Cultos em memória dos mortos?

Cultos em Memória dos Mortos?

N O TA EXPLICATIVA

N o a n o d e 1977, um D istrito E clesiá stico d a IECLB le v a n t o u a p e r g u n t a p e lo s c u lto s e m m e m ó r i a d e pessoas fa l e c i d a s . C o n s ta to u q u e n ã o ra ra s v e z e s pasto re s nossos s ã o s o lic ita d o s " a r e a l i z a r e m

c u ltos e m m e m ó r i a d e m o rto s (ap ós m eses e a n o s de

f a l e c i m e n t o ) " . Os p as to re s do Distrito d is c u tira m a q u e s tã o v á ria s vezes. M a s n ã o c h e g a r a m a " c o n c l u s õ e s s a tis fa t ó r ia s " . P e d ira m , e n tã o , e s c la r e c im e n t o s a um g r u p o d e pessoas q u e , na é p o c a , e ra a C o m is s ã o T e o ló g ic a C e n tra l d a IECLB. Do e s tu d o d a q u e s tã o p a r t i ­ c i p a r a m os Srs. D ire to r A r n i l d o H o p p e n , E co n o m is ta E d v in o W e n d t, Pastores W i l h e l m B o e s e m a n n , W i l f r i d B u c h w e itz , W i l f r i e d Hase- n ac k . M a g . Ervino S ch m id t, M a r tin V o l k m a n n e o a u t o r d esta n ota . Essas pessoas c o n c l u í r a m seu t r a b a l h o e m a g o s to d e 1978, e l a b o ­ r a n d o u m te x to s o bre o assunto. U m r e s u m o d o c o n t e ú d o fo i p u b l i ­ c a d o n o n ° 21 do J o r n a l E v a n g é lic o d e 1978 ( I a q u i n z e n a d e n o ­ v e m b r o ) sob o títu lo " U m m a i o r a c o m p a n h a m e n t o a os e n l u t a d o s ,

é a r e c o m e n d a ç ã o d a C o m is s ã o T e o ló g ic a C e n tr a l às nossas c o m u ­ n id a d e s " . H o je , p r o v a v e l m e n t e p o u c o s s a b e m da p u b lic a ç ã o , e a in d a m e n o s pessoas t ê m acesso à r e s p e c tiv a e d i ç ã o d o J o r n a l E v a n g é lic o . O assunto, n o e n ta n t o , c o n t i n u a s e n d o a tu a l — n ã o a p e n a s os c u lto s e m m e m ó r i a de pessoas f a l e c i d a s p r o p r i a m e n t e d ito s , e sim t a m b é m tu d o o q u e está r e l a c i o n a d o co m m o r te , luto, v id a a pó s a m orte . Por isso c o n s id e r a m o s o p o r t u n o p u b li c a r na ín ­ t e g r a o te x to e l a b o r a d o há a no s . A d v e r t i m o s , p o r é m , os le ito re s q u e n ã o se tra ta , a g o r a , d e u m a p u b li c a ç ã o d a C o m is s ã o T e o l ó g i ­ ca, e sim d o g r u p o de pessoas m e n c io n a d a s a c im a . Seu t r a b a l h o é u m a c o n t r i b u i ç ã o p a ra a r e f l e x ã o s o b re e s c a t o l o g ia cristã.

1. A SITUAÇÃO EM NOSSAS COMUNIDADES

A m o r te é o q u e m a is a b a l a a v i d a d o h o m e m . Isso n ã o só no s e n tid o d e e la f i n a l m e n t e ser m ais fo rte d o q u e a v i d a , mas

ta m b é m p e lo fa to d e p ro v o c a r m il in ce rte za s n o d ia - a - d ia . Q u e é

m o rte ? Por q u e m o r te ? Q u a n d o m o rte ? C o m o ? Q u e v e m d e p o is ? Estas e o u tra s p e r g u n t a s a c o m p a n h a m o h o m e m m a is ou m e n o s de p e rto .

Em g e r a l o h o m e m d o c a m p o e n c a r a a m o r te co m m a i o r n a ­ tu r a l id a d e . Ela faz p a rte , in t e n s a m e n t e , d e seu m u n d o . A n i m a i s m o r r e m todos os d ia s e e m m u ito s casos o p r ó p r i o h o m e m os a b a te . Plantas n a s c e m e d e s a p a r e c e m , o a g r ic u l t o r s e m e ia , c u lt iv a e c o ­ lh e m u ita s d e la s . U m dos s ím b o lo s d a m o r te , o q u a d r o d o h o m e m co m a g a d a n h a , p r o v é m d a e x p e r i ê n c i a d o a g r ic u l t o r .

N a c id a d e o h o m e m p e r c e b e m u i t o m e n o s esta n a t u r a l i d a ­ d e . Há p o u c a o p o r t u n i d a d e de assistir à m o rte de a n i m a i s e v e g e ­ ta ç ã o , e os p r ó p r io s seres h u m a n o s m o r r e m nos h o s p ita is , lo n g e do s eio da f a m í li a .

C om m a i o r ou m e n o r in t e n s id a d e , no e n ta n t o , a m o r te traz a i n s e g u r a n ç a à m a i o r i a dos h o m e n s . A l g u n s e x e m p l o s p o d e m ilu s tra r isso m a is c l a r a m e n t e : N ã o se f a l a d a m o r te ; p r o c u r a - s e e v i ­ ta r esse a ss u n to . Existe r e l a t iv o m e d o d e passar p e r to d e c e m i t é ­ rios, e s p e c ia l m e n t e à n o ite . Procura-se n ã o m o r a r p r ó x i m o a casas fu n e r á r ia s . R ecorre-se a c a lm a n t e s p o r o c a s iã o d e e n te rr o s . Tenta - se m a n t e r as c r ia n ç a s lo n g e d e pessoas fa l e c i d a s . A c o n v e rs a dos q u e e s tão p re s e n te s a u m v e l ó r i o m u ita s ve z es é u m a c o n v e rs a n e rv o s a , as m e s m a s fra s e s se r e p e t e m i n ú m e r a s vezes, m il e u m a te n t a tiv a s d e e n t e n d e r a m o rte , de n e g á - l a , de ju s t if ic á - la , de d e s a p r o v á - l a e d e assim ou f u g i r d e l a ou te n t a r d o m e s t i c á - l a . E u m a r e a li d a d e p re s e n te e m g r a n d e p a r te e m nossas c o m u n i d a d e s , a p e s a r d e o f i c i a l m e n t e se c o n fe s s a r que a m o r te n ã o te m m a is a ú l t i m a p a l a v r a , q u e a p a r tir da r e s s u rr e iç ã o d e Jesus C risto a v i d a é q u e está v ito rio s a s o bre to do s os seus in im ig o s , in c lu s iv e s o bre o m a is fo rte d e le s , a m o rte .

D e n tro dessa r e a l i d a d e , m e m b r o s d e nossas c o m u n i d a d e s p r o c u r a m os seus p as to re s p a r a q u e r e a li z e m c u ltos e m m e m ó r i a d e seus m o rto s . De o n d e p r o v é m a p rá tic a desses cultos? Q u e se o b j e t iv a c o m os m e s m o s ?

2. AS MISSAS PELOS MORTOS N A IGREJA CATÓLICA 2.1. S olidariedade com os mortos

P a r tin d o d a e s p e r a n ç a cristã p e l o R e in o d e Deus, a Ig re ja C a tó lic a R o m a n a a f i r m a q u e os cristãos v iv o s p o d e m a j u d a r os m o r to s d e v á ria s m a n e ir a s . Os m e io s m a is im p o r t a n t e s d e a j u d a ou s u f r á g i o são a m issa, c o m o m e i o p r i n c i p a l e m a is e f i c i e n t e (C o ncí­ lio de T re n to, s é c u lo XVI), e a o ra ç ã o . T o d a a a j u d a a os m o rto s pre s s u p õ e a i m o r t a l i d a d e d a a l m a e a e x is t ê n c ia do p u r g a t ó r i o .

Desde 151 3 ( C o n c ílio d e Latrão V = 18° C o n c ílio E c u m ê n ic o ) a d o u t r i n a d a i m o r t a l i d a d e d a a lm a é, na Ig re ja C a t ó lic a , u m d o g ­ m a , isto é, u m a a f i r m a ç ã o i r r e v o g á v e l da fé c a t ó l i c a ( l ). Q u a n d o o c ris tão m o r re , sua " a l m a i m o r t a l ” g e r a l m e n t e passa p e l o p u r g a t ó ­ rio . Nesse " l u g a r " a c o n s c iê n c ia da c u lp a c a s tig a o p e c a d o r " c o m o f o g o " . Dessa m a n e i r a e l e é p u r if ic a d o . Pois s o m e n t e a ssim , co m a a l m a t o t a lm e n t e p u r a , p o d e e n tr a r na f e l i c i d a d e e t e r n a d o p a r a í- so(2).

T a m b é m d u r a n t e sua p e r m a n ê n c i a no p u r g a t ó r i o a pessoa c o n t i n u a a p e r t e n c e r a o c o r p o m ístico d e C risto , à c o m u n h ã o dos s a nto s ( = cristão s). Por isso o u tr o s m e m b r o s desse c o rp o , o u seja, os fié is na te rra e os santo s n o cé u , p o d e m a j u d á - l a p a ra a t e n u a r seus c a stigo s ou a c e l e r a r o pro cesso d e p u r if ic a ç ã o e a e n t r a d a no p a ra ís o (3 ).

(1) D EN ZIN G ER , H e n ric u s . E n c h irid io n S y m b o lo ru m , D e fin itio n u m e t D e d a r a t io n u m d e

R eb us F id e i e t M o r u m . Ed. p o r A d o lf S chon m e tz e r. 3 3 .e d . B a rc e lo n a , H e rd e r, 1965, n °

1 4 4 0 ; B A R T M A N N , B e rn a rd o . T e o lo g ia D o g m á tic a . T ra d , d e V ic e n te P e d ro s o . São P a u ­ lo , P a u lin a s , 1962. v. 1, p. 4 2 6 -9 ; FIO R EN ZA, F ra n cis P. & METZ, J o h a n n B a p tis t. O h o ­ m e m c o m o u n iã o d e c o rp o e a lm a . In : FEINER, J o h a n n e s & LÖHRER, M a g n u s . M y s te ­

r iu m S a lu tis . C o m p ê n d io d e D o g m á tic a H is tó r ic o - S a lv ífic a . T ra d , d e B e rn a rd o Lenz.

P e tró p o lis , V o z e s , 1972. v. 11/3, p. 55-6. 6 7-8 .

(2 ) " ( . . . ) o b o m se n so e o s e n tim e n to m o ra l e x ig e m a p o s s ib ilid a d e d e u m a p u rific a ç ã o d e p o is d a m o rte , p o r tu d o o q u e n ã o é c o m p le ta m e n t e p e r f e it o . " (B A R T M A N N , B e r­ n a rd o . o p . e it . , v. 3, p. 4 2 4 ) "E x is te o p u r g a tó r io , isto é, u m e s ta d o d e p u r ific a ç ã o m o ­ r a l, e m q u e a s a lm a s n ã o a in d a c o m p le ta m e n t e p u ra s s ã o p u r ific a d a s m e d ia n te p e ­ nas, to r n a n d o - s e d ig n a s d o c é u . " ( ib ., p . 4 4 8 ) v. ta m b é m S C H M ID T -C L A U S IN G , F ritz. F e g fe u e r [P u r g a tó r io ]. In: D ie R e lig io n in G e s c h ic h te u n d G e g e n w a r t [A R e lig iã o na H is to ria e n o P re s e n te ]. T ü b in g e n , M o h r , 1958. v. 2, co l. 8 92 -4 .

(3 ) M A Y E R , R o b e rt. A r m e S e e le n [A I m a s d o s f a le c id o s ]. In : o p . e it . , T ü b in g e n , M o h r , 1957. v. 1, co l. 609.

2 . 2 . O ração pelos mortos

Desde os te m p o s d a Ig re ja A n t i g a , cristãos o r a v a m p o r seus m o rto s . N a I g r e ja C a t ó lic a h o u v e e há o ra ç õ e s p a r tic u la r e s e o r a ­ ç õ e s nas missas e m g e r a l .

2 .2 .1 . O rações particulares

O c o s tu m e c ris tã o d e o r a r p e lo s m o rto s te m sua o r i g e m p r o ­ v a v e l m e n t e n o j u d a í s m o . Os ju d e u s e s ta v a m c o n v ic to s de q u e se p o d e a ju d a r os p e c a d o r e s fa l e c i d o s p o r o ra ç õ e s e s a c rifíc io s ; assim o f a l e c i d o se ria p u r i f i c a d o d e seus p e c a d o s . II AAacabeus 12.39-46 f a l a e x p r e s s a m e n t e d e " sacrifícios p e lo s p e c a d o s dos m o r to s ” e d o “ o r a r p e lo s m orto s , p a r a q u e s e ja m liv re s d os seus p e c a d o s " . Sa­ c r ifíc io s e o ra ç õ e s tê m sua r a z ã o d e ser e m vista d a re s s u rre iç ã o .

Q u a n d o os cristãos d o s p r i m e i r o s s é c ulos o r a v a m p or seus m o rto s e m g e r a l ou p o r d e t e r m i n a d o s m orto s , sua i n t e n ç ã o e ra r e c o n c i l i á - lo s c o m Deus o u p e d i r p a ra e le s paz, a l í v i o e v i d a e m Deus ou e m Cristo ou p e d i r q u e fo s s e m " l e v a d o s a o l u g a r dos jus­ tos e ( . . . ) q u e lhes fo sse d a d a a v i d a e t e r n a . ”

2 .2 .2 . O rações na missa(4)

Desde o s é c u lo IV, o m a is ta rd a r , as c o m u n i d a d e s cristãs i n c l u í r a m u m a o ra ç ã o p e lo s m o rto s t a m b é m na l i t u r g i a d a missa d o m i n i c a l . A o r a ç ã o é c h a m a d a " M e m e n t o dos m o r t o s " . C o m e ç a c o m a p a l a v r a la t in a " m e m e n t o " = " l e m b r a - t e " . D irig e -s e a Deus p a r a " c o m o v e r seu c o r a ç ã o " (C ris ó s to m o ). Pede-se q u e Deus se l e m b r e d os f a l e c id o s . Nesse " M e m e n t o " o r i g i n a l m e n t e e r a m m e n c io n a d o s os n o m e s dos f a l e c i d o s ou d e a lg u n s fa l e c i d o s p r o e ­ m in e n te s da c o m u n i d a d e . M a is ta rd e c o m e ç o u - s e a fa z e r , e m lu ­ g a r disso, u m a o r a ç ã o e m s ilê n c io . O te x to t r a d i c io n a l d o " M e ­ m e n t o " é m u ito a n t i g o . A o la d o d e l e a r e f o r m a lit ú r g i c a d e c o r r e n

-(4 ) J U N G M A N N , J o s e f A n d re a s . M is s a ru m S o lie m n ia . Eine g e n e tis c h e E rk lä ru n g d e r r ö ­ m is c h e n M e s s e [A s c e le b r a ç õ e s d a s m issas. U m a e x p lic a ç ã o d a e v o lu ç ã o d a m issa r o ­ m a n a ] . F re ib u rg , H e rd e r, 1952. v. 2, p. 2 9 5 -3 0 8 ; M A R T IM O R T , A im é - G e o r g e s , e d .

H a n d b u c h d e r L itu r g ie w is s e n s c h a ft [M a n u a l d a c iê n c ia d a lit u r g ia ] . T ra d . d e M ir ja m

te d o C o n c i li o V a t i c a n o II s u g e riu o u tr a s o ra ç õ e s , s e m p r e v e r e x ­ p r e s s a m e n te u m a o ra ç ã o e m s ilê n c io ( 5 ) . O " M e m e n t o " t r a d i c io n a l te m o s e g u in t e s e n tid o . A c o m u n i d a d e , c e l e b r a n d o a e u c a ris tia , p e d e a Deus le m b r a r - s e d a q u e le s q u e n ã o p o d e m p a r t i c ip a r m ais d essa c e le b r a ç ã o . P r e c e d e r a m - n o s na m o r te m a r c a d o s co m o sinal d a fé ( = o b a tis m o ou os s a c r a m e n t o s e m g e r a l ) . A g o r a e s tão d e f i ­ n i t i v a m e n t e in c o r p o r a d o s e m Cristo, c h e io s de sua v i d a , e m b o r a a in d a n ã o t o t a lm e n t e p e r f e i t o s ; tê m a i n d a nos pés a p o e ir a de sua p e r e g r i n a ç ã o te rre s tre . Para e le s a c o m u n i d a d e p e d e o so no d a paz, p ois p a r a e le s t e r m i n a r a m a c o m p e t i ç ã o e a lu ta d es ta v id a . A g o r a é - l h e s d e f i n i t i v a m e n t e g a r a n t i d a a p a z e m Cristo.

2 .3 . As missas pelos mortos

A o l a d o das missas r e g u l a r e s a Ig re ja C a t ó lic a R o m a n a c o ­ n h e c e as missas p a r tic u la r e s ou v o tiv a s . São missas c e le b r a d a s e m d e t e r m i n a d a s s itu a ç õ e s e m vista de p r e o c u p a ç õ e s ou n e c e s s id a d e s e s p e c ífic a s dos fié is (p. e x ., v ia g e n s , d o e n ç a s , a n iv e r s á rio s , e s tia ­ g e m , etc.). A esse tip o d e missa p e r te n c e m t a m b é m as missas p e ­ los m orto s , r e z a d a s p o r o c a s iã o d a m o r te e d o e n te r r o de u m a p e s ­ soa e c o m o a ju d a a u m f a l e c i d o no p u r g a t ó r i o . As missas p e lo s

m o r to s tê m suas raízes e m a n tig o s co s tum es cristãos ( c e l e b r a ç ã o da e u c a ris tia e m h o m e n a g e m a um m á r tir) e n ã o -c ris tã o s ( c e r im ô n ia s c o m e m o r a t i v a s e m h o m e n a g e m a u m f a l e c i d o ) . N a Ig re ja A n t i g a s u rg iu o c o s tu m e d e c e le b r a r a a u c a r is tia ju n to a o t ú m u l o d e u m f a l e c i d o . N a Id a d e M é d i a to rn o u -s e p r a x e , e n tr e os m o n g e s dos c o n v e n to s , re z a r missas p e lo s m orto s. A p r a x e e s p a lh o u - s e t a m ­ b é m e n tr e o p o v o . Essas missas e r a m m u ito i m p o r ta n t e s p a ra a v i ­ v ê n c i a r e lig io s a d o p o v o . C o m o d a ta s fi x a r a m - s e , s e g u in d o o a n t i ­ g o c o s tu m e n ã o -c r is tã o , o 3 o , o 7 o e o 30° d ia s a p ó s o f a l e c i m e n t o e o a n i v e r s á r i o d o d i a d a m o r te (6 ).

Desde a r e f o r m a litú r g ic a d o C o n c ílio V a t i c a n o II os f o r m u ­ lários litú r g ic o s p a r a as missas p e lo s m orto s o f e r e c e m v á ria s o p ­ çõ es nas o ra çõe s. A l é m disso há f o r m u l á r i o s p a ra as e x é q u ia s ,

pa-( 5 ) M is s a l R o m a n o . São P a u lo , P a u lin a s , 1973, 4 88 -9 . 4 96. 5 0 2 -3 . 5 1 2 ; M is s a l D o m in ic a l.

M is s a l d a a s s e m b lé ia c ristã . São P a u lo , P a u lin a s , 1980, 5 64. 567. 570. 575.

(6 ) DIENST, K a rl. S e e le n m e s s e n [M is s a s p e lo s m o rto s ; lit e r a lm e n t e : p e la s a lm a s ]. In : D ie

R e lig io n in G e s c h ic h te un d G e g e n w a r t [A R e lig iã o n a H is tó ria e n o P re s e n te ], T ü b in ­

ra o a n i v e r s á r i o d o f a l e c i m e n t o e p a r a d iv e rs a s c o m e m o r a ç õ e s d o f a l e c i d o , s e m p re c o m v á ria s o p ç õ e s (7 ). Isso p o s s ib ilita m u ita s v a ­ riações.

Já d e s d e o s é c u lo XIII é u s ad o, nas missas p e lo s m orto s, o i n t r ó it o " R e q u i e m e t e r n a m " . Foi t i r a d o d e IV Esdras 2 .3 4 -3 5 : " D á - lhes, S e nh o r, o r e p o u s o e t e r n o e b r i l h e p a r a e le s a tua l u z . " Daí a m issa p o r u m m o r to é c h a m a d a " r é q u i e m " ( 8 ) . Q u a n t o m a is c la r a m e n t e a missa f o i c e le b r a d a c o m o s a c rifí­ c io , ta n to m a is im p o r t a n t e to r n a r a m - s e as missas p e lo s m ortos. São, e m p r i m e i r o lu g a r, u m s a c rifíc io p r o p i c i a t ó r i o e d e p e t i ç ã o ou u m a s a tis fa ç ã o p e lo s p e c a d o s d o m o r to . A c o m u n i d a d e ou a f a m í ­ lia d o f a l e c i d o p e d e m a Deus q u e c o n c e d a à a l m a no p u r g a t ó r i o o p e r d ã o d os p e c a d o s e d e seus ca stigos. O r i g i n a l m e n t e os e l e m e n t o s p r e d o m i n a n t e s nas missas p o ­ ios m o rto s e r a m o to m d e p a z e a l e g r i a , a l e m b r a n ç a d a r e s s u rr e i­ ç ã o de C risto e d os m orto s, a l e m b r a n ç a d o t r i u n f o p ascal e da c e ia e s c a to ló g ic a c e le s tia l. Os tre c h o s b íb lic o s lid o s nessas missas (J oã o 5 .2 5 -2 9 ; 6 .3 7 -4 0 ,5 1 -5 5 ; 11.21 -27) t a m b é m d e s ta c a m a fé e m Cristo, o q u a l é " a r e s s u rr e iç ã o (dos m orto s ) e a v i d a " (J oã o 1 1.25a). Na I d a d e M é d i a , p o r é m , o c a rá te r dessas missas m u d o u . Foi i n t r o d u z i ­ d o o c a n to d o " D i e s i r a e " (Dia da ira , isto é , d o ju íz o ). D e s ta c a ra m se, a g o r a , o m e d o d o J u íz o F inal, o luto, a triste za, a inte rc e s s ã o p e lo s m o r to s no p u r g a t ó r i o . A d o t o u - s e a c o r p re ta c o m o c o r litúrgi- ca. N o Brasil C o l o n i a l , as missas p e lo s m o r to s e r a m u m a i m p o r t a n ­ te " f o n t e d e r e n d a p a r a os s a c e r d o te s " ( 9 ) .

A Ig re ja C a tó lic a e n c o n tr a a p r i n c i p a l (ú n ic a ? ) f u n d a m e n t a ­ çã o b íb lic a p a r a as missas p e lo s m o rto s e m II M a c a b e u s 12.42-46. Esse liv ro , q u e p a r a nós p e r te n c e aos assim c h a m a d o s “ escritos a p ó c r i f o s " , fa z p a r te , s e g u n d o a d o u t r i n a c a tó lic a , da S a g r a d a Es c r it u r a ( l 0).

As r e fo r m a s litu r g ic a s d o C o n c ílio V a tic a n o II v is a m t a m b é m m u d a n ç a s m a is p r o f u n d a s na p rá tic a das missas p e lo s m ortos. Pensa-se na p o s s i b i l i d a d e d e in s tru ir e e d u c a r os fié is no s e n tid o de

(7) M is s a l R o m a n o (v. a n o t. 5), p. 9 3 5 -7 2 .

(8) JAM M E R S , E w a ld . R e q u ie m [R é q u ie m ], ln : o p . c it., c o l. 106 6 -7 .

(9) H O O R N AERT, E d u a rd o . A c r is ta n d a d e d u r a n te a p r im e ir a é p o c a c o lo n ia l. In: - e t a lii. Hi s tó ria d a Ig r e ja n o B ra s il. E n sa io d e in t e r p r e ta ç a o a p a r t ir d o p o v o . P rim e ira E p o ca. In : C O M IS S Ã O DE H ISTÓ R IA D A IG REJA N A A M É R IC A L A T IN A , e d . H is tó ria G e r a l d a

Ig r e ja n a A m e r ic a L a tin a . P e tró p o lis , V o z e s , 1977. t. 2, p. 300.

v e n c e r " a i d é i a u m ta n to m á g ic a d o 7 o e 3 0° d ia s ” . A p a r tir d o C o n c e ito " F a m í l i a - l g r e j a " f o m e n t a - s e a p a r t i c ip a ç ã o d e to d a a " f a m í l i a e c le s i a l ” ( = c o m u n i d a d e p a r o q u i a l ) na m o rte de seus ir­ m ã o s n a fé . S u g e re -s e q u e a c o m u n i d a d e se r e u n a " n u m d i a f i x o p o r s e m a n a (ou p o r m ês), a f i m d e re z a r p e l o s m o rto s , i n c lu in d o - s e n e s te d i a os q u e m o r r e r e m na s e m a n a ou n o m ê s ” . A s s u ge s tõe s m o s tr a m a p r e o c u p a ç ã o d a Ig re ja C a t ó lic a c o m o a s s un to, sua f l e ­ x i b i l i d a d e e sua i n t e n ç ã o d e c h e g a r à " p a r t i c i p a ç ã o a t i v a ” d e todos " n a v id a litú r g ic a d a sua c o m u n i d a d e ” ( 11). A p rá tic a da Ig re ja C a ­ tó lic a é u m a te n t a tiv a de v ir a o e n c o n tr o da p r o b l e m á t i c a le v a n t a ­ d a p e la m o rte . Essa p r á tic a , c o m o v im o s , p re s s u p õ e a c re n ç a na i m o r t a l i d a d e d a a l m a e na e x is t ê n c ia d o p u r g a tó r io .

3. IMORTALIDADE OU RESSURREIÇÃO?

3.1. Im o rtalid ad e da alm a segundo a filosofia grega

A c o n c e p ç ã o d a i m o r t a l i d a d e d a a lm a está c l a r a m e n t e d e ­ s e n v o lv i d a e m Platão, e m e s p e c ia l e m seu liv ro F é d o n . S e g u n d o essa c o n c e p ç ã o , c o r p o e a lm a são d ua s p artes d is tin ta s na pessoa: o " s o m a " ( c o rp o ) é o e l e m e n t o m o r ta l, ao q u a l é a c re s c id a a a lm a c o m o s e n d o o e l e m e n t o im o r t a l . N ã o o b s ta n te o c o rp o ser a p a rte visível d o h o m e m , e le n ã o r e p re s e n ta tu d o na pessoa. S o m e n te a a l m a u n id a a o " s o m a " é q u e p e r fa z a pessoa to da . E co m isso a a l ­ m a r e p re s e n ta o e le m e n t o m ais i m p o r t a n t e no ser h u m a n o . D o m i ­ n a e d e t e r m i n a o c o rp o , o r i e n t a n d o e f i x a n d o - o nas coisas d o alto, às q u a is a a lm a está l i g a d a . O c o r p o , p o r sua vez, a tra v é s das p a i ­ x õ e s d a c a rn e , p r o c u r a d e s v ia r a a lm a para as coisas te rre na s , t o r n a n d o - a m a c u la d a . A s s im , o c o r p o é v is ív e l, te r r e n o , m o r ta l; a a l m a , no e n ta n t o , é in v is ív e l, d i v i n a , im o r ta l. A a lm a im o r ta l é c o ­ m o u m pássaro p re s o n u m a g a i o l a ( — c o rp o ) à e s p e ra de sua li­ b e r t a ç ã o na m o rte . A m o r te n ã o re p re s e n ta o f i m do c o r p o e da a l ­ m a, mas s o m e n te o f i m d o c o rp o m o r ta l, e n q u a n t o q u e a a lm a im o r t a l v o lt a à sua m o r a d a c e le s tia l.

(1 1) C o n c i li o V a t i c a n o l l, D e c r e t o s o b r e o a p o s to la d o d os le ig o s , 10. In : C o n c ílio Ecum ênico

V a tic a n o II . C o n s titu iç õ e s D e c re to s D e c la ra ç õ e s D o c u m e n to s e D iscu rso s P o n ti- flc io s . S õ o P a u lo , P a u lin a s , 1967, p. 383.

3.2 . Corpo e alm a segundo o Novo Testam ento

E n q u a n to na f i l o s o f i a g r e g a o ser h u m a n o " t e m " c o r p o e a l ­ m a , isto é, é f o r m a d o d e d u a s p a rte s d is tin ta s , no N o v o T e s ta m e n to a pessoa " é " c o r p o e a l m a , d e p e n d e n d o d o p o n to d e vista de c o ­ mo a e n c a r a m o s . O ser h u m a n o é " s o m a " q u a n d o e le m e s m o se to rn a o b j e t o de sua a ç ã o o u q u a n d o e l e s o fre u m a a ç ã o . O N o v o T e s ta m e n to fa la d e " s o m a " p a ra d e s i g n a r q u e a pessoa p o d e usar a si m e s m a p ara r e a liz a r a lg o , ou seja , o ser h u m a n o p o d e ter u m a r e la ç ã o p a r a c o n s ig o m e s m o (R o m a n o s 12.1; 6 .1 2 -1 4 ; I C o rín tio s 9.2 7; 13.3; F ilip e n s e s 1.20). E nisso há u m a d u p l a p o s s ib ilid a d e p a ­ ra e le : o u sentir-se d e a c o r d o c o m o c o r p o , c o n s ig o m e s m o , ou n o ­ tar u m a d is c r e p â n c i a com o c o rp o , sentir-se p a r tid o e d o m i n a d o p o r u m p o d e r e s tra n h o . Esse p o d e r e s tr a n h o q u e d o m i n a o h o m e m é a c a rn e . Esta é a n te s de m a is n a d a a m a té r ia v is ív e l, tu d o o q u e e xiste (R o m an os 2.28; II C o rín tio s 4 .11 ), p o d e n d o in c lu s iv e d e s i g ­ n a r a pessoa (R o m a n o s 3 .2 0 ; II C o rín tio s 7.5). C a rn e , p o r ta n to , d e ­ s ig n a a e s fe ra te r r e n a , p a s s a g e ir a , d e n t r o d a q u a l o ser h u m a n o se m o v i m e n t a (II C o rín tio s 10.3; G á la ta s 2.20) e q u e n ã o é m á de p r i n ­ c íp io. M a s j u s t a m e n te p o r o h o m e m n ã o resistir à t e n t a ç ã o de o r i e n t a r sua v id a p ara essa c a rn e , p r o c u r a n d o n e la a r a z ã o e o o b ­ je t iv o de sua e x is t ê n c ia , essa e s fe r a passa a ser um p o d e r q u e d o ­ m in a o ser h u m a n o : e l e passa a v iv e r " s e g u n d o a c a r n e " ( R o m a ­ nos 8 .4 ; II C o r ín tio s 1.17; 10.2). C o m isso a c a rn e p o d e ser s i n ô n i m o d e p e c a d o , p o r q u e os q u e v i v e m " s e g u n d o a c a r n e " só p r o c u r a m as coisas p a s s a g e ira s (R o m a n o s 8.5ss).

A ssim c o m o o ser h u m a n o " é " c o rp o , assim t a m b é m " é " a l ­ m a. Portanto, a l m a n ã o é u m a p a rte d o h o m e m , mas d e s ig n a o h o m e m to do . E a fo r ç a da v id a ou s i m p l e s m e n t e a p r ó p r ia v id a (Gênesis 2.7; 19,17; Sal mos 6 .4; 23.3 ; Jere m ia s 6 .1 6 ; M a te u s 2.20; 6 .25 ; J o ã o 1 0.1 1; R o m a n o s 11.3; 16.4; II C o r ín tio s 1.23). A l ma d e ­ s ign a o ser h u m a n o c o m o ser v i v e n t e q u e q u e r a lg o , q u e a g e . A s ­ sim, a a lm a fa z p a r te da e s fe ra h u m a n a e te rr e n a . N ã o p e r te n c e a u m a e s fe ra c e le s tia l, c o m o se tivesse sua e x is t ê n c ia real fo ra do c o rp o . Pelo c o n tr á r io , para o N o v o T e s ta m e n to é im p o s s ív e l a e x is ­ tê n c ia d a a l m a , d a v id a e n f i m , sem c o rp o (v. I C o r ín tio s 15.35s).

M as, assim c o m o o ser h u m a n o p o d e ser d o m i n a d o p e lo p o ­ d e r da c a rn e , da m e s m a f o r m a p o d e ser d e t e r m i n a d o p o r u m o u tro p o d e r , o d o Espírito. A a ç ã o l i b e r t a d o r a de Cristo c o n c e d e o Espírito

c o m o n o v o fo rç a o r i e n t a d o r a p a r a a v id a . M e s m o p e r m a n e c e n d o n a e s fe ra d a c a r n e , o h o m e m p o d e a g o r a d e i x a r de v i v e r " s e g u n ­ d o a c a r n e ” p a r a v i v e r " s e g u n d o o E s p írito " (R o m a n o s 8 .4 ; G á la ta s 5.1 6 -2 5 ). Espírito é, pois, a e s fe ra d i v i n a , in v is ív e l, e te r n a . N ã o q u e p a s s e m o s a ter n o v a a l m a ou o u tr a c o r p o r a l i d a d e , m as q u e o Espírito d i v i n o passa a d e t e r m i n a r nosso c o r p o e nossa a lm a , c o lo c a n d o - n o s sob o p o d e r e d o m í n i o d a cruz de Cristo.

3 .3 . A m orte — o últim o inim igo

Para P latão, a m o r te n ã o é um i n i m i g o ; p e l o c o n tr á r io , a a l ­ m a im o r ta l a n s e ia p e l a li b e r t a ç ã o q u e a m o r te traz. Essa a f i r m a ç ã o é im p o s s ív e l p a r a o N o v o T e s ta m e n to . A m o rte está d i a m e t r a l m e n ­ te o p o s ta à v id a , q u e é a c a ra c te rís tic a d e Deus. Assim , a m o r te é s e m p re u m a in t e r v e n ç ã o no d o m í n i o d e Deus. In t r in s e c a m e n t e l i ­ g a d o a isso está a o u tr a a f i r m a ç ã o : m o rte é o c a s tig o d o p e c a d o (R o m a n o s 6.23). Por o h o m e m o p t a r e m o r i e n t a r sua e x is t ê n c ia na c a r n e , nas coisas t e rr e n a s e p a s s a g e ira s , e l e fa z disso seu d e u s . E c o m isso o p ta p e l a m o r te a o in v é s da v id a . Assim , a m o r te passa a ser a d e t e r m i n a n t e de t u d o o q u e e x i s t e : d o m i n a o m u n d o . D es tar­ te a m o r te n ã o é a lg o n a t u r a l ; é c o n tra a v o n ta d e de Deus, é o i n i ­ m ig o d e Deus. C o n s e q ü e n t e m e n t e , a m o rte d e v e ser v e n c i d a ; é o i n i m i g o ú lt im o d e Deus.

3 .4 . Ressurreição dos mortos

A f i l o s o f i a g r e g a r e s p o n d e a o a n s e io d o ser h u m a n o p or v i ­ d a c o m a m e n s a g e m da i m o r t a l i d a d e da a lm a . Esse é u m t e r m o n e g a t i v o : a a l m a n ã o m o r re . Em o u tra s p a la v r a s , isso s ig n ific a q u e a m o r te de f a t o n ã o te m p o d e r , a o m e n o s n ã o s o b re a q u i l o q u e e m ú l t i m a a n á li s e interessa — a a lm a . N o e n t a n t o , a v id a re a l d e s e n r o la - s e na c o r p o r a l i d a d e , no a m b i e n t e d o m i n a d o p e l a m o r ­ te , p re s e n te a c a d a in s ta n te , p. e x ., na d o e n ç a . C o m o p o d e o c o r re r l i b e r t a ç ã o a li? C o m o p o d e h a v e r v id a e m m e i o à c o r p o r a l i d a d e ? O N o v o T e s ta m e n to r e s p o n d e c o m a m e n s a g e m d a ressu r­ re iç ã o d os m orto s. De s a ída já se e v id e n c i a u m a d i f e r e n ç a p a r a o p e n s a m e n t o g r e g o : re s s u rr e iç ã o é u m a a f i r m a ç ã o p o s itiv a o ser h u m a n o é c h a m a d o n o v a m e n t e à v id a . C o m o se dá isso? N u m a n o v a i n t e r v e n ç ã o c r ia d o r a d e Deus.

A l i b e r t a ç ã o d o p o d e r d a m o r te se d á no e v e n t o da cruz e re s s u rre iç ã o de Jesus Cristo . Jesus se e x p õ e a o p o d e r d a m o r te in ­ t e g r a l m e n t e e c o m isso a v e n c e no seu b o jo . Tal n ã o o c o r r e r ia , c a ­ so Jesus c o n tin u a s s e a v i v e r c o m o a l m a i m o r ta l. M a s ju s t a m e n te e x p o n d o - s e a o p o d e r da m o r te e i n g re s s a n d o e m sua e s fe ra de d o ­ m í n i o , e le a v e n c e c o m sua re s s u rre iç ã o . Por v i v e r in t e g r a l e i n c o n ­ d i c i o n a l m e n t e na p r e s e n ç a e d e p e n d ê n c i a d e Deus, ú n ic a f o n t e de v e r d a d e i r a v i d a , a m o rte n ã o p o d e p r e n d e r esse Jesus e m seus d o ­ m ín io s . Por isso Jesus v e n c e a m o r te no seu p r ó p r i o d o m í n i o .

Assim , e x p o n d o - s e a essa a ç ã o l i b e r t a d o r a do Cristo, o cris­ tão passa de u m v i v e r so b o p o d e r d a c a rn e p a ra u m v i v e r so b o d o m í n i o d o Espírito. R e d e n ç ã o , pois, n ã o s i g n i f i c a a li b e r t a ç ã o da a lm a do p o d e r d o c o rp o , m as a l i b e r t a ç ã o de a m b o s d o p o d e r m o r ­ tal da c a rn e ( p e c a d o ) . N o e n t a n t o , t a m b é m a g o r a a a l m a n ã o é u m a p a r te d o ser h u m a n o q u e c o n t i n u a a v iv e r d e p o is d a m o r te f í ­ sica. A p e s a r d o e v e n t o s a lv í fic o d a c ru z , a p e s a r da p o s s i b i l i d a d e d e v id a sob o d o m í n i o d o Espírito, a m o r te p e r m a n e c e u m a r e a l i ­ d a d e p re s e n te e m nosso m u n d o , e nós c a m i n h a m o s p a ra a m o rte . M a s , p o r ser Cristo o p r i m o g ê n i t o d e n t r e os m orto s , nós c r e m o s na v i d a d e p o is d a m o r t e ; nós c r e m o s q u e a m o r te fís ic a n ã o p e r m a n e ­ ce c o m a p a l a v r a f i n a l . Pelo c o n tr á r io , a v id a q u e p e r d u r a a l é m da m o r te d o c o r p o e da a l m a , é a v i d a q u e nos é d a d a p o r Deus e q u e v i v e m o s na c o m u n h ã o c o m e le a q u i e a g o r a . M a s n ã o c o m o u m a p a r te d e nós q u e c o n t i n u a a v iv e r . A c o n t i n u i d a d e s o m e n t e está d a d a e m Deus, q u e in ic io u u m a " h i s t ó r i a d e a m o r " c o m c a d a u m d e nos. A s s im , nós c r e m o s na f i d e l i d a d e de Deus q u e c o n t i n u a t a m b é m d e p o is d e nossa m o r te física. D ito e m o u tra s p a la v r a s : nós te m o s a c e rte z a d e q u e a r e a l i d a d e d e Deus é m ais f o r t e d o q u e a m o r te ( R o m a n o s 8.31-39). Por isso a m e n s a g e m d a r e s s u rr e iç ã o e x ­ pressa a c e rte z a d a c o m u n i d a d e cristã de q u e Deus f a r á n o v a c r ia ­ ç ã o e m q u e , c o m o na p r i m e i r a vez, d a r á n o v a m e n t e v id a a o h o ­ m e m , v id a esta q u e r e p r e s e n ta r á a c o n s u m a ç ã o d o estar c o m Deus.

D ia n te dessa c e rte z a p o u c o ou n a d a p re c is a ser d it o s obre o e s tá g io e n tr e a m o rte física e a c o n s u m a ç ã o . C o m o , o n d e , q u a n ­ d o ? são p e r g u n t a s q u e n ã o p o d e m o s r e s p o n d e r n e m n e c e s s ita ­ mos r e s p o n d e r. Pois v a le essa c e rte z a d e q u e um d ia e s ta r e m o s di- f i n i t i v a m e n t e c o m Cristo . O Espírito S a nto é o p e n h o r (II C o rín tio s 1.22; 5 .5 ) q u e nos g a r a n t e o e s ta r c o m Cristo, a p e s a r d a m orte .

C o m isso há, d e f a to , u m a c e rta a s s im ila ç ã o à c re n ç a na i m o r t a l i ­ d a d e da a l m a no s e g u in te s e n tid o : a q u e l e q u e crê e m Cristo e r e ­ c e b e u o Espírito S a n to c o n t i n u a c o m Cristo. N o e n ta n t o , p e r m a n e ­ ce u m a d i f e r e n ç a f u n d a m e n t a l : esse estar c o m Cristo se b a s e ia n u ­ m a n o v a in t e r v e n ç ã o d e Deus p o r ta n to , n ã o a lg o n a tu ra l e, p or o u tr o la d o , a i n d a n ã o é a p e r f e i ç ã o ; a in d a e s p e ra m o s p e la r e s s u r r e iç ã o , p e la c o n s u m a ç ã o .

4. À PROCURA DE U M A PASTORAL 4.1. Responsabilidade poim ênica

A o la d o dos a s pe c tos b ib lic o s e s is te m á tic o s n a c o m p r e e n ­ são d a m o rte é n e c e s s á rio q u e se c o n s id e r e o a s p e c to p o i m ê n ic o .

Q u a n d o na f a m í l i a f a l e c e a l g u é m , a b r e - s e u m v a z io , m u i ­ tas vezes um v a z io q u e n ã o p o d e ser p r e e n c h i d o a n ã o ser p e la l e m b r a n ç a e p e la s a u d a d e . Q u a n d o um c ô n j u g e p e r d e seu c o m p a ­ n h e ir o de lo n g o s a n o s de jo r n a d a , m u ita s ve z es nasce u m a s a u d a ­ d e q u e p o d e ser d o lo r o s a ou g ra ta , mas u m a s a u d a d e tã o fo rte q u e p o r vezes le v a a c o s tu m e s e p rá tic a s q u e n e m s e m p r e se e n ­ q u a d r a m e m u m a a n á lis e ló g ic a ou te o " l ó g i c a ” .

As vezes d e s a p a r e c e a l g u é m e m r e la ç ã o a q u e m os f a m i ­ lia re s ou a m i g o s tê m s e n tim e n to de c u lp a . A r e a li d a d e ou a s e n s a ­ ç ã o da c u lp a n ã o d e s a p a r e c e co m o s e p u lt a m e n t o . Pelo c o n tr á r io , a g o r a q u e n ã o é m ais possível fa z e r - s e a lg o p a ra m u d a r a s itu a ­ ç ã o , e la c o m e ç a a pesar m u i t o m a is in t e n s a m e n t e e le v a as p e s ­ soas a d iv e rs a s f o r m a s d e te n t a tiv a s de " p a g a m e n t o " d a c u lp a .

A m o r te p r o v o c a um s e n t i m e n t o de m e d o e in s e g u r a n ç a . Na luta p o r v e n c e r isso os h o m e n s la n ç a m m ã o de e x p e d i e n t e s os m a is div e rso s. E t a m b é m nestes casos os gesto s e atos n e m s e m p re se e n q u a d r a m na t e o l o g i a . Os senti m e n to s d o h o m e m p e s a m m ais q u e q u a is q u e r a r g u m e n t o s r a c io n a is . E im p r e s c in d ív e l q u e o pastor te n h a u m a v is ã o te o l ó g i c o - s i s t e m á t i c a c la r a sobre m o r te e ressur­ re iç ã o . M a s é i m p o r t a n t e t a m b é m q u e e le s a ib a q u e há situações, e e la s n ã o são tã o raras, o n d e u m a a r g u m e n t a ç ã o t e o l ó g i c o - s is te m á tic a ou a a p l i c a ç ã o d e r e g u l a m e n t o s d a c o m u n i d a d e n ã o b a s ta m . Q u a n d o u m m e m b r o de c o m u n i d a d e está d o m i n a d o p or s e n tim e n to s de s a u d a d e , m e d o , c u lp a ou o utros , é n e c e s s á rio q u e o pasto r trate a s itu a ç ã o sob o u tr o e n f o q u e . O acesso a u m a pessoa

n u m a s itu a ç ã o destas n ã o é p ossível a p e n a s a p a r tir de r e f l e x õ e s d o g m á t i c a s ou e s ta tu tá ria s . N ã o a d i a n t a d iz e r q u e nossa Ig re ja n ã o te m o c o s tu m e d o " c u l t o d e 7 o , 3 0 ° d ia ou de u m a n o d e f a l e ­ c i m e n t o " , q u e isso é c a tó lic o . E im p o r t a n t e te n t a r d e s c o b r ir o q u e está m o t i v a n d o a pessoa a s o lic ita r um " c u l t o p e lo f a l e c i d o " . E n e ­ c e ssário q u e o p a s to r e a c o m u n i d a d e p e r g u n t e m o q u e se p o d e f a z e r p a r a q u e as pessoas, f a m í li a s e m tais s itu a ç õ e s p os s a m ga n h a r m ais l i b e r d a d e d i a n t e da m o r te e dos m ortos.

4 .2 . Com unhão solidária

O n d e há p o s s i b i l i d a d e é m u i t o i m p o r t a n t e q u e a c o m u n i d a ­ d e , o p a s to r in c lu s iv e , a c o m p a n h e m o m o r i b u n d o e sua f a m í l i a na s itu a ç ã o d e s o f r i m e n t o . N o d ia d o e n t e r r o é im p o r t a n t e q u e a c o ­ m u n i d a d e , e e s p e c i a l m e n t e o p as to r, t e n t e m a v a l i a r a s itu a ç ã o e c o r r e s p o n d e r a e la e m p a la v r a s e, ta lv e z m a is d o q u e e m p a la vras, e m gestos. U l t i m a m e n t e está se d e s c o b r i n d o de n o v o q u e g estos e ritos são im p o r t a n t e s p a r a os s o b r e v i v e n t e s g a n h a r e m l i ­ b e r d a d e d ia n t e d a m o rte . A t e n d ê n c i a m o d e r n a de ter pressa e m r e a li z a r o s e p u lt a m e n t o é p r e ju d i c i a l . O c o s tu m e q u e está se i n t r o ­ d u z i n d o de o p a s to r e a c o m u n i d a d e se d e s p e d ir e m d a f a m í l i a e n ­ l u t a d a a nte s q u e o t ú m u l o e s te ja f e c h a d o d e v e ser q u e s t i o n a d o . O a lv o d e v e r i a ser q u e o p a s to r e m e m b r o s d a c o m u n i d a d e s a ia m d o c e m i t é r i o com a f a m í l i a e n lu t a d a . E c o n v e n i e n t e q u e os f a m i l i a r e s v e ja m a pessoa fa l e c i d a , t a m b é m as c ria n ç a s , sem q u e se r e c o rra a c a lm a n te s . E c la r o q u e d o e n te s c a rd ía c o s t e n h a m c u id a d o s e q u e as cria n ç a s n ã o s e ja m fo rç a d a s . D e p o is d o e n t e r r o a c o m u n i d a d e d e v e r i a p re s ta r a t e n ç ã o à f a m í l i a e n l u t a d a , p r i n c i p a l m e n t e a p a rtir d o 8 ° , 9 ° , 10° d ia . A esta a lt u r a as visitas e s p o n tâ n e a s c o m e ç a m a r a r e a r, e os e n l u t a d o s g a n h a r a m to d a a lu c id e z e c o m e ç a m a s e n ­ tir os e f e ito s da n o v a r e a li d a d e . N este p o n to a v isita d o pasto r é i m p o r t a n te . Por c a u s a das m u ita s ta re fa s d o pastor e a p a r tir d o sa ­ c e rd ó c io de todos os cren tes, a c o m u n i d a d e d e v e r i a m o t i v a r os m e m b r o s v iz in h o s à f a m í l i a e n l u t a d a a p re s ta r e m c o n f o r t o e s o li ­ d a r ie d a d e , in c lu s iv e e m coisas m u ito c o nc reta s . E de se p e r g u n t a r se nossas c o m u n i d a d e s n ã o p o d e r i a m passar a r e a li z a r u m a e s p é ­ cie de cursos p a r a pessoas d ispostas a as s is tirem f a m í li a s e n l u t a ­ das. T e n d e m o s a a c h a r e n g r a ç a d o ou a té r id í c u lo q u e os |u d e u s t i ­ vessem " m u l h e r e s c h o r a d o r a s " (c a r p id e ir a s ) , d e c e rta m a n e i r a

p r o fis s io n a is , p a ra suas s itu a ç õ e s d e m o rte . H o je e s ta m o s d e s c o ­ b r i n d o n o v a m e n t e q u e c o s tu m e s a n tig o s m u ita s ve z es e n c e r r a v a m m u i t o m ais q u e s e n t i m e n t a li s m o a n t i q u a d o . S e ria de g r a n d e v a lo r se as c o m u n i d a d e s c o n s e g u is s e m o r g a n i z a r m e l h o r o a c o m p a n h a ­ m e n t o a seus e n l u t a d o s . A c o m u n i c a ç ã o e m c u lt o d o f a l e c i m e n t o d e um m e m b r o d a c o m u n i d a d e te m um a s p e c to p o i m ê n i c o i n e r e n ­ te. Isso d e v e -s e r e f l e t i r n a m o d a l i d a d e da c o m u n i c a ç ã o . D eve h a ­ v e r c o n s c iê n c ia de q u e ali no c u lto há u m a f a m í l i a q u e p e r d e u um d e seus e n te s q u e r id o s . N a q u e l e m o m e n t o a c o m u n i d a d e se p r e o ­ c u p a e m r e p a r tir c o m e la o luto e a dor. Esta c o n s c iê n c ia i m p e d e q u e o p as to r fa ç a u m a c o m u n i c a ç ã o f o r m a l , seca e fria .

O a c o m p a n h a m e n t o dos m e m b r o s da c o m u n i d a d e , de u m a m a n e i r a a m p la , e v it a r á q u e s u rja m m u ito s p e d id o s de " c u l t o s p e ­ los f a l e c i d o s " . Q u a n t o m a is v id a e c o m u n h ã o a p a rtir d o E v a n g e ­ lh o de Jesus Cristo n u m a c o m u n i d a d e , ta n to m a is c o n d iç õ e s h a v e ­ rá d e o lh a r para a m o r te e m fé e c o n f i a n ç a .