• Nenhum resultado encontrado

Entre o luxo e o lixo: desafios da sociedade de consumo na gestão dos resíduos sólidos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Entre o luxo e o lixo: desafios da sociedade de consumo na gestão dos resíduos sólidos"

Copied!
156
0
0

Texto

(1)

RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ

DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS – DCJS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTO SENSU EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

DANIELA DA ROSA MOLINARI

ENTRE O LUXO E O LIXO: DESAFIOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO NA GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

IJUÍ (RS) 2015

(2)

DANIELA DA ROSA MOLINARI

ENTRE O LUXO E O LIXO: DESAFIOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO NA GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Direitos Humanos. Área de concentração: Direitos Humanos, Meio Ambiente e Novos Direitos, da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul- Unijuí, requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito.

Orientador: Dr. Daniel Rubens Cenci

Ijuí (RS) 2015

(3)

Catalogação na Publicação

Aline Morales dos Santos Theobald CRB10/1879 M722e Molinari, Daniela da Rosa.

Entre o luxo e o lixo: desafios da sociedade de consumo na gestão dos resíduos sólidos / Daniela da Rosa Molinari. – Ijuí, 2015. –

158 f. ; 29 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Daniel Rubens Cenci”.

1. Educação ambiental. 2. Cidade. 3. Lixo. 4. Gestão de resíduos sólidos. 5. Sociedade de consumo. I. Schonardie, Elenise Felzke. II. Título. III. Título: Desafios da sociedade de consumo na gestão dos resíduos sólidos.

(4)

UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

ENTRE O LUXO E O LIXO: DESAFIOS DA SOCIEDADE DE CONSUMO NA GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS

elaborada por

DANIELA DA ROSA MOLINARI

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Daniel Rubens Cenci (UNIJUÍ): ____________________________________

Profª. Drª. Rosangela Angelin (URI): ________________________________________

Prof. Dr. Elenise Felzke Schonardie (UNIJUÍ): ________________________________

(5)

AGRADECIMENTOS

Este é um momento de felicidade. É assim que me sinto ao concluir uma etapa que tanto desejava. Sou feliz por estudar, pelo mestrado, pela escolha do tema, pela Universidade.

Que eu nunca me canse de estudar, mesmo sabendo que exige tempo e dedicação. Foram muitos os momentos que abri mão da família, dos amigos, do lazer, de mim mesma para estudar, mas hoje tenho a certeza que valeu a pena todo o esforço e que estas pessoas também estão felizes por mim.

Escrever estas linhas, talvez sejam as mais difíceis do que o restante do trabalho. Confesso que fiquei emocionada e já com saudade. Mas tem como não ficar?

Foram tantas pessoas importantes que compartilharam comigo este caminho, oferecendo sua amizade, o apoio, a paciência, a experiência e o conhecimento. Grandes pessoas que jamais vou esquecer.

Assim agradeço...

A DEUS, pela proteção, saúde e pela oportunidade.

A MINHA FAMÍLIA, meu grande alicerce. Meus pais Enio e Perceli, meus irmãos Fernando e Alexandre, meu companheiro Fernando. Agradeço o apoio, o carinho, a compreensão, a paciência e toda a ajuda oferecida para alcançar este objetivo.

A MINHA AVÓ Jovelina (in memória) que onde quer que esteja, sei que está muito feliz por mim. Carrego vivo o seu exemplo de otimismo, trabalho, honestidade, carinho com as pessoas e sua disciplina no que fazia, “tudo o que for fazer, tem que fazer com amor e bem feito.”

AOS ESTIMADOS AMIGOS E COLEGAS DE MESTRADO: Aline, Marcele, Luciano, Luana, Juliane, Juliana, Caroline, João Batista e Jaqueline, pela amizade, conversas, chimarrão e pelos bons momentos convividos.

AOS VERDADEIROS MESTRES que tenho o maior carinho e admiração, que além de transmitir o conhecimento com seus exemplos mostram, que não basta apenas ter o conhecimento, é preciso ter princípios de vida: a humildade, o respeito, a compreensão.

(6)

Lucas, Elenise Schonardie, Maiquel Wermuth.

AO MEU ORIENTADOR prof. Daniel Rubens Cenci... não há palavras para descrever o quanto sou grata a sua pessoa, pela amizade, compreensão, respeito, por sempre acreditar na minha capacidade e na importância do meu tema, por nunca ter medido esforços em me ajudar. Sabes o quanto te admiro, és meu exemplo profissional!

A JANETE, Secretária do Curso de Mestrado em Direitos Humanos e demais servidores, pela calorosa acolhida, pelo carinho e amizade sempre.

“E aprendi que se depende sempre

De tanta, muita, diferente gente Toda pessoa sempre é as marcas das lições diárias de outras tantas pessoas. É tão bonito quando a gente entende Que a gente é tanta gente Onde quer que a gente vá. É tão bonito quando a gente sente Que nunca está sozinho Por mais que pense estar...” (Caminhos do coração – Gonzaguinha.)

Quero agradecer a todos aqueles que sempre confiaram em mim. Com vocês, queridos, divido a alegria desta experiência.

(7)

Pelo avesso, o lixo é a expressão de uma cidade. Não de sua alma por certo, mas de seu corpo, daquilo que o reveste por fora e por dentro. É o sintoma de uma cidade, da mesma forma que o produto interno bruto de uma nação ou a renda per capita de um cidadão. O dejeto reflete o padrão econômico, social e cultural de uma cidade. Por isso difere tanto o lixo de Salvador, de New York e de São Paulo. O lixo é problema urbano prioritário e, do ponto de vista político, virou atestado para o governante. Cidade limpa não é apenas cidade civilizada, mas imagem do seu povo e dos seus representantes políticos. O lixo é paradoxal: dá uma idéia de pobreza, embora seja a expressão evidente da riqueza.

(LIMA, Jorge da Cunha. Resíduos. Guia do Formador – Módulo 9. Programa Parâmetros em Ação Meio Ambiente na Escola. MEC/SEF/DPA/COEA.2001)

(8)

RESUMO

O processo de globalização vem acompanhado de profundas mudanças no aspecto econômico, social, político, cultural e ambiental, que atinge indistintamente cada indivíduo. A força motriz do mundo globalizado é o capitalismo que se configura pela busca incessante de produção, pela expansão dos mercados e por maiores lucros. Muitos avanços e melhorias de vida vêm sendo proporcionado às pessoas, mas tudo tem o seu preço, e hoje quem é vítima desse sistema de produção é o meio ambiente, pois este é tido como ilimitado. O modelo de produção para atingir seus objetivos precisa produzir e fazer circular seus produtos, já os indivíduos consomem de forma desenfreada. Vivemos numa sociedade do consumo, onde o descarte é marca fundamental, e fator que impulsiona o ciclo: produzir- consumir- descartar. Por conseqüência, a quantidade de resíduos produzidos é alarmante. O crescimento populacional e o estilo de vida têm reflexos na globalização, as cidades crescem desordenadas e os problemas ambientais acompanham no mesmo ritmo. A cidade é o espaço propício ao consumo por concentrar a maior quantidade de serviços e bens, por outro lado se depara com um grande problema, as sobras do seu consumo. A gestão dos resíduos urbanos é um grande desafio para as cidades, porém, inevitável. A instituição da Política Nacional dos Resíduos Sólidos através da Lei nº 12.305/2010 representa um marco importante na gestão dos resíduos sólidos no Brasil, por trazer um conjunto abrangente de diretrizes, prevendo os aspectos necessários à desejada transformação desse cenário. Iniciamos um processo de evolução do gerenciamento, no setor público e privado, em busca da proteção ambiental e da sustentabilidade. Caso contrário, o “luxo” das cidades será encoberto pelo seu próprio lixo. A educação ambiental coloca-se como fundamental o que implica refletir o nosso estilo de vida e de consumo, educar para uma vida sustentável e principalmente contribuir para que se tenham cidades mais limpas, saudáveis e agradáveis para viver.

Palavras-chave: Educação Ambiental. Cidade. Lixo. Gestão dos Resíduos Sólidos. Sociedade de Consumo.

(9)

ABSTRACT

The process of globalization is accompanied by profound changes in the economic aspect, social, political, cultural and environmental, which strikes indiscriminately every individual. The driving force of the globalized world is capitalism that is configured by the relentless pursuit of production, by the expansion of markets and for greater profits. Many advancements and improvements of life are being provided to people, but everything has its price, and who today is a victim of this production system is the environment, because this is unlimited. The production model to achieve their goals need to produce and circulate their products, individuals consume so rampant. We live in a consumer society, where the disposal is fundamental, brand and factor that drives the cycle: produce-consume-discard. As a result, the amount of waste generated is alarming. Population growth and the lifestyle have reflections on globalization, cities grow jumbled and the accompanying environmental problems at the same pace. The city is the propício space for consumption by concentrating the largest amount of goods and services, on the other hand if faced with a major problem, the leftovers of its consumption. Municipal waste management is a major challenge for cities, however, inevitable. The institution of the national policy of solid waste through law No. 12,305/2010 represents an important milestone in the management of solid waste in Brazil, for bringing a comprehensive set of guidelines, predicting the transformation aspects needed for the desired for this scenario. We began a process of evolution, management in the public and private sector, in pursuit of environmental protection and sustainability. Otherwise, the "luxury" of cities will be covered by its own trash. Environmental education puts as elementary implying reflect our lifestyle.

(10)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 09

1 GLOBALIZAÇÃO, URBANIZAÇÃO E O (AB)USO DO MEIO AMBIENTE ... 12

1.1 Globalização e a formação da sociedade de consumo ... 12

1.2 A industrialização e as implicações na urbanização ... 25

1.3 A crise socioambiental e o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado ... 37

2 AS SOBRAS DA SOCIEDADE DE CONSUMO ... 51

2.1 Resíduos sólidos: um (velho) problema atual ... 51

2.2 As várias faces dos resíduos ... 65

2.3 Desafios da gestão dos resíduos sólidos ... 80

3 INSTRUMENTOS PARA AS MUDANÇAS NECESSÁRIAS NA GESTÃO DOS RESÍDUOS SÓLIDOS ... 95

3.1 Um olhar sustentável ... 95

3.2 Gestão integrada dos resíduos sólidos como mecanismo da sustentabilidade ... 109

3.3 Educação ambiental e cidadania: por uma sociedade não descartável... ... 124

CONCLUSÃO ... 141

(11)

INTRODUÇÃO

Se parar para observar a sociedade e a vida das pessoas irá se perceber que muitas mudanças ocorreram de um tempo pra cá. A vida das pessoas foi facilitada e melhorada por bens e serviços, frutos dos avanços científicos e tecnológicos trazidos pela industrialização.

Uma mudança visível na atualidade e tema que interessa para este trabalho é a quantidade de resíduos (lixo) produzidos, se comparado como o modo de vida tempos atrás da sociedade. Tal fato decorre da sociedade de consumo instaurada, onde as pessoas são incentivadas a consumir cada vez mais e os produtos criados com a finalidade de criar novas necessidades.

A industrialização muda o cenário da produção e da urbanização; marca profundamente as relações entre a sociedade e o meio ambiente. As cidades tornam-se o berço da industrialização, centros comerciais e de decisões, um espaço que atrai as pessoas que buscam melhores condições de vida. São locais de produção e consumo dirigido, onde os indivíduos compram, vendem, consomem os mais modernos produtos e serviços, são referências em produção de tecnologia de ponta em todas as áreas do conhecimento. Cidades do luxo!

O consumo excessivo e o desperdício dão origens a um dos maiores problemas ambientais que as cidades enfrentam: as sobras do consumo. É a era do descartável, de colocar fora tudo aquilo que não se usa, o lixo é tratado como problema do poder público, não da sociedade. Assim, as cidades do luxo se transformam nas verdadeiras cidades do lixo! O que fazer com as sobras do seu consumo?

Grande parte dos debates em torno da problemática socioambiental estão relacionados ao desenvolvimento econômico e aos padrões de consumo, pela montanha de resíduo produzido, pela sua toxicidade e demora de decomposição. Neste aspecto, o crescimento populacional também acaba intensificando a geração de resíduos e os impactos sobre o meio ambiente.

O sonho, o desejo, faz parte da vida do ser humano. As pessoas buscam qualidade de vida, um lugar tranqüilo, belo, um ambiente hígido para se viver. Sendo assim, devem ser desfrutados os luxos, o belo que as cidades oferecem, porém compete a

(12)

cada um, à sociedade em geral e ao Poder Público ser responsáveis pelo lixo que fica pelo caminho e não deixar que este lhe tire o brilho e glamour da cidade.

A sociedade de consumo se depara com um grande desafio: a gestão dos resíduos sólidos, que deve ser entendida como condição de saúde pública, de qualidade de vida e sustentabilidade, uma percepção que caminha a passos lentos, pela quantidade de lixo que ainda está sendo encaminhada para os “lixões a céu aberto”.

Desse modo, o presente trabalho tem por finalidade fazer uma abordagem da problemática do lixo, seus impasses e desafios em que pese a gestão ambientalmente correta dos resíduos. Assim, na presente dissertação questiona-se da necessidade de encarar o lixo com um olhar sustentável, da redução do consumo, da educação ambiental e de políticas públicas voltadas a assegurar o direito a um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a partir da gestão dos resíduos.

Esta pesquisa está vinculada a linha de pesquisa Direitos Humanos, Meio Ambiente e Novos Direitos do Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUÍ) e a escolha do tema surge da necessidade de ampliar as discussões sobre este assunto tão atual e eminente, pois não há cidade que não enfrente este impasse, apenas diferenciando-as em quantidade de produção.

Quanto à metodologia, o trabalho foi elaborado a partir de pesquisas bibliográficas e análise de dados coletados em sítios da internet, buscando utilizar autores e fontes referências, cujas teorias e informações serviram para estruturar as principais abordagens desta dissertação, que está distribuída em três capítulos.

Inicialmente, é feito uma abordagem a partir da globalização, das conseqüências da industrialização sobre a produção e o consumo, bem como, sobre o processo de urbanização. Delineia-se uma sociedade de consumo caracterizada pelo ciclo produzir-consumir-descartar, com ênfase na descartabilidade, na obsolescência programada e no desperdício. Verifica-se uma crise ambiental instaurada em decorrência de um sistema de produção que vem demonstrando a sua insustentabilidade a cada dia.

O segundo capítulo abarca os principais aspectos sobre o lixo, como problema socioambiental, sua classificação e demais especificidades sobre o objeto de estudo. Demonstra a importância de discutir o assunto, devido os impactos que os lixos depositados inadequadamente causam sobre a saúde pública e qualidade de vida. Destaca-se as dificuldades enfrentadas pelas cidades e pelo poder público e a necessidade de pensar uma gestão ambientalmente adequada, por meio da gestão integrada dos resíduos

(13)

sólidos. Aprofunda-se o estudo com base na Política Nacional de Resíduos Sólidos (Lei 12.350/2010), seus conceitos, objetivos e instrumentos.

Na seqüência, realiza-se um olhar mais sustentável, a “acupuntura urbana”, ações pontuais sobre o lixo. Destaca-se o consumo consciente, princípios dos “3Rs”, a reciclagem como meio de inclusão social, fonte de renda e garantia de um ambiente hígido. A responsabilidade compartilhada e a logística reversa são destacados como instrumentos fundamentais na gestão dos resíduos sólidos, é a sociedade, o poder público, as empresas e indústrias todos engajados e responsabilizados durante o ciclo de vida do produto. Neste contexto, a educação ambiental é fundamental para a formação de novos valores, hábitos e comportamentos das pessoas em relação ao consumo e ao lixo que produz, essencial para a construção de uma sociedade não descartável. Uma sociedade educada ambientalmente é uma sociedade comprometida com o seu meio e com as pessoas. Pensar na gestão dos resíduos sólidos implica em uma educação ambiental eficiente, que vai além da transmissão de saberes.

Diante destas questões, o presente trabalho demonstra a necessidade de dar maior atenção quando o assunto é gestão do lixo, tema que deverá ser incluído na pauta dos administradores públicos, uma realidade que está muito distante, mas que aos poucos vem demonstrando que é um desafio inevitável. Espera-se assim, que esta discussão venha contribuir para a construção de cidades mais limpas e para a conscientização quanto à disposição adequada dos resíduos, seus riscos para o meio ambiente e com a saúde pública, um problema que só tende a crescer caso não sejam adotadas as medidas necessárias e urgentes.

Chega-se ao momento, de perceber que o lixo é um problema de todos. Não basta apenas colocar na sacolinha para fora de casa e deixar que o caminhão leve, como se o problema estivesse resolvido. Este trabalho é um convite para uma importante reflexão que ninguém pode ficar de fora.

(14)

1 GLOBALIZAÇÃO, CONSUMO, URBANIZAÇÃO E O USO (ABUSO) DO MEIO AMBIENTE

A globalização é responsável por muitas mudanças que afetam diretamente a sociedade e vida das pessoas. A sociedade globalizada é marcada por muitos avanços tecnológicos, científicos, pela expansão comercial e da produção. O consumo surge como veículo que propaga este sistema de produção: quanto mais se consome, mais se produz, mais se ganha. Vive-se numa sociedade de consumo, de objetos e desejos. A produção e o consumo excessivo afetam diretamente os recursos naturais e dia após dia vem mostrando que este modelo é insustentável ambientalmente. A industrialização tem implicações sobre as cidades e estas, por sua vez, se tornam um berço propício para o fortalecimento da sociedade de consumo, um ambiente convidativo e que estimula o consumismo. Junto com o consumo, vem o desperdício, a obsolescência programada, a destruição do meio ambiente, fatores estes que contribuem com a crise socioambiental, hoje, presenciada.

1.1 Globalização e a formação da sociedade de consumo

Falar de globalização reporta a um conjunto de transformações sociais, políticas, econômicas, culturais e ambientais que se fazem perceber do local ao global. Nas suas formas mais visíveis, estas mudanças estão freqüentemente relacionadas a inovações tecnológicas e ao incremento no fluxo comercial mundial, pela velocidade que estas ocorrem no mundo.

O modelo do capitalismo é sem dúvida, o veículo da globalização econômica, porque as suas instituições, mercados financeiros, os bens materiais, o trabalho assalariado, facilitam as trocas econômicas mesmo a grandes distâncias.

Bauman (1999, p. 8) aborda a globalização e entende que esta é “um processo irremediável e irreversível, algo que afeta a todos na mesma medida e da mesma maneira. É um misto de felicidade e infelicidade alheia. A globalização tanto divide como une; divide enquanto une”.

Esse processo de transformação significa “que ninguém pode evadir-se dos efeitos da globalização, pelos quais todos nós somos atingidos, em menor ou maior grau, mediante um conjunto de acontecimentos que afetam indistinta e dialeticamente o âmbito

(15)

local e global.” Nesse novo panorama social Lucas (2009, p. 43) analisa que “nada é tão longe que não possa mais interessar ao local e nem tão localizado que não possa influenciar outros lugares” e, como bem observa Santos (2001, p. 40), “nenhuma fração do planeta escapa a essa influência”.

Nesta mesma linha, Canclini destaca:

Vivemos um tempo de fraturas e heterogeneidade, de segmentação dentro de cada nação e de comunicações fluidas com as ordens transnacionais da informação, da moda e do saber. Em meio a esta heterogeneidade encontramos códigos que nos unificam, ou que ao menos permite que nos entendamos (CANCLINI, 1997, p. 85).

O uso da tecnologia não ficou restrito à atividade industrial. Os avanços tecnológicos atingiram também os meios de comunicação, informação e transporte. As inovações nesses três campos são apontadas como pilares na constituição da globalização, por que com elas tornou-se possível a difusão de informações entre empresas, instituições financeiras e investidores, ligando os mercados do mundo, graças à implantação da telefonia fixa e móvel, televisão, fax, internet, entre outros. “Hoje, vivemos o mundo da rapidez e da fluidez”, leciona Santos (2001, p. 41) e os efeitos dessas inovações recaem sobre a noção de tempo e espaço:

A reconceitualização do espaço e do tempo está profundamente afetada pelas novas tecnologias da informação e da comunicação que permitem o intercâmbio de conhecimento em tempo real entre os pontos mais distantes do nosso planeta, face aos fenômenos da internacionalização e aos processos em grande escala da difusão transcultural. (MARCONDES, 2004, p. 109).

Com a abreviação das distâncias, o término da geografia é um efeito da velocidade das informações e dos meios de comunicação, assim como do crescente desenvolvimento de novas tecnologias. O “encurtamento” do tempo e espaço forma uma nova realidade chamada de “glocal”1, onde a dimensão local e global se confundem.

Palavras como “perto” e “longe” perderam o sentido que carregavam antigamente como indicação de localização e ganharam outra dimensão. Nesta seara, Morin argumenta:

O mundo torna-se cada vez mais um todo. Cada parte do mundo faz, mais e mais, parte do mundo e o mundo, como um todo, está cada vez mais em cada uma de suas partes. Isto se verifica não apenas para nações e povos, mas para

1“Glocal” expressão utilizada por Beck que descreve o fenômeno de deslocamento do poder tanto para o

âmbito global, bem como para o local, uma nova dialética de questões globais e locais que não possuem mais guarida em uma política nacional. BECK, Ulrich. Risk society. Towards a new modernity. Londres: Sage Publications, 1992.

(16)

os indivíduos. Assim, como cada ponto de um holograma contém a informação do todo do qual faz parte, também, doravante, cada indivíduo recebe ou consome informações e substâncias oriundas de todo o universo (MORIN, 2000, p. 67).

Estamos diante do fim dos limites geográficos, sendo as fronteiras meras formas simbólicas e sociais, o que segundo Bauman (1999, p.15), “a distância é um produto social; sua extensão varia dependendo da velocidade com a qual pode ser vencida”. Exemplo disso são as tecnologias de informação e comunicação e a velocidade com que as informações circulam hoje pela internet, produzem um impacto muito grande na forma como os cidadãos acessam e reproduzem essas informações. Criou-se a cultura da sociedade de informação2. A sociedade da informação é a sociedade dos cidadãos do mundo (RADDATZ, 2012, p. 307).

O progresso dos meios de transporte vai ao encontro da sociedade globalizada. As viagens e os transportes são marcados por mudança particularmente rápidas e radicais. O progresso resultou na invenção e produção em massa de novos meios de transporte, como trens, aviões e automóveis. Além do avanço do transporte de locomoção temos como um dos grandes marcos da história, o transporte da informação: “O tipo de comunicação que não envolve o movimento de corpos físicos” (BAUMAN, 1999, p. 21).

No seu entendimento, através da mobilidade, o processo de desenvolvimento de meios técnicos permitiu que o conteúdo viajasse independente dos portadores físicos e do que se tratava. A era da informática fez com que o aumento da velocidade de transmissão da informação aumentasse cada vez mais, podendo esta ser transmitida com menor tempo do que a viagem dos corpos, perdendo a noção de distância a ser percorrida, tornando a informação instantaneamente disponível em todo o planeta, tanto na teoria como na prática (BAUMAN, 1999). Já Santos (2001, p. 32) destaca que “o mundo se torna fluido, graças à informação, mas também ao dinheiro”.

O incremento no fluxo comercial mundial tem como principal determinante a modernização ocorrida nos transportes, principalmente o marítimo, por facilitar as grandes importações e exportações pela capacidade de carga a um custo baixo se

2 A revolução tecnológica deu origem ao informacionalismo, tornando a base material desta nova sociedade, em que os valores da liberdade individual e da comunicação aberta tornaram-se supremos. Para Castells, no informacionalismo, as tecnologias assumem um papel fundamental em todos os segmentos sociais, possibilitando o entendimento da nova estrutura social – sociedade em rede – e conseqüentemente, de uma nova economia. A tecnologia da informação é considerada uma ferramenta indispensável na manipulação da informação e construção do conhecimento pelos indivíduos, pois a geração, processamento e transmissão de informação torna-se a fonte essencial de produtividade e poder”. CASTELLS, Manuel. A era da

(17)

comparado aos outros meios de transporte. Com isso, ocorre uma espécie de redução de distâncias, possibilitando a mundialização de mercadorias de forma global.

A virada do milênio que foi marcada pela revolução tecnológica e informacional, vem influenciando no nosso modo de viver. É um tempo de “mudanças”, como Castells (1999) caracteriza. A mudança no pensar, comunicar, produzir e consumir atinge simultaneamente diferentes pessoas em diferentes espaços. É também um tempo em que “a tirania do dinheiro e a tirania da informação são os pilares da produção da história atual do capitalismo globalizado” (SANTOS, 2001, p. 17).

Vê-se então, que as mudanças econômicas decorrentes da globalização passam a favorecer paulatinamente o acesso ao consumo, delineando uma sociedade fascinada por produtos e serviços, voltado para satisfazer os anseios dos indivíduos conectados ao mundo e munidos de informações e desejos.

Nesta lógica, Santos (2001, p. 24) destaca que “atualmente, as empresas hegemônicas produzem o consumidor antes mesmo de produzir os produtos. Um dado essencial do entendimento do consumo é que a produção do consumidor, hoje, precede à produção dos bens e dos serviços.”

Sendo assim, o consumo começa a interferir diretamente no modo de vida das pessoas, pois o sistema capitalista estimula o consumo, a comercialização e a criação de necessidades, identificando-se como base da sociedade de consumo. Bauman (1999, p. 82) destaca que “o consumidor é uma pessoa em movimento e fadada a se mover sempre.” Na mesma linha, Barbosa (2004, p. 22) completa que cada um de nós se torna um árbitro fundamental de suas próprias opções. Todos somos consumidores. Desde que alguém tenha dinheiro para adquirir o bem desejado não há nada que impeça de fazê-lo.

Este contexto deve ser visto considerando-se a lógica de que o consumo atua como fator de inclusão social do indivíduo com o seu entorno, o que significa dizer que ser consumidor atualmente é estar globalizado, é estar conectado com o mundo e com tudo o que ele tem de melhor para oferecer na busca contínua de bem estar, da qualidade de vida e da interação social. Para Baudrillard (2008, p. 19- 47) “chegamos ao ponto em que o consumo invade toda a vida” e que “a felicidade constitui a referência absoluta da sociedade de consumo.”

Consoante a esta ideia, Cortez (2009, p. 37) complementa:

A qualidade de vida e a felicidade têm sido cada vez mais associadas e reduzidas às conquistas materiais. Tal posicionamento acaba levando a um ciclo vicioso, em que o indivíduo trabalha para manter e ostentar um nível de consumo, reduzindo o tempo dedicado ao lazer e a outras atividades e relações sociais.

(18)

A busca incessante pela qualidade de vida que caminha em direção da satisfação e da felicidade é o que consolida a sociedade de consumo. O consumo é estimulado pelo bombardeio de imagens, mensagens, propagandas. Ai se encontra a essência da sociedade de consumo: criar produtos, criar consumidores, criar necessidades e desejos.

As estratégicas de marketing, os meios de comunicação de massas, a internet encurtando tempo e espaço auxiliam na publicidade e tornam-se molas propulsoras do consumo, alimentam a sensação de estar inserido na sociedade e de não estar atrasado face a tantas inovações colocadas a disposição dia-a-dia na vida dos indivíduos. “Daí, o império da informação e da publicidade” observa Santos (2001, p. 24).

O despertar desejos ou necessidades por produtos, ou ainda os dois ao mesmo tempo, é uma das mais comuns finalidades do marketing, podendo ainda ser definido como uma estratégia voltada para a otimização de lucros:

Estratégia empresarial de otimização de lucros através da adequação de produção e oferta de suas mercadorias e serviços às necessidades e preferências dos consumidores, recorrendo a pesquisas de mercado, design, campanhas publicitárias, atendimentos pós-venda etc.; […] conjunto de ações estrategicamente formuladas, que visam influenciar o público quanto a determinada idéia, instituição, marca, pessoa, produto, serviço etc. (HOUAISS, 2009, p. 1248).

O homem desde que começou a fazer trocas e, posteriormente a estabelecer um comércio embrionário, utilizou-se da linguagem e outros recursos semióticos3 para atingir o sucesso. Esta prática é feita até os dias atuais, devidamente auxiliada pelo conjunto de recursos tecnológicos, por meio de recursos sonoros, gráficos e visuais, que ganham dimensão ampliando sua eficácia comunicativa pelos diferentes suportes e mídias.

A publicidade é considerada uma das maiores forças da atualidade. Como assevera Vestergaard (2000, p. 14), o seu poder de sedução é um dos mais ativos e eficazes dos nossos dias. Diariamente nos rendemos a um número de mensagens que não só manipulam nossas mentes, mas ditam-nos, principalmente, regras de consumo que refletem os sistemas de referências de cada sociedade, funcionando como um verdadeiro diagnóstico psicossocial de uma época.

Ainda, sobre o poder empreendido pela publicidade, Sant’anna define:

3

Mais abrangente que a linguística, a qual se restringe ao estudo dos signos linguísticos, ou seja, do sistema sígnico da linguagem verbal, esta ciência tem por objeto qualquer sistema sígnico - Artes visuais, Música, Fotografia, Cinema, Culinária, Vestuário, Gestos, Religião, Ciência, etc SANTAELLA, Lucia. Semiótica

(19)

É a grande energia que impulsiona o desenvolvimento industrial, o crescimento do comércio e a toda outra atividade e é, ao mesmo tempo, a maior influência de sugestão para orientar a humanidade politicamente ou em questões religiosas, para criar estados de aposições, para revolucionar os métodos e para difundir aquilo que é mais conveniente, novo ou econômico para a comunidade ou na resolução de apetência e necessidades (SANT’ANNA, 1995, p.77)

As empresas e organizações, na busca da competitividade local ou global, utilizam das estratégias de marketing para atrair e reter clientes. O uso de campanhas criativas e inovadoras cumpre esta finalidade e, a linguagem é fundamental para que as informações entrem no cotidiano dos consumidores. Como estamos diante de consumidores influenciados pela globalização e, portanto, cada vez mais exigentes e seletivos, a estratégia utilizada deve ser realmente atrativa para que esse liame entre cliente e mercado seja mantido.

Poderíamos ainda dizer que as organizações são forçadas a desenvolver e adotar meios estratégicos cada vez mais direcionados aos consumidores, que na medida em que têm acesso à informação, passam, então, a exigir qualidade, bom preço e ainda a satisfação de seus gostos, desejos e preferências, impondo às empresas uma adequação constante às suas “necessidades”. Para isso, trabalham e planejam estratégias para manter relacionamentos duradouros com seus clientes, fazendo com que estes atuem não apenas na condição de consumidores esporádicos, mas passem a ser clientes constantes e fiéis no consumo de determinado produto.

Acerca dessa relação entre consumidores e marketing, Las Casas (2006) entende que o grande desafio dos operadores de marketing está em conhecer o consumidor, observar suas vontades e desejos, bem como identificar as satisfações ou não em decorrência do consumo de determinado produto.

A mídia é considerada a maior fonte de informação que a sociedade possui, daí a justificativa de ser chamada de “quarto poder”.4 Seu poder de manipulação pode

configurar como uma espécie de controle, conduzindo um grupo de pessoas que por si só não possuem opinião própria.

4

O quarto poder é uma expressão utilizada com conotação positiva de que a Mídia (meios de comunicação de massa) exerce tanto poder e influência em relação à sociedade quanto os Três Poderes nomeados em nosso Estado Democrático (Legislativo, Executivo e Judiciário). A intenção de ilustrar a Mídia como Quarto Poder demonstra que, nos tempos atuais, a Imprensa tem servido de Cão de Guarda (termo utilizado pelo Jornalista Eugênio Bucci), para a sociedade. Sobre o tema, há um filme de 1997 cujo título original é

Mad City (cidade louca - em tradução literal). O filme discute o poder dos Meios de Comunicação de Massa

sobre a opinião pública, fazendo uma espécie de jogo com as emoções. O filme fala do poder e dos métodos de manipulação da mídia para favorecer os interesses de particulares, e da conquista de público cativo (audiência).

(20)

A mídia, com sua habilidade “carismática”, forma, deforma, manipula, coordena e impõe sonhos, gostos, vontades, enfim, pensamentos de massa. Para Baudrillard (2008), os medias5 retalham o real, criando um sistema de leitura do mundo transformado em

sistema de signos e todo o consumo é seguido de signos, a mercadoria depois de libertadas suas funcionalidades, não passará de um símbolo. Na mesma linha, Lipovetsky (2009) afirma que a razão do consumo não está por ele mesmo ou pelo valor de uso inscrito, mas toda razão está no valor de “troca de signos”, do prestígio, do status, da posição social.

De forma subliminar, a TV através de suas novelas, jornais, propagandas e a internet transmitem um discurso ideológico, fomenta modelos a serem seguidos, padronizando estilos de vida. Concordando com a idéia, para Guareschi (2004, p. 29-34) a mídia constitui um novo personagem dentro de casa, se faz presente em nossas vidas e mantemos um intenso contato, diariamente. É um personagem de voz poderosa que invade os lares, que dá respostas, agrega valores e estabelece padrões de vida, atrai os receptores a valorizarem e adotarem seus dizeres e modos de ser. Com tais práticas, a mídia, torna os seres humanos seus reféns, reconstruindo e modelando suas subjetividades.

A informação repassada pela mídia se transforma em mercadorias- bebidas, carros, roupas, calçados, celulares, eletrodomésticos, eletrônicos, etc., unifica a beleza, a riqueza, a moda, a busca pela juventude, a obsessão pelo corpo perfeito, a materialização das relações, valorizando e impondo um determinado estereótipo, discriminando aquele que não se enquadra neste padrão de consumo. Dessa forma, Baudrillard (2008, p. 131) chama atenção para o fato de que, “cada imagem e cada anúncio impõe o consenso de todos os indivíduos virtualmente chamados a decifrá-los, ou seja, depois de descodificarem a mensagem, a aderir automaticamente ao código em que ela for codificada”.

A marca implica uma linguagem do consumo. Para Miranda (2008) a população prefere marcas que conferem um status de personalidade e a marcas que sejam compatíveis com as imagens que os produtos possuem perante a sociedade. As pessoas compram as coisas não somente pelo que essas coisas podem fazer, mas também pelo que elas significam ou representam socialmente.

Os produtos são criados com a intenção de gerar e satisfazer as necessidades do consumidor. Há uma necessidade incessante de consumir cada vez mais. Dessa forma, o consumidor é o alvo do mercado, pois sem ele não existe. O resultado esperado do

(21)

consumo é o encontro com a “felicidade”, pois cada vontade adquirida implica a criação de uma nova (BAUMAM, 2008, p. 199). Na sociedade do consumo, inaugura-se uma “sociedade do desejo”, onde o progresso e a felicidade são cada vez mais associados à melhoria das condições de vida e à aquisição de objetos de consumo (LIPOVETSKY, 2007, p. 21).

Nesta mesma linha Schonardie (2011) entende que há três lógicas desenvolvimentistas distintas na modernidade: a industrialização, o capitalismo e a democracia - que oferecem meios para suprir as carências e, concomitantemente, levam a criação de novas carências, sendo que o progresso de cada uma exige a força motivacional da insatisfação.

Por isso, no atual contexto ocidental, se as pessoas sentirem-se satisfeitas, a sociedade moderna não poderá mais se reproduzir. Há uma lógica de desenvolvimento centrada na ideia de que a satisfação de algumas necessidades leva, automaticamente, à busca de satisfação de outras, porque, ao contrário do que, inicialmente, se imaginava, a satisfação das necessidades conduz à busca por outras antes inexistentes. As necessidades, “novas necessidades”, estão sendo criadas a todo o momento (...). O surgimento constante de novas necessidades dá-se pela insatisfação, que propulsiona o desenvolvimento da modernidade ocidental. O interessante é que a própria sociedade, ao ver satisfeitas algumas de suas necessidades, justifica, pela insatisfação, a necessidade de realização e satisfação das “novas necessidades” (que estão sendo criadas a todo o instante), porque, insatisfeita, vive mudando continuamente. E a força motivacional que perpetua as três lógicas da Modernidade ocidental (industrialização, capitalismo e democracia) é as carências (SCHONARDIE, 2011, p. 17-18).

Para Canclini (2008, p. 14) “as insatisfações podem ser tratadas como um mal estar da época, uma crise universal dos paradigmas e das certezas”. E o que vem a piorar, é que “ninguém está satisfeito com o que tem”.6

O atual modelo baseia-se em inovações tecnológicas, na difusão do capital, na concorrência e na busca pelo lucro e bem como para atingir estes fins, necessita-se da expansão do consumo, o que com freqüência se vê em produtos que se tornam obsoletos em pouco tempo de uso, precisando ser substituído por outro, sem levar em consideração os limites da natureza. O consumo em larga escala representa o combustível que movimenta um círculo vicioso de exploração, consumo, descarte e desperdício, sendo esta última fase, a causa de inúmeros problemas socioambientais.

6 Esta era uma conclusão de uma discussão entre pais e filhos sobre o que a família podia comprar ou sobre a competição com os vizinhos, em meados do século XX. Manifestava a um só tempo muitas idéias: a satisfação pelo o que tinham conquistado aqueles que saíram do campo para as cidades, pelos avanços da industrialização e a chegada à existência cotidiana de novos itens de conforto(luz elétrica, telefone, rádio, talvez carro), tudo aquilo que fazia sentirem-se habitantes privilegiados da modernidade. CANCLINI, Nestor Garcia. Consumidores e Cidadãos. Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2008, p. 30.

(22)

O consumo em si não é o problema, pois este é necessário para a sobrevivência de qualquer espécie. Consumir água, ar, alimentos são ações naturais para nos manter vivos. O problema inicia quando o consumo de produtos e serviços acontece de forma exagerada, com a exploração excessiva dos recursos naturais, que acaba interferindo no equilíbrio estabelecido no meio ambiente.

Nesta mesma linha, Serres (1994, p.45) questiona o excesso do consumo e o equipara a uma “imundície” de resíduos que encobre a beleza natural, questionando: “Como é que as paisagens divinas, a montanha sagrada e o mar com o sorriso inominável dos deuses puderam transformar-se em campos de estrume ou abomináveis receptáculos de cadáveres?”

Baudrilard (2008, p. 15) nos remete ao entendimento de que “vivemos o tempo dos objetos, existimos segundo o seu ritmo e em conformidade com a sua sucessão permanente”. Além disso,

[...] a sociedade precisa dos seus objetos para existir e sente, sobretudo, a necessidade de os destruir. O uso dos objetos conduz apenas ao desgaste lento. O valor criado reveste-se de maior intensidade no desperdício violento. Por tal motivo, a destruição permanece como alternativa fundamental da produção: o consumo não passa de termo intermediário entre as duas (BAUDRILARD, 2008, p. 43)

Como bem pontua Baudrillard (2008, p.38-40) todas as sociedades desperdiçaram, gastaram e consumiram sempre além do estrito necessário. “Sabe-se muito bem como a abundância das sociedades ricas está associada com o desperdício”, ou seja, “ o supérfluo precede o necessário”. Por fim, “toda produção e despesa que vá além da estrita sobrevivência, pode ser rotulada de desperdício.”

Para que a abundância se torne um valor na sociedade de consumo é preciso, então, que haja, não o bastante, mas demasiado, ou seja, que se mantenha e se manifeste uma diferença clara entre o “necessário” e o “supérfluo.” É por meio desta ótica , que se analisa o imenso esbanjamento da sociedade de consumo, pois é ele que desafia e promove a “abundância” (BAUDRILARD, 2008, p. 40-43).

Bauman (2008, p. 51-53) alerta que a economia consumista se alimenta das mercadorias e é considerada “em alta” quando o dinheiro mais muda nas mãos e, sempre que isso acontece, alguns produtos do consumo estão viajando para o depósito do lixo. Para atender a todas essas novas necessidades, impulsos, compulsões e vícios, assim como oferecer novos mecanismos de motivação, orientação e monitoramento da conduta humana, a economia consumista tem de se basear no excesso e no desperdício

(23)

Também sobre o comportamento da sociedade de consumo, Baumam (2008, p. 50) argumenta que “a vida agorista dos cidadãos da era consumista o motivo da pressa, é em parte, o impulso de adquirir, juntar. Mas o motivo mais premente que torna a pressa de fato imperativa é a necessidade de descartar e substituir.”

A prática do mercado é estimular o descarte, seja pela má qualidade dos materiais utilizados para fabricação dos produtos, pela não durabilidade, que ao invés do consumidor encaminhar para o concerto, opta, por ser mais vantajoso, trocar por novos produtos e jogar fora o produto com defeito. O mercado também impõe uma descartabilidade imediata, ou seja, é a disposição de produtos fabricados para serem consumidos uma única vez, que no entendimento de Layrargues (2002, p.184) gera “a obsolescência planejada e a descartabilidade são hoje elementos vitais para o modo de produção capitalista.”

Na visão de Lipovetsky (2009, p. 160) os tempos breves da moda, seu desuso sistemático, tornaram-se características inerentes à produção e ao consumo de massa. A lei é inexorável: uma firma que não cria regularmente novos modelos perde em força de penetração no mercado e enfraquece sua marca de qualidade numa sociedade em que a opinião espontânea dos consumidores é a de que, por natureza, o novo é superior ao antigo.

A super valorização do produto novo favorece uma renovação constante, na medida em que o novo se torna velho rapidamente. A busca incansável pela diversidade de produtos movimenta o ciclo da renovação, isto é, o novo vai tomando lugar o produto anterior. A era do consumo coincide com esse processo de renovação permanente, como dinâmica de desenvolvimento e fortalecimento do mercado.

O sociólogo Richard Sennett (2006) afirma que as pessoas se movimentam por uma espécie de “paixão consumptiva”, como mais um traço do consumidor e dos tempos modernos, o que significa dizer, com suas palavras, que as pessoas quando consomem não compram apenas o produto, mas o prazer e o poder. Ou seja, o desejo por aquilo que não possui é mais forte do que ter o objeto propriamente dito.

Equivale a dizer que, utilizando coisas, nós as estamos consumindo. Nosso desejo de determinada roupa pode ser ardente, mas alguns dias depois de comprá-la e usá-la, ela já não nos entusiasma tanto. Nesse caso, a imaginação é mais forte na expectativa, tornando-se cada vez mais débil com o uso. A economia de hoje reforça essa espécie de paixão autoconsumptiva, a exemplo dos shopping centers (SENNETT, 2006, p. 128)

(24)

Poderíamos ainda afirmar, que se percebe que a valorização pelo novo é tão intensa ao ponto que o objeto do interesse perde a graça depois de adquirido e também, pela facilidade com que as pessoas se desapegam dos objetos. “A intemperança e o desperdício se combinam na paixão autoconsumptiva” (SENNETT, 2006, p. 129).

Ainda, sobre a “paixão consumptiva”, Sennett alega que no século XX duas explicações foram adiantadas para esta:

A primeira falava do "motor da moda", o que significa que a publicidade e os meios de comunicação de massa aprenderam a moldar os desejos, de tal maneira que as pessoas ficam satisfeitas com aquilo que têm; (...) Aqui, o mal é representado pelo marketing. A outra explicação era a "obsolescência planejada", segundo a qual as coisas eram feitas para não durar, para que o público pudesse comprar outras coisas novas. Os fatos de que deriva essa última explicação provinham da indústria americana de automóveis e roupas, que produzia carros tão mal fabricados e roupas tão mal costuradas que podiam ir para o lixo depois de dois ou três anos de uso. Nesse caso, o mal é encarnado na produção. Embora ambas tenham seus méritos, essas teses presumem que o consumidor desempenha um papel passivo — como simples joguete da publicidade, prisioneiro do lixo comercializado.

Um segundo indício da paixão consumptiva está na potência. A potência é algo que podemos comprar (...). Já é de senso comum na indústria eletrônica que os consumidores comuns compram equipamentos com possibilidades que jamais utilizarão: discos de memória capazes de guardar quatrocentos livros, embora a maioria das pessoas chegue a arquivar na melhor das hipóteses algumas centenas de páginas de cartas, ou programas de informática que nunca são acessados no computador. O comportamento desses consumidores é semelhante ao dos proprietários de carros esporte supervelozes que praticamente só transitam no tráfego arrastado das cidades (...) Todos esses são consumidores de potência (SENNETT, 2006, p. 130-140)

A obsolescência programada foi conceituada e classificada por Vance Packard já na década de 19607, que compreende como a expressão comum utilizada para descrever as mais diversas técnicas adotadas para limitar artificialmente a durabilidade de produtos manufaturados, com o objetivo de estimular o consumo repetitivo (PACKARD, 1965).

A partir desta idéia, Moraes (2015, p. 51) resume a obsolescência programada como nada mais que a redução artificial da durabilidade dos bens de consumo, para que introduza os consumidores a adquirirem produtos substitutos antes do necessário, e por conseqüência, com mais freqüência do que normalmente o fariam.

Entretanto, segundo Packard (1965) existem três formas diferentes de um produto se tornar obsoleto, quais sejam: pela qualidade, pela função e ou pela desejabilidade. Essas formas podem ocorrer conjunta ou separadamente.

A obsolescência planejada de qualidade ocorre quando o produtor projeta o tempo útil de vida do produto, desenvolvendo técnicas ou materiais de qualidade inferior,

(25)

antevendo sua quebra ou desgaste para a redução de sua durabilidade, visando o aumento de lucros e de suas vendas (PACKARD, 1965, p. 51).

O Instituto Nacional de Pesquisa e Defesa do Meio Ambiente – INMA8 em

reportagem “Meio Ambiente: o predatório modo de produção capitalista”, aborda um exemplo, entre muitos, sobre a obsolescência programada desta natureza. É o da multinacional Philips diante agressividade ambiental gerada por essa grande empresa capitalista. Em 1938, as lâmpadas fluorescentes produzidas tinham uma vida útil média de 10 mil hora; mas como a lógica do capitalismo é aumentar os lucros, a Philips investiu em pesquisas para programar a obsolescência das lâmpadas de modo que reduzisse a vida útil em 90%. Sendo assim, a vida útil das lâmpadas fluorescentes é de mil horas. O resultado dessa artimanha das grandes empresas é um dano ambiental considerável, pois isso representa somente no Brasil, mais de 30 milhões de lâmpadas desse tipo jogadas no lixo todo ano.

Aqui se tem também, a obsolescência planejada de função ou funcional, estratégia que torna um produto obsoleto com o lançamento de outros produtos no mercado, ou mesmo produto com melhoramentos, capaz de realizar as mesmas funções do produto antigo, porém, num ritmo mais avançado e eficaz (PACKARD, 1965, p. 51). Moraes (2015, p. 51) observa que “a substituição de produtos quase sempre implica exploração de novos recursos naturais e novos resíduos sendo descartado no meio, o que acaba intensificando a crise socioambiental vivenciada.”

Já a obsolescência planejada pela desejabilidade também é conhecida como psicológica, de estilo, tido como estratégia de tornar um produto defasado em decorrência de sua aparência, seu design, tornando o produto menos desejado (PACKARD, 1965, p. 52). Para Moraes (2015, p. 54) ocorre este tipo de obsolescência quando “torna um produto defasado ainda que seja útil e esteja em plenas condições de uso. Aqui é o consumidor, envolvido nas estratégias e marketing e design, que opta pela substituição do produto por um mais novo, moderno.”

Nesta linha, Bauman discorre sobre este tipo de obsolescência planejada:

Afinal, nos mercados de consumidores-mercadorias, a necessidade de substituir objetos de consumo “defasados”, menos que plenamente satisfatórios e/ou não desejados está inscrita no design dos produtos e nas campanhas publicitárias calculadas para o crescimento constante das vendas. A curta expectativa de vida de um produto na prática e na utilidade proclamada está incluída nas estratégias de marketing e no cálculo dos lucros [...] Entre as maneiras com que o consumidor enfrenta a insatisfação, a principal é descartar os objetos que as causam. A sociedade de consumidores desvaloriza a

(26)

durabilidade, igualando “velho” a “defasado”, impróprio para continuar sendo utilizado e destinado à lata de lixo [...] Não se espera dos consumidores que jurem lealdade aos objetos que obtém a com a intenção de consumir (BAUMAN, 2008, p. 31)

As estratégias de obsolescência programada estão ligadas a um aspecto peculiar do indivíduo, à vontade, muito bem definida pelo célebre filósofo alemão Artur Schopenhauer (apud Junior, Ferreira, 2009, p. 22):

A vontade jamais pode ser satisfeita, posto que se ela fosse satisfeita deixaria de ser vontade; então, a cada satisfação se reproduz a necessidade, a cada desejo satisfeito um outro desejo surge, e assim infinitamente, nesse círculo infernal da vontade.

O que incentiva a busca pela criação de novos produtos e novos usos, no entendimento de Richers (2000, p. 226), é o fato do consumidor simplesmente cansar do que lhe é oferecido. Bauman destaca que a competitividade global leva as empresas a tentar despertar os desejos e seduzir o consumidor, criando novos produtos e serviços diariamente:

A indústria atual funciona cada vez mais para a produção de atrações e tentações. E é da natureza das atrações tentar e seduzir apenas quando acenam daquela distância que chamamos de futuro, uma vez que a tentação não pode sobreviver muito tempo à rendição do tentado, assim como o desejo nunca sobrevive a sua satisfação (BAUMAN, 1999, p. 76).

Oportuno destacar, que todos os aspectos que dão forma à colcha de retalhos da sociedade de consumo, estes já eram bem definidos nas teorias de Karl Marx sobre a sociedade, a economia e a política, pois na época já era de seu entendimento que “a produção é imediatamente consumo; o consumo é imediatamente, produção. Cada qual é imediatamente seu contrário. São elementos de uma totalidade” (MARX, 1974, p.119). Outrossim, produção, distribuição, troca e consumo são etapas simultâneas, relacionadas entre si.

A sociedade globalizada através da comunicação de massa busca seduzir e despertar novos desejos ao consumidor, na medida em que uma necessidade é satisfeita, busca-se criar outras necessidades e assim, por diante, um novo produto é lançado ou oferecido, a fim de movimentar este círculo vicioso. Sobre a relação entre necessidades e satisfação, Bauman (1999, p.76) destaca que “a promessa e a esperança de satisfação precedem a necessidade que se promete satisfazer e serão sempre mais intensas e atraentes que as necessidades efetivas.”

(27)

O certo é que o consumo acompanha o ritmo da sociedade:

[...] a medida que nossas sociedades enriquecem, surgem incessantemente novas vontades de consumir. Quanto mais se consome, mais se quer consumir: a época da abundancia e inseparável de um alargamento indefinido da esfera das satisfações desejadas e de uma incapacidade de eliminar os apetites de consumo, sendo toda saturação de uma necessidade acompanhada imediatamente por novas procuras (LIPOVESTSKY, 2007 p.24)

O processo de industrialização está intimamente ligado ao processo de urbanização, que por meio da globalização ganhou força e por sua vez acelera o consumo. É nas cidades que mais se percebe essa mudança de comportamento da sociedade em relação ao consumo. A próxima abordagem vem destacar a crescente urbanização como conseqüência da sociedade globalizada, a formação do espaço urbano, seu modo de vida e as implicações socioambientais que surgem em seu entorno, em decorrência de ser o local com maior concentração do consumo.

1.2 A urbanização e suas implicações

Os processos de industrialização e urbanização estão interligados. Os avanços e transformações proporcionados pela industrialização conceberam o crescimento exponencial das cidades. O processo de urbanização estimula o consumo nas cidades, o que intensifica a produção de mais produtos, o que, por conseqüência, exige um ritmo acelerado da atividade industrial.

No meio rural, a industrialização intervém no sistema produtivo com a inserção de modernos maquinários, como tratores, colheitadeiras, semeadeiras e outros equipamentos. Assim, grande parte da mão de obra empregada anteriormente é substituída por máquinas e profissionais qualificados em operá-las. Dessa forma, o resultado não é outro, que o deslocamento de boa parte dessa população para as cidades, o que justifica serem cada vez maiores e mais povoadas. Porém, o êxodo rural não é o único motivo para esta migração, na medida em que a industrialização das cidades faz com que elas se tornem mais atrativas, graças à maior oferta de empregos, bens e serviços.

Spósito (2000, p. 04) entende esta relação do seguinte modo:

A industrialização dá o "tom" da urbanização contemporânea. Embora historicamente tenha resultado dos avanços técnicos necessários ao desenvolvimento do capitalismo, a industrialização marca predominantemente as relações entre a sociedade e a natureza e é a forma dominante de produção até mesmo nos países socialistas. A cidade é o território-suporte para a atividade industrial, por se constituir num espaço de concentração e por reunir as condições necessárias a esta forma de produção. Contudo, o

(28)

desenvolvimento da urbanização não é apenas condição para o desenvolvimento industrial, mas também este mudou o caráter da cidade, ao lhe dar, de forma definitiva, um traço produtivo e transformá-la no "centro" de gestão e controle da economia capitalista, subordinando até mesmo a produção agrícola que se dá no campo.

A industrialização se expressa pelo predomínio da atividade industrial sobre as outras atividades econômicas. Em decorrência da natureza urbana da produção industrial, diferente das atividades produtivas da agricultura e pecuária desenvolvidas no campo, as cidades tornaram-se solo fértil para a industrialização, dada a concentração de capital e força de trabalho. Sendo assim, estes dois processos nos levam a entender o próprio desenvolvimento do capitalismo.

Segundo Ortiz (1996), a globalização provoca um desenraizamento dos setores econômicos e culturais das sociedades nacionais, integrando-os a um patamar que os distancia da camada mais pobre, dos excluídos do mercado de trabalho e do consumo. Ao estudar a mundialização das cidades e da cultura chegou-se a conclusão que esta ocorre por dois fatores interligados. Primeiro, pelo avanço tecnológico e segundo pelo compartilhamento universal de objetos, ou seja, pelas redes de tecnologias, as multinacionais tiveram seus produtos mundializados e suas marcas facilmente difundidas e identificadas, tornando-se referências no espaço mundial estimulados pela cultura de consumo e a publicidade.

Não há como negar o grande impulso da urbanização a partir do pleno desenvolvimento da industrialização. Considerando que o termo urbanização refere-se ao aumento da população que vive nas cidades, logo este sentido pressupõe a diminuição relativa da população rural. Alves (1992, p. 11) destaca que a transferência da população rural para a cidade, no caso brasileiro, não é conseqüência somente do crescimento do setor industrial tal como aconteceu em países ricos, “mas se deve também a uma verdadeira fuga do lavrador, devido às péssimas condições de trabalho e vida no campo.” Spósito (2000, p. 50) chama atenção que a manifestação da urbanização por meio da industrialização não deve ser tomada apenas pelo elevado deslocamento da população para as cidades, mas, sobretudo, porque o “desenvolvimento do capitalismo industrial provocou fortes transformações nos moldes da urbanização, no que se refere ao papel desempenhado pelas cidades, e na estrutura interna destas cidades.”

Sendo assim, a cidade nunca foi um espaço tão importante e nem o processo de urbanização tão expressivo como a partir do capitalismo, destaca Ortiz (1996, p. 31). Com a indústria maquino fatureira foi possível a produção em larga escala, o que acabou provocando a constituição de uma sociedade de consumo de massa. Este processo

(29)

promoveu, a partir do século XIX, e especialmente no século XX, “uma homogeneização dos valores culturais sob a esfera do domínio capitalista. Atuando ideologicamente sobre a sociedade, a propaganda cria necessidades de consumo cada vez mais uniformes, e anula paulatinamente as diferenças culturais” ressalta, Spósito (2000, p. 55).

A cidade sofreu diretamente as conseqüências da expansão populacional trazida pela Revolução Industrial, sendo que muitas transformações ocorreram em nível de estruturação de seu espaço. A área principal da cidade tornou-se centro e ao seu redor uma nova delimitação foi formada, a periferia, como bem caracteriza Alves (1992, p.19) “verdadeiros formigueiros humanos.”

O Brasil tornou-se um país urbano somente na segunda metade do século XX, ou seja, mais de cinqüenta por cento da população passou a residir nas cidades. A partir da década de 1950, este processo tornou-se cada vez mais acelerado, o que se deve, sobretudo, a intensificação da industrialização brasileira.

Para Alves (1992) a cidade não é algo natural na história do ser humano. Ela é produto da história dos povos, e atualmente, condição essencial para a continuidade e aperfeiçoamento de suas realizações, enquanto seres racionais e, portanto, produtores de cultura, assim como o povo do interior. Por tudo isso “a cidade tem que ser encarada e trabalhada como um bem público, quer seja, todos que nela precisam ou desejam morar tenham o direito de usar, gozar e dispor para a sua felicidade e realização.” (ALVES, 1992, p. 26)

Nossa observação, no entanto, permite perceber que, infelizmente a cidade não é tratada como “bem público”, pelo o que a maior parte da população vive experimenta a cidade. No entendimento de Spósito (2000, p. 74) na maioria dos casos, o poder público escolhe os lugares da cidade onde está a população de maior poder aquisitivo para realizar seus investimentos em bens e serviços coletivos, ou ainda que poderão ser vendidos e ocupados por estes segmentos pois é preciso valorizar as áreas. Conseqüentemente, os lugares da pobreza, os mais afastados, os mais densamente ocupados vão ficando no abandono.

A urbanização vem crescendo rapidamente, atingindo proporções em torno de 80% da população total do país (PHILIPPI JR, 2002). Um fato incontestável é que as cidades estão inchando e na sua maioria não disponibilizam infraestrutura adequada à população urbana e quem sofre mais com essa ausência é uma camada com pouco ou quase nada de condições econômicas, que na maioria das vezes residem em favelas e zonas desprivilegiadas, longe da qualidade dos serviços prestados em regiões mais centrais das cidades.

(30)

Bauman utiliza-se de Castells, ao dizer que há uma crescente polarização e uma distância cada vez maior entre os mundos das duas categorias (camada superior e camada inferior) em que dividem os habitantes da cidade, onde o espaço da camada superior geralmente está conectada à comunicação global e a uma vasta rede de intercâmbio, aberta às mensagens e experiências que envolvem o mundo inteiro. Na outra extremidade do aspecto, redes locais segmentadas, freqüentemente de bases étnicas, recorrem a sua identidade como o recurso mais valioso para defender seus interesses e, em última instância, sua existência (BAUMAN, 2007, p. 80).

Essa divisão de camadas dá origem aos “condomínios”, que para Bauman, qualquer um que tenha condição pode adquirir uma residência neste local planejado, que propõe um “modo de vida completo”, mas que também se destaca pelo “isolamento” que cria, a separação daqueles considerados socialmente inferiores. O fator chave para garantir isso é a segurança (cercas e muros ao redor do condomínio, guardas 24 horas, monitoramento) para manter os outros do lado de fora (BAUMAN, 2007, p. 81-82).

Davis (2006, p. 121) denomina esses espaços de “zonas totalmente protegidas”, verdadeiras “aldeias de segurança”. As casas transformam-se praticamente em fortalezas, cercadas de muros altos, com cacos de vidro, arame farpado e pesadas barras de ferro em todas as janelas, cercas elétricas, numa “arquitetura do medo”.

O território urbano torna-se um campo de batalha de uma contínua guerra espacial. “As elites escolheram o isolamento e pagam por ele prodigamente e de boa vontade. O resto da população se vê afastado e forçado a pagar o pesado preço cultural, psicológico e político do seu novo isolamento”. A globalização trouxe uma espécie de desestruturação das comunidades locais, como é possível conferir nesse trecho: “se a nova extraterritoriedade da elite parece uma liberdade intoxicante, a territorialidade do resto parece cada vez menos com doméstica e cada vez mais com uma prisão” (BAUMAN, 1999, p.29, 31)

No terceiro mundo, os pobres temem eventos internacionais de alto nível: conferências, eventos esportivos, concursos de beleza, festivais internacionais – que levam as autoridades a iniciar cruzadas de limpeza da cidade: os favelados sabem que são as “sujeiras” ou a “praga” que seus governos preferem que o mundo não veja (DAVIS, 2006, p. 111). “Embora todos os que vivem na cidade sejam tratados como citadinos, no Brasil nem todos são considerados e tratados como cidadãos” (ALVES, 1992, p. 41)

O cidadão sem teto é empurrado cada vez mais para áreas distantes do centro, regiões insalubres e proibidas para loteamentos, formando ali verdadeiros cinturões de miséria das grandes cidades. É muito comum essa população se estabelecer nas beiras de

(31)

córregos, desmatando suas margens e provocando o entupimento de leitos (assoreamento), à medida que ali vai sendo despejado o lixo doméstico e depositadas as terras arrancadas pela erosão (ALVES, 1992, p.51).

Além disso, Alves (1992, p. 51-52) destaca que, por causa das chuvas, as enchentes e inundações arrastam barracos e crianças, estragam móveis e pertence e espalham a hepatite e a leptospirose entre os moradores. Os moradores em situação irregular são os mais prejudicados, pelo fato de estarem fora dos padrões exigidos, acabam não contando também, com os serviços urbanos essenciais e são obrigados a conviver com a sujeira dos esgotos correndo a céu aberto, dos seus próprios lixos que não são recolhidos e, muitas vezes, os da cidade toda, que em sua vizinhança são depositados.

Sobre as cidades, Leal (1998, p. 78) destaca:

A escassez de recursos públicos destinados às cidades ao longo de décadas vem acumulando um brutal déficit na oferta da infraestrutura e de serviços urbanos, e as poucas áreas que recebem esses melhoramentos públicos, que em geral no Brasil são áreas mais centrais, supervalorizam-se pela enorme diferença de qualidade que oferecem face às áreas periféricas. Essa escassez de recursos públicos destinados às cidades provoca, assim, a exacerbação da renda imobiliária, traduzida na ampliação da diferença de preços de terrenos, imóveis construídos e de seus aluguéis.

Há um certo tempo vem sendo refletido os problemas das cidades e as soluções para torná-las mais justas, democráticas e sustentáveis. Uma proposta que vem ganhando destaque é aquela que debate sobre o direito à cidade. No entanto, é uma proposta diferente do atual processo de desenvolvimento urbano onde os interesses econômicos estão acima do interesse das pessoas. Todavia, sabe-se que esse atual modelo, onde o consumo é marca fundamental, prejudica não só a qualidade de vida das cidades, como também compromete o equilíbrio ambiental

Henry Lefebvre é pioneiro em discutir o direito à cidade, sendo uma referência fundamental para pensar a cidade. O direito à cidade no seu entendimento manifesta-se como forma superior dos direitos: direito à liberdade, à individualização na socialização, ao habitá-la e a morar. Sendo assim, ser cidadão é ter direito à cidade e esta cidade deveria ser o local de efetivação dos direitos, ou seja, o lugar do cidadão (LEFEBVRE, 1969).

Para Schornardie (2015, p. 148) a cidade é um espaço coletivo que pertence a todos os habitantes, cidadãos que nela habitam de forma transitória ou permanente e deve ser um espaço de realização dos direitos humanos e liberdades fundamentais. Tanto é

Referências

Documentos relacionados

- Se somente o município figura como devedor no título executivo judicial, não pode o ex-prefeito, que não participou do processo de conhecimento, ser parte na execução, não

Se nesse período crítico, ela encontra alguém que, ignorante e inescrupulosamente, lhe fornece exercícios respiratórios, e se ela segue as instruções fidedignamente na esperança

A) relativos à falta de orientação para que os alunos convivam com materiais do universo da sociedade urbanizada. C) provocados pela enorme dificuldade que têm os estudantes com

Fazendo reportagens sobre esses problemas, como quem vê de fora (com olhar de repórter) o grupo poderá tomar a distância crítica necessária para uma compreensão mais aguda de

Em vez de testar separadamente as duas hip´ oteses, no entanto, Sunshine e Tyler elaboraram um modelo de equa¸c˜ oes estruturais com uma an´ alise de caminhos para

Processo de se examinar, em conjunto, os recursos disponíveis para verificar quais são as forças e as fraquezas da organização.

Nossos olhos se arregalaram por um momento, até que alguém resolveu, corajosamente, questionar: “Mas por quê?” E a resposta veio pronta: “Porque, meu filho, por mais que nós

S em qualquer sombra de dúvida, quando nosso Senhor Jesus Cristo nos ensina na oração do Pai Nosso a dizer que o nome de Deus deve ser santificado na Terra, do mesmo