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Vista do O jogo do poder religioso no cenário sociocultural brasileiro | Acta Científica

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O jOgO DO pODer relIgIOSO nO

cenárIO SOcIOcultural braSIleIrO

carlos Flávio teixeira1 resumo: Este ensaio faz uma abordagem não exaustiva acerca do poder e suas re-lações enquanto fenômeno institucionalizado presente no âmbito da religiosidade brasileira. Observa o uso do poder religioso por parte das novas religiosidades que o manipulam na construção e manutenção dos poderes político e econômico, cuja engrenagem de poder daí resultante dá origem a um novo tipo de poder que se pode nominar de poder social religioso. Demonstra que tais religiosidades se valem do dis-curso religioso apenas como meio de inserção social e realização de suas pretensões político-econômicas, estabelecendo uma espécie de religião do poder, a qual repre-senta sem dúvida um desafio ao equilíbrio necessário nas relações de religiosidade entre indivíduo, sociedade e o Estado.

palavras-chaves: Relações de poder; Poder religioso; Poder político; Poder econômico

the game OF the relIgOuS pOwer In the

brazIlIan SOcIOcultural SettIng

abstract: This essay is a non-exhaustive approach about the power and its rela-tionship as a institutionalized phenomenon present in the Brazilian religiosity. It no-tes the use of religious power by the new religiosities that manipulate it in the cons-truction and maintenance of political and economic powers, whose the results is a gea of power that gives rise to a new kind of power that can nominate social power of religion. Demonstrates that such religiousness uses the religious discourse only as a vehicle of social integration and realization of their political and economic aspirations, establishing a kind of religion of power, which clearly represents a challenge to the necessary balance in relations between religious individual, partnership and the state. Keywords: Relations of power; Religious power; Political power; Economic power

A liberdade espiritual deveria se estender à esfera econômica? Os limites econômi-cos implicavam em restrições espirituais? Enfim, o que fazer com essas entidades econô-mico-espirituais? (GIUMBELLI, 2002, p. 256).

O poder é um tema complexo cujo estudo pode abarcar um universo de aborda-gens e linhas teóricas argumentativas. Cada uma das abordaaborda-gens possíveis de estudo pode resultar em construções distintas acerca da definição de poder e de seus desdobramentos práticos. Ao longo da história, inúmeros exames filosóficos e psicológicos argumentativos

1 Doutorando em Ciências da Religião da Universidade Metodista de São Paulo. Mestre nas áreas de

Teolo-gia Pastoral e de Direito Constitucional. Pesquisador e Professor nos níveis de Graduação e Pós-Graduação do Centro Universitário Adventista de São Paulo (Unasp). E-mail: carlosflavioteixeira@gmail.com

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foram estabelecidos acerca do tema, cada qual pretendendo dar a palavra final sobre a essência e as formas como o mesmo se apresenta.

Embora tal tentativa tenha ganhado destaque com as teorias de Max Weber e Mi-chel Foucault, o tema se mostra ainda merecedor de estudos e debates, estando o mesmo ainda aberto para estudo e redefinição de sentidos.

Com o cuidado acadêmico devido, ousa-se no presente estudo retomar a análi-se do tema a partir de suas implicações no âmbito religioso, no contexto sociocultural brasileiro dos dias hodiernos.

A proposta é estudar o poder reconhecendo seus desdobramentos e relações no âmbito das relações sociais humanas, inclusive no âmbito da religião2. Esta última, embora não seja um

fenômeno de simples definição será tomada em seu sentido social3, e assim entendida como

combinação de crenças subjetivas e práticas objetivas que buscam o sagrado4, e que por ser um

fenômeno inerentemente humano, relacional e social torna-se sem dúvida um âmbito fértil de construção e manutenção do poder e seus desdobramentos.

Partindo, assim, da abordagem geral não exaustiva acerca do poder e suas relações, dar-se-á ênfase na fenomenologia da institucionalização do mesmo no âmbito das novas re-ligiosidades brasileiras. Será feita a observação primeiramente sob a perspectiva sistemática que o aponta como um fenômeno definido, caracterizado, articulado e instrumental. Secun-dariamente será analisado sob a ótica crítica que o aponta como um sistema de dominação e manipulação de interesses, cujas implicações ultrapassam as fronteiras do puramente religioso, projetando desdobramentos práticos no meio sóciocultural.

Tal poder, cuidadosamente observado se mostra socialmente perigoso, uma vez que se utiliza do discurso religioso apenas como meio de inserção social e realização de suas pretensões político-econômicas, estabelecendo uma espécie de religião do poder, a qual re-presenta sem dúvida um desafio ao equilíbrio necessário nas relações de religiosidade entre indivíduo, sociedade e o Estado.

Com esses objetivos em mente é oportuno iniciar o estudo a partir da definição e identi-ficação dos conceitos e formas nas quais o mesmo se materializa no plano das relações humanas.

Identificando o poder e os poderes

Observando o dicionário Houaiss (2009, p. 1513), o termo “poder” é definido a partir de inúmeras palavras cujos sentidos são os mais diversos. Dentre todos, registra-se os substantivos que dão sentido mais próprio e essencial ao termo, definindo-o como

2 “A religião é o empreendimento humano pelo qual se estabelece um cosmos sagrado. Ou por outra, a religião é

a cosmificação feita de maneira sagrada” (BERGER, 1985, p. 38).

3 “Afinal, de toda maneira, o conceito de ‘religião’ (e outros que dele dependem), longe de evocar apenas um

construto inocente e meramente intelectual, ganha a possibilidade de ser avaliado por suas aplicações e implicações na sociedade.” (GIUMBELLI, 2002, p. 57).

4 “Por sagrado entende-se aqui uma qualidade de poder misterioso e temeroso, distinto do homem e todavia

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1º - Possibilidade, natural ou adquirida, de fazer determinadas coisas; capacidade, faculdade; 2º - Direito ou capacidade de decidir, agir e ter voz de mando; autoridade;

3º - Supremacia em dirigir e governar as ações de outrem pela imposição da obediência; domínio, influência (Numeração acrescida).

Note-se o sentido tridimensional do termo que lhe permeia o conceito. Poder é ao mesmo tempo entendido como: a) prerrogativa e intencionalidade de ação; b) ação autoritária concreta; e c) resultado da ação praticada com domínio e/ou influência. Isso dá ao termo um sentido integral que o dota ao mesmo tempo de: significação apriorística de capacidade, significação pontual de determinação e significação última de intencionalidade e método.

Na análise crítica feita pela filosofia e sociologia, talvez o teórico que mais tenha escrito a respeito do tema do poder tenha sido Foucault que trabalha o poder a partir da análise de suas relações5, devendo por seu método desconstrutivista ser lido com

cautelas. O referido autor assim se expressa:

O que é o poder, ou melhor − pois a questão o que é o poder seria uma questão teórica que coroaria o conjunto, o que eu não quero − quais são, em seus mecanismos, em seus efeitos, em suas relações, os diversos dispositivos de poder que se exercem a níveis diferentes da sociedade, em domínios e com extensões tão variados? (FOUCAULT, 2006, p. 98).

Foucault busca analisar o poder enquanto elemento que surge e se desenvolve, ganhando forma e desdobramentos no plano das relações humanas. Surge aí seu sentido básico, apriorístico, fundamental de poder de cuja compreensão registra que “o poder é um feixe de relações mais ou menos organizado, mais ou menos piramidalizado, mais ou menos coordenado” (FOUCAULT, 2006, p. 98). Foucault via o poder em seu sentido estrutural e institucionalizado, manipulável, dominador e opressor, mapeando seu grau de prejudicialidade nas relações humanas.

Na mesma linha, Romano pontua: “Como, porém, os homens se comunicam entre si, como não existe o vácuo entre um e outro, surge a necessidade de regulamentar as relações mútuas” (ROMANO, 1989, p. 18). Assim compreendido, o poder decorre da própria necessidade de se regulamentar as relações humanas essenciais do plano social, dando margem à existência e ao exercício necessário do mesmo.

Nesse processo de relações e interações entre pessoas e instituições, necessidades e desejos, discursos e práticas, o poder ganha sentido e contornos que bem podem ser obser-vados a partir da análise de sua fonte originária, a intencionalidade de sua manifestação, os meios utilizados por quem o exerce e os resultados de sua prática. Ou seja, o poder se mos-trará benéfico ou maléfico para o ser humano enquanto indivíduo ou sociedade, de acordo com a forma como será articulado (fonte, objetivo, meio e resultados).

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Em se tratando de articulação do poder procura-se chamar atenção do leitor para as recentes manipulações ocorrentes em tais relações, as quais têm cada vez mais ganhan-do espaço no contexto sóciocultural brasileiro, demonstranganhan-do a incidência de atos de manipulação do poder nas relações ditas religiosas, praticadas pelas novas religiosidades.

Com objetivo de analisar tal fenômeno, passa-se ao estudo dos principais des-dobramentos do poder.

O poder: naturezas, sentidos, formas

O poder se apresenta com natureza, sentidos formas observáveis. E a compreen-são de tal sistema é importante à vista da inevitabilidade de se classificar sua incidência e seu exercício em quaisquer relações que tomam a dimensão social.

O poder enquanto termo deve ser compreendido em seu sentido integral como a prerrogativa consciente de se influenciar, dominar, controlar algo ou alguém. Apresenta-se com natureza divina (fonte em Deus) e/ou humana (fonte relacional humana), que tem como critério de definição as relações de quem o exerce e quem legitima de seu exercício. Este último, de natureza humana relacional, pode assumir dois sentidos: um sentido positivo, quando seu exercício se mostrar benéfico para o ser humano em termos de intencionalidade, ou negativo, quando, contrariamente, seu exercício se mostrar indiferente ou prejudicial ao ser humano em termos de intencionalidade. Pode ser instrumentalizado através de muitas formas, dentre as quais abordaremos neste trabalho as principais: poder religioso ou ecle-siástico, poder econômico, poder político e poder social, cujo exercício poderá ou não se mostrar equilibrado, dependendo de seu resultado para a sociedade.

Assim, quando se fala de poder, deve-se perguntar quanto ao mesmo: quem o exer-ce, por que o exerexer-ce, como o exerce e qual o resultado efetivo de seu exercício.

Essa preocupação é pertinente em razão de duas realidades: a primeira é o fato de que nas relações humanas as relações de poder são inevitáveis; a segunda é o fato de que ultimamente as relações de poder no campo religioso estão se tornando cada vez mais de-sequilibradas, notadamente no âmbito das novas religiosidades que jogam com o mesmo.

É sabido que quando o indivíduo religioso se encontra e se agrupa socialmen-te com seus pares para juntos compartilharem de uma mesma forma de religiosidade, inevitavelmente surge um grupo religioso cuja relação de coexistência mútua entre seus membros demanda o exercício do poder, que ocorre em um de seus sentidos e em uma ou mais de suas formas já citadas.

O exercício do poder no grupo religioso passa a ser essencial para possibilitar a harmonia da comunhão, da fé e da servidão à divindade cultuada no plano comunitário, fato que por ser interpessoal demanda uma forma essencial de organização e coordenação para o qual o poder e seu exercício têm demanda necessária. A relação social de natureza religiosa evidencia a demanda humana pela satisfação de contingências que por sua vez serão mais bem atendidas a partir da instrumentalização de inúmeros mecanismos de sa-tisfação individual e grupal, dentre eles o poder e suas relações inevitáveis. Assim, o poder se manifesta em um de seus sentidos e se instrumentaliza em uma ou mais de suas formas. Nesse sentido, afirma Houtart (2003, p. 54):

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Todo grupo humano produz sua organização social e seu universo simbólico em função de suas relações com seu meio material. Essa é uma constante que se depreende com clareza dos estudos empíricos; não se trata de uma afirmação filosófica. É a experiência coletiva do grupo nos esforços que leva a cabo para viver e sobreviver, na qual se encontra a base da organização da produção material, das modalidades das relações sociais e do exercício do poder.

Dessa relação de agregação e organização surge a institucionalização com seu dis-curso intencional. Embora surja inicialmente fundamentado na necessidade de articula-ção das forças, o poder assume distintos sentidos e formas como já explicado, a partir do lugar e do espaço em que se manifesta com intencionalidades peculiares aos mesmos, fazendo-se possível inclusive observar criticamente seus resultados.

Assim, em sua busca de possibilitar a coexistência humana e organizar o convívio em macro e/ou microssociedades, dentre as quais as religiosidades, o poder se manifesta nas seguintes formas principais que interessam ao presente estudo:

• Poder religioso e poder eclesiástico: entendidos como o meio de influência, domínio e controle cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente religioso (fenômeno da crença) e/ou eclesiás-tico (fenômeno da institucionalização), e que tem por objetivo suprir as contin-gências metafísicas (espirituais) da existencialidade humana, promovendo sua comunhão experiencial com o sagrado;

• Poder político: compreendido em resumo como o meio de influência, domínio e controle cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente sócio-político-jurídica, e que tem por objetivo suprir as contingências organizacionais da coexistencialidade humana grupal;

• Poder econômico: percebido em síntese como o meio de influência, domínio e controle cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente financeira e patrimonial, e que tem por objetivo gerir e suprir a escassez material da existencialidade humana;

• Poder social: em suma é entendido como o meio de influência, domínio e con-trole cuja autoridade se exerce a partir de um discurso e uma práxis de caráter essencialmente comunitária, e que tem por objetivo suprir as contingências de relacionamento e interação psíquica da existencialidade humana.

A partir das possíveis combinações de tais formas, o poder se apresenta alter-nativamente em relação de propriedade, manipulação e dominação. A relação de po-der será consipo-derada própria quando a articulação de uma de suas formas com outra(s)

se mostrar necessária e comedida para o fim que se pretende alcançar e pertinente em relação ao discurso utilizado para legitimá-la. Um exemplo de tal hipótese de relação se dá quando o poder religioso precisa se articular com o poder econômico na medida em que possa atender as contingências do grupo religioso em sua regularidade exigida

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pelo poder político (por exemplo a relação necessária para observância das normas fiscais e tributárias de natureza trabalhista).

A relação de poder será considerada manipuladora quando a articulação de uma

de suas formas com outra(s), embora se mostre necessária para o fim que se pretende alcançar, não se mostre comedida e nem pertinente em relação ao discurso utilizado para legitimá-la. Tal discurso se torna um engodo ideológico nem sempre perceptível às massas por ele manipuladas. Um exemplo de tal hipótese de relação se dá quando o poder religioso embora se articule com os poderes político e econômico com intenção primária de atender às exigências formais e contingenciais às quais está sujeito, vai além de tal perspectiva, a partir da intenção secundária de ele mesmo, o poder religioso, in-terferir e manipular os próprios poderes político e econômico (por exemplo eleições de parlamentares religiosos a partir de manipulação de votos de massas religiosas, sendo tais parlamentares, depois de eleitos, também manipulados em sua atividade política pelo mesmo grupo que manipulou os votos que os elegeu).

A relação de poder será considerada dominadora quando a articulação de uma de suas

formas com outra(s), não se mostra necessária para o fim que se pretende alcançar, tam-pouco se mostra comedida e nem ainda pertinente em relação ao discurso utilizado para legitimá-la. Tal discurso se torna uma trama ideológica imperceptível às massas por ele manipuladas. Um exemplo de tal hipótese de relação se dá quando o poder religioso que necessariamente tem que se articular com os poderes político e econômico em seu processo de inserção social, o faz de maneira ilimitada, invertendo valores e buscando assim controlar os próprios poderes político e econômico em função de suas pretensões nada religiosas (por exemplo a tentativa de controlar a opinião pública através da mídia e/ou a tentativa de acumular grandes fortunas através de exploração econômica e controle político).

Conforme se percebe, deve-se atentar para o sentido e a forma de articulação a partir da qual esse poder se apresenta sob o manto do discurso religioso, já que poderá ser usado, como o tem sido no caso de algumas das novas religiosidades, maldosamente para exercer seu controle explorador e dominador nos âmbitos de manifestação individual e social (família, igreja, sociedade, estrutura político-jurídica).

Características do poder

O simbólico vs. o real

O poder se apresenta com características de simbologia ou realidade. Será simbó-lico quando construído e legitimado a partir de um discurso cuja base fundamental seja uma ou mais expectativas ideais, em razão das quais o poder se justifique. Será real quando construído e legitimado a partir de um discurso cuja base fundamental seja uma ou mais situações concretas, em razão das quais o poder se explique. Em algumas circunstâncias poderá se mostrar ambiguamente com ambas as características.

O natural vs. o institucional

Entende-se por natural o tipo e o nível de poder ao qual o indivíduo, enquanto ser pessoal, se sujeita em suas relações interativas intrapessoais. É o poder que o impele em suas

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relações necessárias. E por institucional compreende-se o tipo e o nível de poder ao qual o indivíduo, enquanto ser social, se sujeita em suas relações interativas interpessoais. É o poder que o impele em suas relações de interação social, seja em micro ou macrossociedades.

Ferramentas do poder religioso

Conforme já abordado, ao se articular em suas diversas formas o poder será posi-tivo se for próprio, mas poderá ser negaposi-tivo em menor ou maior grau, caso se apresente como manipulador ou dominador.

Nas duas últimas hipóteses citadas, o problema decorre do fato de que o âmbito inicial de sua origem e razão de ser é suprimido, passando a intencionalidade de quem o exerce a primar por outro âmbito do poder, antes secundário, mas continua tomando o primeiro como fundamento para o discurso manipulador ou dominador. Quando o fundamento do discurso legitimador do poder não se compatibiliza com a intencionalidade e práxis de quem o exerce, resta caracterizado o que se chama de manipulação e dominação. Ambas operam junto às mas-sas, sobretudo religiomas-sas, sendo nitidamente facilitadas pelos seguintes instrumentais:

O ambiente pós-moderno

Muitos personagens que surgiram nas últimas quatro décadas no cenário plura-lista e sincretista da religiosidade brasileira se aproveitaram dos mecanismos ideológicos do pensamento pós moderno, inculcados nas massas através das artes (cinema, música etc.), da literatura, da mídia, usando-os como meio fértil para plantarem suas ideias que demonstram uso de poder para domínio das relações e uso de relações para construção de mais poder. Como afirmou Ferrari (2007, p. 34),

com a pós-modernidade criou-se uma época paradoxal, difusa e marcada por contradições: opulência-miséria, intelectualidade-ignorância, tecnológico-rudimentar, global-local, evolução-riscos catastróficos, criação-destruição, inovação-descartável, coletivo-individual, tradição-transitório, crença-descrença, pós-moderno e pré-moderno. Nessa relatividade de tempo e espaço, os conceitos, valores e projetos tornaram-se ambivalentes.

O abismo criado por tal ambivalência é agora alargado e preenchido pelo discurso religioso materialista, a partir do qual o poder religioso tem sido exercido por alguns grupos de forma manipuladora, dominadora e exploradora das humanidades situadas no pólo de maior fragilização das ambiguidades sociais. Nesse sentido, Ferrari (2007, p. 40) pontua:

A dicotomia é clara. Enquanto a modernidade tentou, através de grandes relatos oriundos das filosofias iluministas (positivismo, freudismo, marxismo…), negar a noção da existência de Deus, a pós-modernidade nos surpreende. Pois faz uso das noções de sagrado guardadas nas dobras do senso comum da cultura popular em suas variadas instituições religiosas. Torna-se cada vez mais claro o uso da religião com suas múltiplas expressões, como meio de legitimação do grande mercado de trocas materiais e também simbólicas.

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Dito de outra forma, a pós-modernidade aperfeiçoou o ambiente propício para o sur-gimento de práticas ditas religiosas, mas de intenção puramente mercadológica e político-ide-ológicas. O resultado é a aberração que alguns convencionaram chamar de mercado religioso:

De um lado padres-cantores celebram “showmissas” para milhares de pessoas, líderes evangélicos estufam seus templos e suas contas bancárias, centros espíritas, terreiros e outros espaços sagrados abrem com frequência, revistas laicas dedicam páginas às possibilidades da utilização de Deus como agente de negócios e lojas faturam vendendo florais de Bach, runas e duendes. Mas, por outro lado, ninguém mais pauta sua vida exclusivamente pela religião, pressionado pelos compromissos sempre crescentes na sociedade atual (MARTINO, 2003, p. 46).

E na base de tal sistema podem ser identificados nitidamente inúmeros discursos ideo-lógicos que ainda se mostram um fato a mais de preocupação por favorecerem a manipulação, dominação e exploração do religioso em favor do econômico, político e midiático buscado pelos grupos de poder que se escondem por trás do pretensamente religioso.

O discurso ideológico

O discurso observado é dito ideológico por que não é coerente com os valores religiosos construídos por três fundamentos importantes para a cristandade: a história (incluindo aqui o relato e literalidade do texto bíblico sagrado), os valores humanos e o equilíbrio social. Falta-lhe adequação aos fundamentos da antropologia e da sociologia humana. Quando cuidadosamente analisado, o discurso demonstra por si a real intencio-nalidade do emissor ao construir e propagar uma mensagem valendo-se de determinado veículo e maneira de expressão, no caso os significantes e significados.

Com o poder religioso não seria diferente. O conteúdo e a prática religiosa discur-siva do presente tempo evidenciam e muitas vezes demonstram claramente qual a real in-tenção (nada espiritual) de alguns personagens do argumento midiático da mídia televisiva. Nas palavras de Pierucci e Prandi (1996, p. 270),

a prosperidade está aberta a todos, mas em troca é preciso que se dê o que se tem para a igreja, quanto mais melhor, de preferência tudo. Quanto mais se dá para Deus, mas se recebe, e isso não é mera retórica. São inúmeras as estratégias e os jogos operados pelos pastores nos cultos para extração de dinheiro. O ato de dar o dinheiro, com a certeza de que ele vai voltar, acrescido, é um gesto de investidor [e não de gratidão e fidelidade]. [Uma tal] Religião muda expectativas, modela comportamentos, altera desejos e frustrações .

O jogo é alimentado por falsas promessas e criativas metáforas usadas para esti-mular no ouvinte o desejo e a necessidade cada vez maior de ser parte da sociedade de consumo na qual supostamente poderá se realizar existencialmente, oferecendo-lhes a seguir determinado produto dito religioso como meio certo de se potencializar e concre-tizar tais empreendimentos de desejo. Em tais discursos não há diferença entre desejos e

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necessidades. Ao contrário, os templos são transformados em verdadeiras universidades do desejo, onde os acadêmicos nunca se formam e cuja diretriz é manter os aprendizes num eterno ciclo de desejo e consumo que já ultrapassa em muito o plano do simbólico. Fabrica-se o desejo e mantêm-se como meio de satisfação do mesmo.

E nesse truque da linguagem de poder não está em jogo apenas o uso de ter-mos já existentes no meio religioso, mas sobretudo sua ressignificação com sentido empresarial carregando-os de intensa carga material que beira o antagonismo em relação aos valores fundantes da significação antes dada aos mesmos pela cristan-dade. Por exemplo, tem-se o termo “dízimo”, que até pouco tempo não encontrava qualquer resistência no meio social, mas que tornou-se há certo tempo sinônimo da ganância e do engodo de certos líderes religiosos.

Tal postura ressignificante modula os novos conteúdos do discurso, fazendo-o a partir de manipulações de sentido determinadas pelo uso do próprio aparato tecnológico de propriedade dos manipuladores, o que nada mais é do que uma forma de “abuso de poder”. Peña-Alfaro (2007, p. 105), por exemplo, pontua que

o uso de elementos publicitários no contexto discursivo iurdiano nos parece um “abuso de poder”, para usar a expressão de Van Dijk, por parte de um grupo poderoso e hegemônico que tem a força comunicacional de seus próprios meios: televisão, rádio e jornal – para veicular e reforçar sua mensagem. A credibilidade da mensagem apoia-se no meio. Aos olhos da população isso é importante, pois da credibilidade do meio depende também a eficácia persuasiva desta mensagem religiosa.

Para emplacar tal discurso finalístico, materialista e mercadológico, estabelece-se uma falsa e inquestionável validade dos meios utilizados, os quais nada mais são do que aparatos manipulados para se concretizar os fins nada religiosos das instituições e grupos que o con-trolam. Forma-se um ciclo vicioso do qual as massas não têm condições de escapar: os fins justificam os meios, que são, ao mesmo tempo, validadores dos fins. E é assim que “se

estabe-lecem as relações de poder e dominação por grupos econômicos ou ideológicos que utilizam a linguagem como formas de controle social, por meio de várias formas de práticas discursivas. Entre essas formas encontramos a retórica e a persuasão” (PEÑA-ALFARO, 2007, p. 104).

São ações superficiais, sem reflexão de sentido e clara intenção de resultados em-presariais, sem relação necessária para uma religiosidade essencial. E tal ideologia, embora construída em termos de discurso a partir de metáforas, se vale na prática de técnicas já há muito conhecidas, porém utilizadas de forma a controlar o consciente e o inconsciente do adepto, dentre elas a publicidade de mercado.

relações entre poderes

A articulação e a manipulação dos poderes

O poder é articulado quando as relações em que ocorrem suas diversas formas são legítimas humanamente falando. Por legitimidade há que se entender o respeito à vontade consciente do indivíduo em sua pessoalidade e relação social. Somente o poder que se exerce

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de forma assim respeitosa poderá ser considerado legítimo e, portanto, uma articulação, pos-tura diversa da praticada pelas novas religiosidades que mais se caracteriza como manipulação. Já a manipulação resta caracterizada quando o poder é exercido a partir de relações cuja articulação, ao ser instrumentalizada, não atende ao mínimo necessário de respeito à vontade consciente do indivíduo. A manipulação pode ocorrer tanto nos casos em que não se procura formar uma consciência crítica no indivíduo até então inconsciente, quan-to nos casos em que se procura formar nele uma ideologia que sustenta uma falsa religião, assim considerada quando o poder usado no discurso não se coaduna com as intenções e os resultados buscados por quem o exerce.

Tanto a articulação quanto a manipulação se valem de todas as prerrogativas, carac-terísticas e ferramentas inerentes já estudadas, no objetivo de alcançar e afetar diretamente a vida e ações de indivíduos e sociedades. Nesse sentido, Ferrari (2007, p. 196-197) pontua:

O poder abrange não só a habilidade de comandar, exigindo obediência às ordens de alguém, mas também o tomar decisões e exercer influências sobre o que foi definido, afetando direta ou indiretamente a vida e as ações dos outros e a si próprio. O exercício do poder envolve uma interação de interesses, valores e atitudes.

A distinção mais nítida, porém, entre articulação e manipulação, está no fato de que na articulação tanto a intencionalidade, quanto os meios utilizados e os resultados alcançados visam a beneficiar o ser humano, quer pessoalmente quer em sociedade, ocupando-se com os âmbitos físico, mental e espiritual. Já quanto à manipulação, conforme o sentido do próprio termo define, os motivos, os meios e os fins não intencionam, nem de longe, contribuir para o benefício pesso-al ou coletivo dos que são submetidos. Enquanto a articulação equilibrada procura a contribuição, a manipulação desequilibrada procura o domínio, a exploração e o controle egoísta. E quando se abandona o ideal de uma articulação equilibrada entre as formas de poder para se exercer a manipulação e dominação, forma-se uma espécie de engrenagem de poder.

A construção dos poderes institucional, político e

econômico a partir do discurso religioso

A partir do desequilíbrio nas relações de poder, forma-se uma engrenagem de na qual é nítida uma inversão de preeminência na intencionalidade, nos meios, na forma e nos resultados buscados com o exercício do poder utilizado, passando a religião para um plano secundário, no qual é condenada a servir apenas de discurso legitimador de um sem número de práticas dominadoras e exploradoras cujo objetivo é na verdade o status

eco-nômico, político e/ou social. Assim surgem, desenvolvem-se e absolutizam-se:

• Poder eclesiástico religioso – ou chamado institucionalismo religioso, entendido como o excesso de absolutização da religião enquanto instituição em detrimen-to da mesma enquandetrimen-to prática de fé. Tal poder superdimensiona a instituição religiosa como infalível (absolutização positiva) ou legítima socialmente (absolu-tização negativa), embora suas práticas não guardem compatibilidade com o

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drão de legitimação religiosa aceito socialmente. Normalmente representa uma tentativa de reagir à críticas que recebe por suas práticas desumanas e antissociais, que são frequentemente defendidas com críticas a outras instituições, bem como recorrendo ao discurso religioso como fonte de legitimação de tais práticas. • Poder político religioso – ou chamado de politismo religioso, entendido como

o a busca prioritária do político em detrimento da prática da fé religiosa, embo-ra o faça a partir de argumentos e práticas espiritualizantes. Tal poder superdi-mensiona a necessidade de que a religião se projete no cenário político, ora sob o argumento positivo de que a fé precisa ser ativa no controle do social, ora sob o argumento negativo de que a fé precisa de defender com armas políticas para não perder espaço de expressão no meio social.

• Poder econômico religioso – economismo religioso, entendido como a busca prioritária do financeiro, do patrimonial em detrimento da prática da experi-ência religiosa com o sagrado, embora o faça absolutamente a partir de argu-mentos e práticas religiosas. Tal poder superdimensiona a necessidade de que a religião seja beneficiada pelos recursos econômicos, ora sob o argumento positivo de que a fé abre-se a uma prosperidade material ilimitada e desejada, ora sob o argumento negativo de que a fé se não provada financeiramente não possibilitará meios de expansão de sua expressão e manutenção no meio social. • Poder social religioso – socialismo religioso, entendido como a busca prio-ritária de determinado status social que prioriza o reconhecimento

institu-cional a partir da força de poder econômico e político, em detrimento do reconhecimento social de uma prática da fé religiosa. Tal status, embora

sustentado por outros poderes, tem no argumento e na prática dita religio-sa sua força motriz. Tal poder superdimensiona a necessidade de que a reli-gião se projete no cenário social a partir dos poderes político e econômico que garanta sua existência, reconhecimento e respeitabilidade. Cria-se uma nova divindade chamada status social, a qual substitui a Deus na garantia

de sucesso de uma suposta fé que passa a ter no dinheiro e na influência política seus principais garantidores.

Esse tipo de poder social religioso referido é a base sobre a qual as chamadas megar-religiões se sustentam. Instituições onde estão os grupos de poder que almejam o máximo de controle econômico e político no âmbito social. Campos (2002, p. 102-103) pontua al-gumas práticas que se observam nessas megarreligiões e que se sustentam do poder social religioso. Dentre elas destacam-se:

• Líderes que se impõem como figuras absolutas de carisma, autoridade e referên-cia para os seguidores, sendo suas decisões e ordens indiscutíveis e obrigatórias; • Atitudes absolutistas e totalitárias quando à instituição, seus

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• Exigência de obediência inquestionável por parte do adepto e do corpo organizacional;

• Extremo controle pessoal e direto de funcionários e adeptos;

• Uso privativo dos bens patrimoniais da organização, inclusive com ocorrência da chamada confusão patrimonial, na qual se fundem na prática os patrimô-nios pessoais e empresariais;

• Profissionalização das técnicas de manipulação e dominação ideológicas; Todas essas práticas são destinadas a controlar primeiramente a informação (CAM-POS, 2002, p. 105), depois o pensamento (estímulos e motivações), a seguir a ocupação do tempo do indivíduo, até se tornar para ele um estilo de vida submisso ao padrão estabelecido pelo grupo dominador. São atitudes nitidamente destinadas a condicionar a mente para uma manipulação sem resistência e um domínio conformado quase impercep-tível para quem é submetido. Campos afirma que são técnicas preparadas para ser “im-plementadas nos processos de reforma do pensamento e de controle do comportamento” (CAMPOS, 2002, p. 104). E isso se dá principalmente a partir das práticas seguintes:

• Manipulação de textos considerados sagrados, a partir de sua interpretação descontextualizada e distorcida, com linguagem simplista que estimula a super-ficialidade perceptiva e apreensiva de seu significado e aplicação prática; • Apelação e estímulo permanente e exclusivo ao emocional e supressão do

ra-cional nas atividades de adoração e interação ritual e simbólica;

• Imposição de mudanças comportamentais sob pena de desligamento do adepto; Assim, a engrenagem se forma e o chamado poder social religioso que daí surge demonstra uma completa mudança e dissimulação da real e essencial religiosidade.

Mudança no foco

O poder social religioso na forma estudada é essencialmente eclesiástico, políti-co e epolíti-conômipolíti-co, apresentando-se a partir de legitimação discursiva nitidamente religiosa. Não é essencialmente religioso com desdobramento eclesiástico, político e econômico. Mudou-se o foco primário de motivação e intencionalidade do poder. O objetivo priori-tário, conforme já demonstrado, é a manipulação, controle, dominação e exploração das massas, embora, lógico, jamais se admitirá tal intencionalidade. E, conforme já disse Fou-cault, “por dominação eu não entendo o fato de uma dominação global de um sobre os outros, ou de um grupo sobre outro, mas as múltiplas formas de dominação que podem se exercer na sociedade” (FOUCAULT, 2006, p. 102).

Não se trata de uma dominação esdrúxula, aberta, clara, mas de atitudes sutis de manipulação a muitos imperceptíveis em razão de virem sob o manto da argumentação religiosa. É por isso que se considera que “as relações de poder estão talvez entre as coisas mais escondidas no corpo social” (FOUCAULT, 2006, p. 133).

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DOSSIÊ

O novo sistema

Pode-se esquematizar da seguinte forma o novo sistema dito religioso que surge no cená-rio pós-moderno brasileiro, no âmbito das novas religiosidades, a partir do poder social religioso:

• Poder religioso + Poder econômico = Mercado religioso e Religião econômica Essa é a equação básica de nossos dias, que dá origem a uma espécie de mercado onde as relações de demanda e oferta de símbolos religiosos é responsável pelo sur-gimento de uma religião econômica, onde a preeminência do valor material suprime e praticamente elimina o valor imaterial das pessoas que são envolvidas no jogo.

• Poder religioso + Poder político = Política eclesiástica e Religião política No tocante a tal equação, Ari Pedro Oro já pontuou que, quer seja em razão do “carisma de função”, quer seja em razão do que chama de “carisma pessoal privado”, “seja como for, os fatos aqui abordados revelam que em nossos países do Cone-Sul o

político, malgrado o seu caráter secular, continua a se articular com o religioso e que a relação entre o político e o religioso pode ocorrer por ângulos variados, e até inespera-dos” (ORO; STEIL, 1997, p. 195-197).

• Poder religioso + Poder econômico + Poder político = Poder social religioso Essa é a equação social destrutiva de nosso tempo. Como registra Freston (1994, p. 14), “vemos que a religião evangélica está chegando a uma série de instâncias sociais nas quais antes tinha presença tímida ou inexistente. O exemplo mais conhecido é o da televisão, a qual será tratada à parte por causa de seu vínculo íntimo com a política.”

Tal realidade se torna problemática à vista da impropriedade de se usar o dis-curso religioso na busca prioritária do econômico e do político. As massas fragilizadas não têm discernimento necessário para perceber tal engodo e dar à histórica e equi-librada religiosidade a isenção que lhe cabe, vez que esta última, assim como a socie-dade, tem sido vítima dos manipuladores que se valem do discurso religioso apenas para suas pretensões e aventuras socais.

Falando do desgaste que essa situação causa à religiosidade equilibrada, Freston (1994, p. 15) pontua que estamos vivendo “esse momento em que a religião evangélica chega despreparada a novos níveis de visibilidade social e se torna religião de massas [e que tal fato] tem sido altamente desgastante para a imagem pública”.

Os resultados mais evidentes, que dentre tantos outros levam a essa imagem social negativa da religião, podem ser exemplificados no fato de que a ideia de mem-bro foi substituída pela de adepto por essas ditas igrejas, demonstrando uma completa dessacralização da pertença religiosa simbólica e institucional. Além disso, a ideia de sacerdócio foi substituída pela ideia de empregados, demonstrando também a dessacra-lização do próprio ofício dos símbolos religiosos cristãos.

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Sem a primazia do sagrado6 no âmbito da espiritualidade, o religioso se torna mero

discurso de legitimação social da manipulação e dominação dos poderes econômico e políti-co. E tal situação deve ser um alerta que inclusive já deixou seu recado gravado na história do próprio cristianismo, em episódios sangrentos como as cruzadas, a inquisição e o facismo.

considerações finais

Diante do fenômeno analisado no presente trabalho, o Estado está sem dúvida desafiado a algumas urgentes reflexões e atitudes acerca da realidade preocupante das relações de poder no âmbito das novas religiosidades no cenário sociocultural brasileiro dos dias hodiernos. O Estado tem o dever de atentar aos:

• Desafios de percepção: perceber a dominação e exploração ideológica que está acontecendo no meio social, sob o manto do discurso religioso;

• Desafios de informação: informar-se adequadamente acerca de tal fenômeno e dele dar publicidade para informar preventivamente os indivíduos e a socie-dade sob sua tutela;

• Desafios de formulação de estratégias: estabelecer estratégias equilibradas para prevenir que tal anomalia social continue ocorrendo;

• Desafios de enfrentamento: tomar providências práticas no sentido de enfrentar o problema dos excessos de religiosidade em território brasileiro, cuidando para que as liberdades religiosas equilibradas se mantenham plenamente garantidas; • Desafios de monitoramento: monitorar com o cuidado devido a articulação

entre poder religioso e poderes econômico e político, com vistas a uma proje-ção social do religioso que seja sempre benéfica às humanidades sob sua tutela; • O maior desafio de todos: manter ações equilibradas no tocante à religiosidade,

não reduzindo seu potencial expressivo, e por outro lado não descuidando da atenção e limites necessários nas suas articulações de poder.

No tocante ao tema examinado, Estado, igrejas e religiosos devem reconhecer que o equilíbrio continua sendo o caminho mais acertado para enfrentamento da questão. Não se pretende afirmar que a Igreja deva se isolar de qualquer contato com os mundos do políti-co e do epolíti-conômipolíti-co, pois tal postura radical representaria a própria impossibilidade de sua institucionalização, formalidade jurídica-política necessária para seu reconhecimento como religião legalizada e consequente funcionamento regular de acordo com o estabelecido no ordenamento jurídico vigente. O que se quer dizer é que a essência dos atos da Igreja deve se pautar exclusivamente pelo religioso, pelo transcendente, pelo sagrado em seu elemento

6 Ocorre quando o sagrado e o espiritual deixam de ser a intenção primária do fazer religioso. “Sagradas são as

experiências, profano é o experiente, o propagandista, o marqueteiro, o vendedor de ilusões – aqui estão inseridos os sacerdotes e empresários da mídia de um modo geral. Profana é a realidade virtual, as alienações, as ideologias, a adulteração do original” (BONOME, 2006, p. 88).

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DOSSIÊ

da fé, embora secundariamente possa se relacionar de forma equilibrada com elementos dos âmbitos político e econômico. Esta proposta é diametralmente oposta ao quadro que se tem visto no cenário midiático, político e religioso brasileiro, no qual alguns grupos têm agido de maneira essencialmente política e econômica e usado a fé religiosa popular apenas como roupagem para suas intencionalidades nada religiosas. Nesse sentido, talvez seja pertinente pontuar a realidade extraída das palavras de Sung (1998, p. 130):

Dizer que a missão da Igreja é religiosa não significa dizer que a Igreja e os cristãos não devem se “intrometer” nas questões como as econômicas, sociais e políticas. Se assim fosse, nós seríamos testemunhas de um Deus totalmente insensível aos sofrimentos de seres humanos, isto é, de um Deus totalmente insensível e cínico. O contrário de Deus que é amor e misericórdia. Significa somente que a ação e os pronunciamentos das igrejas cristãs, enquanto instituições, devem manter a sua especificidade religiosa, isto é, agir e falar a partir de nossa experiência da fé. Mesmo numa sociedade moderna, que se crê secularizada, e até mesmo dentro dos parâmetros da razão crítica moderna há uma tarefa fundamental para as religiões: anunciar a transcendência de Deus para que os seres humanos não se esqueçam da sua condição humana e para que não se absolutize nenhuma instituição social.

Que o Estado enquanto guardião da dignidade humana, da ordem pública e da paz social, crie urgentemente mecanismos que regulem equilibradamente o exercício do poder no que tange à articulação necessária entre seus âmbitos de religiosidade, política e economia, viabilizando sempre a expressão do poder religioso social dado o seu caráter positivo e cons-trutivo, mas ao mesmo tempo combatendo a manipulação que dá margem à expressão do poder social religioso, dado o seu caráter negativo e notoriamente destrutivo da dignidade das humanidades, e consequentemente, ameaçador à própria ordem pública e da paz social.

Para tanto, que se perceba o perigo do “poder” que está sempre por trás dos Pode-res. Um poder social religioso que procura a todo custo se absolutizar no cenário socio-cultural brasileiro, no qual se percebe o uso da religiosidade como mero instrumento de construção e manutenção dos interesses político e econômico. Que ao se perceber seus riscos para o indivíduo, para a sociedade e para o próprio Estado, que este último reaja equilibradamente no sentido de proteger a dignidade de seus tutelados, ao mesmo tempo em que zele pela ordem pública e a paz social.

E assim finaliza-se voltando à questão levantada preliminarmente por este traba-lho nas palavras de Giumbelli (2002, p. 256): “A liberdade espiritual deveria se estender à esfera econômica? Os limites econômicos implicavam em restrições espirituais? En-fim, o que fazer com essas entidades econômico-espirituais?”. O mesmo autor respon-de: “a liberdade religiosa garantida pela Constituição não pode estar em desarmonia com interesses que [ela mesma a Constituição] atribui indistintamente ao Estado, à Nação e à ordem civil” (GIUMBELLI, 2002, p. 257).

É urgente não somente reconhecer, mas também combater o exercício de poder que se mostra religioso apenas no discurso e que se vale da manipulação, dominação,

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exploração e controle: o poder social religioso hodiernamente presente no contexto so-ciocultural brasileiro. A religião, as religiosidades e os religiosos que se mantêm no âmbito adequado da fenomenologia espiritual clamam pelo socorro estatal!

referências bibliográficas

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CAMPOS, L. S. As mutações do campo religioso. Caminhando. São Bernardo do Campo, v. 7, n. 9, 2002. FERRARI, O. A. Bispo S/A: a Igreja Universal do Reino de Deus e o exercício do poder. São Paulo: Ave-Maria, 2007.

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FRESTON, P. Evangélicos na política brasileira: história ambígua e desafio ético. Curitiba: Encontrão, 1994.

GIUMBELLI, E. O fim da religião: dilemas da liberdade religiosa no Brasil e na França. São Paulo: Attar Editorial, 2002.

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Referências

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