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Uma análise quantitativa do corpus de bebidas na tradução para o português do Brasil do conto ?The Dead? de James Joyce

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Emily Arcego

Uma análise quantitativa do corpus de bebidas na tradução para o português do Brasil do conto “The Dead” de James Joyce

Dissertação/Tese submetida ao Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução da Universidade Federal de Santa Catarina para a obtenção do título de Mestra em Estudos da Tradução.

Orientadora: Profa. Rosario Lázaro Igoa, Dra.

Florianópolis 2019

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ARCEGO, EMILY

Uma análise quantitativa do corpus de bebidas na tradução para o português do Brasil do conto “The Dead” de James Joyce / EMILY ARCEGO ; orientadora, Rosario Lázaro Igoa, 2019.

106 p.

Dissertação (mestrado) - Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós Graduação em Estudos da Tradução, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Estudos da Tradução. 2. James Joyce. 3.

Estrangeirização. 4. Culturema. 5. Domesticação. I. Igoa, Rosario Lázaro. II. Universidade Federal de Santa

Catarina. Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. III. Título.

Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

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Emily Arcego

Uma análise quantitativa do corpus de bebidas na tradução para o português do Brasil do conto “The Dead” de James Joyce

O presente trabalho em nível de mestrado foi avaliado e aprovado por banca examinadora composta pelos seguintes membros:

Profa. Dirce Waltrick do Amarante, Dra. Instituição Federal de Santa Catarina

Prof. Dr. Vitor Alevato do Amaral, Dr. Universidade Federal Fluminense

Certificamos que esta é a versão original e final do trabalho de conclusão que foi julgado adequado para obtenção do título de mestre em Estudos da Tradução

____________________________ Profa. Andréia Guerini, Dra.

Coordenadora do Programa

____________________________ Profa. Rosario Lázaro Igoa, Dra.

Orientadora

Florianópolis, 2019. Andreia Guerini:63897946904Assinado de forma digital por Andreia Guerini:63897946904

Dados: 2019.10.01 14:22:37 -03'00'

Andreia

Guerini:63897946904

Assinado de forma digital por Andreia Guerini:63897946904 Dados: 2019.10.01 14:23:33 -03'00'

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RESUMO

Esta pesquisa realizou um levantamento quantitativo do corpus linguístico de um vocabulário de bebidas presente no conto “The Dead”, de James Joyce. A escolha por este segmento ocorreu porque a bebida é um culturema (LUQUE NADAL, 2009) irlandês, ou seja, um elemento específico de uma cultura, e possui um valor comunicativo expressivo. Assim, quando fala-se da relação da bebida com a obra de Joyce, nota-se que este elemento permeia o cotidiano da sociedade dos Dublinenses e, muitas vezes, está presente até mesmo em metáforas ou expressões idiomáticas (ELLMANN, 1982). Entre os vocábulos que fizeram parte deste estudo estão: three-shilling tea, best bottled stout, refreshment, hop-bitters, ladies’

punch, lemonade, whisky, refreshment-room, port, dark sherry, bottles of stout and ale e

bottles of minerals. Uma vez que a primeira tradução do conto “The Dead” feita por Tristão

da Cunha em 1942 está incompleta, utilizou-se oito retraduções, para o português brasileiro feitas por: Hamilton Trevisan (1992), José Roberto Basto O’Shea (1993; 2012), Guilherme da Silva Braga (2012), Caetano Waldrigues Galindo (2013; 2018), Eduardo Marks de Marques (2014) e Tomaz Tadeu (2016). Assim, esta concepção de retradução foi embasada a partir da seguinte definição: “uma nova tradução, dentro de uma mesma língua, de um texto já traduzido completamente ou em parte” (GAMBIER, 1994, p. 413 apud AMARAL, 2019, p. 242) torna-se relevante, porque um culturema demanda estratégias tradutórias específicas e, através destas comparações, é possível perceber se houve mudanças ao longo do tempo, principalmente nas retraduções feitas pelos mesmos tradutores, ou seja, José Roberto Basto O’Shea (1993; 2012) e Caetano Waldrigues Galindo (2013; 2018). Portanto, através desta análise de corpus, buscou-se a comprovação do uso dos métodos tradutórios definidos por Venuti (1995), como “domesticação” e “estrangeirização”. Por fim, verificou-se que houve maior incidência de um processo de “tradução domesticadora” no corpus analisado.

Palavras-chave: James Joyce. Estudos da Tradução. Culturema. Domesticação.

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ABSTRACT

This research is framed within Linguistics, Literary, and, Translation Studies and it was carried out through quantitative research based on a drinking vocabulary: three-shilling tea, best bottled stout, refreshment, hop-bitters, ladies' punch, lemonade, whisky, refreshment-room, port, dark sherry, bottles of stout and ale and bottles of minerals. This corpus is present in James Joyce’s short story ‘The Dead’. Furthermore, this drinking vocabulary can be considered relevant because of its representation as a culturema (LUQUE NADAL, 2009) in the Irish culture, which is a specific element of a culture with a communicative expressive value and because of the role it plays in the Dubliner's lives and in James Joyce's books. The drinks are so important that sometimes they are also used as idioms and metaphors. (ELLMANN, 1982). The first time ‘The Dead’ was translated was in 1942 by Tristão da Cunha. Once this version is incomplete, it will not be part of this research. So, considering the retranslation concept 'Retranslation is a new translation into the same language, from a text already translated completely or in part' (GAMBIER, 1994, p. 413 apud AMARAL, 2019, p. 242), eight retranslations will be part of this research: Hamilton Trevisan (1992), José Roberto Basto O’Shea (1993; 2012), Guilherme da Silva Braga (2012), Caetano Waldrigues Galindo (2013; 2018) Eduardo Marks de Marques (2014) and Tomaz Tadeu (2016). Thus, the retranslations are very important in this analysis especially the ones that were translated by the same people in different times, like O’Shea (1993; 2012) and Galindo (2013; 2018). Throughout this perspective, they can be compared, verifying similarities and changes, especially, when it comes to a culturema and a peculiar element, which requires particular translation strategies. The methodology used in this research was based on Venuti's concept of ‘domestication’ and ´foreignization’. (VENUTI, 1995) Following this perspective, the quantitative corpus analysis pointed out if the translators have translated the drinking vocabulary as they have their names in Brazilian Portuguese ('domestication') or if they let the vocabulary as it is in Ireland ('foreignization'). Finally, the results showed that in most of the translations, the ‘domestication’ methodology was used.

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LISTA DE FIGURAS

Figura 1: Edição traduzida por Hamilton Trevisan (1964)... 45

Figura 2: Reedição de bolso traduzida por Hamilton Trevisan. ... 46

Figura 3: Retradução feita por José Roberto O’Shea (1993)... 47

Figura 4: Retradução feita por O’Shea (2012). ... 48

Figura 5: Edição do bolso retraduzida por Guilherme da Silva Braga, uma versão de bolso (2012). ... 49

Figura 6: Retraduzido por Caetano W. Galindo (2013). ... 50

Figura 7: Retraduzido por Caetano W. Galindo (2018). ... 51

Figura 8: Retraduzido por Eduardo Marks de Marques (2014). ... 52

Figura 9: Traduzido por Tomaz Tadeu (2016). ... 53

Figura 10: Three-shilling tea ... 65

Figura 11: Best bottled stout ... 67

Figura 12: Bottles of stout and ale. ... 68

Figura 13: Refreshment. ... 71

Figura 14: Refreshment ... 72

Figura 15: Hop-bitters ... 73

Figura 16: Ladies’ punch. ... 75

Figura 17: Port. ... 77

Figura 18: Lemonade ... 79

Figura 19: Bottles of minerals ... 80

Figura 20: Dark sherry ... 81

Figura 21: Refreshment-room ... 83

Figura 22: Domesticação x Estrangeirização ... 85

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LISTA DE QUADROS

Quadro 1: Three-shilling tea (JOYCE, 1996, p. 200) ... 64

Quadro 2: Best bottled stout (JOYCE, 1996, p. 200) ... 66

Quadro 3: Bottles of stout and ale (JOYCE, 1996, p. 225) ... 68

Quadro 4: Refreshment (JOYCE, 1996, p. 207) ... 70

Quadro 5: Hop-bitters (JOYCE, 1996, p. 208) ... 73

Quadro 6: Ladies’ punch (JOYCE, 1996, p. 208). ... 75

Quadro 7: Port (JOYCE, 1996 p. 225). ... 76

Quadro 8: Whisky (JOYCE, 1996, p. 208). ... 77

Quadro 9: Lemonade (JOYCE, 1996, p. 208). ... 78

Quadro 10: Bottles of minerals (JOYCE, 1996, p. 226). ... 80

Quadro 11: Dark sherry (JOYCE, 1996, p. 225) ... 81

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 11

1 CAPÍTULO I ... 16

1.1 A DUBLIM METICULOSA DE JAMES JOYCE ... 16

1.2 JAMES JOYCE E SUA RECEPÇÃO NO BRASIL ... 25

2 CAPÍTULO II ... 31

2.1 A DICOTOMIA TRADUTÓRIA E AS TENDÊNCIAS MERCADOLÓGICAS 31 2.2 (RE)TRADUZIR CULTUREMAS LITERÁRIOS ... 37

2.3 APLICAÇÃO DA TEORIA VENUTIANA EM OUTRAS PESQUISAS NO BRASIL ...39

2.4 CULTUREMAS ... 41

2.5 CONTEXTUALIZAÇÃO DAS RETRADUÇÕES DO CONTO “THE DEAD” 44 3 CAPÍTULO III ... 55

3.1 COMPETÊNCIA LINGUÍSTICA X ESCOLHAS TRADUTÓRIAS ... 55

3.2 OS TRADUTORES E A METODOLOGIA DE TRADUZIR ... 55

3.3 ANÁLISE DO CORPUS DAS RETRADUÇÕES ... 63

3.4 CONTABILIZANDO AS ESCOLHAS TRADUTÓRIAS ... 83

CONCLUSÃO ... 87

REFERÊNCIAS ... 90

ANEXO A – ENTREVISTA COM JOSÉ ROBERTO BASTO O’SHEA ... 94

ANEXO B – ENTREVISTA COM TOMAZ TADEU ... 100

ANEXO C – ENTREVISTA COM CAETANO W. GALINDO ... 103 ANEXO D – ENTREVISTA COM EDUARDO MARKS DE MARQUES . 105

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INTRODUÇÃO

Esta dissertação de mestrado está inserida no campo dos Estudos Linguísticos, Literários e da Tradução e objetiva-se analisar as bebidas presentes no conto “The Dead”, escrito por James Joyce. Assim, a partir da dicotomia tradutória teorizada por Lawrence Venuti (1995), vislumbra-se verificar se há um maior número de “domesticação” ou de “estrangeirização” deste corpus linguístico.

A escolha por James Joyce e por este segmento linguístico ocorreu após uma disciplina intensiva ministrada na Universidade Federal de Santa Catarina (Florianópolis), por Vitor Alevato do Amaral, no Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução. Ao longo deste curso, percebi que entre os elementos que compõem a obra joyciana estão as bebidas presentes nos quinze contos do livro Dubliners e, assim, me interessei por este corpus, porque, além de permear toda obra joyciana, elas denotam uma simbologia específica no cotidiano dos dublinenses. Portanto, a fim de fazer um recorte linguístico mais específico, resolvi trabalhar com o conto “The Dead”, já que em sua narrativa os personagens estão reunidos em uma festa e há uma maior incidência deste vocabulário. Nomeou-se assim este segmento linguístico de “culturemas”, visto que, de acordo com o conceito de Luque Nadal (2009), trata-se de um elemento específico de uma cultura, o qual possui um valor comunicativo expressivo.

Quanto à metodologia de análise, escolheu-se trabalhar com a teoria de Lawrence Venuti (1995), para verificar, de forma quantitativa, se há mais predominância de “domesticação” ou de “estrangeirização” dos seguintes “culturemas”: three-shilling tea, best

bottled stout, refreshment, hop-bitters, ladies’ punch, lemonade, whisky, refreshment-room,

port, dark sherry, bottles of stout and ale e bottles of minerals. Assim, a formação deste

corpus ocorreu a partir das retraduções do conto “The Dead” feitas por Hamilton Trevisan

(1992), José Roberto Basto O’Shea (1993; 2012), Guilherme da Silva Braga (2012), Caetano Waldrigues Galindo (2013; 2018), Eduardo Marks de Marques (2014) e Tomaz Tadeu (2016).

Com isso, dividiu-se esta dissertação em três partes. O Capítulo I, responsável por contextualizar o autor e a obra, está fragmentado em duas partes: “A Dublim meticulosa de James Joyce” e “James Joyce e sua recepção no Brasil”. Em “A Dublim meticulosa de James Joyce”, apresenta-se um panorama geral das obras joycianas, características presentes em suas obras e alguns recursos estilísticos relevantes para este campo de análise. Desta forma, localiza-se a temporariedade da prosa de James Joyce, que nos possibilita ver como o autor

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irlandês utiliza suas palavras e sua escrita para expor uma Irlanda peculiar, colocando em voga os problemas sociais por meio de anti-heróis que figuram em um contexto de opressão, provocado tanto pelo Estado quando pela igreja. Assim, enfatiza-se esta “paralisia social” cujos personagens têm dificuldade em abandonar a vida pacata e ficam presos a este contexto sem evolução. Nesta seção, contextualizam-se também as recusas recebidas por James Joyce ao tentar publicar seu livro Dubliners, já que os editores consideravam seus textos inapropriados, vulgares; e temiam também que as pessoas se reconhecessem a partir deste “espelho bem polido” (ELLMANN, 1982). Por fim, pontua-se durante este panorama literário o estilo, marcado por vanguardas realistas e modernistas (ATTRIDGE, 2004).

Ainda neste primeiro capítulo, na seção “James Joyce e sua recepção no Brasil”, expõe-se como a crítica aclamou as obras joycianas, tanto no mundo quanto no Brasil. A partir dessa perspectiva, buscou-se acentuar como surgiram as primeiras traduções para o português brasileiro, e como estas contribuíram para a difusão e o reconhecimento de James Joyce. Contemplam-se também as contribuições de Joyce para os movimentos vanguardistas, como “os poetas concretos”, e sua influência nos escritores brasileiros, como Guimarães Rosa, em Grande Sertão Veredas (1956). Destarte, nessas investigações, ficou nítido que a primeira vez que surgiram vestígios de tradução dessa obra foi por meio da tradução do conto “The Dead”, em fevereiro de 1942 na Revista do Brasil, justamente o conto escolhido para compor esta análise. Porém, não utilizou-se esta tradução na compilação do corpus, dado que não foi publicada na íntegra.

O segundo capítulo oferece continuidade à recepção da obra Dubliners bem como fundamenta as teorias que envolverão a análise dos dados. Assim, este segundo capítulo divide-se em cinco partes: “A dicotomia tradutória e as tendências mercadológicas”, “(Re)traduzir culturemas literários”, “Aplicação da teoria venutiana em outras pesquisas no Brasil”, “Culturemas” e “Contextualização das retraduções do conto ‘The Dead’”.

Em “A dicotomia tradutória e as tendências mercadológicas”, faz-se a historiografia da teorização de “domesticação” e de “estrangeirização” que, embora tenha sido discutida por Friedrich Schleiermacher, em 1813, foi popularizada por Lawrence Venuti, a partir de seu livro The Translator’s Invisibility: A History of Translation (1995), o qual aborda questões plausíveis sobre os Estudos da Tradução, como, por exemplo, os conceitos de “domesticação”, “estrangeirização”, “equivalência” e “resistência editorial”. Assim, além de definir a dicotomia venutiana, reflete-se sobre sua aplicabilidade no contexto mercadológico estadunidense. Ao passo que se expõem os conceitos, também levanta-se a hipótese de que

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uma teoria inserida em um determinado contexto pode não ter a mesma função em outro. Desta maneira, quando Venuti (1995) defende a “tradução estrangeirizadora” como um mecanismo de resistência editorial por causar estranheza e dar “visibilidade” ao tradutor, pergunta-se se realmente um tradutor pode ser totalmente “domesticador” ou “estrangeirizador”, ou, ainda, se pode haver uma mescla entre as duas metodologias durante o processo de tradução. A partir dessas indagações, reforça-se a importância desta pesquisa, já que o foco principal deste levantamento quantitativo é considerar o mercado editorial brasileiro e fazer inferências sobre seu funcionamento.

Na seção “(Re)traduzir culturemas literários”, comparam-se diferentes conceitos de retradução concebidos por estudiosos ao longo dos anos e pontua-se o conceito escolhido para fazer parte desta pequisa, ou seja, “uma nova tradução, dentro de uma mesma língua, de um texto já traduzido completamente ou em parte” (GAMBIER, 1994, p. 413 apud AMARAL, 2019, p. 242). A partir deste viés, torna-se pertinente esta definição de “retradução” para embasar a análise quantitativa e criar hipóteses sobre os motivos de retraduzir uma obra ou um conto. Além disso, será possível elencar as diferenças linguísticas nos processos tradutórios, principalmente no caso de O’Shea (1993; 2012) e Galindo (2013; 2018) que retraduziram o mesmo conto após um tempo.

Ainda no segundo capítulo, na seção “Aplicação da teoria venutiana em outras pesquisas no Brasil”, utiliza-se o estudo de Vanessa Hanes (2015) como exemplo de aplicabilidade, já que busca verificar se há “domesticação” ou “estrangeirização”, por meio de uma análise de corpus da tradução do discurso oral do inglês para o português brasileiro, nas obras de Agatha Christie. Assim, por meio desse cotejo entre os resultados desta pesquisa e os encontrados por Hanes (2015), será possível pontuar semelhanças e divergências entre os resultados, entendendo melhor como funciona a relação entre os processos de “domesticação” e de “estrangeirização” no mercado editorial brasileiro, já que a situação mercadológica brasileira não está contemplada diretamente na teoria venutiana que abrange apenas o contexto dos Estados Unidos.

Na seção “Culturemas”, define-se o respectivo conceito e justifica-se como ele está correlacionado com a representatividade das bebidas na cultura irlandesa. Destacam-se também as dificuldades que os tradutores podem ter ao traduzir um segmento linguístico com um valor expressivo em certo contexto, principalmente quando não possui a mesma simbologia em outra cultura. Assim, uma vez que traduzir é um ato ideológico, viabilizado por meio de escolhas, pergunta-se, então, se as bebidas que fazem parte desse corpus

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linguístico possuem, via de regra, a mesma expressão e simbologia no Brasil. A partir desse viés, prepara-se o leitor para os resultados obtidos por meio das análises quantitativas e da apresentação dos métodos tradutórios mais utilizados.

Por fim, a última seção do segundo capítulo, “Contextualização das traduções do conto ‘The Dead’”, abarca a historiografia da tradução de Dubliners e das obras que possuem o conto “The Dead” como volume único. Nesta seção, além de serem apresentados os tradutores e suas respectivas retraduções, destacam-se alguns aspectos paratextuais, ou seja, se é um livro de bolso, uma obra de colecionador ou uma antologia bilíngue. A fim de compreender melhor as estratégias editoriais, leva-se em conta se o nome do tradutor é apresentado ao público na capa do livro ou não.

O terceiro capítulo desta dissertação apresenta a análise quantitativa, e está dividido em três partes: “Competência linguística x escolhas tradutórias”, “Análise do corpus das retraduções” e “Contabilizando as escolhas tradutórias”. Em “Competência linguística x escolhas tradutórias”, apresentam-se os tradutores Hamilton Trevisan (1992), José Roberto Basto O’Shea (1993; 2012), Guilherme da Silva Braga (2012), Caetano Waldrigues Galindo (2013; 2018), Eduardo Marks de Marques (2014) e Tomaz Tadeu (2016). Além disso, a partir das respostas obtidas por meio de um questionário respondido por Tomaz Tadeu, O’Shea, Eduardo Marks de Marques e Caetano W. Galindo buscou-se fazer um cotejo sobre tradução, mercado editorial e metodologia tradutória.

Em “Análise do corpus das retraduções”, apresenta-se, por meio de quadros, a tradução de cada um dos culturemas relacionados às bebidas, e gráficos com as respectivas porcentagens para averiguar e quantificar as escolhas tradutórias entre os processos “domesticadores” e “estrangeirizadores” dos seguintes elementos: three-shilling tea, best

bottled stout, refreshment, hop-bitters, ladies’ punch, lemonade, whisky, refreshment-room,

port, dark sherry, bottles of stout and ale e bottles of minerals.

Na última parte do terceiro capítulo, “Contabilizando as escolhas tradutórias”, retomam-se aspectos relevantes que antecedem as conclusões propriamente ditas, por meio de um gráfico que ilustra a porcentagem total dos métodos tradutórios. Em seguida, faz-se um panorama geral das escolhas tradutórias de cada tradutor e, conclui-se a frequência dos métodos tradutórios “domesticação” e “estrangeirização”, descritos por Venuti (1995) por meio de um gráfico.

Finalmente, na “Conclusão”, apresentam-se especificamente os resultados encontrados por meio da análise de corpus dos culturemas relacionados às bebidas irlandesas,

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e pontuam-se questões pertinentes aos tradutores e às suas escolhas tradutórias. Ademais, faz-se um cotejo dos resultados quantitativos obtidos nesta pesquisa com os resultados apontados por Hanes (2015), levantando-se questionamentos que poderão servir de base para estudos futuros.

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1 CAPÍTULO I

Uma vez que o objetivo central desta dissertação de mestrado é fazer uma análise linguística do corpus de bebida presente no conto “The Dead” (1996), escrito por James Joyce, este capítulo busca analisar questões relacionadas à vida do autor, à Irlanda e à obra

Dubliners.

Para isso, faremos um breve cotejo historiográfico que, além de explanar a obra objeto desta análise, abrange também a influência de James Joyce em movimentos literários, a inovação presente em sua escrita e a recepção de sua obra no Brasil. Neste primeiro momento, também será apresentada a crítica presente em Dubliners, além dos aspectos intrínsecos ao estilo joyciano e as características peculiares da escrita do autor.

1.1 A DUBLIM METICULOSA DE JAMES JOYCE

Dubliners (1914) foi a segunda obra escrita por James Joyce e trata-se de um livro

com quinze contos. Embora esta dissertação busque analisar especificamente apenas um único conto da obra, “The Dead”, torna-se pertinente entender o processo de escrita e publicação da obra completa.

Esta compilação de contos descreve a sociedade da capital irlandesa na primeira década do século XX, quando a Irlanda ainda era colônia do Império Britânico. Por meio dos contos, pode-se observar que a Igreja Católica Romana tinha um grande impacto em aspectos sociais, políticos e também religiosos. Joyce traz para seu texto peculiaridades da vida na Irlanda, expondo pontos de vista e atitudes vivenciadas em Dublim por meio de um “espelho bem polido”, para que o povo visse a si mesmo e refletisse sobre sua situação de modo mais crítico, a fim de haver uma revolução política ou religiosa (JOYCE, 1906 apud ELLMANN, 1982, p. 222).

Portanto, Joyce acreditava ser a pessoa certa para revolucionar o curso social dos dublinenses. Porém, sua escrita não era “transparente”, ou seja, ele utilizava artifícios para que, ao mesmo tempo em que os irlandeses tivessem uma boa imagem de si mesmos, pudessem notar críticas contidas nas obras (BULSON, 2006, p. 33).

Assim, a escrita joyciana não fala com eloquência da vida de Dublim, mas principalmente demonstra, por meio de uma visão crítica, um contexto de heróis deturpados.

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Richard Ellman (1982, p. 6), ao compor a biografia de James Joyce, descreve o povo de Dublim como “anti-heróis”, ou seja, Joyce apresenta uma realidade composta por bêbados, galanteadores, com problemas sociais escancarados.

Joyce é o porco-espinho dos autores. Seus heróis são rancorosos – o jovem impossível, o adulto passivo, o barba-grisalha tomando uísque. É difícil gostar deles, mais difícil ainda é admirá-los. Joyce prefere assim. A simpatia inequívoca levaria a um resultado romanceado. Ele desnuda o homem que costumamos respeitar, então nos convoca a simpatizar com esse “processo”. Tanto para Joyce quanto para Sócrates, entender é uma luta, melhor ainda quando humilhante. Podemos nos aproximar dele escalando os obstáculos de nossas pretensões, mas, ao fazermos isso, ele novamente desafia a nossa proeza com a linguagem difícil. Exige que nos adaptemos tanto na forma como no conteúdo ao seu novo ponto de vista. Seus heróis não são fáceis de gostar, seus livros não são fáceis de ler. Ele não deseja nos conquistar, mas nos força a conquistá-lo (ELLMANN, 1982, p. 6; tradução minha).1

Por meio das palavras de Ellman (1982), é possível sentir a Irlanda caótica exposta por Joyce que em nada busca moldar seus heróis para agradar ao público. Além disso, Steven Connor (1996, p. 10), ao destacar a estrutura de Dubliners, explicita que a obra mais notória do escritor irlandês possui uma sequência orgânica, ou seja, segue o padrão de crescimento e evolução do ser humano, sendo composta pela infância, adolescência e, posteriormente, pela fase adulta. Desta forma, a partir da posição de Connor, infere-se que Joyce buscou compilar uma biografia colecionada na qual a população parece estar submetida a uma espécie de paralisia em seus aspectos espirituais, morais ou físicos. “Todos em Dublim parecem presos em uma interminável teia de desespero. Mesmo quando querem fugir, os Dublinenses de Joyce não conseguem” (BULSON, 2006, p. 33; tradução minha).2

Os motivos pelos quais tal sociedade não se liberta estão relacionados às duas maiores influências daquele período, a Igreja e o Estado. Alguns habitantes da capital irlandesa estão submetidos a um círculo vicioso, relacionado à pobreza e à ignorância. Por

1 Joyce is the porcupine of authors. His heroes are grudged heroes - the impossible young man, the passive

adult, the whiskey- drinking graybeard. It is hard to like them, harder to admire them. Joyce prefers it so. Unequivocal sympathy would be romancing. His denudes man of what we are accustomed to respect, then summons us to sympathize. For Joyce, as for Socrates, understanding is a struggle, best when humiliating. We can move closer to him by climbing over the obstacles of our pretensions, but as we do so he tasks our prowess again by his difficult language. He requires that we adapt ourselves in form as well as in contents to his new point of view. His heroes are not easy liking, his books are not easy reading. He does not wish to conquer us, but to have us conquer him.

2 Everyone in Dublin seems to be caught up in an endless web of despair. Even when they want to escape,

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isso, pode-se dizer que uma característica veemente é o desejo de fuga, no entanto, nunca executada pelos anti-heróis, como é o caso da personagem Eveline do conto homônimo. Por meio da narrativa, nota-se que Eveline tem a oportunidade de sair de sua vida pacata, sem perspectiva e submersa em uma relação abusiva com seu pai, para recomeçar uma vida em Buenos Aires, fugindo de Dublim com seu namorado marinheiro. Por mais que esse novo estilo de vida possa ser incerto e duvidoso, a jovem prepara-se para a partida, mas, quando chega o momento de agir e dar um novo rumo à sua vida, ela resolve ficar. Então, fica explícita a passividade da personagem perante a situação, tanto que ela não reage quando Frank, seu namorado, chama-a para fugir. Joyce finaliza o conto escrevendo que: “Ela mostrou para ele seu rosto pálido, passivo, como um animal indefeso. Seus olhos não lhe deram nenhum sinal de amor, despedida ou reconhecimento” (JOYCE, p. 40, tradução minha).3

Por tais características, pode-se afirmar que a obra Dubliners possui um alto teor de realismo, e foi justamente esse aspecto que impactou os editores bem como dificultou a publicação do livro. Amaral (2013, p. 138), relembra o trabalho árduo de Joyce com os manuscritos, e afirma que “Seu texto só é como tal porque Joyce podia tê-lo nas mãos ao escrever e revisar”. Porém, apesar do trabalho minucioso e detalhista de Joyce, a obra levou dez anos para ser publicada devido à resistência editorial, ou seja, seu processo de criação iniciou em 1904 e foi publicada somente em 1914.

A pré-história de um livro como Dubliners mostra que sua elaboração está emaranhada em fatos da biografia de Joyce, como a árdua negociação com editores, as inúmeras recusas e o enfrentamento da forte moral irlandesa de base católica. Falar no livro é falar nisto tudo: no pré-texto, no texto, no contexto (AMARAL, 2013, p. 138).

É interessante pontuar que a maioria da crítica editorial dizia respeito a uma sociedade caricaturada por meio da obra, baseada em um contexto real e com personalidades consolidadas. Por isso, os editores temiam o reconhecimento dos personagens ali presentes e os problemas que isso poderia gerar, já que Joyce chegou ao extremo, expondo até mesmo alguns nomes reais em seus personagens. De acordo com Ellmann (1982), são muitos os traços autobiográficos do autor e do contexto, como quando, em uma das visitas à Irlanda, Joyce encontra o amigo Oliver Gogarty, que implora à Joyce para não ser incluído como um

3 “She set her white face to him, passive, like a helpless animal. Her eyes gave him no sign of love or

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de seus personagens em suas obras, porém Joyce não se compromete e afirma que, se ele for incluído, será de forma “artística”. A partir dessas considerações, é possível verificar que a fama de Joyce e de seus personagens caricatos espalhava-se em Dublim.

Outra anedota envolvendo a divulgação das obras de Joyce deu-se com um dos únicos resenhistas das obras joycianas na Irlanda, quando Joyce ainda estava engatinhando na carreira de escritor: Kettle, ex-colega de James Joyce na faculdade. Kettle também considerou a obra inapropriada, valendo-se dos argumentos de que conhecia “tal sujeito” mencionado e, além disso, que um dos contos possuía um teor perverso. Nessa situação, Joyce havia buscado ajuda de Kettle porque estava com dificuldades para publicar seu primeiro livro, porém a ajuda não veio (ELLMANN, 1982, p. 51). No entanto, por mais que as críticas fossem muitas, Joyce manteve-se firme em sua escrita e não solidificou ou suavizou o conteúdo textual (AMARAL, 2013, p. 155).

Portanto, para entender melhor a composição da primeira obra de James Joyce, é necessário revisitar seu processo de escrita. Garry Leonard (2004, p. 87) menciona o primeiro contato do público leitor com a escrita joyciana, que ocorre a partir do convite de Russel, um homem mais velho que fazia parte do conselho editorial do jornal agrícola Irish Homestead. Primeiramente, o editor encomendou textos simples, cujos temas estivessem relacionados ao estilo de vida rural e que não chocassem os leitores. No entanto, é necessário destacar que, embora Russell solicitasse uma escrita singela, ele e Joyce estavam cientes do contexto da Irlanda. Então, o primeiro conto, “The Sisters”, foi escrito em meados de 1904 e publicado no periódico semanal em 13 de agosto do mesmo ano. Porém, a versão publicada posteriormente na coletânea de contos intitulada Dubliners diferenciava-se da primeira versão. Por isso, reafirma-se ainda mais o olhar detalhista e meticuloso do escritor irlandês, que buscava aprimorar o grau de literariedade de suas obras. Além disso, a partir da primeira publicação, o conto foi revisado pela primeira vez em junho de 1905, reescrito em 1906 e revisado pela segunda vez em abril de 1909.

O relacionamento com a Grã-Bretanha imperial estava lentamente se desenvolvendo e, com isso, a urgência para a Irlanda entender-se e ver-se como país. Mesmo que isso significasse reviver a língua gaélica, ou o esporte gaélico, ou coletar e publicar qualquer coisa que poderia ser encontrado da mitologia irlandesa. O próprio Irish Homestead pretendia apelar aos produtores de leite (um anúncio de uma máquina de ordenha elétrica compartilhava a página com a primeira versão de Joyce de “The Sisters”), daí as instruções específicas de Russell a Joyce quando se referia a uma história “rural”. Como Katherine Mullin apontou, a maioria das histórias em Irish Homestead exaltava a virtude do

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campo irlandês e sua presumida capacidade de fornecer todo o conforto material e espiritual que qualquer homem ou mulher da Irlanda poderia exigir (LEONARD, 2004, p. 93; tradução minha).4

Após a veiculação do primeiro conto, veio a encomenda do segundo. Dessa vez, James Joyce escreveu e publicou “Eveline”, no mesmo periódico, Irish Homestead, em 10 de setembro de 1904. Sucessivamente, o terceiro conto, “After the Race”, é publicado em 17 de dezembro de 1904. Posteriormente à publicação dos contos, Joyce perpetua seu trabalho em casa, na composição de mais doze contos e inúmeras correções, tanto dos publicados quanto dos inéditos.

É inquestionável a qualidade e os artifícios utilizados por Joyce em seu processo de escrita e composição literária. Attridge (2004, p. 1), ao comentar sobre a influência do escritor irlandês e seu legado, descreve a paródia e o pastiche como características de suas obras. Ao mesmo tempo em que esses elementos estão presentes em outros meios, como nas músicas, na televisão e no rádio, denota-se sua importância na obra joyciana para caracterizar ainda mais os dublinenses.

Mesmo aqueles que leem muito pouco romance encontram os efeitos da revolução de Joyce toda semana, senão todos os dias, como por exemplo na televisão e no vídeo, no cinema, na música popular e na publicidade, todos marcados como gêneros modernos pelo uso de técnicas joycianas de paródia e pastiche, autorreferencialidade, narrativa aberta e múltiplos pontos de vista. Sem contar que a explicitação sem precedentes com que Joyce introduziu os detalhes triviais da vida cotidiana no campo da arte abriu um novo e rico território para escritores, pintores e cineastas, ao mesmo tempo em que revelou as frutíferas contradições do próprio âmago realista (ATTRIGDE, 2004, p. 1; tradução minha).5

4 The relationship with Imperial Britain was slowly devolving, and with it came an increasing urgency for

Ireland to understand itself as Irish, whether that meant reviving the Gaelic language, or Gaelic sport, or collecting and publishing whatever could be found of Irish mythology. The Irish Homestead itself, the journal Russell drew Joyce’s attention to, was intended to appeal to dairy farmers (an ad for an electric milking machine shares the page with Joyce’s first version of ‘The Sisters’), hence Russell’s specific instructions to Joyce that the story be ‘rural’. As Katherine Mullin has pointed out, most of the stories in The Irish Homestead extolled the virtue of the Irish countryside and its presumed ability to supply all the material and spiritual solace any man or woman of Ireland might require.

5 Even those who read very few novels encounter the effects of Joyce's revolution every week, if not every

day, in television and video, film, popular music, and advertising all of which are marked as modern genres by the use of Joycean techniques of parody and pastiche , self-referentiality, open-ended narrative and multiple point of view. And the unprecedented explicitness with which Joyce introduced the trivial details of ordinary life into the realm of art opened up a rich new territory for writers, painters, and film-makers, while at the same time it revealed the fruitful contradictions at the heart of the realist enterprise itself.

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Quando se fala em detalhes triviais, esta pesquisa, então, direciona-se a hábitos presentes no cotidiano dos dublinenses relacionados à hospitalidade e às bebidas. Nos contos de Dubliners, encontram-se os diálogos regados a chás, cervejas, vinhos, entre outras. Além disso, fica nítido que, independentemente da ocasião, a bebida é uma característica cultural relevante, seja para celebrar, seja para enfrentar momentos difíceis. Outro motivo para a escolha desse corpus linguístico é que as bebidas não apenas estão inseridas na Irlanda descrita por James Joyce, mas representam um traço marcante irlandês, ou seja, estão presentes em expressões e simbologias dentro desta cultura. A partir deste viés, é possível notar que há expressões para insinuar ou descrever um determinado personagem ou uma situação, como nos exemplos a seguir: “As I did so I met the gaze of a pair of bottle-green eyes peering at me from under a twitching forehead” (JOYCE, 1996, p. 23); “She decided to go out herself for a quarter of a pound of a tea” (JOYCE, 1996, p. 87); “He had a hanging face, dark wine-coloured, with fair eyebrows and moustache” (JOYCE, 1996, p. 92); “The Little window that looked into the bar with his inflamed face, the color of dark wine or dark meat” (JOYCE, 1996, p. 95) e “He was a stout gentlemen” (JOYCE, 1996, p. 111).

Além disso, pode-se inferir também que os recursos estilísticos utilizados pelo autor de Dubliners, como vários pontos de vista, narrativa aberta e aspectos sociais da vida cotidiana, permitem-nos fazer inúmeras leituras, compreendendo os contos por diversos pontos de vista. Portanto, assim como afirma Attridge (2004, p. 2; tradução minha), “Os textos de Joyce mudam à medida que mudam nossos próprios ambientes culturais, o que é uma das razões de sua inesgotabilidade”.6 Por isso, é possível trabalhar com a literatura

joyciana em diferentes níveis, criando novas interpretações. Assim, o jogo de palavras de Joyce permite que o leitor interaja, brinque com sua arte, possiblitando uma literatura de deleite.

Ler um texto de Joyce pode ser comparado a tocar uma peça musical – isso pode ser feito rapidamente, pulando passagens opacas ou repetitivas para ganhar um sentido dos padrões e desenvolvimentos mais longos, ou lentamente, saboreando as palavras, intrigando os enigmas, seguindo as referências cruzadas (ATTRIDGE, 2004, p. 3; tradução minha).7

6 Joyce's texts change as our own cultural surroundings change, which is one reason for their

inexhaustibility.

7 Reading a text of Joyce's can be compared to playing a piece of music - it can be done rapidly, skipping

over opaque or repetitious passages to gain a sence of the longerrage patterns and developments, or slowly, savouring the words, puzzling over the conundrums, following up the cross-references.

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Quanto ao estilo, pode-se dizer que a literatura joyciana possui vertentes do realismo literário, já que os contos retratam a vida cotidiana da Irlanda, especialmente contemplando aspectos negativos, depreciando comportamentos da sociedade e, mesmo que indiretamente, criticando o contexto em que os irlandeses estão inseridos. Para isso, Joyce faz uso de três elementos principais: a compaixão, o humor e o estilo contido e meticuloso (ELLMANN, 1991). O escritor irlandês introduz certa compaixão presente nas vidas frustradas de seus personagens por meio de um “humor irlandês” característico, que permite que, mesmo a situação sendo caótica, possa também ser engraçada e, além disso, que os personagens possam identificar-se uns com os outros. Assim, Joyce expõe situações peculiares sem perder a imponência de seu lirismo em versos heróicos e escrita meticulosa. Dessa forma, Joyce trabalha com maestría a realidade dos dublinenses, demonstrando a decadência da capital da Irlanda, levantando acusações sobre corrupção, repressão e inércia da sociedade por meio de antíteses cotidianas, em que, mesmo na desgraça, pode haver alguma graça, mesmo nas frustrações, pode haver esperança, mesmo nos amores abalados, pode haver vida (ELLMANN, 1991, p. 25).

A audácia e astúcia de James Joyce merecem ser discutidas não apenas por seu lirismo literário, mas também por sua coragem ao apresentar o cenário em que a Irlanda estava submersa. Os contos foram escritos na época do renascimento literário irlandês, quando a Irlanda ainda era colônia da Inglaterra. Naquele período, buscava-se afirmar uma identidade nacional através do resgate do folclore de lendas celtas e de histórias da própria cultura irlandesa. Os intelectuais, artistas, poetas, escritores engajaram-se em exaltar o nacionalismo através do uso da língua irlandesa, mesmo que esta não estivesse sendo falada em algumas regiões e fosse considerada como uma língua de pessoas incultas. Além disso, acreditava-se que, por meio dessas estratégias, seria possível buscar a independência a partir de uma identidade nacional consolidada.

Porém, Joyce posicionou-se contra esse movimento, assumindo uma postura antinacionalista, ou seja, discordando da ideologia de utilizar sua arte para fomentar os ideais nacionalistas literários. Conforme afirma Ellmann (1982, p. 51), a atitude de Joyce era vista pelos demais como a de alguém que não ignorava esse movimento, mas que se esforçava para fomentar críticas e caçoar da situação, como quando introduz em suas obras expressões taxativas e pejorativas para definir tanto a capital irlandesa quanto seus habitantes, ou quando define o povo irlandês como o mais atrasado da Europa e seu país como uma porca velha que come seus porcos (ELLMANN, 1982, p. 24).

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O motivo para Joyce mexer na parte sensível da Irlanda, ou seja, na hipocrisia social e na carência cultural, era a opressão do governo inglês, que trouxe os infortúnios encontrados no país conhecido como Ilha da Esmeralda. Joyce acusa o governo de estrangular seu país, disseminar a sífilis, aumentar a pobreza, incentivar o alcoolismo e implementar superstições. Além disso, ele ressalta o poderio da Igreja ao afirmar que sua influência aumentou o número de fanáticos, puritanos e jesuítas em seu país (OLIVEIRA, 2017).

Entretanto, Joyce não pode ser somente descrito como um autor realista, visto que seu trabalho também possui traços vanguardistas modernistas. Isso pode ser percebido ao olharmos suas obras sob o prisma da “estética” e da “arte” que se desprende de valores religiosos ou morais.

Joyce retirou a consciência da Igreja e a passou para a arte. Ele quer ressaltar que sua arte vai trabalhar com a realidade – não uma realidade à maneira de Zola, que é uma distorção em nome do corpo, e tampouco uma distorção mística, em nome da alma –, mas é através da arte que ele espera criar essa grande transformação. [...] Joyce considerava a arte como o centro vital da existência. Quando ele fala numa consciência, está pensando em algo diferente da consciência que então prevalecia – algo em consonância com a ética superior de Wilde, mais helênica do que cristã. É uma consciência em constante busca de mais liberdade para si e, portanto, para o artista e seu público (ELLMANN, 1991, p. 26).

Além disso, Johnson (2004), ao analisar o lado modernista de Joyce, afirma que ele era um intelectual que estava sempre à frente de seu tempo, atento aos avanços e às transformações sociais. Com isso, teria passado a perceber desejos e intenções do ser humano, isto é, aspectos políticos, sexuais, sociais e religiosos. Portanto, uma vez que naquele contexto, por exemplo, estava havendo ascensão feminina, em que as mulheres passaram a buscar seus direitos para que não fossem vistas apenas como instrumentos dos homens, Joyce expõe traços desse movimento em suas obras através de personagens e das ironias presentes nos contos. Dessa forma, entre os temas abordados, está a brutalidade masculina, a virgindade, a prostituição, a passividade feminina e a maternidade.

Joyce não apenas representa; ele exibe as próprias condições da “representação”. Como por exemplo, em “Eveline”, Joyce apresenta o que os leitores foram rápidos em ver como uma história crítica da passividade de uma jovem mulher (em sua incapacidade de fugir com Frank) e, portanto, faz uma crítica e esse comportamento ao invés de simpatizar com a condição de mulheres presas em

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vidas de violência e desespero que não poderão fugir dessa vida (JOHNSON, 2004, p. 2004; tradução minha).8

Embora esse perfil de mulher ainda não estivesse presente na literatura irlandesa, Joyce expõe a representação da mulher que luta por liberdade e por sua independência, o que pode ser considerado uma peculiaridade inovadora. Um bom exemplo disso é a personagem Miss Ivors, do conto “The Dead”, que possui um perfil revolucionário e sai mais cedo da festa para frequentar a reunião sindicalista. Ao que tudo indica, a personagem foi inspirada em Hanna Sheehy Skeffington, companheira de encontros de juventude de Joyce (TOLLENTINO, 1999).

Hanna era uma das fundadoras do movimento chamado Liga pelo Voto das Mulheres Irlandesas, em 1908, e trabalhou arduamente em busca da emancipação da mulher. Um fator emblemático é que, apesar de ter sido presa durante sua militância em busca do direito de voto das mulheres, Hanna continuou sua luta feminista como membro ativista das lutas anti-imperialistas, em 1916, e seguiu no movimento mesmo após a independência da Irlanda e da guerra civil (TOLLENTINO, 1999).

Outro personagem de destaque no conto, que ilustra a força com que a cultura inglesa é imposta, é Gabriel, que afirma não reconhecer o irlandês como seu idioma: “o Irlandês não é minha língua. [...] Eu estou farto do meu próprio país, cansado disso” (JOYCE, 1996, p. 216, tradução minha).9 Pelas palavras do personagem, é possível notar a influência da colonização

inglesa, quando os habitantes de seu país abandonam seus costumes e sofrem uma espécie de “domesticação” em que até mesmo a língua é deixada de lado. Por meio deste personagem, Joyce escancara as consequências da colonização e expõe a realidade da Irlanda como nação, isto é, não apenas denuncia a violência do imperialismo, mas também permite que o leitor reflita sobre ela e se identifique.

Além disso, no conto “The Dead”, percebem-se as visões deturpadas em relação à Inglaterra. Para alguns personagens, o continente representa o modelo ideal a ser copiado, tanto na moda quanto nos costumes; para Gabriel, representa o avanço, o futuro.

8 Joyce not only represents; he exhibits the very conditions of ‘representation’ itself. So, for example, in

‘Eveline’, Joyce presents what readers have been quick to see as a story critical of one young woman’s passivity (in her failure to flee with Frank), and therefore critical of, rather than sympathetic to, women trapped in lives of violence and desperation who will not avail themselves of offered escape.

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Exemplo da idéia de Europa como continente, separado das Ilhas Britânicas, em Joyce, encontra-se nesse mesmo conto, quando as pessoas repetidamente se referem àquele torrão distante da Irlanda; ‘Gabriel diz que todo mundo está usando [galochas] no continente’, diz Gretta à página 181, e Tia Julia repete com admiração; ‘Oh, no continente!’ Mais tarde Gabriel diz a Miss Ivors que prefere passar as férias na França, Bélgica ou Alemanha do que no oeste da Irlanda. As repetidas citações ao continente neste texto têm diferentes conotações; para Tia Julia, esse continente é um lugar distante, inacessível, mas sofisticado, cujas modas são copiadas na Irlanda. Para Gabriel, o continente é um local de avanço cultural, desejável como ligação da Irlanda em seu futuro como nação, em preferência às ligações com o oeste mitológico relacionado com o passado (TOLLENTINO, 1999, p. 160).

Gabriel e Miss Ivors são personagens notórios inseridos para que as críticas joycianas possam surtir efeito. Assim, o clímax entre os dois ocorre quando Miss Ivors, definida por Gabriel como republicana ou revolucionária, chama-o de “Bretão Ocidental”.10 A

partir dessa expressão, a personagem reitera a ideia de que Gabriel colabora com os imperialistas britânicos já que ele escreve resenhas em inglês para um jornal irlandês. Durante o mesmo diálogo, Miss Ivors o convida para passar as férias nas Ilhas Aran e, então, sem delongas, Gabriel a inferioriza, afirmando que prefere ir ao continente para manter contato com outras línguas, já que está farto de seu país e o irlandês não é seu idioma. Portanto, o diálogo entre os personagens aponta para a crítica ao domínio britânico e sua autoafirmação, principalmente porque a visão de Gabriel passou a ser a visão de muitos irlandeses, vislumbrando a Inglaterra como sinônimo de futuro e modernidade.

Assim sendo, pode-se perceber por que o legado de James Joyce perpetuou ao longo dos anos. Com seu jeito astuto e transformador, retratou uma Dublim não romantizada, mas com seus problemas sociais e suas características mais íntimas. Além disso, foi muito perspicaz na estilística linguística, parodiando ou ironizando o contexto social da Irlanda. Por fim, considera-se relevante pautar a temática da análise das bebidas presentes no conto “The Dead”, pois elas representam um símbolo intrínseco à cultura irlandesa.

1.2 JAMES JOYCE E SUA RECEPÇÃO NO BRASIL

Uma vez que esta parte do primeiro capítulo tem como objetivo central destacar a recepção de Joyce no Brasil, a bibliografia principal conta com os estudos de Munira Mutran (1992), que, além de mestra e doutora em Estudos Linguísticos e Literários em Inglês,

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dedicou-se a estudar a representação joyciana na literatura brasileira bem como sua recepção; Dirce Waltrick do Amarante (2015), tradutora de Joyce, uma das frentes dos “Estudos Joycianos” no Brasil e docente do Programa de Pós-Graduação em Estudos da Tradução (UFSC); e, por fim, um artigo de Caetano Waldrigues Galindo11 e Vitor Alevato do Amaral12

(2019), que abarca e contextualiza a historiografia da recepção da obra de James Joyce. Assim, busca-se apresentar como foi a difusão do autor irlandês em solo brasileiro, a partir da crítica, e destacar como a literatura joyciana serviu de inspiração para muitos autores brasileiros renomados.

Durante a década de 1920, período em que ocorre o movimento modernista brasileiro, há poucas referências a James Joyce no Brasil. Mutran (1992) pontua que Mário de Andrade merece destaque, já que foi o único crítico desta leva a apresentar um ensaio referente à obra Ulysses (1922), pautado na leitura da obra em francês. Entre os comentários de Andrade referentes ao conteúdo e à forma, está a ênfase na obscenidade como um traço joyciano, que o chama de “sordidamente pornográfico”, “caviar podre” e “estúpida glorificação de mera imundíce”. No entanto, Mario de Andrade não nega que a obra contenha um algo grau de literariedade, chamada por ele de “literatice”, e que Ulysses (1922) possui estética, profundidade e personagens com fluxos psicológicos que os fazem ser ora uma coisa, ora outra (ANDRADE apud MUTRAN, 1992).

Além do ensaio apresentado pelo crítico modernista (1924), outros dois homens auxiliaram na repercussão das obras de James Joyce no Brasil. O primeiro, Sérgio Buarque de Holanda, historiador no Rio de Janeiro, anunciou em 1924 que faria uma crítica da obra de

Ulysess, entretanto, ainda em 1924, Gilberto Freyre tomou a frente e publicou um ensaio

chamado “James Joyce o criador do ritmo novo para o romance”. Assim, Freyre, que morava em Recife e trabalhava como sociólogo, destacou aspectos específicos da prosa joyciana, e, embora Sérgio não tenha tido sucesso em sua publicação, faz-se necessário destacar que, posteriormente, ambos tornaram-se referência no quesito interpretação literária (GALINDO E AMARAL, 2019).

Ao falar sobre os personagens de Ulysses (1922), não se pode deixar de considerar sua linguagem, ou seja, “as personagens de Joyce não somente falam uma língua própria como também pensam em sua própria linguagem” (AMARANTE, 2015, p. 11). Portanto, além de Joyce apresentar a capital da Irlanda para seus leitores, ele se esforça para aproximar

11 Docente do curso de Letras (UFPR) e tradutor de James Joyce. 12 Professor do Departamento de Línguas Estrangeiras Modernas (UFF).

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o leitor de sua obra, e, ao que tudo indica, esta conexão deu certo. Inclusive, há uma festividade que saiu do livro para personificar-se na vida real, o “Bloomsday”. Este evento foi inspirado em Leopold Bloom, personagem da obra Ulysses (1922), e ganhou notoriedade por volta de 1925. Assim, a Irlanda adotou este evento em seu calendário oficial no dia 16 de junho, quando as pessoas, todos os anos, percorrem dezenove ruas de Dublim, relembrando os fatos que ocorreram com o personagem de Ulysses. Além disso, cada vez mais o “Bloomsday” ganha espaço notório no mundo todo (AMARANTE, 2015).

O escritor costumava dizer que se um dia Dublin desaparecesse, poderia ser reconstruída das páginas de seus livros. Se Joyce fazia de Dublin o centro do mundo na ficção, o Bloomsday traz a Irlanda para perto de nós, todos os anos: Uma Irlanda imaginária, onírica, literária, mutável e poliglota, onde se falam várias línguas, inclusive o português (AMARANTE, 2015, p. 27).

Foi através desta Irlanda que falava português que James Joyce começou a ganhar seu espaço na literatura brasileira. Ademais, durante a década de 1930, surgiram muitas críticas a respeito de Ulysses (1922), entre elas a referência à sua complexidade e grandeza para o universo literário. Assim, o objetivo de Joyce foi alcançado: tornar sua obra tão polêmica ao ponto de instigar os leitores, garantindo sua imortalidade literária.

No Brasil, somente a partir de 13 de janeiro de 1941, data da morte do escritor irlandês, que artigos mais específicos sobre seus romances foram publicados. Desta forma, por volta da década de 1940, começaram a surgir os primeiros indícios da repercussão joyciana na literatura mundial, ou seja, estudos que apontavam para a influência de Joyce em grandes escritores com reconhecimento internacional, como Virginia Woolf. Aos olhos dos críticos literários, não há apenas semelhanças entre os personagens, mas também traços estilísticos modernistas em ambos os escritores (MUTRAN, 1992).

Ainda durante aquela década, começam a difundir-se as traduções. No Brasil, a primeira tradução de James Joyce para o português brasileiro se dá em fevereiro de 1942, na

Revista do Brasil, feita por Tristão da Cunha. Embora apenas metade do conto “The Dead”

tenha sido traduzida, a publicação trouxe uma novidade: o tradutor, logo na introdução, elogia Joyce e afirma que Dubliners seria um dia um dos principais livros escritos em língua inglesa (MUTRAN, 1992). Como já mencionado na Introdução desta dissertação, a versão de Cunha do conto não fará parte desta pesquisa por estar incompleta, e por não possuir todos os segmentos linguísticos que serão analisados nesta dissertação.

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Ademais, nesta mesma década, em 1945, surge a primeira tradução de Retrato, feita pelo romancista José Geraldo Vieira, e, em 1946, aparece em Curitiba a primeira tradução de um excerto de Ulysses, para a revista Joaquim, feita pelo escritor Dalton Trevisan (GALINDO E AMARAL, 2019).

De 1950 em diante, sentiu-se fortemente a influência de James Joyce no movimento de poetas concretos de São Paulo. A partir dessa vanguarda, a tradução passou a ser vista a partir de um novo prisma (NÓBREGA; MILTON, 2009): se antes era considerada uma atividade secundária e inferior ao texto de partida, passa a ter técnicas estilísticas e inovadoras.

O concretismo tentou redefinir todas as ideias sobre poesia e, enquanto isso, traduziu e apresentou aos leitores brasileiros uma série de escritores revolucionários, desde a Idade Média até o alto Modernismo. Assim, era construíido o que eles chamavam de paideuma, um cânone um tanto pessoal de invenção literária que eles empregaram para legitimar sua própria revolução em fazer literatura (GALINDO; AMARAL, 2019, p. 195; tradução minha).13

Por meio desses experimentos poéticos e inovadores, Joyce contribuiu para novos conceitos da vanguarda da poesia concreta. Através do conceito “verbivocovisual”, os concretistas utilizavam neologismos, e tentavam possibilitar aos leitores uma experiência estética que repassasse ao mesmo tempo um efeito sonoro e uma experiência visual. O que chama a atenção na década de 1950 é a ausência de ensaios literários sobre Joyce em revistas literárias (MUTRAN, 1992).

Além disso, em 1957, Augusto e Haroldo de Campos tornaram a obra Finnegans

Wake disponível para os brasileiros por meio de uma tradução no Jornal do Brasil. Embora

não fosse uma tradução completa, ela foi considerada por muitos críticos o trabalho mais desafiador de tradução de Joyce em solo brasileiro. O sucesso da tradução deve-se, portanto, ao movimento dos poetas concretos e ao seu posicionamento estético, com aspectos específicos dessa vanguarda.

Em 1962, os dois irmãos publicaram o Panaroma do Finnegans Wake, uma seleção de trechos traduzidos da última obra de Joyce, acompanhada de ensaios originais sobre o livro. Em um cenário cultural que até então não tinha nem

13 concretismo, tried to redeine all ideas about poetry and, meanwhile, translated and presented to Brazilian

readers a whole slew of revolutionary writers, from the middle ages to high Modernism, building what they called a paideuma (related to paedeutics), a somewhat personal canon of literary invention they employed to legitimize their own revolution-in-the-making.

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sequer exposto a Dubliners, eles estavam certamente pensando à frente, como sempre.

No entanto, isso também criou um certo viés. Depois desse Joyce periférico dos anos 20, 30 e 40, o que tínhamos agora era uma imagem diferente associada ao seu nome: uma imagem de canonização, vanguardismo e, acima de tudo, de revolução formal (GALINDO E AMARAL, 2019, p. 196; tradução minha).14

Assim, a tradução dos irmãos Campos representa um movimento precursor não apenas no cenário brasileiro, mas também mundial, porque eles apresentaram um trabalho exaustivo de interpretação e análise, o que resultou em fragmentos traduzidos dessa obra prima. Até então, só havia quatro traduções de excertos do livro Finnegans Wake: uma alemã, uma tcheca, uma italiana e uma francesa (MUTRAN, 1992).

A partir do surgimento dessas traduções no final da década de 1950 e início da década de 60, começam a surgir críticas e comentários sobre Finnegans Wake. Se anteriormente havia paralelismos entre as obras joycianas e algumas mundiais, como indicações sobre a influência de James Joyce na literatura de Virginia Woolf, a partir da crítica de Haroldo de Campos é possível verificar referências joycianas também na literatura brasileira, como em Grande Sertão Veredas (1956), escrito por Guimarães Rosa, e sua influência de Ulysses. Em seu ensaio intitulado “A Linguagem do Iauaretê” (1974), Haroldo de Campos especifica os pontos de encontro entre os dois livros na linguagem. A partir do ponto de vista do tradutor e crítico literário, Guimarães Rosa “pega emprestado” de Joyce sua melhor ferramenta, o uso da palavra como uma forma de revolução, que carrega significados, a dualidade céu e inferno, latências e representa muitos efeitos, por exemplo, os sonoros (MUTRAN, 1992).

Porém, não foi apenas Guimarães Rosa que se apropriou de características joycianas. Ao que tudo indica, através da crítica de Oswald de Andrade, Clarice Lispector também utilizou Joyce como inspiração. De acordo com Álvaro Lins, o primeiro livro de Clarice, publicado em 1944, Perto do Coração Selvagem, possui o mesmo estilo de escrita tanto de James Joyce quanto de Virginia Woolf. Além disso, o título do livro da escritora brasileira também teve influências das obras do escritor irlandês, ou seja, retirado da obra O Retrato do

Artista Quando Jovem. (LINS apud QUEIROZ, 2007)

14 In 1962 the two brothers had published Panaroma do Finnegans Wake, a selection of translated excerpts

from Joyce’s final work, accompanied by their original essays about the book. In a cultural scenery that by then had not even been exposed to Dubliners, they were certainly thinking ahead. As always. Nevertheless, this also created a certain bias. After that peripheral Joyce of the 1920s, 30s and 40s, what we had now was a diferent image associated to his name: an image of canonization, avant-gardism, and, above all, of formal revolution.

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Por mais que Joyce estivesse presente no movimento dos poetas concretos e tenha influenciado muitos escritores, foi somente na década de 1970 que o público começou a interessar-se mais e a ler suas obras, a partir dos movimentos tradutórios que intermediaram a leitura e a interação entre a obra em inglês e o público brasileiro. Ao mencionarmos as traduções dos contos de Dubliners, as publicações aconteceram na seguinte ordem: “The Dead” teve parte de seu conto publicado em 1942, “Araby” foi publicado em 1945, “Counterparts” em 1955 e, finalmente, em 1964 aconteceu a primeira tradução e publicação do livro Dubliners, intitulado A História de Dublinensens, feita por Hamilton Trevisan (1964) (MUTRAN, 1992).

A partir dessa perspectiva, nota-se que a tradução teve um papel importante e que a estilística joyciana difundiu estratégias linguísticas, incorporando simbologias em outras obras. Além disso, as traduções auxiliaram na divulgação das obras de Joyce e reportaram seu estilo para o público geral. Assim, ao longo dos anos, foram feitas pesquisas, descobertas e percebeu-se que se trata de uma obra inacabada, podendo ser lida de diversas formas e em vários graus (MUTRAN, 1992).

Portanto, seja por sua estilística realista ou modernista, James Joyce influenciou uma gama de estudos e análises, que refletiram no âmbito acadêmico nas décadas posteriores, e sua popularização instigou o mercado da tradução. Há, portanto, oito retraduções do conto “The Dead” para o português brasileiro: Hamilton Trevisan (1992), José Roberto Basto O’Shea (1993; 2012), Guilherme da Silva Braga (2012), Caetano Waldrigues Galindo (2013; 2018), Eduardo Marks de Marques (2014) e Tomaz Tadeu (2016), as quais serão discutidas e apresentadas por meio de um panorama geral no próximo capítulo.

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2 CAPÍTULO II

Este capítulo é composto por cinco partes com eixos teóricos que auxiliam na teorização e análise do corpus linguístico. Primeiramente, será apresentada a teoria de Venuti (1995), explicitando e definindo “domesticação” e “estrangeirização”, conceitos que compõem a metodologia de análise quantitativa desta pesquisa. Na segunda parte, haverá a definição de “retradução”, já que serão analisadas oito retraduções do conto de Joyce. Na terceira, serão observados casos antecedentes de aplicação da mesma teoria venutiana (1995) em um estudo similar, a fim de comparar os resultados de ambas as pesquisas (HANES, 2015). A quarta parte exemplifica e contextualiza os “culturemas” (LUQUE NADAL, 2009), relacionando-os com as bebidas presentes no conto “The Dead”, que representam um traço marcante na cultura irlandesa. Na quinta e última parte, haverá um espaço destinado a expor e a relatar as obras impressas do conto “The Dead”, objeto de análise desta dissertação, pontuando aspectos sobre impressão, diagramação e coleção.

2.1 A DICOTOMIA TRADUTÓRIA E AS TENDÊNCIAS MERCADOLÓGICAS

Esta seção destina-se a conceituar os métodos tradutórios que servirão como embasamento teórico à análise linguística, isto é, os conceitos de “domesticação” e “estrangeirização,” popularizados e nomeados por Lawrence Venuti em meados dos anos de 1990. Porém, antes mesmo de Venuti (1995) denominá-los com essa nomenclatura, Friedrich Schleiermacher (1813) apresentou-os em seu ensaio “Sobre os diferentes métodos de tradução” (SCHLEIERMACHER, 2010). Neste ensaio, ele discute o papel do tradutor e os caminhos que o tradutor deve seguir: “domesticar” ou “estrangeirizar”.

Mas, agora, por que caminhos deve enveredar o verdadeiro tradutor que queira efetivamente aproximar estas duas pessoas tão separadas, seu escritor e seu leitor, e propiciar a este último, sem obrigá-lo a sair do círculo de sua língua materna, uma compreensão correta e completa e o gozo do primeiro? No meu juízo, há apenas dois. Ou bem o tradutor deixa o escritor o mais tranquilo possível e faz com que o leitor vá a seu encontro, ou bem deixa o mais tranquilo possível o leitor e faz com que o escritor vá a seu encontro. Ambos os caminhos são tão completamente diferentes que um deles tem que ser seguido com o maior rigor, pois, qualquer mistura produz necessariamente um resultado muito insatisfatório, e é de temer-se que o encontro do escritor e do leitor falhe inteiramente. A diferença entre ambos os métodos, onde reside a sua relação mútua, será mostrada a seguir. Porque, no primeiro caso, o tradutor se esforça por substituir com seu trabalho o conhecimento da língua original, do qual

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carece o leitor. A mesma imagem, a mesma impressão que ele, com seu conhecimento da língua original, alcançou da obra, agora busca comunicá-la aos leitores, movendo-os, por conseguinte, até o lugar que ele ocupa e que propriamente lhe é estranho (SCHLEIERMACHER, 2010, p. 57-59).

Além disso, esse ensaio tornou-se um marco para os Estudos da Tradução, porque, por meio de seus questionamentos, impulsionou reflexões e teorizações sobre as possibilidades tradutórias. Porém, apenas nos anos de 1990 a teoria foi melhor embasada por Lawrence Venuti (1995), que atuou como professor de inglês e possuía experiência no ramo da tradução. Venuti ficou conhecido mundialmente ao compor seu livro teórico intitulado The

Translator’s Invisibility: A History of Translation (1995), no qual aborda questões sobre os

Estudos da Tradução, e entre os temas está a (in)visibilidade do tradutor, referindo-se diretamente ao contexto dos tradutores estadunidenses.

A partir deste viés, segundo o autor, independentemente de ser um texto redigido em inglês britânico, este somente é aceitável pelos editores do mercado dos Estados Unidos quando for fluente, sem marcas linguísticas estrangeiras, criando um efeito ilusório de transparência, ao ponto de assumir uma faceta de língua materna. “A ilusão de transparência é um efeito do discurso fluente, do esforço do tradutor em garantir fácil legibilidade, aderindo ao uso atual, mantendo a sintaxe contínua, fixando um significado preciso” (VENUTI, 1995, p. 1; tradução minha).15

Ademais, Venuti (1995) pontua a historiografia da tradução por meio das concepções de tradução “domesticadora” e “estrangeirizadora”, mencionando o ensaio histórico de Schleiermacher. A partir deste cotejo, Venuti fala sobre a leitura ideológica feita por Schleiermacher da realidade alemã e do contexto em que estava inserido, e afirma que ele fazia apologia ao método tradutório “estrangeirizador” porque, assim, poderia enriquecer o cânone literário nacional. Portanto, é possível perceber que o teórico alemão tinha o intuito de refletir e discorrer sobre o fenômeno da tradução como uma atividade ideológica quando se posicionava a favor da “estrangeirização” para fins culturais, tendo em vista o movimento nacionalista.

Um método de tradução estrangeiro pode ser útil na construção de uma cultura nacional, forjando uma identidade cultural baseada no exterior para uma comunidade linguística prestes a alcançar autonomia política, pode também enfraquecer qualquer conceito de nação desafiando cânones culturais, fronteiras

15 The illusion of transparency is an effect of fluent discourse, of the translator's effort to ensure easy

Referências

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