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Seja bonzinho porque se não Deus castiga: o disciplinamento nas escolas

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Academic year: 2021

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SEJA

BONZINHO

PORQUE SE NÃO DEUS

CASTIGA:

O

D/SC/PLlNAMENTO

NAS ESCOlAS

ANTÔNIO GERMANO MAGALHÃES JUNIORI

A história humana não se desenrola apenas nos cam-pos de batalha e nos gabinetes presidenciais. Ela se desenrola também nos quintais entre plantas e gali-nhas, nas ruas de subúrbios, nas casas dejogos, nos prostibulos, nos colégios, nas usinas, nos namoros de esquina. Disso eu quis fazer a minha poesia. Dessa matéria humilde e humilhada, dessa vida obscura e injustiçada, porque o canto não pode ser uma traição àvida, e só é justo cantar seo nosso canto arrasta as pessoas e as coisas que não têm voz.

FERREIRA GULLAR

A Irmã sabia quem transgredia no momento da hóstia. As me-ninas que não comungavam na missa matinal, era porque ti-nham algo a esconder. Lembro-me do carnaval. Havia um buraco no banheiro que dava para o salão de baile de um clube que tinha carnaval. As meninas maiores subiam em ca-deiras para assistir o baile. Eunão subia porque erapequena. O problema era que no dia seguinte tinha que se confessar antes decomungar: E quando não dava para se confessar não se comungava ea freira desconfiava',

o

disciplinamento escolar se construiu historicamente. Temos no rela-to acima descrirela-to um exemplo de educandas, que entre os medos de serem punidas pelas freiras, podendo chegar a ser algo que gerava dor ou humilha-ção, eo medo de Deus, medo do pecado, preferiam asreprimendas das freiras apossibilidade de enfrentar os horrores doinferno. Um medo de pecar. Mas quem instituiu ospecados? Construções de comportamentos, medos, arrepen-dimentos edisciplinamentos. Mas como se construiu historicamente as práti-cas disciplinares nos estabelecimentos escolares? Percorreremos entre os escritos IProf. da UECE eFaculdades Christus, graduado em Pedagogia eHistória, Doutoran-do em Educação. Coordenador do curso deEspecialização em Metodologia do Ensino de História -UECE.

2Relato da Professora Helena Silva. Educadora aposentada daUECE, que roialuna de uma escola de formação deeducadoras nadécada de60.

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SEJABONZINHO POR~UE SENÃO DEUS..

deMichel Foucault, autor que sepreocupou particularmente com uma históuu da disciplina, resgatar um pensar sobre avigilância eapunição buscando eu tender aspráticas disciplinares nasescolas.

Foucault é ohistoriador emestado puro: tudo éhistórico, a histôria (' inteiramente explicável e épreciso evacuar todasaspalavras em iSl110s(Veync, 1998: 270). Encontraremos noreferido autor uma verdadeira desconstrução de "verdades" que mantiveram práticas dentro e fora de instituições como esco Ias,hospícios e cadeias. Desfez ascertezas porque foi em busca de cornprecn-derosdiscursos, oque sequeria modelar com aspalavras ditas. Vozes que se faziam verdades. Discursos que referendavam práticas elaboradas maquinicamente, objetivando toda uma economia deações. Realizou uma aná-lisedo enquadramento em modelos de corpos que precisavam ser burilados e remodelados. Vidas que tinham que ser vividas por padronizações recheadas de medos e verdades. Uma vontade de serque tinha que arrefecer e transfor-ma-se em disciplinamentos. Uma analise da construção de uma economia do corpo. A História, então serve a Foucault para demonstrar enão mais para narrar; dessa maneira, ele não constrói narrativas evolutivas de um objeto, mas coloca-se no lugar preciso onde a prática engendra o objeto que lhe corresponde (Tronca, 1987: 8).Um autor que busca naspráticas uma história. Visita arquivos em busca de discursos. Falas muitas vezes tidas como "margi-nais", tais como: o caso dos presos, loucos ou porque não os escolares. Nos séculos XVI eXVII, oscontemporâneos situavam os escolares nomundo p ica-resco dos soldados, criados, ede um modo geral, dos mendigos. Aspessoas honestas quepossuíam algum bem desconfiavam tanto de uns como de outros (Ariês, 1981:184).

Passaremos a mergulhar em narrativas e histórias. Visitar Foucault é caminhar nainsegurança. Inseguros porque nahistória denossas vidas "apren-demos" aseguir verdades. Não procuraremos relatar ortodoxias e sim buscare-mos entende-Ias, verificar seus aspectos de ferramenta no gerar padrões. A obra foucaultiana nos fazuma exposição dequestionamentos enos faz questi-onar equestionarmos atudo que tenha odiscurso de verdadeiro.

Se iniciarmos onosso mergulho nos próprios dizeres deFoucault, en-contremos no livro Vigiar e Punir: nascimento da prisão, uma analise dos procedimentos disciplinares.

Uma das idéias essenciais de Vigiar ePunir éque associ eda-desmodernas podem serdefinidas como sociedades "discipli -nares", mas a disciplina não pode ser identificada com uma instituição nemcom um aparelho, exatamente porque elaéum tipo depoder, uma tecnologia, queatravessa todas asespécies deaparelhos edeinstituições para reuni-los, prolonga-los.faze-Ias convergir; fazer com que se apliquem de um novo modo (Deleuze, 1988:35).

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SEJABONZINHO POR~UE SENÃODEUS..

Foucault relata que, principalmente, no período histórico conhecido como ldade Média, existia umdisciplinamento que sefazia prática com amu

-tilação dos corpos. Disciplinar se fazia pelo exemplo do fracionamento e da

perda docorpo. Fazer dostransgressores mil pedaços. Sofrimentos em públi -co. Dor sentida e vivida não sópelos que estão sendo sentenciados mas por

todos aqueles que olham. Ao olhar sentem asdores. Passam a vingar-se no

descumprimento da Lei. Ocondenado, depois de ler andado muito tempo, exposto, humilhado, varias vezes lembrando dohorror de seu crime, é oferec

i-doaos insultos, às vezes aos ataques dos espectadores. Na vingança do

sobe-remo, a do povo era chamada a se insinuar (Foucault, 1998 b: 49). O povo

presencia e age contra o que não podem fazer, pensar ou mesmo sonhar. Práti -cas que são punidas com o pedido de perdão. O perdão que sefará verdadeiro com osofrimento do corpo. A dor como cxernplo e correção. Uma construção

histórica que se fará presente erespaldada em um discurso religioso.

Na tradição cristã encontram-se passagens bíblicas que retratam aim

-portância da disciplina. Umdiscurso fora de propósito é como a música no

luto; / mas o castigo e a doutrina em todo o tempo são sabedoria. (Bíblia

Sagrada. 1979: 764). Um dizer "sagrado" que sefará eviverá como verdade. Um modelo a seguir. Coisas anão fazer. Toda uma existência de mediações

perante apossibilidade dopecar. O medo de não entrar noreino dos céus. A

formação de um corpo as séptico. No período medieval a disciplina se fazia

pela força. Força que deixava marcas nocorpo. Queimar. Jogar ao vento. Todo um ritual do fazer purificar pelo extermínio completo daquele corpo que p e-cou. Tem que ver o sofrimento. Os relatos inquisitoriais registram inúmeros

casos de condenados que tinham que ver suas entranhas serem queimadas.

Retirava-se rapidamente do corpo do suplicado seus intestinos para se fazerem

cinzas a sua frente na perspectiva de poder ver o próprio corpo arder para

purifica-Io dos pecados cometidos. O martírio se fazia cotidiano em uma ép

o-caem que o poder absolutista unia-se com as forças da igreja católica em um fazer social que deveria imperar as vontades do rei em nome de Deus.

... O suplício antecipa as penas do além; mostra oque sãoelas; ele é oteatro do inferno; os gritos do condenado, sua revolta,

suas blasfêmias já significam seu destino irremediável. Mas

as dores deste mundo podem valer também como penitência

para aliviar os castigos do além; um martírio desses, se é su

-portado com resignação, Deus nãodeixará de levar em conta

(Foucault, 1998 b:40).

Uma punição, aceita com resignação, contará para complacência de

Deus no momento dojulgamento das ações terrenas em relação aos pecados cometidos anteriormente pelos seres mundanos. Todo umsubmeter à discipli -na. Um fazer "correto" para buscar asalvação. Umaexistência ascética. Von

ta-des suprimidas em nome do não sofrimento eterno. Um medo do inferno. A

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glória seria aentrada no céu. Mas como aescola toma papel de engrenagem

nessa máquina de modelar corpos, vontades e ações?

No período medieval a escola também utilizou todo um aparato

disci-plinar do corpo, munindo-se com a dor física e a humilhação. A

institucio-nalização doscolégios religiosos marca um momento importante da organização edaspráticas disciplinares. Foiconstruído todo um discurso euma prática do disciplinamento.

A nova disciplina se introduziria através da organização moderna

dos colégios epedagogias coma série completa de classes em que odiretor e

osmestres deixavam de ser primi inter pares, para se tomarem depositários

de uma autoridade superior. Seria o governo autoritário ehierarquizado dos colégios quepermitiria, apartir do século

Xv

.

o estabelecimento e odesenvol -vimento de umsistema disciplinar cada vez mais rigoroso.

Para definir esse sistema, distinguiremos suas três caracter is-ficas principais: vigilância, adelação erigida em princípio de

governo e eminstituição, ea aplicação ampla decastigos cor

-porais (Ariês, 1981:180).

A escola não fugia aos fluxos de poder de uma sociedade em que

funcionava toda uma economia do corpo. Uma vida com regras em nome do

Rei e deDeus. Aspunições físicas eram uma prática cotidiana nos

estabele-cimentos que ministravam a"boa educação". A escola funcionava como um modelar "ortopédico", fazer corpos dóceis, seguidores de uma verdade reli-giosa ede uma "boa conduta". A busca de umasociedade sem conflitos. Um

lugar como o céu. Toda uma hierarquia que deveria serexemplo de umviver,

cordial esanto.

Mas, as formas disciplinares mudam. Ocorre um redimensionamento

de forças. Um novo modelo de fazer. Quando asexecuções públicas começam

a agitar osque assistiam o suplício, começa-se amudar asferramentas dogerar a"ordem". Novas práticas são instaladas. Uma economia nodirigir os corpos deve zelar pela eficácia da ação. No fim do século XVIlI e começo do XIX, a despeito dealgumas grandes fogueiras, amelancólica festa depunição vai-se

extinguindo (Fouc au lt, 1998 b:12). Se procurarmos entender esse

redimensionamento deforças, poderemos encontra diversos motivos mas, nos

dizeres de Foucault, parece terocorrido uma reestruturação de uma economia

disciplinar.

o

que se vai definindo não é tanto um respeito novo pela

humanidade dos condenados - os suplícios ainda são fre -qüentes, mesmo para crimes leves - quanto uma tendência para uma justiça mais desembaraçada emais inteligente para uma vigilância penal mais atenta do corpo social (Foucault.

1989 b: 66).

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Osestabelecimentos escolares não ficam isolados em relação àstrans -formações que passam ateiasocial. Novas técnicas de vigilância e punição são colocadas em prática.

Na França, a opinião pública manifestou uma repugnância pelo regime disciplinar escolástico que resultou em sua s u-pressão por volta de 1763, quando as autoridades tomaram a condenação dos jesuítas como pretexto para reorganizar o sis-tema escolar.

Ocaráter servil eaviltado do castigo corporal não era mais reconhecido como adaptado àfraqueza da infância. Ao con -trário, eleprovocava uma reprovação de início discreta, mas que se iria ampliar. Surgiu a idéia de que a infância não era uma idade servil enão merecia ser metodicamente humilhada. Essa repugnância, despertada aqui pelo castigo dos alunos pequenos, tomou-se habitual não mais chicotear osalunos de retórica. (Ariês, 1981:181).

O"relaxamento" da antiga disciplina escolar correspondeu auma nova orientação do sentimento da infância. Um novo olhar em que a criança não necessitava da humilhação. Tratava-se agora de despertar na criança as re

s-ponsabilidades que asociedade impunha aosadultos, abusca de uma dignid

a-de. Começa-se areconhecer as etapas do desenvolvimento infantil. Percursos

que devem ser trilhados na busca da formação digna para uma sociedade pau-tada em uma marcante diferenciação social. Havia diferenças nos modelos e

objetivos educacionais dependendo das características econômicas de cada indivíduo mas, essas diferenças não influenciavam no momento da aplicação das punições ....todas as crianças e jovens, qualquer que fosse sua condição eram submetidos a um regime comum e eram igualmente surrados (Ariês,

1981:180).

Percebemos, até aquique,houve mudanças nopensar e fazerum proce s-sode disciplinamento nas diversas instituições que compõem asociedade. Dis -ciplina queservia, e serve, paramanter, sublimar vontades, geram corpos dóceis

e produtivos. A escola não ficou de fora dessa economia. Tendo como funda -mento àprevenção dosdelitos como o fimúltimo dos castigos, à escola utilizará

ferramentas de vigilância e punição tendo como propósito o enquadramento em uma política que impõe uma relação dedocilidade-utilidade.

Como mencionamos anteriormente a disciplina tem uma história. Omomento histórico das disciplinas é o momento em que na s-ce uma arte do corpo humano, que visanão unicamente oau

-mento de suas habilidades, nem tampouco aprofundar sua sujeição, mas a formação de uma relação que nomesmo m e-canismo o toma tanto mais obediente quanto é mais útil, e

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inversamente. Forma-se então uma política das coerções que seioum trabalho sobre o corpo, uma manipulação calculada de seus elementos, de seus gestos, de seus comportamentos (Foucault, 1998 b: 119).

A citação acima demonstra a existência de relações de poderes nas práticas disciplinares. Mas por que utilizamos a palavra poder no plural? Foucault feztambém estudos sobre aspraticas de poder. Demonstrando que as relações unilaterais de poder não são modelos explicativos tão eficazes equ i-méricos como demonstravam, e ainda tentam demonstrar, algumas correntes teóricas. Tratemos um pouco do conceito de poder porque precisaremos dele no entendimento das práticas disciplinares.

Para Focault poder não é algo que um alguém particular conquista, mantém eperde. Poder seexerce por todos aqueles que vivem einteragem no cotidiano. Estes feixes de força, os quais formam o poder, agem emcada um de diferentes formas enão é privilégio de poucos. Assim temos um repensar dos conceitos de dominantes edominados, disciplinadores e disciplinados, sujei -tosesujeitados. Todos aqueles conceitos maniqueístas são questionados. Sur -gem dúvidas, emergem contradições, verdades são desfeitas em desilusões. Sonhos de uma sociedade de iguais com o fim de uma classe detentora do "poder" vira motivo de polêmicas e acordares de sonhos idílicos.

Não existe de umlado os que têm o poder ede outro aqueles que se encontram dele alijados. Rigorosamente falando, op o-der não existe; existem sim práticas ou relações depoder. O que significa dizer que opoder éalgo que se exerce, que se efetua, que funciona. E que funciona como uma maquinaria, como uma máquina social que não está situada em um lugar privilegiado ouexclusivo, mas sedissemina por toda est rutu-ra social. Não é objeto, uma coisa, mas uma relação. E esse caráter relacional dopoder implica que aspróprias lutas con -tra seu exercício não possam ser defora, de outro lugar, do exterior, pois nada está isento depoder (Foucault, 1998 a:14). Encontramos na citação acima uma redefinição dopoder. Surgem n o-vos lugares habitados pelos feixes de poder. Poder não se tem, se exerce. A

disciplina é uma ferramenta de poder. Encontraremos nos estabelecimentos

escolares manifestações devontades de quem possui aposição de "mandante", posto de quem pode falar, mas que também sofrerá ainfiltração dos fluxos de poder, forças exercidas nasteias relacionais que sematerializam nasconvivê n-ciashumanas nosdiferentes espaços sociais. A escola nãoéumente isolado do todo social. Nas múltiplas formas de convivências dentro dos muros de um estabelecimento educacional encontramos manifestações doque está fora das delimitações físicas doespaço escolar. Mas, se tratando das manifestações de

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poder estas fronteiras se alargam, entrelaçam-se, confundem-se e tornam-se modelagens plásticas construídas a cada momento, influenciadas por um tem -po, espaço econtextos particulares. Adisciplina escolar construiu-se e ainda seconstrói em uma teia relacional. Forças que seexercem em múltiplas dir e-ções de interesses e valores.

Oespaço escolar é ambiente de funcionamento depoderes. Passemos agora aanalisar ferramentas disciplinares que podemos encontrar nos estab e-lecimentos educacionais eque nos auxiliarão a entender o Funcionar damaqui -naria dadisciplina, que se move com o combustível das diferentes formas da vontade de fazer.

Comecemos a pensar algumas manifestações ferramentais do disciplinarneruo pela materialização de uma arquitetura. Foucault analisou a utilização do Panopticon, modelo de vigilância na intencionalidade de uma ortopedia disciplinar. Mas, como seria está utilização de uma estrutura d ese-nhada para servir de olhos que estão presentes mesmo sem serem vistos? O Panopticon é uma formação arquitetõnica que possui uma modelagem naqual as celas, quartos, salas de aula, onome depende da instituição, estão voltados para umaconstrução central que feita com toda uma tecnologia, dequem quer ver sem ser visto, proporcionam aos que, estão dentro do ambiente central, vigiar mesmo sem está dentro. Mas poderíamos perguntar: como vigiar sem está dentro? A presença se faz pelo medo epela incerteza deque temalguém a olhar. Sente-se apresença de um olho, narealidade mil olhos sefazem sentir. Nas escolas, existem relatos de que, mesmo dentro dos banheiros, estão pr e-sentes desenhos de umolho, em umambiente utilizado para aprática deneces -sidades fisiológicas, dentre elas a masturbação, que naquele que ao entrar perceberão que existe um olho naparede e que foi nomeado como o olho de Deus, já que o mesmo seFaz onipresente. Passe-se a sentir o medo dopecar, uma culpa que acompanha os gestos, as vontades, os exercícios de uma maturação sexual. Imaginemos toda uma lutainterior entre a vontade de saciar osprazeres sexuais e omedo do olhar perpetuo e vigilante de Deus.

Aarquitetura se fazdisciplina. Na Formação das carteiras nas salas de aula, nas Filas separadas por sexo, nosbanheiros com aberturas nas portas na parte de baixo e círculos naaltura da cabeça de quem deverá está sentado no sanitário demonstrando feições faciais que não aparentem gozos. Manifest a-ções de prazer que serão vigiadas por todos que estejam no banheiro. Rostos vigiados em qualquer momento ousituação. Umaverdadeira prática domod e-larcomportamentos, pensamentos e até omedo dos sonhos.

Existe toda aconstrução discursiva daqueles que possuem o direito, acreditando que énarealidade um dever, deFalaroque é certo e errado. Como "caminhar" na busca doacertar e ser bom, cidadão digno, alguém que a soci e-dade pode admirar. Sabemos que odizer tem toda uma construção deintenções.

Por mais banal que seja, por menos importante que oimagi -nemos emsuas conseqüências, por mais facilmente esquecido

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quepossa serapós sua aparição, por menos entendido ou mal

decifrado queo suponhamos, umenunciado é sempre um

acon-tecimento que nem a língua nem o sentido podem esgotar

in-teiramente (Foucault, 1997:33)~

Percebemos assim que, odizer pormenosintencional que pareça, exerce

um poder,já que é acontecimento, sefaz exercer nopensar eno corpo dequem

escuta, geram-se forças, reações que se transformam em ações, as palavras

materializam-se como medos e até, por que não, transgressões, já que não

po-demos deixar de considerar osmúltiplos efeitos que aspalavras, ou constru -ções arquitetônicas, ou qualquer outra forma de tentar modelar, pode agir em

sentido "contrário", estimulando a prática de algo nomeado talvez como p

eca-do, indisciplina, desordem ouqualquer outro adjetivo que venha a significar o

não corpo dócil e ortopédico.

Pensar sobre as ferramentas disciplinares atuantes na escola é pensar,

também, sobre o disciplinamennto dos pensares, sentires e fazeres sexuais,

dentro efora dos referidos estabelecimentos.

Não se trata de um discurso, que muitos acreditam, da ausência dos

falares sobre sexo. Existiu e existe todo um pensar eumfazer dodisciplinamento

da sexualidade. Mas por que este tema sempre foi motivo de polêmicas? T al-vez pelo poder que os rápidos segundos do orgasmo podem gerar de vontades

edescumprimentos de normas e disciplinamentos. São breves momentos de

um frenesi que não sepode controlar nomomento do sentir. Porisso, talvez, o

medo. Pela dificuldade do controle, pela sensação prazerosa einebriante, por

tudo aquilo que ameaça uma ordem do poder controlar-se.

Seria inexato dizer que a instituição pedagógica impôs um

si-lêncio geral ao sexo das crianças edos adolescentes. Pelo con

-trário, desde o século XVIII ela concentrou as formas do

discurso neste lema; estabeleceu pomos de implantação

defe-rentes: codificou os conteúdos e qualificou os locutores

(Foucault, 1997b: 31-32).

Pensar que a escola deixou o sexo fora de suas paredes, manuais, cód i-gos epráticas édesconhecer toda uma estratégia, uma verdadeira maquinação

de controle. Controlar aquilo que parece instintivo, natural, caindo em pr

oces-so de irracional idade, desrazão, verdadeira vontade de sentir, sentimento de

que está vivo. Ocorpo que perde ocontrole emespasmos de prazer. A prática

do controlar por aqueles que sabiam esabem do poder da vontade de sentir os

"prazeres da carne" nãopodiam enem podem ficar de fora dos estabeleci

men-tosde "formação" dehomens emulheres. Astécnicas dadisciplina sefaziam e

se fazem ainda presente nosmúltiplos aspectos de uma escola.

Oespaço da sala, aforma dasmesas. oarranjo dospálios de recreio, a

distribuição dos dormitorios (com ousemseparação, comousem cortinas), os

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regulamentos elaborados para a vigilância do recolhimento e do sono, tudo

fala damaneira maisprolixa da sexualidade das Crianças (Foucault, 1997b:30). Não sedeixa nada fora do controle. São agenciamentos que geram a modelagem, padronização de corpos e ações. Para isso desde o cobrir partes do corpo que podem geram uma "estirnulação" até o interdito do falar, são ações permanentes no cotidiano daqueles que convivem nosambientes desti -nados ainstrução escolar. Osópoder falar quem equalificado, como omédi -co, o psicólogo ou o professor, faz mudo todos os outros. Pessoas que tem a autoridade ea pseudo "seriedade" para tratar do assunto gerenciam os dizeres. Mas o falar do sexo também tem lugares reservados para poder falar. Todos podem falar em certos momentos elugares. Não sópodem como devem dizer tudo. A confissão foi, epermanece ainda hoje, amatriz geral que rege a pro -dução do discurso verdadeiro sobre o sexo (Foucault, 1997 b:62). Ahora de falar o que não poderia ser feito, dito, pensado oumesmo sonhado. Momento de confessar. "Pequei e agora peço perdão". Um disciplinamcnto no dizer. "Não pecarei mais". Uma busca pelo ascetismo. OCéu será dos não pecad o-res. Uma vigilância que se estabelece a cada momento de vida, a cada pulsar de desejos, a sublimação é uma constante a cada viver. Ser puro. Os santos serão os exemplos. Uma vida vigiada, punida.

Os estabelecimentos escolares não só vigiam epunem. Neles também existem transgressões. Lá sempre existiram vidas que sefazem erefazem. Flu -xosque perpassam vontades emedos que se tornam práticas cotidianas. Temos que melhor entender essas ferramentas dedisciplinarnento. Sabendo que cxi s-tem, como se engrenam em máquinas que agenciam emodelam. Saber como agem e como podemos agir. Saber que também podemos. As coisas semistu -ram partes etodo. Formam uma teia cheia de nó,que significam amarrações e agenciamentos de viveres. Formas de comporta-se.

Foucault em um de seusúltimos trabalhos escreve sobre um poder que não só disciplina o corpo mas aspopulações. Relata que os dois estão imbri ca-dos e maquinados. Pode-se mesmo dizer que, namaioria dos casos, osm

eca-nismos regulamentadores depodei; os mecanismos disciplinares do corpo e

os mecanismos reguladores da população, são articulados um com o outro

(Foucault, 1999: 299).

Depois de realizamos cortes temporais e buscarmos compreender um pouco como se construiu efuncionam historicamente algumas ferramentas dis -ciplinares, que existem nos estabelecimentos escolares, percebemos que os mecanismos de poder são microfísicos. Feixes que cruzam desde uma punição com palmatória perante toda uma turma, como também umolhar de repr ova-çãoouomedo da onipresença de Deus. Ações que geram conseqüências fruto do medo do pecar. Somos seres humanos que a cada pulsão de vida encontra -mos estas forças que nos penetram enos fazem agir. Somos construção. Mas precisamos conhecer melhor, entender, asferramentas que sãoutilizadas nesse construir. Precisamos procura ser um Eu. Seres viventes que agem também com seus prazeres, desejos, gozos, transgressões.

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Bibliografia

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Referências

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