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Experiências de trabalhadores rurais na Justiça do Trabalho: Lages-SC, 1970-1980

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA

CAMPUS FLORIANÓPOLIS

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM HISTÓRIA

NÍVEL MESTRADO

MARCOS ALBERTO RAMBO

EXPERIÊNCIAS DE TRABALHADORES RURAIS NA JUSTIÇA DO

TRABALHO: LAGES-SC, 1970-1980.

FLORIANÓPOLIS

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MARCOS ALBERTO RAMBO

EXPERIÊNCIAS DE TRABALHADORES RURAIS NA JUSTIÇA DO TRABALHO: LAGES-SC, 1970-1980.

Dissertação submetida ao Programa de Pós Graduação em História da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestre em História.

Orientador: Prof. Dr. Paulo Pinheiro Machado.

Florianópolis 2020

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Rambo, Marcos Alberto

Experiências de trabalhadores rurais na Justiça do Trabalho : Lages-SC, 1970-1980 / Marcos Alberto Rambo ; orientador, Paulo Pinheiro Machado, 2020. 191 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Filosofia e Ciências Humanas, Programa de Pós-Graduação em História, Florianópolis, 2020.

Inclui referências.

1. História. 2. Trabalhadores rurais. 3. Justiça do Trabalho. 4. História do Trabalho. 5. Direitos trabalhistas. I. Machado, Paulo Pinheiro. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Programa de Pós-Graduação em História. III. Título.

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Marcos Alberto Rambo

Experiências de Trabalhadores Rurais na Justiça do Trabalho: Lages-SC, 1970-1980.

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Prof. Paulo Pinheiro Machado, Dr. Orientador

Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC Prof. Fernando Teixeira da Silva, Dr. Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP

Prof. Tiago Kramer de Oliveira, Dr. Universidade Federal de Santa Catarina - UFSC

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em História.

____________________________ Prof. Dr. Lucas de Melo Reis Bueno

Coordenador(a) do Programa

____________________________ Prof. Dr. Paulo Pinheiro Machado

Orientador(a)

Florianópolis, 27 de abril de 2020.

Paulo Pinheiro

Machado:41567

684068

Assinado de forma digital por Paulo Pinheiro Machado:41567684068 Dados: 2020.05.25 17:24:56 -03'00'

Documento assinado digitalmente Lucas de Melo Reis Bueno Data: 26/05/2020 09:38:30-0300 CPF: 151.819.188-67

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AGRADECIMENTOS

Iniciei a redação deste trabalho na primeira metade de 2019. Passou-se quase um ano até que eu pudesse dar a tarefa por concluída e refletir sobre o tempo a ela dedicado. Relembrando os inúmeros momentos difíceis dessa jornada, não poderia deixar de agradecer, em primeiro lugar, à minha esposa Jessica. Não poderia ter levado adiante esse trabalho sem a sua imensurável compreensão e constante incentivo. Esse trabalho também é seu.

Escrevi o texto que segue num momento duríssimo para todos os que se dedicam ao conhecimento e à pesquisa no Brasil, em especial na área de Ciências Humanas. Nossos conhecimentos são alvo de descrédito por parte de autoridades, interpretações e fatos históricos distorcidos alcançam milhões de pessoas, as universidades públicas são atacadas e seus trabalhadores são covardemente criminalizados. Agradeço, portanto, a todos os meus professores da graduação em História da UDESC e da pós-graduação na UFSC por terem me transmitido um imenso respeito e carinho pelo nosso campo do saber, a certeza do valor do nosso ofício e o hábito de refletir sobre nossa função social. Sem isso, não encontraria a motivação para levar a término essa tarefa.

Ao longo da minha jornada de estudante de História, aprendi muito com meus colegas, com suas trajetórias e pontos de vista. Sempre encontrei na sala de aula um espaço estimulante para o pensamento e de enriquecimento das relações humanas. Gostaria de destacar a importância do Grupo de Estudos em História Social do Trabalho, organizado informalmente na UDESC em 2016 e 2017, como pontapé inicial de meu envolvimento com essa área de estudos e de minha pesquisa. Agradeço ao professor Antero Reis, à Jade, Conrado, Lucas Santos, João e demais participantes do grupo. Na UFSC, tive a felicidade de fazer parte da linha de pesquisa História Global do Trabalho, me permitindo expandir minha visão sobre História e o fazer histórico, com professores e colegas, tanto nas disciplinas quanto nas reuniões do laboratório.

O professor Paulo Pinheiro Machado foi uma grande inspiração e um orientador paciente, atencioso e encorajador durante toda minha caminhada. Agradeço, especialmente, por ter uma grande confiança em meu trabalho e por ter me transmitido essa confiança e o ânimo necessário para prosseguir.

Meu trabalho só foi possível porque contou com a contribuição de um número grande de pessoas, que me facultaram o acesso às fontes e compartilharam comigo um pouco de suas histórias. Agradeço a todos os funcionários do Setor de Memória Institucional do

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TRT-12, na figura do Alexandre, por me acolherem em seu espaço de trabalho, pela atenção e por sempre facilitarem minhas tarefas. No município de Otacílio Costa encontrei muitas pessoas solícitas, que me indicaram entrevistados, me levaram até eles, me receberam em suas casas. Agradeço aos entrevistados na figura do sr. Andrino Pereira da Cruz, a todos do Sindicato dos Trabalhadores Rurais e aos demais moradores de Otacílio Costa que me auxiliaram.

Sou grato a Tibúrcio Oltramari, de Itapema, e a Carlos Luiz Perón, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Lages, pelas longas entrevistas que me concederam, mesmo estando em horário de trabalho.

Ao CNPq, agradeço pela bolsa concedida durante o ano de 2019, que permitiu a dedicação exclusiva a este trabalho. No momento em que vivemos, nunca é demais apontar que não existe pesquisa no Brasil sem as universidades públicas e o apoio do CNPq e da CAPES.

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Não, os fatos nunca estiveram lá, de tocaia, prontos para tomar de assalto as páginas dos historiadores; foi preciso investigar seus rastros – os documentos – e construí-los a partir dos interesses específicos de cada autor e da imaginação controlada característica da disciplina histórica. (Sidney Chalhoub, 1990)

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RESUMO

A pesquisa investiga as relações de trabalho rural na região do planalto serrano catarinense, as experiências dos trabalhadores e as disputas ocorridas na Justiça do Trabalho. As principais fontes que a compõe são as ações trabalhistas ajuizadas na Junta de Conciliação e Julgamento de Lages. O acervo está salvaguardado pelo Setor de Memória Institucional do TRT-12. Aborda-se o processo de construção de uma legislação trabalhista rural, bem como as disposições do Estatuto do Trabalhador Rural (1963) e da Lei 5.889, de 1973. A pesquisa constata que os trabalhadores rurais atuavam em diversas atividades econômicas, como agricultura, pecuária de corte e leiteira, e cultivo florestal. Aponta as particularidades das experiências dos trabalhadores em cada uma delas, já que havia diferentes relações de trabalho, moradia e uso da terra. Relaciona tais experiências à formação histórica da economia do planalto, às transformações acarretadas pela indústria madeireira e ao projeto da ditadura para o campo brasileiro. Procura compreender diferentes disputas trabalhistas, a fim de apontar os principais pontos de discordância, os argumentos esgrimidos pelas partes e os elementos levados em conta pelos julgadores ao proferirem as sentenças. Leva em conta, ainda, a parte da disputa que ocorria fora da arena judicial. Argumenta que as disputas trabalhistas podem ser entendidas como parte da luta de classes. Isto porque a Justiça do Trabalho entendia as partes da disputa não como indivíduos, mas como integrantes cada qual de sua classe. Há indícios de organização e solidariedade entre trabalhadores a fim de ajuizar reclamatórias e aumentar as chances de vencê-las. Muitas das reclamatórias eram coletivas, e seus resultados não se restringiam aos reclamantes, surtindo efeitos mais gerais. A Justiça do Trabalho constituía, na região do planalto catarinense, uma via importante de luta, dado o estado de organização dos trabalhadores e as restrições políticas do período ditatorial.

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ABSTRACT

The aim of this research is to investigate the rural labor relations in the Santa Catarina highlands region, the workers' experiences and the disputes that occurred in the Labor Court. The main sources that compose it are the labor lawsuits filed at the Board of Conciliation and Judgment of Lages. This collection is safeguarded by the Institutional Memory Sector of TRT-12. The process by which the rural labor legislation was created is addressed, as well as the provisions of the Rural Worker Statute (1963) and Lei 5889/1973. The research verifies that rural workers were active in several economic activities, such as agriculture, cattle raising, dairy farm and forestry. It points out the particularities of the workers' experiences in each of them, since there were different labor relations, housing and land use. It relates these experiences to the historical formation of the region’s economy, to the transformations caused by the timber industry and to the dictatorship project for the Brazilian countryside. It tries to understand different labor disputes, in order to make explicit the main points of disagreement, the arguments wielded by the contenders and the elements taken into account by the judges when delivering the sentences. It also takes into account the part of the dispute that occurred outside the judicial arena. It argues that labor disputes can be understood as part of the class struggle. This is because the Labor Court understood the parties to the dispute not as individuals, but as members of each class. There are signs of organization and solidarity among workers in order to file petitions and increase the chances of winning them. Many of the lawsuits were collective, and their results were not restricted to petitioners, with more general effects. The Labor Court was, in the region of the Santa Catarina highlands, an important vehicle of struggle, given the state of organization of workers and the political restrictions of the dictatorial period.

Keywords: Rural Workers. Labor Justice. Labor Lawsuits.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1 - Juntas de Conciliação e Julgamento em SC, 1965. ... 52

Figura 2 - Juntas de Conciliação e Julgamento em SC, 1981. ... 53

Figura 3 - Reclamantes por atividade econômica ... 57

Figura 4 - Reclamantes por sexo ... 57

Figura 5 - Percentual de Reclamantes Menores de 18 anos por sexo... 58

Figura 6 - Atividade econômica x sexo x maiores/menores ... 59

Figura 7 - Moradia no local de trabalho por ramo de atividade em relação aos totais ... 60

Figura 8 - Reclamantes que residiam no trabalho por atividade ... 61

Figura 9 - Habitação de família moradora de fazenda. ... 73

Figura 10 - Vista da fábrica da Olinkraft, por volta de 1980... 101

Figura 11 – Caminhão sendo carregado com madeira de Pinus... 102

Figura 12 – Madeira empilhada em meio a reflorestamento. ... 110

Figura 13 - Dias trabalhados por Marta Alves Barroso entre out/76 a jun/78... 137

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1 - Evolução do número de Juntas de Conciliação ... 50

Tabela 2 - Reclamatórias por município... 56

Tabela 3 - Comparação entre o total de reclamatórias e as reclamatórias do setor da pecuária. ... 63

Tabela 4 - Área das propriedades rurais em Lages-SC, 1967. ... 68

Tabela 5 - Homologações de Rescisão de Contrato ... 70

Tabela 6 - Reclamantes empregados no plantio de batata (1977-1979) ... 90

Tabela 7 - Resultados das reclamatórias de trabalhadores em fazendas (1977-1979) ... 127

Tabela 8 - Resultado dos recursos ao TRT. ... 127

Tabela 9 - Resultados das Ações Trabalhistas em 1ª Instância. ... 154

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

ACARESC Associação de Crédito e Assistência Rural

BADESC Banco de Desenvolvimento do Estado de Santa Catarina CLT Consolidação das Leis do Trabalho

CONTAG Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura ETR Estatuto do Trabalhador Rural

FETAESC Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Santa Catarina FGTS Fundo de Garantia por Tempo de Serviço

FUNRURAL Fundo de Assistência ao Trabalhador Rural IAPI Instituto de Aposentadoria e Pensão dos Industriários IBRA Instituto Brasileiro de Reforma Agrária

INDA Instituto Nacional de Desenvolvimento Agrário INPS Instituto Nacional de Previdência Social

JCJ Junta de Conciliação e Julgamento PCB Partido Comunista Brasileiro PCC Papel e Celulose Catarinense

PCD Plano Catarinense de Desenvolvimento

PRORURAL Programa de Assistência ao Trabalhador Rural PTB Partido Trabalhista Brasileiro

SUPRA Superintendência da Política Agrária TRT Tribunal Regional do Trabalho

TRT 4 Tribunal Regional do Trabalho da 4a Região – Porto Alegre TRT 9 Tribunal Regional do Trabalho da 9a Região – Curitiba

TRT 12 Tribunal Regional do Trabalho da 12a Região – Florianópolis TST Tribunal Superior do Trabalho

UDESC Universidade do Estado de Santa Catarina UFSC Universidade Federal de Santa Catarina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 15

1.1 PESQUISANDO UM ACERVO DE AÇÕES TRABALHISTAS: QUESTÕES PRÁTICAS E METODOLÓGICAS ... 21

1.2 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO ... 28

2 LEI, DIREITO E TRABALHO RURAL ... 30

2.1 JUSTIÇA DO TRABALHO E LEI TRABALHISTA ... 30

2.2 LEGISLAÇÃO TRABALHISTA RURAL... 38

2.3 JUSTIÇA DO TRABALHO E DITADURA CIVIL-MILITAR ... 47

3 EXPERIÊNCIAS DOS TRABALHADORES RURAIS NO PLANALTO CATARINENSE ... 54

3.1 OS TRABALHADORES DE FAZENDA NAS FONTES JUDICIAIS ... 62

3.2 MULHERES TRABALHADORAS NA PECUÁRIA ... 76

3.3 OS TRABALHADORES RURAIS NA AGRICULTURA EMPRESARIAL ... 81

4 OS TRABALHADORES DO SETOR FLORESTAL ... 92

4.1 O SETOR FLORESTAL EM LAGES. ... 92

4.2 A CONTRATAÇÃO DE TRABALHADORES POR EMPREITEIROS ... 97

4.3 O COTIDIANO DOS TRABALHADORES DO REFLORESTAMENTO ... 103

5 DISPUTAS TRABALHISTAS NA JCJ DE LAGES ... 114

5.1 ENTRE O TRABALHO E O “FAVOR”: MORADORES DE FAZENDAS NA JUSTIÇA DO TRABALHO ... 116

5.2 TRABALHADORES VOLANTES E DIREITOS TRABALHISTAS ... 128

5.3 EMPREITEIROS E GRANDES EMPRESAS ... 140

5.4 RESULTADOS DAS AÇÕES TRABALHISTAS ... 151

6 CONSEQUÊNCIAS DAS DISPUTAS TRABALHISTAS NOS CONFLITOS DE CLASSE ... 156

6.1 DIMENSÃO COLETIVA DAS DISPUTAS TRABALHISTAS ... 156

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS... 174

FONTES ... 180

REFERÊNCIAS ... 181

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INTRODUÇÃO

Nas décadas de 1960 e 1970, o meio rural brasileiro passou por transformações de grande monta: demográfica, econômica, tecnológica e nas relações de trabalho. A configuração que a agropecuária assumiu naquele período, fruto de tais transformações, tem se mantido determinante até os dias atuais. Foi nesse momento que ocorreu a migração em massa do campo para a cidade, observada pela primeira vez no Censo Demográfico de 1970, o primeiro em que a população urbana superava a rural. Consolidou-se uma agricultura propriamente capitalista, na qual não apenas os excedentes de produção eram postos no mercado, mas havia ainda o investimento de capitais desde a formação das áreas de cultivo, passando pela aquisição de máquinas, até a compra de insumos e o trabalho assalariado, num processo que recebeu à época o nome de “modernização”. No que toca às relações de trabalho, observou-se a expulsão dos trabalhadores residentes nos latifúndios, que cultivavam parcelas de terra em relações de parceria, arrendamento, foro, etc. Em seu lugar, trabalhadores residentes no meio urbano – em sua maioria, emigrados do meio rural – passaram a ser agenciados e levados às lavouras para trabalhar em períodos de maior necessidade de mão de obra, como a safra.

Lages e a região do planalto serrano catarinense vivenciaram essas transformações de seu modo próprio. Ao contrário das regiões que recebem maior atenção nos estudos agrários – como as áreas que produziam açúcar no Nordeste e São Paulo, ou café neste último – o planalto não era uma região agroexportadora: a economia agrária se baseava na pecuária e agricultura voltadas ao mercado interno, combinando o latifúndio com a existência de pequenas propriedades nas franjas da grande propriedade. Ao menos no que se refere aos campos de Lages, mais ao sul, o impulso transformador da economia local, desde a década de 1940, vinha da atividade das serrarias, que exploraram as florestas até a exaustão. A literatura existente sobre a região destaca o papel da atividade das serrarias para a saída maciça dos trabalhadores do campo e das grandes fazendas e a subsequente formação de uma massa de trabalhadores urbanos e assalariados. Na década de 1970, a atividade madeireira passava por sérias dificuldades devido à quase extinção das matas de araucária. Observa-se, no meio rural, a manutenção de latifúndios que exploram a pecuária e a agricultura de maneira extensiva, com poucos empregados, proprietários ausentes e pouco investimento. Por outro lado, há uma série de iniciativas de exploração capitalista da agricultura e pecuária podendo-se citar a

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importação de animais de raça destinados à produção de leite, a aquisição ou arrendamento de terras para a produção agrícola em larga escala e, em Curitibanos, a colonização de terras incorporando as inovações técnicas e tecnológicas.

Para além das atividades agropecuárias, o meio rural do planalto passou a ser ocupado de maneira significativa pelas plantações de árvores exógenas à região, voltadas a abastecer a indústria madeireira em geral e, especialmente, as indústrias de papel e celulose instaladas em distritos do município de Lages. Essas últimas desempenhavam, por intermédio de empresas especializadas ou empreiteiros, todas as etapas do reflorestamento, desde o plantio até a extração e, para tanto, empregavam um grande número de trabalhadores rurais. Para além das características econômicas da região, o plantio de grandes áreas com árvores exógenas também está relacionado às políticas governamentais de incentivo ao setor, adotadas a partir do início da década de 1970.

O problema sobre o qual esse trabalho se debruça é: como se dava a luta por direitos trabalhistas entre os trabalhadores rurais do planalto catarinense na década de 1970? Para responder a essa pergunta, é necessário caracterizar as diferentes experiências dos trabalhadores rurais da região, uma vez que a própria categoria de trabalhador rural englobava situações bastante diversas. Depois, passamos à compreensão de como as relações de emprego no meio rural eram construídas de forma a se negar direitos trabalhistas e dificultar o acesso aos mesmos por meio da Justiça do Trabalho. A análise das disputas judiciais envolvendo tais trabalhadores permite delinear as estratégias usadas pelos advogados, os elementos da relação de trabalho que eram mobilizados pelas partes para fazer valer sua tese, bem como aquilo que os juízes levavam em consideração na hora de decidir. Por último, pensamos em como essas disputas assumiam uma dimensão coletiva e de classe, seja pelo modo de organização dos trabalhadores, seja por seus efeitos.

Abordamos nosso problema por meio das fontes documentais da Justiça do Trabalho, mais especificamente os autos de reclamatórias trabalhistas ajuizadas na Junta de Conciliação e Julgamento (JCJ) de Lages, órgão de primeira instância da Justiça do Trabalho responsável por conciliar e julgar os dissídios individuais entre patrões e empregados. O recorte temporal foi construído a partir das fontes disponíveis, que compuseram a pesquisa. No levantamento de fontes realizado no acervo de processos da JCJ de Lages, encontramos raras reclamatórias rurais para a década de 1960. Chegamos, porém, ao final dos anos 1970 com um número já considerável de fontes e de temas para serem abordados a partir delas, e optamos por delimitar os temas aqui tratados no período coberto pela documentação.

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Buscamos, na pesquisa, valorizar as possibilidades oferecidas por essas fontes, explorando tanto os aspectos quantitativos do acervo quanto a leitura qualitativa minuciosa de algumas delas. Tributária da proposta da microhistória, essa última abordagem permitiu compreender novos aspectos das relações sociais e de trabalho no meio rural, bem como as dinâmicas das disputas trabalhistas envolvendo tais trabalhadores. A análise microhistórica permite acessar aspectos da realidade que passam despercebidos para outras abordagens: o social é compreendido como uma teia de inter-relações em movimento, mais do que um dado fixo, e a ação dos sujeitos é entendida como sendo orientada por estratégias que mobilizam os recursos disponíveis1.

Nossa pesquisa busca recuperar parte das experiências dos trabalhadores rurais do planalto catarinense durante o período em questão, seja no interior das relações de trabalho, seja nas suas demandas por direitos junto à Justiça. Partindo do conceito de “experiência” de E. P. Thompson, consideramos fundamental que a história se preocupe em equilibrar as explicações do processo histórico em nível macro com a percepção que os sujeitos históricos tinham de sua realidade imediata, ou seja, como entendiam a sua condição a partir de suas referências culturais, tradições, costumes, etc. Nas palavras do autor:

Os homens e mulheres também retornam como sujeitos, dentro deste termo - não como sujeitos autônomos, "indivíduos livres", mas como pessoas que experimentam suas situações e relações produtivas determinadas como necessidades e interesses e como antagonismos, e em seguida "tratam" essa experiência em sua consciência e sua cultura [...] das mais complexas maneiras [...] e em seguida [...] agem, por sua vez, sobre sua situação determinada2.

Nos depoimentos prestados à Junta de Conciliação e Julgamento de Lages, os trabalhadores, patrões e testemunhas expressaram seu entendimento acerca das relações de trabalho mantidas e das expectativas decorrentes dessas relações de trabalho. Mesmo mediadas pelas intencionalidades em relação ao resultado da reclamatória, pelas relações de poder desiguais diante da Justiça, pelo direcionamento das falas durante o interrogatório e pela orientação dos advogados, as fontes, quando lidas a contrapelo, podem ser uma via de acesso às experiências dos trabalhadores.

1 LEVI, Giovanni. A herança imaterial: trajetória de um exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro:

Civilização Brasileira, 2000.

2 THOMPSON, E. P. A miséria da teoria ou um planetário de erros: uma crítica ao pensamento de Althusser.

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A lei trabalhista e as disputas na Justiça do Trabalho foram pensadas a partir das contribuições de THOMPSON (1997) e BOURDIEU (2011). Ao tecer considerações sobre o Rule of Law, Thompson argumentou que a lei 3não é apenas um instrumento do domínio de uma classe sobre as demais – embora também o seja, como a “Lei Negra” inglesa do século XVIII e as flagrantes manipulações da mesma para punir com a morte supostos caçadores das florestas reais evidencia sem deixar dúvidas. Mas mesmo que a lei muitas vezes esteja identificada ao poder da classe dominante, ela precisa manter uma lógica própria que lhe confere uma aparência de imparcialidade e justiça, e, ao fazê-lo, impõe limites às práticas dos dominantes e, em algumas ocasiões, permite vitórias da parte mais fraca. Atento às experiências traumáticas do século XX, Thompson argumenta com ênfase que faz diferença se o domínio é exercido através da lei ou por poderes que dispensam qualquer mediação4. O direito, para o autor, não pode ser entendido como apenas uma superestrutura que reflete as necessidade da base econômica da sociedade, tampouco como uma esfera que segue uma lógica própria e é alheia às pressões sociais5.

O intuito de Bourdieu foi o de compreender o funcionamento do “campo jurídico”, entendido como “um universo social relativamente independente em relação às pressões externas, no interior do qual se produz e se exerce a autoridade jurídica6”. Para ele

a transformação dos conflitos inconciliáveis de interesses em permutas reguladas de argumentos racionais entre sujeitos iguais está inscrita na própria existência de um pessoal especializado, independente dos grupos sociais em conflito e encarregado de organizar, segundo formas codificadas, a manifestação pública dos conflitos sociais e de lhes dar soluções socialmente reconhecidas como imparciais, pois que são definidas segundo as regras formais e logicamente coerentes de uma doutrina percebida como independente dos antagonismos imediatos7.

3 “Lei”, na acepção aqui empregada, não se refere apenas ao código legal. Thompson decompõe “a lei" em

diferentes níveis. Primeiro, o aparato institucionalizado do direito, com seus tribunais, procedimentos e operadores, em suma, as instituições do Estado responsáveis pela aplicação da lei e bastante identificadas com os interesses das classes dominantes, seja pelos procedimentos, seja pela origem social dos indivíduos que deles fazem parte. Em segundo lugar, a lei enquanto ideologia, no sentido que determinadas práticas podem ser legitimadas se estiverem “dentro da lei”, enquanto que uma ação “fora da lei” é condenada.. Nesse nível, a lei se relaciona com as práticas sociais, embora possa estar em conflito com as mesmas. As noções de direitos existentes podem não coincidir, como aconteceu na Inglaterra entre o direito à propriedade privada da terra e o direito costumeiro às terras comunais. Em terceiro lugar, a lei pode ser entendida como “lógica, regras e procedimentos próprios – isto é, simplesmente enquanto lei”.

Ver: THOMPSON, Edward Palmer. Senhores & caçadores a origem da lei negra. Trad. Denise Bottmann. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997.

4 THOMPSON, 1997, p. 350.

5 THOMPSON, 1997, p. 338, 353-354.

6 BOURDIEU, Pierre. O Poder Simbólico. 11. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2011, p. 211. 7 BOURDIEU, 2011, p. 228.

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O campo jurídico, mesmo com sua lógica e procedimentos próprios, não é visto por Bourdieu como desligado do contexto social maior. Para ele, “o corpus jurídico registra em cada momento um estado de relação de forças, e sanciona as conquistas dos dominados convertidas deste modo em saber adquirido e reconhecido”8, o que confere a ambiguidade necessária para legitimar o direito e, ainda, transforma o que é resultado de lutas sociais em um corpo doutrinário que parece obedecer somente à lógica própria do campo.

A temática da Justiça do Trabalho se faz presente em nossa pesquisa de várias maneiras: seja porque as principais fontes que utilizamos são as reclamatórias, seja porque pretendemos abordar a forma como os trabalhadores rurais se relacionavam com a lei e com a instituição. Por muito tempo, a abordagem predominante na historiografia e nas ciências sociais acerca da Justiça do trabalho enfatizavam o caráter corporativista da instituição – que seria voltada a manipular a classe trabalhadora com a miragem dos direitos, capturando as lutas para a esfera institucional e impedindo a livre organização e a luta de classes9. Nos últimos anos, as pesquisas que tomaram como objeto a Justiça do Trabalho passaram a tratar os direitos trabalhistas como uma construção coletiva, fruto da apropriação estatal das demandas dos trabalhadores. Nessa nova concepção da Justiça do Trabalho que vem tomando corpo, a instituição não mais é determinada pelas intencionalidades de seus idealizadores durante o Estado Novo, mas sim pelas disputas sociais de cada momento histórico. A luta de classes se manifesta também pela disputa judicial: as cortes trabalhistas responderiam às pressões dos grupos sociais e seriam por eles mobilizadas para alcançar seus objetivos. O papel exercido pela Justiça do Trabalho em cada contexto histórico passa, assim, a ser um

8 BOURDIEU, 2011, p. 212.

9 Para um balanço historiográfico mais aprofundado acerca da Justiça do Trabalho, ver: SILVA, Fernando

Teixeira da. Trabalhadores no Tribunal: conflitos e Justiça do Trabalho em São Paulo no contexto do

Golpe de 1964. São Paulo, SP: Alameda, 2016, especialmente o Capítulo 1: A Historiografia de uma

“Justicinha”.

Tal abordagem, de caráter altamente crítico aos tribunais do trabalho, esteve presente em autores como ROWLAND, Robert; Classe operária e Estado de compromisso (origens estruturais da legislação trabalhista e sindical). Estudos CEBRAP, São Paulo, no 48, abr./jun 1974;

VIEIRA, Vera Lúcia. Cooptação e resistência: trabalhadores de São Paulo de 1945 a 1950. São Paulo: PUC, 1989;

MUNAKATA, Kazumi. A legislação trabalhista no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1984.

BOITO JUNIOR, Armando. O sindicalismo de Estado no Brasil: uma análise crítica da estrutura sindical. São Paulo: Hucitec, 1991;

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problema a ser investigado, e não um dado de antemão10. Desde a redemocratização do país no final dos anos 1980, temas relativos à cidadania, à Justiça e aos direitos sociais passaram a ser alvo de maior interesse por parte dos historiadores. Além disso, observou-se nos anos 1990 um aumento da demanda por parte dos trabalhadores pela Justiça do Trabalho, instituição que se tornou referência no judiciário brasileiro por ser acessível ao cidadão comum e relativamente mais eficiente que outros ramos da Justiça11.

Nesse sentido, o momento em que este trabalho é escrito em muito diverge daquele em que a Justiça do Trabalho se legitimou enquanto problema historiográfico: desde que a dita “reforma trabalhista” foi aprovada, em 2017, a Justiça do Trabalho se viu esvaziada pela supressão de direitos trabalhistas, pela crescente informalidade das relações de trabalho e pelas punições financeiras previstas aos trabalhadores que reclamarem “de má-fé”. O caminho da redemocratização, por sua vez, foi paulatinamente abandonado em uma série de violações às regras definidas em 1988, como se observou na deposição da presidenta eleita Dilma Rousseff sem os mínimos elementos que caracterizassem crime de responsabilidade, em 2016, na prisão e retirada dos direitos políticos do principal líder popular do país, Lula, em 2018, e nas recentes e cada vez mais frequentes ameaças de ruptura com as instituições democráticas por parte do círculo próximo do atual mandatário, ele próprio um contumaz defensor da ditadura e detrator da democracia12.

10 Além de SILVA (2016), também adotam esta perspectiva os trabalhos de: GOMES, Ângela de Castro; Silva,

Fernando Teixeira da (orgs.). A Justiça do Trabalho e sua história: os direitos dos trabalhadores no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2013;

BIAVASCHI, Magda. O direito do trabalho no Brasil. São Paulo: LTr, 2007;

SPERANZA, Clarice. Cavando direitos: as leis trabalhistas e os conflitos entre patrões nas minas do Rio Grande do Sul, nos anos 40 e 50. Tese (Doutorado em História) – PPGH-UFRGS, Porto Alegre, 2012.

CORRÊA, Larissa R. A tessitura dos direitos: patrões e empregados na Justiça do Trabalho, 1953 a 1964. São Paulo: LTr, 2011.

SOUZA, Edinaldo Antônio O. Bastidores da disputa trabalhista em comarcas do interior (Recôncavo Sul, BA, 1940-1960). História Social, no 14/15, 2008.

REIS, Antero Maximiliano Dias dos. Trabalho infanto-juvenil, impactos e dilemas do ECA: a luta por direitos na justiça do trabalho - TRT 12 (Florianópolis, década de 1990). Tese (Doutorado em História Econômica) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2016.

REIS, Jade Liz Almeida dos. Tecendo direitos: experiências de trabalhadoras da indústria têxtil na Justiça do Trabalho (Brusque/SC, década de 1970). Dissertação (Mestrado em História) – Universidade do Estado de Santa Catarina, 2019.

11 Ver: Introdução. In: GOMES, Angela de Castro; SILVA, Fernando Teixeira da. A Justiça do Trabalho e sua

História.

12 Apenas para ficar em alguns casos mais significativos, do contrário seríamos obrigados a relatar os retrocessos

diários, que incluem censura, esvaziamento de órgão e instituições, ataque à autonomia, finanças e legitimidade das universidades, avanços sobre o meio ambiente e reservas indígenas, degradação da legislação trabalhista, etc. Para a discussão acerca da caracterização do impeachment de Dilma Roussef enquanto golpe de Estado, ver: MASCARO, Alysson Leandro. Crise e Golpe. São Paulo: Boitempo, 2018, especialmente o capítulo 2, “Sobre o Golpe”.

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Portanto, nosso intuito de compreender certos aspectos das disputas na Justiça do Trabalho, ressaltando a atuação dos trabalhadores rurais para obtenção de direitos, parece menos condizente com as problemáticas atualmente relevantes. Não seria hora de investigar as causas e consequências da destruição do arcabouço legal e institucional do qual fazia parte a Justiça do Trabalho? Ou, então, o porquê de toda essa estrutura legal e institucional supostamente voltada a garantir aos trabalhadores um patamar mínimo de condições de trabalho, remuneração e seguridade, ter sucumbido diante da atual ofensiva do capitalismo neoliberal ou até mesmo contribuído para ela? São indagações válidas e que precisam ser respondidas, porém não consideramos ter condições de respondê-las neste momento. Por outro lado, elucidar certos aspectos da Justiça do Trabalho e de como ela foi apropriada por certos sujeitos e como respondia frente a certas demandas pode auxiliar a compreender nossos dilemas atuais. Considero que as fontes de que dispomos podem ser extremamente relevantes para compreender as disputas travadas nas Juntas de Conciliação e Julgamento.

1.1 PESQUISANDO UM ACERVO DE AÇÕES TRABALHISTAS: QUESTÕES PRÁTICAS E METODOLÓGICAS

Os autos trabalhistas que possibilitaram a realização desta pesquisa encontram-se salvaguardados pelo Setor de Memória Institucional do Tribunal Regional do Trabalho da 12ª Região. Atualmente localizado no Fórum Trabalhista de São José-SC, o Setor foi criado pelo Ato Presidencial no 735/2009, tendo como um de seus principais objetivos a guarda e cuidado dos processos judiciais que tramitaram na Justiça do Trabalho catarinense. No setor estão abrigadas ações trabalhistas provenientes das diversas Juntas de Conciliação e Julgamento (nome pelo qual eram conhecidas as atuais Varas do Trabalho) do estado de Santa Catarina. Em relação aos documentos da Junta de Conciliação e Julgamento de Lages, a série completa de ações trabalhistas não foi conservada, e dentro do recorte temporal pesquisado a maior parte do acervo se refere aos anos entre 1977 e 1980, ainda que haja ações de todos os anos.

Sidney Chalhoub desenvolveu alguns meios para trabalhar exaustivamente com processos judiciais, quando abordou o mundo social dos trabalhadores do Rio de Janeiro no

LEAL, Paulo Roberto Figueira; OLIVEIRA, Luiz Ademir de. Impeachment sem crime representa riscos à

estabilidade democrática. Em Debate: Periódico de Opinião Pública e Conjuntura Política, Belo Horizonte, ano 8, n. 2, p. 55-61, abr. 2016.

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início do século XX por meio de processos criminais. Confrontando os documentos "com tudo o que já se sab[ia] a respeito do assunto abordado, do lugar e do momento13", o autor pôde compreender como as mudanças estruturais que ocorriam - demográficas, os novos padrões de comportamento associados à ética do trabalho, as iniciativas disciplinadoras do Estado - impactavam o cotidiano de homens e mulheres da classe trabalhadora. Porém, mais do que isso, através dos processos criminais, foi possível a reconstrução das estratégias mobilizadas pelos trabalhadores para sobreviverem, as alianças e rivalidades motivadas por raça e nacionalidade no interior da classe trabalhadora, as diferentes experiências de homens e mulheres e, ainda, as formas de resistência e contestação14. No trabalho do autor, as fontes processuais têm, portanto, o papel duplo de recuperar as experiências dos sujeitos em certos contextos e, mais importante, de reconstruir tais contextos a partir de baixo, da leitura de mundo dos sujeitos - trabalhadores brasileiros e estrangeiros, brancos e negros, homens e mulheres. José D’Assunção Barros considera os processos judiciais como "fontes dialógicas", isto é, documentos em cujo interior se encontram vozes sociais diversas. Tais fontes são prolíficas em descrever detalhes e situações que escapam a outros tipos de documentos; são também privilegiadas por permitir acessar o dia a dia de pessoas comuns, vestígios raramente produzidos por tais sujeitos15. Assim, delineiam-se as principais possibilidades deste tipo de fonte:

[...] as diferentes versões que através delas se conflituam (sic), as visões de mundo que os atores sociais encaminham uns contra os outros, as redes de rivalidade e solidariedade que daí emergem, as identidades e preconceitos, é todo este vasto e dialógico universo - não apenas capaz de elucidar as relações interindividuais, como também de esclarecer a respeito das relações de classe - o que se mostra como principal objeto de investigação para a análise micro-historiográfica que se torna possível a partir desse tipo de fontes.16

Antoine Prost sistematizou os princípios mais elementares que os historiadores seguem para a crítica das fontes. A crítica externa se volta para os elementos materiais do documento (o papel, a tinta usada, as marcas), e visa atestar sua autenticidade. Já a crítica interna se atenta à "coerência do texto, por exemplo, a compatibilidade entre sua data e os fatos mencionados17". Na pesquisa com as fontes processuais trabalhistas, recorremos

13 PROST, Antoine. Doze lições sobre a história. Belo Horizonte: Autêntica, 2008, p. 57.

14 CHALHOUB, Sidney. Trabalho, lar e botequim: o cotidiano dos trabalhadores no Rio de. Janeiro da belle

époque. Campinas, SP: Editora da Unicamp,2008.

15 BARROS, José D’Assunção. A expansão da História. Petrópolis, RJ: Vozes, 2013. 16 BARROS, 2013, p. 107

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especialmente à crítica interna: quando eram anexadas ao processo declarações assinadas por trabalhadores, por exemplo, comparamos sua data de assinatura com o período no qual o reclamante alegava ter trabalhado, e comparamos o texto destas declarações com outras partes processuais, como os argumentos do advogado de defesa e os depoimentos das partes. Assim, nos aproximamos das circunstâncias em que tais declarações foram produzidas e dos objetivos para a sua produção.

Prost ainda faz uma distinção entre testemunhos voluntários e involuntários: os primeiros foram produzidos com a intenção e finalidade de informar (crônicas, memórias, relatórios, imprensa), já os últimos não possuíam tal finalidade no momento de sua produção (escritos privados/íntimos, objetos e outras fontes materiais). Os historiadores, entretanto, podem "tratar os testemunhos voluntários como se fossem involuntários e questioná-los sobre algo diferente do que eles pretendiam exprimir18". Assim, é possível tomar os documentos processuais produzidos pelos advogados durante a disputa trabalhista, bem como os depoimentos prestados pelas partes em disputa, e analisá-los não apenas por aquilo que buscaram conscientemente expressar. Os termos utilizados, com suas oposições e repetições, podem nos alertar acerca das estratégias utilizadas nas disputas e de como as relações de trabalho rural eram entendidas no interior da Justiça do Trabalho. Quando os trabalhadores intervêm de forma pouco usual, fazendo declarações inusitadas no contexto do interrogatório, podemos tratar como um indício de práticas, mentalidades ou expectativas por parte de quem depõe.

Com o propósito de realizar a crítica adequada das fontes, a fim de compreender o porquê de certos temas se fazerem presentes nos depoimentos e certas provas documentais serem anexadas, em suma, para evidenciar as intencionalidades dos agentes na produção dos documentos que dispomos, procuramos dissecar as disputas trabalhistas que foram travadas na JCJ de Lages. Deste modo, foi necessário prestar atenção aos argumentos esgrimidos pelos advogados das partes em diferentes situações, ou seja, perscrutar como era construída uma causa trabalhista e como a mesma poderia ser contestada, refutada ou deslegitimada. Foram levados em conta, ainda, os elementos que os juízes levavam em consideração na hora de decidir pela procedência ou improcedência das reclamatórias. Com isso, podemos reconsiderar os depoimentos do trabalhador e de suas testemunhas no interior de uma

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estratégia do procurador para fundamentar a causa e, ainda, repensar como os depoimentos do reclamado e de suas testemunhas se vinculam ao esforço de contestação levado adiante pelo procurador desta parte. Esse esforço crítico materializou-se em um capítulo à parte, contribuindo para lançar luz sobre aspectos que consideramos próprios das demandas trabalhistas dos trabalhadores rurais.

No Brasil, a Justiça do Trabalho comportava duas formas diferentes de dissídios, isto é, de disputas entre trabalhadores e empregadores. Os dissídios individuais, abertos por iniciativa de um ou mais trabalhadores e encaminhados às Juntas de Conciliação e Julgamento; e os dissídios coletivos, que poderiam se originar por iniciativa dos sindicatos de trabalhadores ou patronais, no âmbito das negociações coletivas, bem como pela promotoria do trabalho, em caso de greves, sendo que a instância julgadora dos dissídios coletivos era a dos Tribunais Regionais do Trabalho (TRTs)19.

Nas pesquisas que se utilizam das fontes processuais trabalhistas, os dissídios coletivos têm recebido atenção especial quando se trata de relacionar a organização e a luta da classe trabalhadora – greves, campanhas salariais, criação de entidades representativas – à sua atuação na arena judicial. No trabalho de Fernando Teixeira da Silva, a análise dos dissídios coletivos ajuizados no TRT da 2ª Região (São Paulo) entre janeiro de 1964 e março de 1964 permitiu que o autor demonstrasse a complementaridade entre a organização e luta direta dos trabalhadores com o recurso à Justiça, questionando a ideia de que a mediação judicial impedia os conflitos de classe e a organização autônoma dos trabalhadores. Demonstrou-se ainda que, geralmente, os dissídios mediados pela Justiça garantiam aos trabalhadores ganhos maiores do que os acordos obtidos em negociação direta com as entidades patronais20.

Já Larissa Corrêa tomou a “Greve dos 300 mil”21 como ponto importante na consolidação de um novo momento do sindicalismo paulista, de onde a autora parte para compreender as relações entre trabalhadores, sindicatos, patrões e Justiça. A autora se vale em sua pesquisa tanto de dissídios coletivos como das reclamatórias individuais, chamadas então de “pequenas questões” pelo empresariado. A abordagem dada a essas ações individuais foi qualitativa, buscando compreender a atuação dos trabalhadores diante dos ritos processuais,

19 SILVA, 2016.

20 SILVA, Fernando Teixeira da. Trabalhadores no tribunal: conflitos e Justiça do Trabalho em São Paulo no

contexto do Golpe de 1964. São Paulo: Alameda, 2016.

21 Marco importante para o movimento operário da cidade de São Paulo, a paralisação durou 27 dias no início de

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os significados que os sujeitos atribuíam aos resultados, e as situações recorrentes que geravam reclamatórias na Justiça22:

Em um primeiro momento, procurei destacar a importância do rito processual e das etapas burocráticas da JT, visando compreender o papel dos tribunais como intermediário das negociações entre patrões e empregados. Além de retratar os conflitos travados no chão de fábrica, os autos permitiram conhecer as estratégias utilizadas nas negociações e os diferentes significados atribuídos por patrões e empregados a respeito do ato da “conciliação”. O conjunto de acórdãos, petições e atas de audiências, realizadas nos tribunais trabalhistas, possibilitou observar as ações que se repetiam e as peculiaridades presentes nos procedimentos judiciais.23

Um trabalho que abordou de forma bastante original as fontes trabalhistas foi o de Edinaldo Souza24. O aspecto que mais nos chamou atenção em seu trabalho foi a busca por indícios, nos autos trabalhistas, dos conflitos, negociações e contestações ocorridos no local de trabalho ou fora do tribunal. Motivando muitas das ações abordadas por Souza estavam atos que demonstravam a presença de tensões nas relações trabalhistas: atitudes entendidas como ofensas, ameaças, desobediências, agressões, mudanças de rotina que ofendiam direitos costumeiros, e assim por diante25. O autor evidencia

o universo de tensões, conflitos e negociações que permeavam as disputas jurídicas entre patrões e empregados. Faço um mapeamento dos motivos das reclamações, dos principais reclamados e das circunstâncias em que elas eram abertas. Discuto a relação entre a ação direta e o encaminhamento jurídico da questão trabalhista. Por fim, tento analisar as disputas jurídicas envolvendo trabalhadores, patrões, advogados e magistrados e as tensões provocadas pelas diferentes interpretações que estes conferiam à legislação trabalhista.26

Encontramos algumas dificuldades para pesquisar o acervo do TRT-12: o fato de ainda não haver uma catalogação das ações da JCJ de Lages me obrigou a vasculhar mais de 100 caixas de arquivo, que guardam alguns milhares de documentos. Foram necessárias algumas tentativas e recomeços até conseguir estabelecer os critérios para que um documento

22 CORRÊA, Larissa Rosa. Trabalhadores têxteis e metalúrgicos a caminho da Justiça do Trabalho: leis e

direitos na cidade de São Paulo, 1953 a 1964. Dissertação (Mestrado em História). Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2007.

23 CORRÊA, 2007, p. 31.

24 SOUZA, Edinaldo Antonio Oliveira. Lei e Costume: Experiências de trabalhadores na Justiça do Trabalho

(Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). Dissertação (Mestrado em História). Universidade Federal da Bahia, Salvador-BA, 2008. Ver também o artigo: SOUZA, Edinaldo Antonio Oliveira. Bastidores da disputa trabalhista em comarcas do interior (Recôncavo Sul, Bahia, 1940-1960). História Social, no 14/15, 2008, p. 197-217. 25 SOUZA, 2008.

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fosse incorporado ao rol de fontes, em meio às informações lacunares fornecidas nas Petições Iniciais27. Se, por vezes, havia a indicação da profissão (“trabalhador/a ou empregado/a rural, lavrador, capataz”), em muitas situações dispunha apenas do indefinido “servente”, tendo que buscar em outras partes do processo – quando existentes – uma melhor definição. Também aconteceu de, após identificar por meio da leitura de um processo extenso que certo empregador desempenhava atividades rurais, ser necessário voltar a processos contra o mesmo que anteriormente eu não havia conseguido determinar as atividades dos trabalhadores.

Nesta pesquisa, são combinados dois métodos. É realizado um levantamento quantitativo de dados relativos aos trabalhadores, aos empregadores, ao ramo de atividade, às formas de pagamento, às parcelas peticionadas, à conclusão do processo em diferentes instâncias, etc. Tal levantamento quantitativo se refere aos anos entre 1977-79, reunindo informações de 404 processos movidos por trabalhadores rurais, nos quais figuram 678 trabalhadores e trabalhadoras. A partir desses dados, é possível observar quais atividades econômicas estavam na origem das reclamatórias e quais as circunstâncias em que as reclamatórias eram iniciadas; bem como caracterizar os trabalhadores e ainda visualizar os resultados obtidos na Justiça.

Outro método consiste em identificar, digitalizar e descrever as ações trabalhistas bastante ricas para compreender os conflitos trabalhistas. Tais fontes elucidam detalhes em relação ao cotidiano de trabalho, registram as falas dos trabalhadores e dos demais personagens, com suas noções acerca dos direitos e das relações de trabalho, bem como permitem acompanhar a apreciação da disputa pela Junta e pelos Tribunais do Trabalho. Indícios importantes podem ser encontrados nas atas de audiências, onde se regista o interrogatório das partes e de testemunhas; podemos ainda dispor documentos anexados ao processo, como declarações, fotografias, folhas de ponto, recibos de salário ou de armazém, e ainda os documentos produzidos pelos advogados (contestação da reclamatória, contrarrazões, razões finais) e pelos magistrados (sentenças, acórdãos). A crítica a que são submetidas estas fontes consiste no confronto entre as diferentes partes processuais, dando-se atenção às formas como diferentes vozes coincidem e divergem nesses documentos. É essencial compreender os pontos essenciais da disputa para poder considerar a intencionalidade de cada

27 Também chamada de Folha Inicial ou simplesmente Inicial: é a parte do processo em que o trabalhador,

geralmente por intermédio de um advogado, expõe sua reclamação à Junta. Costuma trazer a identificação do trabalhador, sua profissão declarada, o nome do empregador, o tempo de trabalho, o salário recebido, o número de horas da jornada diária, e as parcelas que julga ter direito.

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afirmação feita por partes, testemunhas ou declarações anexadas. Não é incomum, porém, que um depoente faça afirmações que não necessariamente contribua para seu sucesso (ou da parte que o arrolou como testemunha), ou até mesmo o prejudique.

O intuito mais geral é caracterizar a diversidade de experiências desses sujeitos que se identificaram ou foram identificados como trabalhadores rurais, as formas como direitos previstos em lei podiam ser negados a tais pessoas dependendo do tipo de relação de trabalho a que estavam sujeitas, as disputas e os obstáculos para terem suas demandas reconhecidas junto à Justiça e, ainda, a forma como os juízes e desembargadores se posicionaram em relação a algumas demandas bastante específicas. Aqui, entretanto, busco me valer de tal documentação como uma via de acesso às experiências concretas dos trabalhadores rurais28, fartamente documentadas durante os procedimentos de instrução das ações trabalhistas. A partir da análise de algumas ações trabalhistas, que se referem a modalidades de trabalho e atividades econômicas bastante diversas entre si, apontaremos as possibilidades para, a partir delas, compreender aspectos como rotinas de trabalho, solidariedade e antagonismos no local de trabalho, a experiência das famílias trabalhadoras e, ainda, as condições de moradia e alimentação dos trabalhadores.

Para além das fontes processuais, a pesquisa também se vale de fontes orais. Realizamos nove entrevistas em meados de 2019, nas cidades de Otacílio Costa, Lages e Itapema. Nelas, buscamos explorar temas que se faziam presentes nas reclamatórias trabalhistas, de modo a melhor compreendê-los e contextualizá-los, bem como perceber novas questões que não aparecem nos documentos escritos. Para trabalhar com tais fontes, levamos em conta as considerações de Alessandro Portelli: a característica da oralidade, com todas as suas marcas, cuja complexidade de sentidos não pode ser abarcada pela versão transcrita; a reelaboração da memória no tempo presente; a observação de que as fontes orais dizem mais acerca dos sentidos atribuídos pelo informante do que sobre os acontecimentos como tais29.

28 Sempre tendo em conta que as fontes históricas não podem ser tomadas como uma “janela” para o passado, e

que a produção de tais testemunhos estavam sujeitos a uma série de mediações capazes de enquadrar e moldar o que era relatado. É preciso considerar, por exemplo, a capacidade dos juízes de influenciar os relatos, por meio das perguntas que dirigem aos interrogados, a adaptação dos depoimentos conforme a conveniência para o sucesso na disputa trabalhista, a atuação dos advogados que “preparam” clientes e testemunhas e o desconforto dos trabalhadores ao comparecerem diante dos juízes, entre outros fatores. Ver: SETTI, Paulo Anselmo André.

Merecimento e Eficiência: A performance de trabalhadores, advogados e juízes na Justiça do Trabalho de

Campinas. Dissertação, Universidade Estadual de Campinas, Campinas, SP, 1995.

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1.2 ESTRUTURA DA DISSERTAÇÃO

O capítulo 1 da dissertação irá se debruçar sobre os diferentes aspectos institucionais que permitiram que os trabalhadores ajuizassem as reclamatórias trabalhistas, bem como que se produzissem as fontes documentais usadas na pesquisa. Revisamos a literatura recente acerca do papel das instituições do trabalhismo na conformação dos conflitos de classe no Brasil, buscando problematizar as relações de trabalho mediadas pela lei, os dilemas da atuação da Justiça do Trabalho, e a apropriação dos instrumentos legais pelos trabalhadores. Abordamos o processo de lutas sociais que levaram à criação de uma legislação trabalhista rural no início dos anos 1960, e exploramos detidamente o Estatuto do Trabalhador Rural no tocante às normas e direitos que previa. Mesmo não estando mais em vigência quando da tramitação da maioria das ações que nos serviram de fontes, consideramos legítimo abortar tal lei pela sua importância enquanto marco das conquistas dos trabalhadores rurais. O ETR teve vigência 1973, quando foi promulgada a Lei 5.889, também abordada nesse capítulo. Por último, tratamos sobre as leis trabalhistas, políticas para o meio rural e a atuação da Justiça do Trabalho no contexto da Ditadura Civil-Militar.

Nos capítulos 2 e 3, abordamos as experiências dos trabalhadores rurais da região do planalto serrano. Tendo como base as fontes processuais da Justiça do Trabalho, tratamos das atividades econômicas em que tais trabalhadores atuavam, as diferentes modalidades de trabalho presentes na região e suas consequências na relação entre patrões e trabalhadores, bem como aspectos da vida cotidiana – atividades desenvolvidas pelos trabalhadores e as condições em que atuavam, a moradia e alimentação, o deslocamento ao trabalho, o pagamento, entre outros. Tais experiências não poderiam ser compreendidas sem remontar ao processo histórico mais geral e às especificidades da região do planalto. Assim, a compreensão do nível micro – o das experiências individuais de certos trabalhadores – remete às linhas de força mais gerais, das mudanças econômicas e sociais em curso no período. Estas, no entanto, têm sua compreensão modificada pela observação em escala reduzida, sendo, portanto, reelaboradas. Para fins de explicação e exposição, compartimentamos as experiências dos trabalhadores rurais em algumas categorias: trabalhadores em fazendas e “ajudantes”; trabalhadoras “avulsas” nas lavouras comerciais; trabalhadores em atividades florestais. As três primeiras categorias são pensadas no Capítulo 2, e a última no Capítulo 3.

No capítulo 4, nos concentramos sobre as disputas trabalhistas travadas na JCJ de Lages. Abordamos quatro diferentes padrões de disputas trabalhistas envolvendo

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trabalhadores rurais, cada uma delas versando sobre diferentes relações de trabalho e tendo como centro diferentes formas de deslegitimar as pretensões do trabalhador pela negação da relação de emprego. No decorrer da pesquisa, foi possível perceber que, nas disputas judiciais envolvendo tais trabalhadores, a contestação total da reclamatória pela negação do vínculo empregatício era muito mais comum do que a contestação de parcelas específicas. Procuramos dissecar tais disputas por meio dos documentos criados pelos assim chamados operadores do direito: petições, contestação e razões finais, produzidas pelos advogados; sentenças e acórdãos, dos juízes e desembargadores. Testamos a hipótese de que haveria uma influência circular recíproca entre os procuradores das partes, de um lado, e os juízes da Junta, de outro. Dessa forma, os juízes conduzem os interrogatórios nos termos estabelecidos pelos advogados na Petição Inicial e, especialmente, na Contestação; por outro lado, as Sentenças já proferidas pela Junta influenciariam a atuação das partes.

O último capítulo procura pensar sobre as consequências e significados que as disputas trabalhistas ocorridas na JCJ de Lages tiveram para os trabalhadores litigantes em termos individuais e coletivos, bem como sua influência nas relações de trabalho presentes na região. Considerando a complexidade dos processos pelos quais se dá a formação da classe trabalhadora, bem como os resultados em aberto de tal processo, procuramos perceber os elementos de ação coletiva e classista que estiveram presentes nas reclamatórias trabalhistas abordadas em nossa pesquisa. Propomos que esse caráter coletivo e classista estaria presente na própria lógica da Justiça do Trabalho, que atua levando em conta a posição dos indivíduos litigantes nas relações de produção (trabalhador x patrão). Ao mesmo tempo, apontamos tais elementos no discurso de trabalhadores e empregadores, na arregimentação de testemunhas e na proposição de ações trabalhistas coletivas.

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2 LEI, DIREITO E TRABALHO RURAL

2.1 JUSTIÇA DO TRABALHO E LEI TRABALHISTA

A Junta de Conciliação e Julgamento de Lages foi criada pela Lei No 4.537, de 9 de dezembro de 1964. A referida lei criava oito novas Juntas na 4ª Região da Justiça do Trabalho, com sede em Porto Alegre: seis delas no Rio Grande do Sul, e duas em Santa Catarina, sediadas em Lages e Tubarão. Ficavam criados, pela mesma lei, “8 (oito) cargos de Juiz do Trabalho, Presidente da Junta de Conciliação e Julgamento; 16 (dezesseis) funções de Vogal, sendo 8 (oito) para a representação de empregados e 8 (oito) para a de empregadores”30. A partir de 1958, o TRT 4 obteve uma significativa expansão, especialmente em direção aos municípios do interior. Buscava-se, dessa forma, facilitar o acesso dos trabalhadores por meio de uma maior proximidade territorial, uma vez que a Justiça do Trabalho ainda estava muito limitada às capitais dos Estados31.

No dia 16 de Outubro de 1965, a primeira página do jornal Correio Lageano deu grande destaque a um acontecimento que ocorreria naquele dia: “Será instalada hoje a Junta de Conciliação e Julgamento de Lages”32. A matéria, que ocupa toda a coluna esquerda da página, aparece ao lado de outras notícias que, curiosamente, também se valem do tempo futuro: a futura visita do “Sr. Luiz Carlos Rodrigues”, diretor de publicidade de uma companhia de cigarros; "Emenda permitirá reeleição de Castelo Branco”, e ainda “Debutantes Lageanas em Farroupilha, Rio Grande do Sul”. A notícia que vinha logo abaixo do cabeçalho do jornal, “Povo de Otacílio Costa homenageará o novo Prefeito de Lages”, comunicava que ainda naquele dia, às 12 horas, o novo prefeito de Lages iria receber “inequívocas demonstrações de carinho e de apreço por parte do bravo povo de Otacílio Costa, por ocasião

30 BRASIL. Lei Nº 4.537, de 9 de dezembro de 1964.Cria Juntas de Conciliação e Julgamento na 4ª Região da

Justiça do Trabalho e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 09/12/1964. Disponível em <http://legis.senado.gov.br/legislacao/ListaTextoIntegral.action?id=89626&norma=115328>. Acesso em 11/06/2017.

31 DROPPA, Alisson. Direitos trabalhistas: legislação, Justiça do Trabalho e trabalhadores no Rio Grande do

Sul (1958-1964). 2015. Tese (Doutorado em História Social) – Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Estadual de Campinas, Campinas-SP, 2015. p. 171-179. Disponível em <http://repositorio.unicamp.br/bitstream/REPOSIP/281141/1/Droppa%2C%20Alisson_D.pdf>. Acesso em 15/06/2017.

32 CORREIO LAGEANO. no 98, 16 de Outubro de 1965. Pág. 1. Disponível em

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br/correiolageano/1965/ED98_18_10_1965_ANO25.pdf>. Acesso em 14/06/2019.

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de um grandioso churrasco”33. O jornal, adaptado ao novo período da história do país, dava grande destaque em suas páginas à divulgação de eventos e fatos relativos à alta sociedade local, entremeados com notícias sobre novos negócios que eram abertos na cidade e alguns atos governamentais.

Ao longo da notícia sobre a Junta de Conciliação e Julgamento, fica informado que a mesma já se encontrava em funcionamento, e que naquele dia se daria a instalação oficial, com a presença do Presidente do TRT da 4.a Região, o Desembargador Carlos Alberto Barata e Silva, e dos Juízes Presidentes das Juntas de Criciúma, Florianópolis, Itajaí, Blumenau, Joinville e Vacaria. No evento social da noite anterior, “no Grande Hotel Lages”, o Desembargador declarou ao Correio Lageano as intenções da criação da Junta:

Contudo, não poderia [me] furtar a uma afirmação: a instalação da Junta de Conciliação e Julgamento desta cidade deve ser interpretada como a inauguração de uma era de paz social entre empregados e empregadores, entre capital e trabalho e nunca como um estímulo a dissenções e desavenças entre aqueles dois fatores da produção. Não se entenda que facilitar ao empregado a busca de seus direitos, consagrados em lei, possa ser considerado como um estímulo a dissensos. A função da Justiça do Trabalho é eminentemente conciliadora e consequentemente de paz34.

O Juiz Presidente da Junta, Antonio Cezar P. Viana, expressou preocupação semelhante:

Inicialmente, quero manifestar minha satisfação em vir presidir a Junta de Conciliação e Julgamento dessa próspera cidade. Tenho certeza que o nóvel órgão do Judiciário haverá de satisfazer plenamente seus elevados fins, que, em última análise, dizem respeito ao perfeito entendimento e equilíbrio das classes empresariais e obreiras desta comuna35.

Ao afirmar o caráter conciliador da Justiça do Trabalho, que por meio do equilíbrio e entendimento entre patrões e empregados, resultaria em uma “era de paz social”, os dois magistrados reiteram um discurso presente desde a criação da instituição. Afirmação semelhante havia sido proferida pelo Ministro do Trabalho Valdemar Falcão, em 1941, por ocasião da instalação da Justiça do Trabalho, ecoando o Decreto-Lei 1.237 de 1939, que

33 CORREIO LAGEANO. No 98, 16 de Outubro de 1965. Pág. 1. Disponível em

<http://hemeroteca.ciasc.sc.gov.br/correiolageano/1965/ED98_18_10_1965_ANO25.pdf>. Acesso em 14/06/2019.

34 CORREIO LAGEANO. Será instalada hoje a Junta de Conciliação e Julgamento de Lages. No 98, 16 de

Outubro de 1965. Pág. 1.

35 CORREIO LAGEANO. Será instalada hoje a Junta de Conciliação e Julgamento de Lages. N.o 98, 16 de

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previa a obrigatoriedade de se buscar a conciliação antes de se arbitrar os conflitos, garantindo ainda que a qualquer momento do processo, e mesmo após o julgamento, as partes poderiam firmar um acordo36.

A ênfase nesse aspecto pelo Presidente do TRT 4 e pelo Juiz Presidente da JCJ de Lages servia ainda como resposta a possíveis apreensões entre as “classes empresariais” da região, que poderiam ver na instalação da Junta um “estímulo a dissensos”. É bem verdade que antes da criação da Junta os conflitos trabalhistas poderiam ser julgados pelo Juiz de Direito37, mas a instalação de uma instância própria voltada a resolver tais conflitos poderia ser vista como uma ruptura em relação ao período anterior. A Justiça do Trabalho contava com um cerimonial próprio, muito mais simples e informal que a Justiça Comum, além de prezar pelos princípios da oralidade e da gratuidade, visando facilitar o acesso e a representação dos trabalhadores38. Por outro lado, as pesquisas disponíveis acerca do julgamento de demandas trabalhistas na Justiça Comum mostram que os juízes nem sempre acolhiam tais reclamações, não eram versados no Direito do Trabalho e ainda tinham uma atuação mais morosa. Em relação aos trabalhadores rurais, não reconheciam como legítimas suas demandas, mesmo quando estavam em causa direitos garantidos pela CLT (antes da promulgação do Estatuto do Trabalhador Rural)39. E, se o objetivo da criação de uma Junta de Conciliação e Julgamento em Lages era de apenas possibilitar aos empregados “a busca de seus direitos consagrados em lei”40, a efetivação desses direitos poderia não ser – e veremos que, de fato, não era – uma questão pacífica.

Nos últimos anos, a Justiça do Trabalho vem se tornando um tema cada vez mais presente na produção da História do Trabalho no Brasil. As problemáticas relacionadas aos direitos sociais e trabalhistas e a recorrência dos trabalhadores à Justiça e, ainda, o uso das fontes oriundas desses dissídios individuais e coletivos, têm sido a tônica de uma quantidade expressiva de monografias, artigos e comunicações41. Tomando a atuação da Justiça do

36 SOUZA, Edinaldo Antônio Oliveira. Bastidores da disputa trabalhista em comarcas do interior (Recôncavo

Sul, BA, 1940-1960). História Social. No 14/15, 2008, p. 197-217. A citação ao Ministro do Trabalho se

encontra na p. 198.

37 Art. 5.o do DECRETO-LEI Nº 1.237, DE 2 DE MAIO DE 1939. Disponível em

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/1937-1946/Del1237.htm>. Acesso em 18/06/2019.

38 GOMES, Ângela de Castro; SILVA, Fernando Teixeira da. Os direitos sociais e humanos dos trabalhadores no

Brasil: A título de apresentação. In:______ (Org.). A Justiça do Trabalho e sua História: os direitos dos trabalhadores no Brasil. Campinas: Editora da Unicamp, 2013.

39 SILVA, 2016, p. 227.

40 CORREIO LAGEANO, op. cit., p. 1.

41 A título de exemplo, cito alguns dados do V Seminário Internacional Mundos do Trabalho, da ANPUH,

realizado em Porto Alegre em Setembro de 2018. Ali, essa temática se fez presente em uma mesa redonda (intitulada “Leis, direitos e reformas trabalhistas no Brasil e na América Latina”), em sessões de comunicação

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