de trabalho, perceberam que a estratégia de agrupamento auxiliava na consolidação da igualdade das partes na realização no negócio jurídico, compensando, de certo modo, o desequilíbrio causado pela diferença financeira.

30 VALE, Silvia Isabelle Ribeiro Teixeira do. A inconstitucionalidade da despedida coletiva imotivada. In: Revista eletrônica do Tribunal Regional do Trabalho da Bahia, Salvador, BA, v. 6, n. 9, p. 251-284, out. 2017, p.252. Disponível em:

https://juslaboris.tst.jus.br/bitstream/handle/20.500.12178/130415/2017_vale_silvia_inconstitucionalid ade_despedida.pdf?sequence=1&isAllowed=yp.252. Acesso: 2 jun. 2019

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A ideia do liberalismo clássico serviu para viabilizar a ascensão do capital e do negócio jurídico. Porém, curiosamente, de certo modo, voltou-se contra esse objetivo. Como um direito universal e natural, a efetivação da liberdade foi abraçada pelas camadas mais vulneráveis da sociedade, que viram, na ideia, uma deixa para a livre procura de melhoras das condições de vida.

Naturalmente, como uma ameaça ao status propugnado pela nova elite, a liberdade de associação, especialmente a profissional, foi inicialmente ignorada, depois perseguida e proibida, vindo a ser aceita (com diversas tentativas de controle estatal) apenas quando não mais era possível lutar contra ela.

2.4 A CONSTRUÇÃO HISTÓRICA DA LIBERDADE SINDICAL

O tópico anterior focou-se em demonstrar a transição entre a Baixa Idade Média para a Modernidade como gatilho formador da ideia de liberdade geral, que se consolidou na era do liberalismo clássico.

A liberdade sindical floresceu a partir de dois eventos históricos de referência para as mudanças paradigmáticas sociais.

Se for possível fixar pontos referenciais para examinar o sindicalismo enquanto liberdade, é possível afirmar que encontra sua base jurídica na Revolução Francesa e sua base econômica na Revolução Industrial inglesa.

Esses dois eventos são os marcos classicamente difundidos para compreender a presença de elementos sócioeconômicos apropriados para a formação do exercício da liberdade e, depois, da liberdade sindical. São os eventos históricos que dividem a Idade Moderna da Idade Média.

Embora diversos outros países também tenham influenciado de modos diferentes algumas noções de construção do Direito Sindical, é adequado fazer o recorte inicial dos dois principais influenciadores na construção da ideia de liberdade sindical e depois passar-se-á a uma análise mais abrangente das fases vivenciadas pelo sindicalismo até a consolidação atual.

2.4.1 A Inglaterra e a França como berços da construção da liberdade sindical

O primeiro marco histórico que estabeleceu a tríade propriedade-liberdade-igualdade formal através do ordenamento jurídico ocorreu com a Revolução Francesa

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de 1789, e, logo em seguida, a influência do ordenamento napoleônico, especialmente o civil (1814). Da França, importa sobretudo o conceito de liberdade positivada pela civil law.

Nesse período, quase toda Europa viu-se diante da necessidade de revisar a relação do Estado com o cidadão, outorgando leis que mais ou menos tratavam da tríade apresentada: propriedade-liberdade-igualdade formal.

Já o aspecto pragmático da liberdade sindical iniciou-se de movimentos na Inglaterra. A rápida e pioneira industrialização inglesa acelerou o processo de concentração de trabalhadores nas cidades, auxiliando na formação espontânea de uma identidade proletária, oprimida agora pela propriedade industrial.

A junção do movimento sindical inglês com o sistema de liberdades desenvolvido a partir da civil law francesa é que fará nascer a liberdade sindical como Direito.

Como bem observam Rodolfo Pamplona e Cláudio Dias31, nesse diapasão, é de

se confirmar que a liberdade sindical individual (positiva e negativa) somente pode ser compreendida quando se está ciente de suas origens no liberalismo – a necessária ausência de intervenção externa na decisão a ser tomada pelo indivíduo.

O liberalismo inglês era prático e foi construído lentamente, diferente da França, que logo positivou-o na Declaração Francesa de Direitos do Homem e do Cidadão32.

A Inglaterra foi, em verdade, precursora europeia da transição para um Estado moderno, mas o forte historicismo inglês levou a uma transição lenta, sem rupturas abruptas, ao contrário da intensa modificação vivida na França.

Segundo Wieacker33, a face política do jusnaturalismo de liberdade impõe-se

na Inglaterra em momento prévio ao continente europeu, ainda permeado pelo

31 PAMPLONA FILHO, Rodolfo, LIMA FILHO, Cláudio Dias.2ª ed. rev. ampl. Pluralidade Sindical e Democracia. São Paulo: LTr ,2013, p.65.

32 Artigo 1º- Os homens nascem e são livres e iguais em direitos. As distinções sociais só podem fundar-se na utilidade comum. Artigo 2º- O fim de toda a associação política é a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis do homem. Esses Direitos são a liberdade. a propriedade, a segurança e a resistência à opressão. Artigo 3º- O princípio de toda a soberania reside

essencialmente em a Nação. Nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que aquela não emane expressamente. Artigo 4º- A liberdade consiste em poder fazer tudo aquilo que não prejudique outrem: assim, o exercício dos direitos naturais de cada homem não tem por limites senão os que asseguram aos outros membros da sociedade o gozo dos mesmos direitos. Estes limites apenas podem ser determinados pela Lei. (In: FRANÇA, ASSEMBLEIA NACIONAL. Declaração dos direitos do homem e do cidadão de 1789. Disponível em:

<http://pfdc.pgr.mpf.mp.br/atuacao-e-conteudos-de-apoio/legislacao/direitos-humanos/declar_dir_homem_cidadao.pdf>. Acesso em: 12 fev 2019. Ainda se ressalta a Declaração de direitos da Virgínia (Estados Unidos da América, em 1776), anterior àquele instrumento, porém de conteúdo similar, consagrando a liberdade e a igualdade como ínsitas ao ser humano.

33 WIEACKER, Franz. História do Direito Privado Moderno. 3. ed. Tradução de A.M. Botelho Hespanha. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 2004, pp.313-314.

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absolutismo monárquico. O direito natural, como o direito de resistência, já vinha acompanhando a formação jurídica inglesa desde tempos medievais, não surgindo exatamente com a Modernidade.

Ainda segundo o autor, o clamor por um governo não arbitrário já havia sido satisfeito em parte em solo inglês, quando do advento da Revolução Gloriosa em 1688, um século antes da francesa, sendo assinada a declaração de direitos em 1689 (Bill of Rights). Assim, o Jusracionalismo moderno, que espraia-se na Europa do século XVIII, não foi decisivo em sua consolidação jurídica. Lá, o direito natural foi desacompanhado da racionalização e secularização, além de permanecer imune à influência continental da codificação. A Inglaterra manteve-se à base da equity na tradição jurisprudencial e refratária a conceitos gerais - apegando-se à casuística histórica e tradicional da common law.

Destaca Ronaldo Lima Santos que o sindicalismo, como é conhecido atualmente, é desencadeado a partir da Revolução Industrial, iniciada na Inglaterra. No processo industrial intenso, os ex-camponeses migravam para as cidades e amontoavam-se em condições precárias. A lei da oferta e da procura regia as relações laborais. Nesse contexto de baixos salários e deploráveis condições de vida, emergiu a solidariedade entre os trabalhadores, que passam a ver seus interesses comuns. Daí nascem laços de união. Surge a consciência de coletividade de um grupo de trabalhadores, os proletários, que compreenderam a separação existente entre eles – força de trabalho – e os detentores dos meios de produção3435

Já na França, o apego ao individualismo denota a resistência ao agrupamento sindical.

A resistência francesa a organizações intermediárias, bem como os levantes “incômodos” do proletariado impostos aos industriais ingleses não ficaram desapercebidos pelo Estado por muito tempo. Após um breve período ignorando as

34 SANTOS, Ronaldo Lima. Sindicatos e ações coletivas: acesso à justiça coletiva e tutela dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos. 2. ed., São Paulo: LTr, 2008, p.34-35. 35Enoque Ribeiro dos Santos descreve sinteticamente o contexto sócio-econômico originado da Revolução Industrial: “Com a Revolução Industrial, acelera-se a atividade produtiva, crescem os centros urbanos e surge a classe operária. Apesar da origem diversa, alguns operários provêm de antigos artesãos, outros, de migrações camponesas(...). É nesse meio social, cada vez mais

massificado, que o sindicalismo se desenvolverá e conquistará plenitude”. (SANTOS, Enoque Ribeiro dos. O Direito Coletivo do Trabalho Sob Perspectiva Histórica. Curso de Direito do Trabalho, vol. III – Direito Coletivo do Trabalho. Organizadores: Jorge Luiz Souto Maior e Marcus Orione Gonçalves Correia. Coleção Pedro Vidal Neto. São Paulo: LTr, 2008, p.15).

Referências

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