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Compreensões sobre o puerpério e a relação mãe/bebê: uma leitura winnicottiana

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO

RIO GRANDE DO SUL - UNIJUI

NADINE LIZANDRA KRAUS DUNCKE

COMPREENSÕES SOBRE O PUERPÉRIO E A RELAÇÃO

MÃE/BEBÊ:

uma leitura winnicottiana

Santa Rosa - RS

2019

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NADINE LIZANDRA KRAUS DUNCKE

COMPREENSÕES SOBRE O PUERPÉRIO E A RELAÇÃO

MÃE/BEBÊ:

uma leitura winnicottiana

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Orientadora: Doutora Solange Castro Schorn

Santa Rosa - RS

2019

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NADINE LIZANDRA KRAUS DUNCKE

COMPREENSÕES SOBRE O PUERPÉRIO E A RELAÇÃO

MÃE/BEBÊ:

uma leitura winnicottiana

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Psicologia da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande d Sul - UNIJUÍ, como requisito parcial à obtenção do título de Psicólogo.

Aprovado em ___/___/___

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Doutora Solange de Castro Schorn (Orientadora)

Docente do Curso de Psicologia - UNIJUÍ

________________________________________ Mestre Elisiane Felzke Schonardie Costantin

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AGRADECIMENTOS

Aos meus pais, Luciane Aleknovic e Sérgio Kraus, e ao meu irmão Leonardo Kraus Neto, pelo apoio e paciência nesses cinco anos e meio, os quais precisei me ausentar de algumas programações em decorrência dos estudos. Saibam que sem vocês eu não estaria aqui.

Ao meu esposo Felipe Duncke, pelo apoio em toda minha trajetória, sempre me incentivando e acreditando, foi fundamental à minha formação.

Às minhas amigas Andrize Griza e Débora Mapeli por todo apoio, pelas conversas, pelos conselhos e pelo amparo em momentos de dificuldade. Saibam que a nossa amizade foi de grande importância, principalmente nos períodos em que precisei de ombros amigos como suporte para continuar.

À Doutora Solange Castro Schorn, minha orientadora neste trabalho e que acreditou em mim e em minhas construções, respeitando minhas ideias. Não poderia ter escolhido uma profissional melhor para esse momento. Muito obrigada!

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RESUMO

Neste estudo, apresentam-se contribuições de Donald Winnicott à compreensão da relação mãe e bebê no período puerperal. Aborda conceitos cujo conhecimento e compreensão permitem amparar o estudo realizado sobre a relação estabelecida entre a mãe e seu bebê, especialmente o entendimento sobre o período singular que constitui o puerpério, finalidade deste estudo. Parte do entendimento da obra de Elisabeth Badinter sobre a natureza do amor materno para a compreensão da constituição do vínculo que se encontra na experiência da maternidade, encontrando, na obra de Winnicott, novos caminhos que conduzem à análise do tema. O trabalho constitui um estudo bibliográfico, de natureza qualitativa, do tipo descritivo e exploratório, tendo como embasamento teórico a abordagem psicanalítica na perspectiva do pensamento de Donald Winnicott. Considera-se que as contribuições desses autores sustentam a atuação do psicólogo no modo de acolher o discurso das mães que se encontram em estado de fragilidade pós-parto, auxiliando-a para compreender e significar os efeitos desse momento, conseguindo, no exercício da sua função, sustentar para seu bebê a confiança necessária que lhe permite conhecer o mundo.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 AMOR MATERNO E MATERNIDADE ... 9

1.1 A mulher mãe no contexto histórico ... 9

1.2 O lugar da criança ... 15

2. FUNDAMENTOS DA TEORIA WINNICOTTIANA... 24

2.1 Vida e obra de Winnicott ... 24

2.2 Campo teórico e conceitual ... 26

2.2.1 Conceitos fundamentais ... 27

2.3. Tornar-se mãe: a construção do vínculo mãe/bebê ... 31

2.4 Constituição e desenvolvimento emocional do bebê ... 37

2.5 O pensamento de Winnicott e Melanie Klein ... 38

3. O PUERPÉRIO E A MATERNIDADE ... 41

3.1. A mãe na sala de parto ... 41

3.2. O nascimento em Winnicott ... 44

3.3. Relação entre mãe e equipe ... 46

CONSIDERAÇÕES FINAIS ... 49

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No trabalho aqui escrito apresentamos um percurso histórico e teórico acerca da construção do vínculo mãe/bebê sob a luz da teoria Winnicottiana. O interesse pelo tema decorre das questões sociais que giram em torno da maternagem, visto ser necessário abordá-las para possíveis esclarecimentos e entendimentos sobre esse importante momento vivido pela mulher/mãe. Propomos uma leitura com vistas a romper os paradigmas da maternagem como sendo de ordem instintiva e inerente à condição da mulher, demonstrando a partir da teoria Winnicottiana que essa visão é errônea, visto que o amor materno se constrói na relação que se estabelece entre a mãe e seu bebê, sendo ela o ambiente facilitador para o desenvolvimento do filho. De forma geral, o trabalho vem abordar uma maternidade saudável, desconsiderando patologias.

O autor escolhido para abordar essas questões foi Donald Woods Winnicott, em consideração à sua longa trajetória de estudos sobre os bebês e suas mães, trazendo pontos significativos acerca da importância da construção de vínculo nos períodos iniciais na vida da criança. Tomamos, então, a obra desse autor para sustentar este estudo com as intenções de conhecer e aprofundar o conhecimento sobre os primeiros contatos entre a mãe e seu filho, e, também, compreender como se constroem as bases para o estabelecimento e desenvolvimento de uma relação saudável que proporcione a continuação do ser na criança. Cabe mencionar que será considerado neste trabalho o período puerpério e os três primeiros meses de vida do bebê.

A metodologia utilizada para a construção do trabalho contou, em um primeiro momento, com o levantamento de bibliografias referentes ao tema, partindo de uma pesquisa na internet tendo como base de dados, revistas e artigos publicados nos Periódicos Eletrônicos de Psicologia (PePSIC) e Scientific Electronic Library Online (SciELO). Em seguida, formam selecionados os autores D. Winnicott, Melanie Klein, Elisabeth Badinter e Philippe Ariès como interlocutores neste estudo. Importante comentar que foram utilizados, também, autores que fizeram releituras dos trabalhos de Winnicott. A escolha por esses autores justifica-se pelo reconhecimento conceitual em torno da relação

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mãe/bebê e pelo interesse em conhecer mais especificamente o estudo teórico de D. Winnicott, considerando o que vislumbramos no campo profissional.

Portanto, para dar conta deste estudo e melhor compreender o tema, dividimos o trabalho em três capítulos. No primeiro, abordamos o lugar da mãe no contexto social, enfatizando aspectos sócio culturais que remetem à ideia de uma mãe perfeita, sem falhas, e dedicada ao cuidado absoluto dos filhos. Demonstra, ainda, a partir de um percurso pelo estudo de Ariès (1981) e Badinter (1985), que a maternidade como condição natural da mulher é um mito, sendo a relação mãe/bebê o lugar onde o amor materno se constitui.

O segundo capítulo apresenta os fundamentos da teoria Winnicottiana e seus desdobramentos em torno da relação mãe/bebê, sendo esta compreendida como o ambiente facilitador de desenvolvimento da criança. Detêm-se então ao campo conceitual de Donald Winnicott e sua ênfase no processo de constituição e desenvolvimento emocional do bebê, contemplando uma compreensão da maternidade como tempo constitutivo do amor materno. Aborda, ainda, o encontro teórico de Winnicott e Melanie Klein situando a aproximação de seus conceitos.

Na continuidade do trabalho, o terceiro capítulo trata o período puerpério, apresentando-o como um momento de transformações físicas e psíquicas na mulher, causador de sentimentos ambivalentes, apontando para a necessidade de cuidados com a saúde mental da mãe, tendo em vista fragilidades emocionais que surgem durante a gravidez e que precisam ser vistas com mais atenção, sendo, então, importante a intervenção de um psicólogo nesse contexto. Na sequência, as considerações apontam para a importância de um acompanhamento psicológico para a mulher/mãe desde o início da gestação e, até mesmo, durante o parto, para que possa ampará-la nesse momento. Compreendemos que o psicólogo, acompanhando o parto, poderá auxiliar a mãe a elaborar esse acontecimento, assim como reafirmar suas capacidades de cuidado, ocupando o lugar que lhe cabe na relação com seu bebê.

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1. AMOR MATERNO E MATERNIDADE 1.1 A mulher mãe no contexto histórico

Estudos sobre o vínculo mãe/bebê apontam para a importância dessa relação, tendo em vista seus efeitos no processo constitutivo da criança, ao mesmo tempo em que anunciam ser uma edificação singular entre mãe e filho. Essa premissa remete à noção de maternagem e seus formatos socialmente construídos e que, atualmente, sugerem uma mãe perfeita, cuidadosa, amorosa e dedicada, sem qualquer erro, queixa ou fracasso, uma vez que supõem-se haver uma forma instintiva de exercer essa função. Tal suposição carrega em si o mito da maternidade, denominado por Forna (1999) como o mito da Mãe Perfeita, correspondente à mãe totalmente devota no exercício da sua função. Aquela que “compreende os filhos, que dá amor total e, o que é mais importante, que se entrega totalmente. Deve ser capaz de enormes sacrifícios”. Além disso, “deve incorporar todas as qualidades tradicionalmente associadas à feminilidade, tais como acolhimento, ternura e intimidade” (FORNA, 1999, p.11). Porém, essa ideia de mãe devotada não passa de um formato ilusório construído socialmente (BADINTER;1985, FORNA, 1999; ARIÈS,1981).

De acordo com os autores que se ocupam desse tema, a função de maternagem, com o passar do tempo, sofreu grandes mudanças apresentando-se nos dias de hoje, no discurso social, como um amor instintivo e inerente à condição da mulher. Essa função, nos séculos passados, ocorria de forma totalmente oposta ao que atualmente se apresenta, considerando que transformações nas relações afetivas e de cuidado ocorrem na medida em que os discursos sociais e científicos se alteram e de acordo com o momento histórico no qual se encontra (BADINTER, 1985).

Durante décadas, a mulher teve como único destino a condição de mãe e esposa, atendendo as tarefas domésticas e o cuidado dos filhos e marido, decorrente da determinação de uma época em que o poder patriarcal imperava. Badinter (1985), ao ocupar-se desse tema, realiza um levantamento histórico

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acerca da maternagem francesa, apresentando pontos significativos da construção desse lugar que, na sua opinião, ocorre entre os séculos XVII e XIV.

Em sua obra, Um amor conquistado: o mito do amor materno (1985), a autora discorre sobre a maternagem, assinalando uma indiferença dos sentimentos da mãe para com seu bebê, sendo essa indiferença colocada logo após o nascimento da criança. Badinter (1985), argumenta sobre essa atitude em situações onde a inexistência do toque materno ou do olhar dirigido ao bebê são evidentes, considerando especialmente que, na maioria das vezes, o bebê, ao ser retirado do ventre materno, era imediatamente entregue aos cuidados de uma ama. Esta ficaria, por anos, responsável pelo desenvolvimento da criança, ainda que não tivesse garantias de voltar a se encontrar, o que poderia ocorrer em decorrência da precariedade e negligência das amas que exerciam a função de maternagem de acordo com o modo pelo qual chegava à família, por contrato, encontro casual ou de forma mercenária.

As amas contratadas para as famílias da nobreza eram escolhidas com a ajuda de um médico que buscava características favoráveis como saúde, disposição e beleza. Aquelas que correspondiam aos requisitos determinados eram contratadas. Nesse meio, havia, ainda, famílias de menos posse que, por suas condições econômicas, não encontravam a ama desejada, recorrendo, então, à contratação de intermediários1 que lhes enviavam amas doentias, que nunca foram mães. Os serviços desses intermediários caracterizavam uma contratação sem segurança tendo em vista que as amas, na condição de serem encontradas, poderiam não aparecer ou mesmo não existirem, e os tais intermediários, responsáveis pelo serviço, não ser mais encontrados. Nesse caso, quando encontrados justificavam o ocorrido como sendo um engano, característico da conduta de má-fé. Nas classes populares as amas eram procuradas e escolhidas na vizinhança ou percorrendo ruas e mercados, ficando

1 Intermediário refere-se a pessoa que se ocupava com a função de negociar as amas para prestarem serviços às famílias (BADINTER, 1985, p. 121).

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com a primeira camponesa que aparecesse sem qualquer exame ou avaliação de suas capacidades e saúde física (BADINTER, 1985).

O último dos métodos para encontrar uma ama era recorrer às mensageiras ou recomendadoras2, como também eram conhecidas, mulheres responsáveis pelo agenciamento de amas, uma das práticas mais comuns da época. Essas mensageiras se encontravam em pontos estratégicos das cidades, como mercados e grandes praças. A insegurança nesse método estava na atitude em entregar as crianças às amas sem informa-lhes o nome, a que família pertencia, como também não informavam aos pais a identidade da ama que cuidaria de seus filhos. Isso ocorria porque, como se tratava de uma mensageira, a procura pela ama era feita somente após o fechamento do negócio com a família. As crianças entregues às amas eram levadas das cidades sem qualquer tipo de registro ou documento e, caso levassem um documento consigo, corriam o risco de perdê-lo se acontecesse alguma coisa com a ama, sendo assim, não se saberia a quem pertenciam essas crianças (BADINTER, 1985).

De acordo com Badinter (1985), esse ato correspondia à uma defesa inconsciente dos pais em relação aos “riscos de ver desaparecer o objeto de sua ternura” (Ibid., p. 85), caso houvesse uma separação, considerando que, apegar-se à criança poderia acarretar em um sofrimento posterior. Nesapegar-se contexto, a autora esclarece que:

Essa atitude teria sido a expressão perfeitamente normal do instinto de vida dos pais. Dada a taxa elevada de mortalidade infantil até fins do século XVIII, se a mãe se apegasse intensamente a cada um de seus bebês, sem dúvida morreria de dor (Ibid., 1985, p.85).

A condição de ama era, em muitos casos, uma forma de conseguir dinheiro para o próprio sustento e da família, assim, era frequente a prática de entregar mais de uma criança para a mesma ama, considerando o fato desta se encontrar em situação de extrema pobreza. Nessa condição, as amas, ao

2 Eram intermediárias que agenciavam a contratação de amas-de-leite para famílias (BADINTER, 1985).

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alimentar mais de uma criança, privavam seus filhos legítimos dos cuidados maternos que, pela necessidade, submetiam-se a essa privação (BADINTER, 1985).

Outro aspecto importante de mencionar nessa narrativa, refere-se ao infanticídio. Crianças morriam a todo o momento, mesmo durante o caminho até a residência de sua ama, uma vez que a alimentação, higiene e a responsabilidade para com os bebês eram negligenciadas. O trajeto até a casa das cuidadoras, muitas vezes, era interrompido, assim como a vida dos bebês, esmagados por outros bebês em decorrência da sua quantidade em um único transporte, pois todos eram amontoados em uma carroça, consequentemente, provocando asfixia, levando-os ao óbito. O que, também, ocorria era a queda do transporte no qual eram levadas, acontecimentos frequentes da época que não eram levados em consideração (BADINTER, 1985).

Percebe-se, assim, que a morte de crianças era muito frequente, consequência das más condições nas quais se encontravam sob os cuidados de suas amas, principalmente no primeiro ano de vida, quando eram totalmente envolvidas em cueiros3, o que acarretava em danos físicos como cortes na pele, por exemplo. Pelo fato de serem muito apertados, eram prejudiciais ao desenvolvimento estrutural do bebê, deixando sequelas. Em decorrência desse envelopamento, fezes e urinas ficavam em contato com a pele por horas, até mesmo dias. Essa falta de higienização acarretava em infecções que, não cuidadas, ocasionavam problemas mais sérios levando, também à morte. Esses eventos ocorriam nas diversas classes sociais. As mortes não eram lamentadas com tristeza, sendo registradas nos diários familiares como vontade de Deus ou, se lamentadas, enfatizadas pelas características da criança, como um traço ou aparência. Esses diários eram escritos pelos chefes de família. No enterro das

3 Pedaço de pano absorvente, utilizado para envolver as nádegas e zona genital, proporcionando a contenção de fezes e urina do bebê. In. Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/cueiro [consultado em 28-11-2019].

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crianças, nem sempre os pais compareciam, manifestando ainda mais o descaso para com os filhos (BADINTER, 1985).

Dando sequência à narrativa sobre essa relação de indiferença, Badinter (1985) descreve as desculpas dadas pelas mães para evitar o contato com o filho em uma relação de cuidados e afeto. Referiam ao choro do bebê como perturbador; possuírem uma saúde muito frágil; o aleitamento as deixava fracas; a beleza, principalmente, era prejudicada, pois a amamentação provocava sua perda considerando a deformação do seio que se tornava amolecido e flácido. Esses e outros motivos levavam as famílias a entregarem seus filhos às amas-de-leite para que estas fizessem o trabalho que para as mães era inaceitável, prejudicial à saúde, à aparência e à tranquilidade. “Amamentar o próprio filho equivalia a confessar que não se pertencia à melhor sociedade” (BADINTER, 1985, p. 96). Pertencer à uma boa sociedade significava abrir mão dos cuidados do próprio filho, pois amamentar “não é nobre o bastante para uma dama superior” (Ibid., p.97). São momentos e épocas em que o filho não entra como prioridade, mas como incômodo ou de pertencimento a outro lugar social.

Considera-se, também, nesse contexto, certo pudor com relação a amamentação. Para que uma mãe pudesse amamentar, era necessário esconder-se, pois tirar o seio, publicamente, para alimentar o filho era uma conduta mal vista, o que também se apresenta nos dias atuais. Assim, descontinuava-se, por longo período, a vida social do casal. A opinião dos homens/maridos também contribuía para a manutenção da atitude materna, por considerar o aleitamento prejudicial ao relacionamento conjugal. Os homens reclamavam dos efeitos que a amamentação produzia na vida sexual. A prática da amamentação, pela esposa, era compreendida como dano à sexualidade e ao prazer. O cheiro, característico da mulher durante a amamentação, causava repugnância, pois o aleitamento era visto como sujeira. Um antídoto apropriado contra o amor (BADINTER, 1985). Vários fatores, sociais, econômicos, culturais, familiares, subjetivos, contribuíram para que a mulher/mãe assumisse esses lugares com resquícios nos dias atuais.

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A medicina, também, teve forte influência nessa época, a começar pelas imposições com relação à gestação e pós-parto, o que fazia com que os pais recebessem o filho como um estorvo na relação conjugal, pois a orientação médica enfatizava que o ato sexual era prejudicial à mulher durante a gravidez e após o nascimento do bebê. A ejaculação, também, era um fator maléfico para o leite, vindo a prejudicar a saúde do filho. Essa compreensão, potencializava o comportamento da família em relação ao bebê incidindo, também, na decisão de contratar uma ama (BADINTER, 1985).

Não sendo os filhos uma prioridade familiar, as mulheres tinham outros interesses, como a política e aqueles que envolviam assuntos intelectuais e artísticos realizados em nobres salões. Eram atividades que correspondiam às mulheres de classe social elevada, sendo justificativas, também, usadas para o não cuidado dos filhos. Afinal, ser mãe não era uma função de reconhecimento e não sendo valorizada, não havia motivo para ser exercida. Esse aspecto é bem analisado por Badinter (1985) e justificado pelo momento histórico e cultural vivido. Assim, afirma:

Para compreender o comportamento de rejeição da maternidade pelas mulheres, é preciso recordar-se de que nessa época as tarefas maternas não são objeto de nenhuma atenção, de nenhuma valorização pela sociedade. São consideradas, na melhor das hipóteses, normais, uma coisa vulgar (1985, p.100).

Porém, essa realidade não era a mesma para as mulheres que viviam no campo. Segundo Badinter (1985), as camponesas eram dedicadas no cuidado de seus filhos e choravam sua morte, diferente das mulheres da cidade, que abriam mão desses cuidados. A autora salienta que a maternidade não tinha reconhecimento na época, principalmente pelas mães de classe econômica mais abastada. O desejo de cuidar não existia, consequentemente não havia sentimento de culpa, afinal, não era costume cuidar dos filhos, mas enviá-los para as amas.

Viver sem filhos foi um costume que teve início na aristocracia francesa. Mulheres de grandes posses contavam com muitos privilégios, entre eles, liberdade de movimentos e contato com o mundo. Nesse contexto, apesar das

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condições econômicas e sociais que lhe proporcionavam conforto e segurança como esposas e mães, essas mulheres preferiam abdicar do lugar materno e buscar reconhecimento social da época na inquietude dos nobres salões (BADINTER, 1985).

Outro fator considerado, que manifesta a total indiferença do amor materno, assim como também do amor paterno, remete às questões do lugar que o filho ocupava na vivência da família. Para os meninos, isso se verificava na condição do primogênito, que recebia toda atenção e cuidado de sua mãe. Tinha o privilégio de ser o único filho a não permanecer sob os cuidados de uma ama, pois seu lugar de nascença, condição de primeiro filho, colocava-o sob a responsabilidade da mãe por ser importante à família no sentido social. Os demais filhos homens não recebiam a mesma atenção, sendo, como de costume, enviados para as amas. No que diz respeito às filhas mulheres, estas eram mais desconsideradas do que os homens não primogênitos, pois custavam caro à família considerando a prática do pagamento de dotes. Para os pais que não conseguiam pagar um bom dote, o destino de suas meninas era o encaminhamento aos conventos ou o serviço como criadas em casas de família. Portanto, ter uma filha caracterizava um péssimo negócio (BADINTER, 1985).

Observa-se, então, que esse amor seletivo, dado ao primogênito, não manifesta o sentimento que socialmente se afirma como natural da mulher. Ele acontece no sentido de benefício em um contexto social, cultural, histórico e familiar como sendo aquele que melhor oferece um lugar dentro do que se é aceito e merecedor de valor (BADINTER, 1985). Percebe-se nesse contexto, histórico, social, cultural e familiar, que houve um tempo em que o sentimento em relação às crianças encontrou ambivalências.

1.2 O lugar da criança

Na obra de Philippe Ariès (1981), História social da criança e da família, percebe-se uma forte aproximação com o pensamento de Badinter (1985) no

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que diz respeito ao tratamento das crianças da época como sujeitos sem lugar dentro de um contexto familiar, social e cultural. De acordo com o autor, houve um tempo, na Idade Média, por volta do século XII, que a infância não era reconhecida ou representada na iconografia4 da época. A caracterização das crianças não condizia com as representações contemporâneas. Considerando o fato de estarem inseridas no contexto da vida adulta, a não ser pelo pequeno tamanho, nada as diferenciavam dos adultos e, tendo as mesmas características e aparência, eram vistas como pequenos homens. Em seu percurso histórico Ariès (1981) parte de um tempo em que a infância é desconhecida e o sentimento que lhe confere um lugar é inexistente. Não havia um sentimento de infância, no sentido de reconhecimento de um lugar próprio para a criança, não tendo, então, qualquer valor, exceto quando se tratava de crianças que se sobressaiam pela sua força e, nesse caso, a infância era entendida como um período transitório, logo ultrapassado e cuja lembrança, também, logo se perdia.

Alguns ícones da época, como a imagem do menino Jesus com a Virgem Maria, sua mãe, chegaram a uma representação de infância mais legítima da ideia de criança, como, também, manifestaram gestos de afeto. Foi com o reconhecimento da maternidade da Virgem Maria, escreve Ariès (1981, p. 53), que “a tenra infância ingressou no mundo das representações”. Esta representação ainda manifesta a mesma mensagem de séculos, ganhando intensidade com o passar das épocas, porém, as imagens não serviram de incentivo no modo de olhar para as crianças naquela época, uma vez que continuaram a ser representadas com os mesmos traços adultos. O movimento que se deu a partir da obra do menino Jesus foi de pais cercados por seus filhos, representando um afeto, dito por Ariès (1981), ilusório, considerando que a ternura apresentada era específica da relação entre Jesus e Maria, como relata o autor:

No grupo formado por Jesus e sua mãe, o artista sublinharia os aspectos graciosos, ternos e ingênuos da primeira infância; a criança

4 Constitui um conjunto de imagens, características de um período (artístico) histórico, que compõe a documentação de uma obra (ARIÈS, 1981).

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procurando o seio da mãe, ou preparando-se para beijá-la ou acariciá-la; a criança brincando com os brinquedos tradicionais da infância, como um pássaro amarrado ou uma fruta; a criança comendo um mingau; a criança sendo enrolada em seus cueiros (ARIÈS, 1981, p. 54).

Afetos e formas que não passaram de uma iconografia religiosa. Com o passar dos séculos, essas manifestações afetivas ganharam outros olhares e importância. Ariès (1981) apresenta eventos que refletem a evolução do lugar da criança, que não condiz com a contemporaneidade, mostrando a indiferença manifesta com a qual era tratada, inclusive quando vinha a falecer. Um momento de dor que, naquela época, se desconhecia, existindo apenas lamentações concernentes à sua aparência. A morte não era lamentada, assim o infanticídio se encontrava em índice elevado. Crianças iam e vinham em um tempo de total indiferença e insensibilidade como relatado, também, na obra de Badinter (1985). O surgimento de retratos de crianças falecidas, escreve Ariès (1981), foi um marco na esfera dos sentimentos e afetos da época, considerando que a criança estava representada sobre o túmulo de seus pais.

Um salto na história, chega no século XVII, tempo escrito como o mais significativo em que as crianças passaram a ser representadas sozinhas por meio de efígies funerárias. Nesse aspecto, evidencia-se a importância de registrar, pela arte, imagens da infância, ato que representava reconhecimento pelo pequeno ser. As imagens representando crianças doentes começaram a aparecer levando a perceber que uma nova sensibilidade em relação a essas crianças estava surgindo, assim como certa preocupação para com elas devido à sua fragilidade. Essa preocupação foi percebida, também, em cuidados praticados pelas famílias que começaram a levar seus filhos para vacinação contra a varíola, o que, consequentemente, acarretou em redução da mortalidade infantil. Contudo, somente a partir do século XIX é que a criança passou a ocupar um lugar de importância na família e na sociedade (ARIÈS, 1981).

A indiferença em relação à infância aparecia, também, no modo de trajá-la. “Assim que a criança deixava os cueiros [...] era vestida como os outros homens e mulheres de sua condição” (ARIÈS, p. 69). Na Idade Média, era

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vestida de uma forma que possibilitasse identificar as classes sociais. O traje medieval em nada diferenciava a criança do adulto, exceção se colocava de acordo com as idades, então, após os cueiros, as crianças vestiam saia, vestido e avental, sendo estes trajes também usados pelos meninos menores (Ibid., 1981). Meninos e meninas usavam vestidos e eram vistos, na infância, como “crianças de babador” (Ibid., p. 72), traje utilizado entre os quatro e cinco anos de idade. Havia, também, o uso da touca como algo próprio da infância, sendo, mais tarde, substituída por chapéus quando a criança se tornava homem. Então, os trajes correspondiam uma forma de identificação da fase que cada um se encontrava, caracterizavam a entrada na vida adulta (Ibid., 1981).

De acordo com Ariès (1981), as meninas não passavam por essa situação em relação as vestes, pois logo que tiravam os cueiros, eram vestidas como mulherzinhas, pois tinham seus destinos traçados. Para a época, era mais importante distinguir os meninos nas suas idades, fase a fase, até mesmo por frequentarem o colégio, o que não era possível para meninas. Cabe salientar, conforme Ariès (1981), que esse costume ocorria entre os nobres e burgueses. Os filhos dos camponeses e artesões não seguiam essas regras de vestimenta. Eles usavam as mesmas roupas que os pais, mantendo os mesmos modos e hábitos que os separavam dos adultos. Por não haver um sentimento de infância, no sentido de um lugar distinto à criança, esta era considerada, também, como uma distração para os adultos, como forma de brinquedo ou passa tempo (ARIÈS, 1981).

A escola teve papel fundamental para o surgimento do afeto e sua permanência na vida das pessoas, passando a constituir o lugar da criança, por excelência. O sentimento de infância, ali revelado, corresponde a esse lugar próprio em um movimento que proporcionou às crianças serem escolarizadas sob o olhar de mestres e não mais na aprendizagem com um adulto, onde o mestre era o responsável por ensinar, pois as crianças aprendiam de acordo com as tarefas que os adultos lhes ensinavam a fazer (ARIÈS,1981).

A necessidade de separar as crianças dos adultos, apontada com rigor moral da parte dos educadores, fez com que essa aprendizagem fosse

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substituída pela escola, ocasionando também em uma aproximação maior da família e das crianças. Descobria-se, no sentido de descoberta, a infância no sentimento da família, e esta “concentrou-se em torno da criança” (ARIÈS, 1981, p.232). Essa aproximação ocorreu, também, pelo fato de a criança não passar mais tanto tempo na casa de outras famílias para aprendizagem. “O sentimento de igualdade entre as crianças pôde desenvolver-se num novo clima afetivo e moral graças a uma intimidade maior entre pais e filhos” (Ibid., p. 236).

Todo esse movimento modificou, também, as relações de direitos de herança nas famílias, marcando um novo lugar discursivo na constituição dos sujeitos. Ariès (1981) escreve que a relação de igualdade entre os filhos também se fez presente. O filho mais velho deixou de ser aquele que herdaria todos os bens, não havia mais esse privilégio em detrimento dos irmãos. O direito de todos os filhos, assim como a igualdade entre as crianças, tomou forma. Assim, “o clima sentimental agora era completamente diferente, mais próximo do nosso, como se a família moderna tivesse nascido ao mesmo tempo que a escola, ou, ao menos, que o hábito geral de educar as crianças na escola” (Ibid., p.232). Esse acontecimento foi um marco na história da criança e da família. “A criança tornou-se um elemento indispensável da vida quotidiana, e os adultos passaram a se preocupar com sua educação, carreira e futuro” (ARIÈS, 1981, p. 270). Percebe-se que, a partir da escola, novos rumos foram tomados e a criança começou a ocupar um lugar de importância na sociedade.

Levando em consideração esse apanhado histórico, pode se observar que tanto Ariès (1981) quanto Badinter (1985) apresentam a infância e a maternidade como processos construídos socialmente. Um processo que envolve afeto, sentimento de pertencimento e união que, em um primeiro momento, não encontrava legitimidade pelo fato de outros valores imperarem naquelas épocas, mas que foram evoluindo ao longo dos séculos e se fortalecendo até encontrar sustentação nos costumes e nas relações familiares. “Toda evolução de nossos costumes contemporâneos torna-se incompreensível se desprezarmos esse prodigioso crescimento do sentimento da família (ARIÈS, p. 274). Evidencia-se,

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então, que as relações de afeto são recentes e características de uma construção que é histórica.

Ariès (1981) também aborda a relação das famílias com as amas de leite, reafirmando o que Badinter (1985) anunciava, famílias abrindo mão da relação de cuidados com os filhos para que outro o fizesse. Essa prática caracteriza-se como um fato muito comum nessas épocas, deixando evidente que o amor materno carrega em si uma desnaturalização. O amor materno constitui um mito (BADINTER, 1985) enraizado no contexto social contemporâneo, hoje, talvez, com menos intensidade devido às diversas configurações familiares, mas manifesto dentro das culturas. O natural, então, é definido por momentos históricos, sociais, culturais e familiares que perpassam os anos dinamicamente. Como salientam Badinter (1985) e Ariès (1981), com o passar dos séculos esses lugares se modificaram e as crianças passaram a ser inseridas em espaços antes não pertencentes a elas, sendo agora dignas de afeto.

Diante dessas elaborações, percebe-se que a criança, no decorrer do tempo, passou a ocupar outro lugar, sendo, nos dias atuais, enaltecidas no contexto da sociedade, ecoada por um discurso capitalista que enfatiza a população como de total importância para o país. Esse olhar direcionado à criança deu-se em decorrência do alto índice de mortalidade da época, o que acarretava a diminuição populacional, levando a preocupação e, por conseguinte, a valorização de suas vidas, pois as mesmas, também, tinham um valor mercantil. No final do século XVIII a mão-de-obra tornou-se de grande importância para o crescimento econômico do país, consequentemente, passou a ser importante e necessário cuidar das crianças para crescerem com saúde e contribuir, no futuro, para o desenvolvimento capitalista, afinal, “toda perda humana passa a ser considerada um dano para o Estado” (BADINTER, 1985, p.154).

Cabe mencionar que Ariès (1981) e Badinter (1985) demonstram que as crianças amamentadas por suas mães e não por amas-de-leite sobreviviam muito mais. Os autores salientaram, com essa constatação, o início de uma organização social que impõe às mães sacrificarem-se pelos seus filhos,

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retomando cuidados, que antes eram apenas de responsabilidade das amas, e que agora seriam seus, ato este que, segundo Badinter (1985), não eram praticados a dois séculos. Pela fragilidade maturacional em que se encontra, a criança, em sua primeira idade, não tem discernimento das coisas, necessitando das intervenções familiares. Tem, portanto, necessidade de toda a autoridade do pai e da mãe garantindo sua proteção e defesa. Eram os pais, mas principalmente as mães responsáveis pelo cuidado e segurança do filho.

A maternidade, então, passou a ter outro sentido, novas perspectivas, e configurações, desdobrando-se para além do tempo de gestação (BADINTER, 1985). A mãe precisava assegurar que a criança estava bem e saudável. Não se limitando a isso, ainda tinha que educá-la “competindo-lhe também o dever de formar um bom cristão, um homem, enfim, que encontre o melhor lugar possível no seio da sociedade” (Ibid., p. 237). A mãe passou, então, a ocupar um novo lugar, sendo convocada a ser responsável pelo melhor desenvolvimento e criação de seu filho sob a afirmação de que a natureza lhe confere esses deveres (BADINTER, 1985). Entretanto, o que se observa é que, de fato, essas ações não são naturais, mas imposições sociais.

A mulher desde então, encontra-se enlaçada nesse lugar “enclausurada em seu papel de mãe, mulher que não mais poderá evitá-lo sob pena de condenação moral” (BADINTER, 1985, p. 238). São fatores que têm história e que se encontram enraizados na contemporaneidade, mesmo atravessados por discursos em defesa da mulher, do não querer ser mãe, de não ser uma ação instintiva à condição feminina, ainda está muito presente no discurso social. As mulheres que iam contra esse idealismo encontravam dificuldades, pois eram conhecidas como desiquilibradas, egoístas, desafiantes dos ideais que imperavam na época (BADINTER, 1985).

A função cuidadora da nova mãe surge, segundo Badinter (1985), a partir do século XVIII, período em que o bebê se torna importante no contexto familiar, onde a mulher sacrifica-se pelo bem-estar e cuidado do filho, agora vivendo junto com ela. O aleitamento entra como uma das mudanças na relação da mãe para com o filho, potencializando a necessidade e importância dessa relação, desse

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contato. Em decorrência dessa nova configuração afetiva, houve significativa diminuição da mortalidade infantil. Esse movimento apresenta a mãe abrindo mão de suas necessidades para dedicar-se aos cuidados do filho.

As faixas que antes enrolavam os bebês agora eram deixadas de lado, proporcionando maior liberdade da criança, permitindo melhor interação da mãe e seu filho. Pois, como afirma Badinter (1985), “uma vez retirada essa armadura, carinhos e relações físicas tornam-se finalmente possíveis entre mãe e filho” (p. 206), assim como a higiene também entra como prática aderida pelas mães, a qual proporciona o toque, o atendimento das demandas do bebê.

Segundo Badinter (1985), levando em consideração esse novo momento na relação mãe e filho, a criança se transformou no mais precioso bem materno, impossível de ser substituído. Ganhou um espaço de valorização e importância, em que sua morte passou a ser lamentada com grande sofrimento pela família. O cuidado para com ela, tornou-se minucioso, assim como a saúde, a mãe busca a medicina como forma de conhecimento e prevenção de eventuais problemas de saúde que possam vir acometer seu filho.

A mãe, ao submeter-se a imposição social, toma a maternidade como uma atribuição gratificante e sagrada, impregnada de idealização. A mãe é “agora usualmente comparada a uma santa e se criará o hábito de pensar que toda boa mãe é uma “santa mulher”” (BADINTER,1985, p.223). As mães nas classes sociais menos favorecidas, demoraram um pouco mais para aderir a esse novo modelo de maternidade por serem trabalhadoras e precisarem de dinheiro, submetendo-se ao encaminhamento dos filhos para o campo (BADINTER, 1985). Então, foram movimentos significativos que ocorreram ao longo dos séculos, porém eram situações que ocorriam gradativamente em decorrência da posição e dos discursos sociais.

Tratando-se de diferentes épocas e países, a mãe a que tratamos não se refere apenas as francesas, mas a todas as mães do mundo, percebendo sua atuação até os dias atuais, revisando as formas adversas registradas na história. Todo esse levantamento tem por objetivo demonstrar que o vínculo mãe/bebê é

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importante para a constituição dele, o que não quer dizer que seja natural ou mesmo instintivo, conforme trazido pelos autores.

Como forma de explicação desta relação da mãe para com o bebê, Galvão (1998) descreve, embasada pela teoria de Henry Wallon, que o bebê recém-nascido necessita de um outro que identifique suas demandas, seus gestos orgânicos e afetivos, manifestando situações desconfortáveis como a fome, movimentos com o corpo, cólicas, enfim, são ações expressas que necessitam ser interpretadas e atendidas pelo outro. Todo este processo de identificação dos familiares para com o bebê é uma construção de afeto, e o bebê, com o passar dos dias e meses, vai correspondendo e expressando suas emoções. Então, o que se percebe é que esta relação da mãe com seu bebê é construtiva, ocorre a medida em que a mãe se relaciona com seu filho. No caso das mães que entregavam seus filhos às amas, conforme Ariès (1981) e Badinter (1985), essa troca não existiu, devido à falta de contato e afeto entre mãe e filho. Assim como também aparece em Winnicott (2002) quando escreve que a mãe, em contato com seu bebê, possui a capacidade de identificar as demandas e atender suas necessidades. A este respeito Freud (1938/2006) apresentou sobre a origem do amor entre mãe e filho, afirmando que esta encontra-se na experiência da amamentação. A propósito desse argumento, escreve:

O primeiro objeto erótico de uma criança é o seio da mãe que a alimenta; a origem do amor está ligada à necessidade satisfeita de nutrição. Não há dúvida de que, inicialmente, a criança não distingue entre o seio e o seu próprio corpo; quando o seio tem de ser separado do corpo e deslocado para o “exterior”, porque a criança tão frequentemente o encontra ausente, ele carrega consigo, como um “objeto”, uma parte das catexias libidinais narcísicas originais. Este primeiro objeto é depois completado na pessoa da mãe da criança, que não apenas a alimenta, mas também cuida dela e, assim, desperta-lhe um certo número de outras sensações físicas, agradáveis e desagradáveis (Ibid., 1938/2006, p. 202).

Portanto, evidencia-se que Freud (1938/2006) também reconhece a importância dessa relação, do primeiro contato da criança com a mãe que leva a questão da satisfação e, consequentemente, à origem do amor. Nesse processo, estabelecem trocas, ocorre a interação com o outro onde a mãe vem ocupar um papel fundamental na constituição do sujeito.

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2. FUNDAMENTOS DA TEORIA WINNICOTTIANA 2.1 Vida e obra de Winnicott5

Donald Woods Winnicott nasceu em 7 de abril de 1896 na cidade de Plymouth/Grã-Bretanha, vindo de uma família de comerciantes ricos e apaixonados pela arte. Era o filho mais novo dessa família, tendo duas irmãs mais velhas. Pelo rigor educativo, advindo da relação familiar, aos 14 anos de idade, foi encaminhado por seu pai para um internato em Cambridge por ter pronunciado um palavrão. Ali deu seguimento aos estudos e, aos 16 anos, ingressou na Universidade de Cambridge para cursar biologia. Após sofrer uma fratura e necessitar de cuidados médicos, interessa-se pela medicina.

No início da Primeira Guerra, em 1914, Winnicott, com 18 anos, foi convocado para servir como auxiliar de enfermagem em Cambridge, alistando-se na marinha. Entre os anos de 1914 e 1918, alistando-serviu como estagiário para execução de cirurgias e oficial médico em um destróier6. Ao término da guerra deu continuidade aos estudos em Londres, diplomando-se em 1920. No ano de 1923, após ler a obra freudiana, iniciou sua análise pessoal com James Strachey7 por dez anos. Na mesma época foi trabalhar como clínico pediatra no The Queen Hospital for Children e no Paddington Green Hospital for Children, permanecendo nesta instituição por quarenta anos, sendo de sua competência o campo da psiquiatra infantil.

5 Esta apresentação foi elaborada com base na leitura do texto Introdução a obra de Winnicott, escrito por Juan David Nasio (1995). O referido texto, compõe o livro deste autor, Introdução às Obras de Freud, Ferenczi, Groddeck, Klein, Winnicott, Dolto, Lacan, publicado no ano de 1995 pela editora Zahar.

6 Pequeno barco de guerra, muito rápido, destinado a dar caça aos torpedeiros e provido de tubos lança-torpedos. In: Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013. Disponível em: https://dicionario.priberam.org/destr%C3%B3ier [consultado em 13-11-2019]. 7 Psicanalista britânico, tradutor de Sigmund Freud para o inglês. Mais conhecido como editor geral da Edição Padrão das Obras Psicológicas Completas de Sigmund Freud (PHILLIPS,2008).

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No ano de 1924 casou-se pela primeira vez, vindo a divorciar-se logo após a morte de seu pai no ano de 1948. Em 1935, tornou-se psicanalista da Sociedade Britânica de Psicanálise, momento em que iniciou supervisão com Melanie Klein por cinco anos. A partir 1940, inicia um segundo momento de análise, também por dez anos, agora com Joan Riviére8. Nesse período, 1939 a 1945, atuou como psiquiatra das Forças Armadas na Segunda Guerra Mundial, época em que conheceu sua segunda esposa, Clare Britton9, uma assistente social em psiquiatria, casando-se com ela em 1951.

Quanto à Sociedade Britânica de Psicanálise, durante os anos quarenta, houve um significativo conflito de ideias nesta instituição. Dois seguimentos teóricos se estabeleceram dividindo os membros dessa Sociedade. De um lado os annafreudianos, que seguiam o pensamento de Anna Freud. De outro estavam os kleinianos, discípulos de Melanie Klein. Havia, nesse meio, outros psicanalistas que não aderiram nenhuma das linhas, criando-se assim, um grupo intermediário não pertencente a essas duas linhas. Winnicott participou desse grupo intermediário estabelecendo com Anna Freud uma relação neutra e com Melanie Klein, para além de algumas contradições com técnicas e teorias, restou a amizade.

Cabe mencionar que, em sua participação na Sociedade Britânica de Psicanálise, ocupou vários cargos de importância, a começar pelo posto de presidente durante os anos de 1956 a 1959 e de 1965 a 1968. No percurso de sua carreira realizou Conferências para um público diversificado, como também transmitia por meio de emissoras de rádio seu conhecimento sobre o desenvolvimento infantil. Além de todo esse envolvimento profissional, teve

8 Psicanalista britânica, pioneira da Sociedade Britânica, contribuiu para a psicanálise como

tradutora do trabalho de Freud, Melanie Klein e outros autores. Autora de artigos originais que influenciaram o pensamento de Winnicott, John Bowlby, Hanna Segal e Herbert Rosenfeld (HAUDENSCHILD, 2017).

9 No ano de 1954, Winnicott solicita a Melanie Klein que receba sua esposa em terapia, pois ele estava atendendo seu filho Enrich e não podia dedicar-se a ela. Assim, Clare Winnicott, passou a fazer análise com Melanie Klein até o fim de sua vida.

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interesse, também, pelas artes, política e pela vida social, estando em total atividade com seus interesses até seu falecimento em 1971, decorrente de doença pulmonar e cardíaca.

Winnicott foi uma figura importante e de grande exibição da época, pois fazia publicações para jornais e revistas, sendo conhecido pelo seu estudo sobre as mães e seus bebês, caracterizando essa relação como um processo de construção desde os primórdios e antes mesmo dele. Aborda, em seus estudos, um importante conceito designado a mãe suficientemente boa, explicando-a como sendo aquela mãe que se detém ao filho, que atende suas necessidades e identifica suas demandas. Esse conceito é de total importância para uma boa constituição psíquica da criança. A maioria de seus escritos são destinados à relação entre a mãe e seus bebês, salientando o primeiro contato da mãe para com seu filho como um envolvimento afetivo de trocas mútuas entre eles.

2.2 Campo teórico e conceitual

O ser humano, segundo Winnicott, tende a se desenvolver e unificar, fazendo-o, por meio do processo de maturação que, na sua teoria, consiste na formação e evolução do ego, superego e inconsciente, além dos mecanismos de defesa. É no livre desenrolar deste processo que se encontra a saúde psíquica do sujeito. Para que isso aconteça, é necessário considerar o papel do ambiente, representado pela mãe ou seu substituto, considerada pelo autor como a interação inicial do ser humano. Por esse motivo, defendeu a influência do ambiente como decisiva sobre o desenvolvimento psíquico do ser humano (NASIO, 1995).

A vida de Winnicott se deu em torno dos desdobramentos da relação mãe e bebê, da constituição e do papel fundamental da função materna para o desenvolvimento do sujeito. Destacou que a relação mãe/bebê vai se constituindo à medida em que se relacionam e que o outro/materno atende suas

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demandas por meio do holding e do hadling, subjetivando este corpo, personalizando-o (NASIO, 1995).

2.2.1 Conceitos fundamentais

Para Winnicott, a mãe vem a ser o ambiente nos primeiros meses de vida de seu filho, exercendo um papel fundamental para que o mesmo se desenvolva psiquicamente de forma saudável, apresentando o mundo ao filho. Portanto, para que haja um desenvolvimento saudável, a mãe deve exercer essas três funções: apresentação dos objetos, o holding e o handling, no período inicial da vida de seu filho, vindo a ser suficiente para que o bebê se constitua, sendo uma mãe suficientemente boa que possa conviver com seu filho sem oferecer-lhe prejuízos psíquicos (NASIO, 1995). Para compreender a construção desse vínculo mãe/bebê, cabe apresentar alguns conceitos fundamentais propostos por Winnicott.

 Dependência Absoluta - caracteriza-se como sendo o período em que o bebê está em total dependência da mãe ou de um outro substituto, onde o ambiente oferecido pela mãe é fundamental para seu desenvolvimento. Nesse período, o bebê não tem conhecimento dessa dependência, entendendo que ele e a mãe são um só. É a mãe adaptando-se as necessidades do filho que possibilita o desenvolver dos seus processos de maturação (NASIO, 1995).

 Processo de maturação - consiste na formação que decorre do desenvolvimento do bebê ao longo do tempo, acarretando a evolução do eu, supereu e isso, como também o desenvolvimento de mecanismos de defesa, sendo esse processo caracterizado como uma forma saudável do sujeito se constituir (NASIO, 1995).

Winnicott entende a função materna compreendida a partir de três funções executadas nos primórdios da vida do bebê, para além das necessidades corporais. Essas funções - apresentação dos objetos, o holding e

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o handling - são de ordem psíquica e influenciam no desenvolvimento do ego (NASIO, 1995).

 Apresentação dos objetos - consiste na função em que a mãe apresenta o seio ou a mamadeira ao bebê logo nos primeiros contatos, ação que permite a criança acreditar ser o responsável pelo seu aparecimento. Ao oferecer o objeto, a mãe sustenta para o bebê a ilusão da experiência de onipotência em que o seio aparece quando desejar. Essa mãe suficiente está sempre à disposição para as excitações de seu filho. Nessa relação o bebê tende a experienciar sentimentos de amor e ódio, como também de angústia. Para que haja o desenvolvimento de forma suficientemente boa, o holding the baby (segurando o bebê) é necessário. (NASIO, 1995).

 Holding - refere-se à sustentação na relação inicial entre mãe/bebê, momento em que a mãe se põe a segurar seu filho, sendo um ato natural, sem jeitos exatos, mas ao seu modo de segurar, aconchegar em seus braços, manifestando sua dedicação, vindo a adaptar-se ao corpinho de seu filho e, assim, aproximá-lo de seu corpo, sentindo a respiração, a voz que manifesta, estabelecendo uma relação de afeto e segurança. São atos que parecem sem importância, porém, fundamentais à saúde mental do bebê, como também base para o desenvolvimento da personalidade (NASIO,1995).

 Handling - caracteriza-se pela manipulação do bebê durante o seu cuidado, quando a mãe lhe toca vestindo-o, mapeando seu corpo, dando-lhe banho, atendendo suas demandas, estabelecendo, no decorrer de seu desenvolvimento, uma relação psíquica e física que contribuem para a personalização (NASIO, 1995).

Portanto, a sustentação e manipulação são primeiramente físicas e, no decorrer das ações, transformam-se em atos satisfatórios ou desfavoráveis, que incidem sobre os processos psicológicos e estes são importantes para o desenvolvimento emocional do bebê. Sobre isso, Nasio (1995) acrescenta que “segurar e manipular bem uma criança facilita os processos de maturação, e

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segurá-la mal significa uma incessante interrupção destes processos, devido às reações do bebê às quebras de adaptação” (Ibid., p.54).

Em caso de falha no estabelecimento das relações primárias, o bebê tende a sentir-se fragmentado, devido a interrupção na sua continuidade do ser (WINNICOTT, 2006). Um aspecto importante que se enfatiza ao discorrer sobre o texto, mas que talvez se interprete de forma errônea, é que a mãe tem papel fundamental na constituição e desenvolvimento do filho, porém, o bebê também possui, em seu desenvolvimento, algo inato e que se refere à uma organização em marcha, onde cresce e se desenvolve fisicamente, aspecto este que não é controlado, mas próprio do ser humano (WINNICOTT, 1982).

Para a mãe, cabe-lhe oferecer seu amor, desde o início, quando ainda o carrega em seus braços e até antes, em seu ventre. Esses aspectos devem ser considerados quando se trata da criança e de como ela se constitui, de tal modo que assim como a relação materna tem importância, há uma parcela biológica que não se tem controle. Winnicott (1982) escreve que o mais importante no contexto dessa relação e construção vincular é que a mãe para ser suficientemente boa necessita atender a essas características de forma natural, no envolvimento com o filho, na sua forma de atender as demandas. São aspectos que quando não mecânicos fazem total diferença na constituição e construção da pessoalidade do bebê no decorrer de sua infância. De acordo com o autor, a mãe, no início, vem a ser o ego auxiliar de seu bebê para que o mesmo se constitua e se diferencie dela (mãe), percebendo que são distintos um do outro, pois quando se estabelece essa relação o sujeito se constitui de forma saudável.

Contudo, ocorrendo essas três funções de forma saudável, a mãe se mostra suficientemente boa, sendo ela a qual atende as demandas de seu bebê, entrega-se e identifica-se com ele, enfim, suficiente o bastante para que o bebê possa desenvolver-se sem qualquer prejuízo psíquico (NASIO, 1995).Ela é o ambiente, que proporciona ao bebê o desenvolvimento do verdadeiro self, no caso, de um verdadeiro eu (NASIO,1995).

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 Verdadeiro Self - ocorre a partir da existência de alguma organização mental do sujeito, onde ele se constitui como eu. No início da vida caracteriza-se como expressões caracteriza-sensório motoras, vindo a decaracteriza-senvolvendo-caracteriza-se ao longo do tempo, devido ao ambiente suficientemente bom oferecido pela mãe (NASIO, 1995). Com o passar do tempo o lactante tende a desenvolver uma relação natural com o externo, fortalecendo o sentimento da criança de ser real (WINNICOTT, 1960).

 Falso self - caracteriza-se como a falta de cuidados maternos, o bebê, não sendo atendido por suas necessidades acaba por adaptar-se as formas como a mãe lhe trata, criando um falso self, construindo a sua personalidade a partir dele (NASIO, 1995).

 Mãe suficientemente boa - aquela que atende as necessidades do bebê, é sensível e permite ele desenvolver-se sem prejuízos, proporcionando-o a cproporcionando-ontinuidade dproporcionando-o ser, apresentandproporcionando-o-lhe proporcionando-o mundproporcionando-o (NASIO, 1995).

 Mãe insuficientemente boa - É definida como uma mãe real ou situação. Quando real não identifica as solicitações do filho, sendo falha, negligente, não passando segurança ao bebê, sem qualquer estabelecimento de rotina. A mãe de situação caracteriza-se como quando os cuidados com a criança são realizados por diversas pessoas, vindo a fragmentá-la (NASIO, 1995).

 Preocupação materna primária - momento em que a mãe se identifica com seu filho, colocando-se no lugar dele, assim possibilita reconhecer suas demandas e atender suas necessidades. É um período de envolvimento mútuo (WINNICOTT, 2006).

 Objetos transicionais - no decorrer do desenvolvimento quando a criança começa a perceber que ela e a mãe não são a mesma coisa, apega-se aos objetos de transição. Estes são comuns na primeira infância e de significativa importância no desenvolvimento emocional da criança. Foram chamados por Winnicott de objetos transicionais cuja função, para

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a criança, é suportar a ausência materna. Esses objetos transicionais, entendidos no campo dos fenômenos transicionais, caracterizam uma forma de intervir sobre a total dependência da mãe e seu filho, a qual ocorre nos momentos em que se apresenta para criança outros objetos realizando a separação da mãe com o seu bebê, mostrando que eles não são um só, mas distintos, e a apresentação desses objetos faz com que ele opere nessa relação/separação (STEINWURZ, s/a).

O vínculo fundado nessa relação possibilita ao bebê sentir-se inteiro. Esse sentimento permite a ele diferenciar-se da mãe. Porém, ao perceber que a mãe nem sempre está presente, procura, então, um objeto como substituto desta, tomando-o como suporte para lidar com a ansiedade e frustração nos momentos de ausência materna. Cabe lembrar que Winnicott apresenta a mãe como fundamental na relação primária com a criança, enfatizando que ela atende as demandas do filho, adequando-se às suas necessidades, proporcionando-lhe um desenvolvimento saudável e que, consequentemente, resulte em uma continuidade de vida, construindo sua subjetividade. Caso essa relação ocorra diferentemente do exposto, então, a mãe será considerada insuficientemente boa (STEINWURZ, s/a).

2.3. Tornar-se mãe: a construção do vínculo mãe/bebê

Para Winnicott (1982) a chegada de um filho é um momento gerador de grandes mudanças tanto para a mãe como para a família, sendo uma interrupção de acontecimentos cotidianos, devido a atenção dirigida integralmente ao bebê. Esse evento pode ser fator de desconforto para a mãe considerando o fato de o filho se encontrar no campo do real.

A construção do vínculo mãe/bebê nada tem de natural, do ponto de vista instintual. Consiste em uma construção que se faz na medida em que a mãe se relaciona com o filho. Essa construção encontra lugar no primeiro contato da

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mãe com o bebê, a partir do nascimento, sendo potencializada nos primeiros meses de vida, período em que o bebê é totalmente dependente dela.

Na obra, A criança e seu mundo, Winnicott (1982) sugere que uma mãe suficientemente boa não necessariamente precisa ser uma intelectual ou ter capacidades avançadas para determinadas atividades. Explica que essa mãe pode ter sido péssima em várias situações anteriores à condição materna, como

não se destacar na escola ou não ocupar lugares de reconhecimento social. Esses fatores não implicam em ser ou não uma boa mãe. O que importa é o amparo que ela oferece. A mãe tem um papel fundamental no estabelecimento do vínculo de amor, base inicial que proporciona à criança um desenvolvimento saudável, uma constituição que lhe ofereça independência futura (WINNICOTT, 1982). Para esse autor, o desenvolvimento saudável refere-se às questões de ordem emocional e não fisiológica.

Quando um bebê nasce, é comum a intromissão de outras pessoas na forma como a mãe lhe proporciona cuidados. As interferências vêm tanto da família quanto do social que opinam e determinam, respectivamente, formas de como uma mãe deve cuidar de um bebê, como fazer ou agir. Essa intromissão

não é benéfica nesse período pós-parto, pois pode gerar incertezas e deixar a mãe insegura no exercício da sua função, considerando que o que está em jogo é o saber da própria mãe. Sobre isso, Winnicott (1982) é enfático ao afirmar que nenhuma pessoa que se acerque dessa mãe para lhe aconselhar tem um saber maior que ela própria.

No que diz respeito ao bebê, Winnicott (1982) ressalta que durante a gestação, o bebê já é um ser humano, cheio de experiências que se caracterizam tanto como positivas quanto negativas. Essas experiências humanas vão se diferenciando e constituindo características próprias à medida em que a mãe e seu filho se relacionam. É importante a intervenção da família, mas que ocorra no sentido de proteger essa mãe de forma a permitir que a mesma execute sua função à sua maneira, o que significa reconhecer nessa mãe o saber materno.

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Winnicott (1982) caracteriza esse saber como uma ação intuitiva, sendo a melhor forma de construção do vínculo com o bebê. A construção desse vínculo constitui um ato natural de uma boa mãe, mas um natural que não corresponde a formas instintivas da maternidade e sim como uma forma própria da mãe se relacionar com seu bebê e que ela acredita ser certa. De acordo com esse autor, no nascimento, a relação mãe e filho pode sofrer alterações em decorrência do parto, das condições do bebê, como também da mãe. Há situações em que pode passar dias até que ambos possam conviver de forma mútua. Winnicott (1982) salienta a importância dessa relação e da convivência, sem interrupções, entre a mãe e o bebê, argumentando que essa experiência possibilita “lançar os alicerces da personalidade da criança, daquilo que chamamos o seu desenvolvimento emocional e sua capacidade para suportar as frustrações e o choque que, mais cedo ou mais tarde, surgiriam em seu caminho” (Ibid., p. 22).

A amamentação, nesse primeiro contato, também tem importância capital na construção desse vínculo, considerando a excitação que a mãe sente por amamentar e o bebê por ser amamentado. Segundo Winnicott (1982), o bebê experiencia estados de satisfação e excitação caracterizados de tal modo que

Quando ele está calmo, passará a maior parte do tempo dormindo, mas não sempre, e os momentos de vida desperta, mas pacífica, são preciosos. Sei de alguns bebês que dificilmente conseguem estar alguma vez satisfeitos e choram, mostrando-se aflitos por muito tempo, mesmo depois de alimentados; não dormem com facilidade e, nesse caso, é muito difícil para a mãe estabelecer um contato satisfatório (Ibid., 22).

Então, para Winnicott (1982), mesmo que haja dificuldades em satisfazer o bebê, poderá se estabelecer entre mãe e filho uma satisfação em outros momentos como na hora do banho em que há “oportunidade para dar início a uma relação humana” (Ibid., p.22).

A mãe, para Winnicott (1982), precisa conhecer seu bebê de tal modo que possa ajudá-lo a controlar sua rotina, sendo ela capaz de perceber como está a relação entre ambos, entendendo que o seio deve aparecer em um primeiro momento de forma desorganizada e não de três em três horas como se orienta,

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para que aos poucos se estabeleça os horários corretos. Por isso, é importante conhecer o bebê, o que ele está solicitando, como acontece quando está em estado de excitação, apresentando comportamentos que a mãe identifique.

Assim, é fundamental esse contato com a mãe, caso contrário “está em desvantagem se o seu bebê apenas lhe é entregue nas horas de amamentação” (WINNICOTT, 1982, p. 23), uma vez que se torna difícil conhecer o comportamento do filho, bem como seus períodos de excitação e satisfação, a não ser que observe o filho no berço e perceba sua forma de agir, estando também “apta a compreender o que sucede quando ele afasta a cabeça e recusa beber” (Ibid., p.24). Essas ações fazem com que o bebê ganhe confiança na relação com a mãe e com o mundo, pois esta, ao permitir que ele brinque com o seio, que o morda, que o toque, possibilita a construção de um vínculo de amor. Esses momentos iniciais com o bebê são fundamentais, assim como para a mãe que o idealizou e necessita conhecê-lo após o nascimento.

Winnicott (2006) escreve que “quando a mãe e o bebê chegam a um acordo na situação de alimentação, estão lançadas as bases de um relacionamento humano (p. 55). Toda essa troca, da mãe para com seu bebê, dá início a relação objetal apresentada por Klein (1946), a qual descreve que as relações objetais se dão desde o nascimento, sendo o seio a primeira das relações, vindo a se caracterizar como seio bom (gratificador) e seio mau (frustrador). Divisão essa que se manifesta em uma dualidade de amor e ódio, que ocorre a partir da interação entre ambos, da introjeção e projeção, como, também, com objetos vindos de situações internas e externas. Essas ações incidem sobre o desenvolvimento emocional e intelectual do bebê.

Winnicott (1982) demonstra que há angústia por parte da mãe em querer conhecer seu bebê, saber como ele é e como está. Assim como a mãe, o pai também tem seus anseios e inseguranças em não dar conta desse sujeito que vem a ser de sua responsabilidade. São questões importantes e que devem ser levadas em consideração no período puerpério e, também essa naturalização da mãe que se propõem a conhecer o filho e cuidá-lo do seu modo, com seu saber e suas intuições.

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Na obra, Natureza humana, Winnicott (1990, p.132) apresenta a mãe como proprietária do amor verdadeiro e “menos sentimental do que qualquer substituto”, possuindo uma capacidade de “adaptação extrema às necessidades do bebê”. Segue afirmando que somente a mãe pode manter sua técnica pessoal, possibilitando ao bebê “um ambiente emocional simplificado (que inclui os cuidados físicos)”. Um bebê que é cuidado por mais pessoas, escreve o autor, tende a construir um alicerce mais frágil, causando-lhe certa desordem, pois apenas uma pessoa é responsável pelo cuidado natural, sendo a mãe a pessoa certa a responder por esse lugar, considerando que desde a gestação preparou-se para essa função.

Cabe lembrar que, na visão de Winnicott (1982), o pai também é importante e precisa ser o facilitador dessa relação mãe e filho. É necessário que ele procure dar espaço à mãe, para que a mesma se sinta à vontade para exercer sua função nesse momento inicial de relação com o filho, preocupando-se tão somente com seu bem-estar, pois trata-se de um momento curto e de grande importância para a constituição psíquica da criança, portanto, deve ser preservado. É por meio da mãe que o bebê conhece o mundo, sendo ela a melhor pessoa para cuidá-lo devido a sua forma de proteção inicial e envolvimento mútuo, do qual se permite doar-se como um todo e não adoecer (WINNICOTT,1956).

Está claro que, para Winnicott (1982), a relação mãe/bebê influência significativamente a saúde psíquica da criança em desenvolvimento. É um momento em que a mãe se desliga do mundo e dedica-se apenas em atender suas demandas. Nesse entendimento, oferece às mães a seguinte orientação:

Desfrute tudo isso para seu próprio prazer, mas o prazer que você pode extrair do complicado negócio de cuidar de uma criança é vitalmente importante do ponto de vista do bebê. O bebê não quer tanto que lhe deem a alimentação correta na hora exata como, sobretudo, ser alimentado por alguém que ama alimentar seu próprio bebê. O bebê aceita como coisas naturais a maciez das roupas ou a temperatura correta da água do banho. O que ele não pode dispensar é o prazer da mãe que acompanha o ato de vestir ou de dar banho ao seu próprio bebê. Se tudo isso lhe dá prazer, é algo como o raiar do sol para os bebês. O prazer da mãe tem de estar presente nesses atos ou então tudo o que fizer é monótono, inútil, mecânico (WINNICOTT, 1982, p. 28).

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Então, como salienta Winnicott (1982), “o bebê necessita exatamente daquilo que a mãe faz perfeitamente, se for natural, se estiver à vontade e entregue à sua missão” (p. 29). A mãe exercendo sua função, naturalmente, proporciona ao bebê alicerces para sua constituição. Esse entendimento remete aos pressupostos de Klein (1946) que afirma ser essa relação gratificante para a criança, uma vez que sentimentos de afeto se voltam para o seio bom.

Contudo, Winnicott (1982) lembra que nem sempre essas relações ocorrem de forma saudável; muitas vezes são negligenciadas, caracterizadas como insuficientes, não sendo a forma adequada de atendimento as demandas do bebê, podendo acarretar em prejuízos. Há definições para essa relação, que remetem ao modo pelo qual a mãe atende as demandas e cuidados com o filho. Essa definição caracteriza a mãe suficientemente boa. Para Winnicott (2006) quando essa relação se estabelece de forma saudável e natural, quando a mãe atende as necessidades e identifica as solicitações de seu bebê, a construção da personalidade deste tende a se desenvolver. O autor escreve que quando se possibilita um ambiente facilitador, entendido como suficientemente bom, o bebê tende a desenvolver-se de forma saudável.

Em seus escritos, Winnicott (2006) explica que a primeira relação materna é definida como preocupação materna primária, aquela que se caracteriza como sendo uma relação de fusão entre os dois, fase que se estabelece após o nascimento, portanto, a mãe e seu filho são um só, havendo “uma identificação-consciente, mas também profundamente inconsciente que a mãe tem com seu bebê” (WINNICOTT, 1956, p. 400). Winnicott (1956) esclarece que a preocupação materna primária passa a ser, gradativamente, um estado de extrema sensibilidade que ocorre durante a gestação e, principalmente, ao seu final. “Sua duração é de algumas semanas após o nascimento do bebê. Dificilmente as mães o recordam depois que o ultrapassaram” (p. 401), pois esse período tende a ser reprimido pelas mães.

De acordo com o autor, há nesta relação uma espécie de doença normal, caracterizada pelo estado em que a mãe se encontra totalmente envolta de seu bebê, de forma sensível, mas ao mesmo tempo intensa desde o primeiro contato.

Referências

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