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Fundamentos para o reconhecimento de direitos subjetivos aos animais não humanos

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Academic year: 2021

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(1)UNIVERSIDADE DE PASSO FUNDO FACULDADE DE DIREITO. Liliane Arruda Spolavori. FUNDAMENTOS PARA O RECONHECIMENTO DE DIREITOS SUBJETIVOS AOS ANIMAIS NÃO HUMANOS. Casca 2017.

(2) Liliane Arruda Spolavori. FUNDAMENTOS PARA O RECONHECIMENTO DE DIREITOS SUBJETIVOS AOS ANIMAIS NÃO HUMANOS. Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, Campus Casca, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Elenise Felzke Schonardie.. Casca 2017.

(3) Liliane Arruda Spolavori. FUNDAMENTOS PARA O RECONHECIMENTO DE DIREITOS SUBJETIVOS AOS ANIMAIS NÃO HUMANOS. Monografia apresentada à banca examinadora da Faculdade de Direito da Universidade de Passo Fundo, Campus Casca, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito, sob a orientação da Professora Doutora Elenise Felzke Schonardie.. Aprovada em ___ de _____________ de _________.. BANCA EXAMINADORA. ____________________________________________ Profª Drª Elenise Felzke Schonardie - UPF. ____________________________________________ Prof. Mestre Nadya Regina Gusela Tonial. ____________________________________________ Prof. Mestre Renato Fioreze.

(4) RESUMO. O presente trabalho monográfico versa sobre a possibilidade de se reconhecerem os animais como titulares de direitos subjetivos, fundamentada na constatação de que são seres dotados de sensibilidade, uma vez que experienciam o sofrimento à mesma maneira dos humanos. Será realizada pesquisa documental, com consultas à legislação, à jurisprudência e a fontes bibliográficas. Desta forma, busca contribuir com o debate jurídico em torno das relações entre os homens e os outros animais, assim como demonstrar a possibilidade de que recebam consideração moral e jurídica. Os métodos de abordagem utilizados serão o hermenêutico e o dialético, demonstrados pela proposta de reinterpretação de institutos jurídicos e de dispositivos legais e constitucionais. Inicialmente, será feita uma análise de como as ações humanas em desfavor da natureza foram capazes de provocar uma crise ecológica em escala global, desencadeando o processo de constitucionalização da proteção ambiental. Em seguida, serão expostos os argumentos filosóficos que consolidaram a crença humana especista em sua superioridade sobre os demais animais e um histórico da natureza jurídica e da proteção dos não humanos na legislação brasileira. Por fim, serão apresentados os posicionamentos filosóficos e doutrinários que, diante dos novos valores sociais característicos da pósmodernidade, concluem pela necessidade de revisão do seu status jurídico, deslocando-os definitivamente da categoria de coisas. Palavras Chave: Animais não humanos. Crise ecológica. Especismo. Meio ambiente. Natureza jurídica. Senciência. Sujeitos de direito..

(5) SUMÁRIO. 1. INTRODUÇÃO …............................................................................................................ 5. 2. DIREITO AMBIENTAL CONSTITUCIONAL ………………………………………. 7. 2.1 A crise ecológica global ...……………………………………………………………….. 7 2.2 A constitucionalização do meio ambiente …………………………………………….. 14 2.3 O meio ambiente na constituição brasileira de 1988 …............................................... 19 3. O PARADIGMA JURÍDICO QUE ENVOLVE OS ANIMAIS NÃO HUMANOS .. 25. 3.1 Considerações filosóficas …...………………………………………………………..... 25 3.2 A natureza jurídica dos animais não humanos no direito brasileiro ……………...... 33 3.3 A proteção dos animais não humanos no ordenamento jurídico brasileiro …........... 38 4 ANIMAIS NÃO HUMANOS COMO TITULARES DE DIREITOS ...……………. 45 4.1 A evolução social na pós-modernidade e a necessária evolução do direito …............ 45 4.2 Fundamentos do direito animal …................................................................................. 48 4.3 Os animais não humanos como sujeitos de direito – personificados ou despersonificados ............................................................................................................ 53 4.4 Os animais não humanos como integrantes de um terceiro gênero …....................... 58 5 CONCLUSÃO ...……………………………………………………………………….. 66 REFERÊNCIAS …..….......................................................................................................... 68 ANEXO ….…......................................................................................................................... 71.

(6) 5. 1. INTRODUÇÃO. O presente trabalho monográfico versa sobre a possibilidade de se reconhecerem os animais como titulares de direitos subjetivos, fundamentando-se na constatação de que são seres dotados de sensibilidade e que experienciam o sofrimento à mesma maneira dos humanos. Verifica-se uma relevância social na temática abordada, em vista do momento atual de grave crise ecológica vivenciada pela humanidade, que impõe o dever de proteção e conservação da natureza a fim de garantir a preservação dos elementos e funções do meio ambiente para as gerações presentes e futuras. Ademais, o debate filosófico e científico em torno do tratamento dispensado aos animais vem ganhando força e avançando paulatinamente para o cenário jurídico. As relações que os seres humanos estabeleceram com os outros animais pautam-se pelo que se pode considerar uma esquizofrenia moral: escolhemos algumas espécies para dedicar-lhes afeto e dividir nossa vida, ao passo que mantemos para com outras o mais cruel distanciamento e desconsideração. Ocorre que, na medida em que aumenta a necessidade de preservação do meio ambiente e o conhecimento acerca da condição de seres sensíveis dos animais, dá-se também a mobilização social em torno do assunto. A relevância jurídica do tema diz com o fato de ser o Direito o instrumento responsável pela promoção de controle, de ordem e de pacificação social, estabelecendo normas de conduta que atingem, indistintamente, a todos os jurisdicionados. Bem assim que o Direito deve acompanhar a evolução da sociedade, e adaptar-se aos valores sociais emergentes. Neste sentido, juntamente com a edição de atos jurídicos que garantam a proteção e a preservação dos animais, faz-se necessário um novo olhar hermenêutico sobre as disposições legais, a fim de ver traduzida nelas a verdadeira natureza dos animais e proporcionar sua proteção em vista do valor inerente que efetivamente apresentam. A monografia divide-se em três capítulos. No primeiro será abordada a forma como se relacionam as atitudes humanas para com a natureza e o momento de crise atualmente vivenciado pela humanidade. Demonstrar-se-á que a pretensa superioridade humana sobre os demais elementos da natureza e a ideia de desenvolvimento econômico, que sustentam o estilo de vida adotado pela sociedade ocidental moderna, são os grandes responsáveis pela existência e pelo agravamento dos problemas ecológicos que põem em risco mesmo a sobrevivência da espécie humana no planeta. Da mesma forma, será mostrado que a coisificação dos animais, justificando toda a forma de tratamento indigno que se lhes reserva é um fato que acompanha o desenrolar da história. Por fim, verificar-se-á como um movimento.

(7) 6. ecológico em nível mundial ganhou forma a partir da segunda metade do século 20, proporcionando o aparecimento e o desenvolvimento do Direito Ambiental. O meio ambiente ecologicamente equilibrado ganha status de direito fundamental, inserido nos textos constitucionais ao redor do mundo. No segundo capítulo serão apresentados os argumento filosóficos que construíram e consolidaram a crença na superioridade humana sobre os demais seres vivos, e as marcas do paradigma que define a natureza jurídica dos não humanos exclusivamente em função da utilidade que representem aos nossos interesses. Igualmente, apresentar-se-á a legislação nacional que, ainda que siga contaminada pelo antropocentrismo que domina a sociedade moderna, visa a uma adoção de práticas protetivas dos animais contra os arbítrios praticados pelos seres humanos, editada em períodos anterior e posterior à Constituição Federal de 1988. No terceiro capítulo, será considerada a forma como a evolução do pensamento social na era pós moderna, marcada por ideais de solidariedade e pluralidade, é capaz de fazer evoluir também os sistemas jurídicos. Neste sentido, vem proposta a titularidade de direitos subjetivos por animais não humanos, a partir do reconhecimento de sua sensibilidade à experiência da dor e da consequente existência de interesses subjetivos advindos desta realidade. Apresentar-se-ão, por fim, teorias desenvolvidas no sentido de garantir consideração jurídica suficiente e adequada às especificidades e peculiaridades dos não humanos, seja atribuindo-lhes a condição de sujeitos de direito – com ou sem personalidade jurídica – seja pela elaboração de um estatuto jurídico próprio que os proteja na condição de uma terceira categoria, diferente das coisas e das pessoas. O trabalho será desenvolvido de acordo com os métodos de abordagem hermenêutico e dialético. Serão apresentadas novas interpretações dos sentidos revelados e ocultos de institutos jurídicos e de dispositivos legais e constitucionais, para o fim de adaptarem-se aos novos valores sociais trazidos pela pós-modernidade. Igualmente serão demonstrados os diferentes entendimentos doutrinários existentes acerca da possibilidade e mesmo da necessidade de deslocamento dos animais não humanos da categoria jurídica de coisas..

(8) 7. 2. DIREITO AMBIENTAL CONSTITUCIONAL. Neste primeiro capítulo será abordada a constatação da instauração de uma crise ecológica em escala global, causada pelo incremento da intervenção humana na natureza e pela atribuição de um valor meramente utilitário aos recursos naturais – que até então se tinham por infinitamente renováveis - em especial a partir do advento da Revolução Industrial. Na sequência, demonstrar-se-á como a formação de uma consciência da necessidade de preservação e conservação do meio ambiente resultou na mobilização da sociedade civil e na constitucionalização, em âmbito mundial e interno, do meio ambiente ecologicamente equilibrado com um direito fundamental.. 2.1 A crise ecológica global. A organização da sociedade e a relação homem-natureza foram profundamente impactadas pelo sistema capitalista de produção mecanizada desencadeado pela Revolução Industrial, a partir da metade do século 18. Mais tarde, tal sistema intensificou-se durante o esforço de reconstrução dos países que foram devastados na Segunda Guerra Mundial. Após essa época inaugurou-se uma verdadeira cultura do consumismo descontrolado, que tratou de desconsiderar as consequências ambientais daí advindas. Neste sentido, pode-se dizer que. A Revolução Industrial alterou significativamente a relação que o homem mantinha com a natureza, transformando-o em um poluidor e responsável pelas principais formas de agressão ao meio ambiente. Com a Revolução Industrial, o homem desenvolveu a técnica de transformar a natureza, adaptando-a a seu bem-estar. A natureza era considerada como uma fonte de matérias-primas para a produção dos mais diversos bens de consumo (SCARIOT, 2011, p. 112-113).. No período do pós-guerra, o trabalho de reconstrução dos países europeus centrou-se apenas no desenvolvimento econômico e industrial, de modo que mesmo a menor demonstração de preocupação ecológica chegou a ser considerada um verdadeiro obstáculo ao crescimento (SCARIOT, 2011). Em consequência direta deste modelo de crescimento econômico, fundado na expansão da produção e do consumo, nos avanços tecnológicos e na crença acerca da inesgotabilidade dos recursos ambientais - características marcantes da era moderna - surge a sociedade de risco, pós-moderna e caracterizada principalmente pelo fato de que os riscos que foram produzidos pelo desencadeamento da Revolução Industrial deixaram de ser apenas ameaças, passando a tornarem-se situações concretas de desequilíbrio (SCARIOT, 2011)..

(9) 8. Neste sentido, os riscos advindos da era industrial moderna revelam-se em emergências, uma vez que são multiplicados indiscriminadamente, fazendo como que seus efeitos cumulativos assumam proporções catastróficas. Ademais, estes riscos assumem uma dimensão global, ameaçando a própria continuidade da vida no planeta. Portanto, torna-se imperioso sejam adotadas medidas no campo jurídico que, além de voltarem-se às degradações já produzidas, estejam atentas aos perigos que apresentam grande probabilidade de se concretizarem em danos (SCARIOT, 2011, p. 163). Edgar Morin (2013, p. 27) defende que a crise ecológica é apenas uma das muitas crises “interdependentes e interferentes” provocadas pela mundialização, que por sua vez é marcada por três fatores: globalização, ocidentalização e desenvolvimento. No decorrer do século 20, o desenvolvimento tornou-se sinônimo de solução e progresso, especialmente diante da “unificação tecnoeconômica do globo ”, e sua noção encerra múltiplas ideias de 1. prosperidade e bem-estar, de melhoria geral das condições de vida, de redução das desigualdades, de paz social e de democracia (MORIN, 2013). No entanto, adverte: “o desenvolvimento que pretendia ser solução ignora que as sociedades ocidentais estão em crise exatamente por causa de seu desenvolvimento” (MORIN, 2013, p. 31). Perdem-se as solidariedades tradicionais e os contextos humanos e culturais de pequenas populações. Isto porque, ao pretender impor ao mundo o modelo de civilização ocidental, como um verdadeiro “arquétipo universal”, o desenvolvimento supõe que as sociedades ocidentais constituem-se na finalidade da própria história humana (MORIN, 2013). Desta forma, como produto do “sociocentrismo ocidental”, o desenvolvimento tornase também o motor de um movimento ilimitado pela ocidentalização do mundo, que provoca e alimenta sua própria crise, podendo-se afirmar que permaneceu, durante muito tempo – e permanece ainda. [...] cego diante das degradações ecológicas que ele continua a provocar (indústrias poluentes, cidades poluídas, agricultura, criação de gado, piscicultura industrializadas); colocou – e coloca – a biosfera cada vez mais em risco pela exploração desenfreada do petróleo, do carvão, pelo desmatamento em massa, pelas desnaturações provocadas pelas culturas e pela agricultura industrializada (MORIN, 2013, p. 30-31).. 1. “A globalização constitui o estado atual da mundialização. Começa em 1989, após a queda das economias ditas socialistas. É fruto da conjunção em circuito retroativo do desenvolvimento desenfreado do capitalismo que, sob a égide do neoliberalismo, se propaga pelos cinco continentes, e do desenvolvimento de uma rede de telecomunicações instantâneas (fax, telefone celular, Internet). Essa conjunção efetua a unificação tecnoeconômica do planeta” (MORIN, 2013, p. 21)..

(10) 9. A crise planetária reveste-se de um caráter complexo, na medida em que todas as crises atualmente enfrentadas constituem-se em uma “megacrise”, que apresenta três aspectos inseparáveis: trata-se de uma crise do desenvolvimento, da ocidentalização e da mundialização (MORIN, 2013, p. 32). Complexidade esta que, em geral, segue ignorada pelas sociedades – e também pelos indivíduos - o que indica que se vive, também, uma crise de conhecimento. Em verdade, revela-se mesmo como uma crise da própria humanidade. Neste sentido. A globalização, a ocidentalização, o desenvolvimento são, assim, os três alimentos da mesma dinâmica que produz uma pluralidade de crises interdependentes, justapostas, entre elas a crise cognitiva, as crises políticas, as crises econômicas, as crises sociais que, por si sós, produzem as crises da globalização, da ocidentalização, do desenvolvimento. A gigantesca crise planetária é a crise da humanidade que não consegue atingir o estado de humanidade (MORIN, 2013, p. 33). (grifo do autor). Ost (1995, p. 9-10) afirma que a crise ecológica é especialmente marcada pela destruição sistemática de florestas e de espécies animais. Porém, antes e mais do que tudo, trata-se de uma crise da nossa representação e da forma como nos relacionamos com a natureza. Neste cenário, a “natureza ainda natural” funciona como um óbice ao nosso desejo de poder. Poder este que pretende, seguindo o projeto da modernidade, construir uma “supranatureza”, evidenciada pelo “reinado do artifício, da máquina e da automatização, que assim se inaugura e triunfa hoje na união entre o biológico e o tecnológico” (OST, 1995). A crise atualmente vivenciada é, portanto,. […] simultaneamente a crise do vínculo e a crise do limite: uma crise de paradigma, sem dúvida. Crise do vínculo: já não conseguimos discernir o que nos liga ao animal, ao que tem vida, à natureza; crise do limite: já não conseguimos discernir o que deles nos distingue. […] A modernidade ocidental transformou a natureza em “ambiente”: simples cenário no centro do qual reina o homem, que se autoproclama “dono e senhor”. Este ambiente cedo perderá toda a consistência ontológica, sendo desde logo reduzido a um simples reservatório de recursos, antes de se tornar em depósito de resíduos – em suma, o pátio das traseiras da nossa tecnosfera (OST, 1995, p. 9-10).. O homem moderno, com razão, concebeu que sua existência não se reduz à natureza; e a sua libertação em relação a ela é o que mais seguramente informa sua humanidade. Porém, fez mal em esquecer que o limite – visto aqui como a diferença homem-natureza - se por um lado separa e distingue, por outro é o elo que estabelece a ligação. Desta forma, centrando o mundo na existência humana e tendo a razão como fio condutor, o homem acabou por conduzir sua relação com a natureza de forma irresponsável e baseado na crença de que esta relação não deve possuir limitações (OST, 1995)..

(11) 10. Na mesma linha de raciocínio, Sarlet e Fensterseifer (2014, p. 38) referem não haver dúvidas de que os seres humanos é que são os responsáveis diretos pelo esgotamento e pela degradação dos recursos naturais e, portanto, pela degradação da qualidade, da segurança e do equilíbrio ecológicos. Afirmam que a crise atualmente vivenciada é o resultado das “pegadas” que os seres humanos vem deixando em sua passagem pela Terra. Ainda, advertem que o efeito das práticas de degradação ambiental é cumulativo, além de se mostrar, em muitos dos casos – a exemplo da extinção de espécies - irreversível. (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014). A partir deste entendimento, afirmam que a responsabilidade humana é dupla, presente tanto nas ações que resultam em degradação, como naquelas possíveis de materializar uma – ainda que não completa – reversão deste quadro. Assim,. Em nosso redor vemos multiplicarem-se as provas do dano causado pelo homem em muitas regiões da Terra, níveis perigosos de poluição da água, do ar, da terra e dos seres vivos; grandes transtornos de equilíbrio ecológico da biosfera; destruição e esgotamento de recursos insubstituíveis e graves deficiências, nocivas para a saúde física, mental e social do homem, no meio ambiente por ele criado, especialmente naquele em que vive e trabalha. [...] Por mais paradoxal que seja, só os mesmos responsáveis (nós, humanos) pela situação existencial “limite” a que chegamos (ou melhor, nos colocamos) é que detêm em mãos a esperança e a possibilidade de reparar os seus equívocos e salvar a si próprios, bem como as inúmeras outras formas de vida da extinção, retomando o rumo da História em favor da vida (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 39-40).. A Revolução Cognitiva, marcada pelo surgimento de novas formas de pensamento e de comunicação, além do desenvolvimento de ferramentas e tecnologias, permitiu que a humanidade se lançasse à tarefa de colonizar o planeta. Há 45 mil anos, grupos de humanos deixaram o continente afro-asiático e adentraram na Austrália, onde dizimaram a megafauna existente . Por volta de 16 mil anos atrás, os primeiros humanos chegaram à América, e dois 2. mil anos depois, a maioria das espécies da megafauna local estava extinta3 (HARARI, 2016). Em torno de 10 mil anos atrás, ocorreu uma nova revolução na história da espécie humana, causando profundas e irreversíveis mudanças no seu modo de vida. A Revolução 2. 3. A megafauna australiana era composta por criaturas que incluíam “um canguru de 200 quilos e 2 metros de altura e um leão marsupial, grande como um tigre moderno […]. Coalas grandes demais para serem fofinhos e mimosos [...] e aves com o dobro do tamanho de avestruzes […]. Lagartos similares a dragões e cobras com 5 metros de comprimento se arrastavam pela terra. O diprotodonte, um vombate de 2,5 toneladas, vagava pelas florestas. […] Das 24 espécies australianas pesando 50 quilos ou mais, 23 foram extintas. Um grande número de espécies menores também desapareceu. Cadeias alimentares em todo o ecossistema australiano foram quebradas e reorganizadas. Foi a transformação mais importante do ecossistema australiano em milhões de anos” (HARARI, 2016, p. 75). “Quando os primeiros americanos marcharam rumo ao sul […] encontraram mamutes e mastodontes, roedores do tamanho de ursos, rebanhos de cavalos e de camelos, leões gigantes e dezenas de espécies que são completamente desconhecidas em nossos dias, entre as quais os temíveis tigres-dentes-de-sabre e as preguiças gigantes […]. De acordo com estimativas atuais, nesse curto intervalo a América do Norte perdeu 34 de seus 47 gêneros de grandes mamíferos. A América do Sul perdeu 50 de 60” (HARARI, p. 81)..

(12) 11. Agrícola foi marcada pela manipulação da vida de certas espécies de animais e de plantas e pela formação de assentamentos permanentes. No entanto, em que pese a transformação de grupos de caçadores-coletores em sociedades fixadas a espaços territoriais determinados, os humanos não deixaram de seguir espalhando-se pelo planeta, e causando desastres ecológicos idênticos aos observados anteriormente4 (HARARI, 2016). Os animais foram, portanto, as primeiras vítimas do que podem ser considerados os maiores e mais rápidos desastres ecológicos provocados nestes períodos históricos marcados por revoluções no desenvolvimento da humanidade. Veja-se que. A Primeira Onda de Extinção, que acompanhou a disseminação dos caçadorescoletores, foi seguida pela Segunda Onda de Extinção, que acompanhou a disseminação dos agricultores e nos dá uma perspectiva importante sobre a Terceira Onda de Extinção, que a atividade industrial está causando hoje. […] Muito antes da Revolução Industrial, o Homo sapiens já era o recordista, entre todos os organismos, em levar as espécies de plantas e animais mais importantes à extinção. Temos a honra duvidosa de ser a espécie mais mortífera nos anais da biologia (HARARI, 2016, p. 83-84).. Data também da época da Revolução Agrícola a domesticação de espécies como ovelhas, galinhas, porcos, bois, cães, gatos e cavalos, muitas vezes mediante a utilização de práticas cruéis e degradantes, transformando-os em animais para o trabalho, para a guerra e para o consumo de carne, leite, ovos, pele e lã, resultando que. Hoje o mundo tem cerca de um bilhão de ovelhas, um bilhão de porcos, mais de um bilhão de cabeças de gado e mais de 25 bilhões de galinhas. […] As galinhas domesticadas são as aves mais disseminadas até hoje. Depois do Homo sapiens, o gado, o porco e a ovelha são, nessa ordem, os grandes mamíferos mais difundidos no mundo. De uma perspectiva estritamente evolutiva, que mede o sucesso de uma espécie pelo número de cópias de DNA, a Revolução Agrícola foi uma grande vantagem para galinhas, porcos e ovelhas. Infelizmente, a perspectiva evolutiva é um parâmetro de sucesso relativo. Julga tudo segundo os critérios de sobrevivência e reprodução, sem considerar o sofrimento e a felicidade individuais. As galinhas e as vacas domesticadas podem ser uma história de sucesso evolutivo, mas também estão entre as criaturas mais miseráveis que já existiram. […] Esta discrepância entre sucesso evolutivo e sofrimento individual é, talvez, a lição mais importante que podemos tirar da Revolução Agrícola. Quando estudamos a história de plantas como trigo e milho, talvez a perspectiva puramente evolutiva faça sentido. Mas no caso de animais como bois, ovelhas e sapiens, cada um com um mundo complexo de sensações e emoções, temos que considerar em que medida o sucesso evolutivo se traduz em experiência individual (HARARI, 2016, p. 102-105).. 4. “Essa tragédia ecológica foi reencenada em miniatura inúmeras vezes depois da Revolução Agrícola. O registro arqueológico de ilha após ilha conta a mesma história triste. A tragédia começa com uma cena mostrando uma população rica e variada de grandes animais, sem vestígio algum de humanos. Na cena dois, os sapiens aparecem, evidenciados por um osso humano, uma ponta de lança ou, talvez, um pedaço de um utensílio de cerâmica. Logo vem a cena três, em que homens e mulheres ocupam o centro do palco e a maioria dos animais grandes, junto com muitos dos menores, desapareceu” (HARARI, 2016, p. 82-83)..

(13) 12. Mais adiante na história da humanidade, a separação do ser humano do mundo animal, respaldada pelos ensinamentos das religiões monoteístas e pelo reducionismo científico, possibilitou e induziu à conquista e à apropriação da natureza, facilitando a posição humana que reduz, coisifica e atribui valor econômico a tudo o que é vivo, que se constituem em objetos para escravizar, manipular e destruir (MORIN, 2013). Diversas são as manifestações da degradação ambiental que caracterizam as pegadas humanas, as quais comprometem o equilíbrio ecológico e resultam na crise ecológica percebida hoje em escala mundial. Entre eles, a poluição industrial5, o uso abusivo de agentes químicos na agricultura6, a destruição sistemática de florestas e demais ecossistemas, a degradação do solo, a degradação e a poluição dos oceanos causadas pela contaminação industrial7, pelo descarte irregular de lixo e por práticas pesqueiras abusivas que causam a extinção de espécies da fauna e da flora, o tráfico de animais 8, a exploração da energia nuclear, o crescimento populacional e sua concentração nas áreas urbanas9, o aquecimento global e as mudanças climáticas dele decorrentes (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014). A criação de animais para consumo humano constitui-se em uma das principais atividade humanas dentre as responsáveis pela crise ambiental atual, segundo apontado pelas Nações Unidas10. É, talvez, a atividade humana que mais responde pela destruição de florestas, pela desertificação, pela perda de biodiversidade, pela escassez e pela poluição de água doce,. 5. Além da poluição causada pelo descarte de resíduos e dejetos industriais na natureza, sem a menor regulamentação, ao longo do tempo ocorreram diversos acidentes industriais que resultaram em verdadeiros desastres ambientais ao redor do mundo, contribuindo com o agravamento da crise ambiental. Entre eles se pode citar: o vazamento de dioxina, agente químico mutagênico, da empresa Icmesa, em Seveso, Itália, no ano de 1976, o vazamento de 40 toneladas de gases tóxicos da empresa Union Carbide, em Bophal, na Índia, no ano de 1984, considerado o pior até hoje, o incêndio em uma fábrica de produtos químicos da empresa Sandoz, na Cidade da Basileia, na Suíça, em 1986, liberando produtos altamente tóxicos que contaminaram o Rio Reno. No Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, a cidade de Cubatão, em São Paulo, chegou a ser considerada pela ONU a cidade mais poluída do mundo. À época, ainda, a região do ABC paulista recebeu o nome de Vale da Morte. Para os exemplos de acidentes industriais: (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 43-46 e SANTANA, 2009, p. 30). 6 “O futuro roubado”, obra publicada em 1996, de autoria de Theo Colborn, John Peterson Myers e Dianne Dumanoski, expôs que o uso em excesso de agentes químicos nas práticas agrícolas está diretamente relacionado ao aparecimento de cânceres como o de mama e o de próstata, deformações genitais, desordens neurológicas em crianças, problemas de desenvolvimento e reprodução em animais silvestres, às baixas taxas de fertilidade e casos de infertilidade que afetam seres humanos e animais, e acabam comprometendo a sobrevivência das espécies (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 44-45). 7 Aqui se pode citar a contaminação de ursos polares e baleias, sem nenhum contato direito, por altos níveis de dioxinas e organoclorados (tipos de poluentes orgânicos persistentes); além da poluição marinha causada pelo vazamento de substâncias poluidoras presentes nas tintas utilizadas em navios (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 48-51). 8 O 1º Relatório Nacional sobre o Tráfico de Fauna Silvestre, publicado em 2001 pela Rede Nacional de Combate ao Tráfico de Animais Silvestres – RENCTAS -, situa o tráfico de vida selvagem (incluídas a flora, a fauna, seus produtos e subprodutos) como a terceira maior atividade ilegal do mundo, depois do tráfico de armas e do tráfico de drogas. Também estima que a atividade movimenta de 10 a 20 bilhões de dólares/ano pelo mundo, e que o Brasil é responsável por cerca de 5% a 15% deste total. Disponível em http://www.renctas.org.br/wpcontent/uploads/2014/02/REL_RENCTAS_pt_final.pdf. Acesso em 06 de out. de 2016. 9 “[…] em 2011, mais da metade da população mundial, ou seja, mais de 3 bilhões e quinhentos milhões de pessoas, já sediavam as suas vidas em cidades, representando um aumento de 45% em relação à situação verificada no ano de 1992” (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 62). 10 Trata-se do relatório intitulado Livestock's long shadow: Environmental issues and options, editado no ano de 2006..

(14) 13. e pela erosão do solo11. Além disso, é uma das maiores fontes de emissão dos gases causadores do efeito estufa12. Os oceanos encontram-se especialmente ameaçados pela expansão da pesca comercial, além da criação intensiva em cativeiro de peixes e outros organismos aquáticos13 (RIBEIRO; SCHUCK, 2015). A ciência ecológica, nascida na metade do século 20, evidencia que nossa relação com a natureza é do tipo “de vida e morte”, e assim nos obriga a repensar nosso lugar no planeta, expondo a ligação do nosso destino ao dele e, acima de tudo, nos obriga a repensar sobre nós mesmos, sobre nossa humanidade e sobre nossa animalidade, na medida em que. […] se o ser humano se distingue da animalidade por sua consciência e sua cultura, traz consigo toda a história do universo e da vida, uma vez que as partículas que o constituem surgiram desde os primeiros segundos de existência do mundo, que seus átomos foram forjados em sóis anteriores ao nosso, que suas moléculas se agruparam sobre uma Terra primitiva para formar o primeiro ser unicelular do qual, por meio de criações e metamorfoses, descendem todos os seres vivos, inclusive o ser humano. [...] O mundo existe e, ao mesmo tempo, nós existimos no mundo. Não somos seres extravivos, não somos extra-animais ou extraprimatas, mas seres verdadeiramente supervivos, superanimais e superprimatas. A organização biológica, animal, mamífera encontra-se na natureza exterior, mas também na nossa natureza interior (MORIN, 2013, p. 99-100).. É ao final da década de 1960, no dizer de Santana (2009, p. 28), que nasce a era do meio ambiente, que se desenvolveu como uma resposta aos diversos alertas científicos de risco ambiental e, principalmente, a partir de um “movimento de opinião pública sem precedentes na história da humanidade, inteiramente espontâneo e sem qualquer apoio dos governos estatais”, adotando novos valores individuais e coletivos em reação à sociedade de consumo (SANTANA, 2009). A sociedade civil, organizada em torno das causas ambientais, passou a exigir um novo espaço na política, visando a que as decisões nesta seara, assim como as práticas 11 Quase 75% das terras agrícolas do planeta são utilizadas para pastagem ou produção de ração. A remoção da cobertura vegetal para a formação de pastagens e para áreas de cultivo também altera o equilíbrio do ciclo de nutrientes. Em sistemas extensivos de criação, o gado pisoteia e compacta o solo, dificultando a absorção de água e as trocas gasosas e de nutrientes no solo. O setor agropecuário é responsável por mais de 90% do consumo global de água; sendo necessários dez a vinte mil litros de água para se produzir um único quilo de carne bovina. A pecuária é, provavelmente, a maior fonte de poluição de mananciais e corpos hídricos; a produção de dejetos e o escoamento de fertilizantes, pesticidas e aditivos usados nos cultivos destinados à produção de ração contribuem substancialmente para os processos de eutrofização, para a criação de zonas oceânicas mortas, para a degradação de recifes de coral e diversos problemas de saúde pública causados pela proliferação de doenças (RIBEIRO; SCHUCK, 2015, p. 8-23). 12 Tendo em conta apenas as emissões produzidas na cadeia de produção, desde o cultivo de alimentos para ração, até o transporte e venda da carne processada, a ONU estima que o setor responde por 14,5% das emissões de gases de efeito estufa gerados pelas atividades humanas (RIBEIRO; SCHUCK, 2015, p. 34-35). 13 Para a prática da pesca em escala industrial, são utilizadas tecnologias que incluem linhas de até 60 km lançadas em altomar e redes que alcançam 1500 m de profundidade. Tais práticas capturam acidentalmente milhares de peixes, moluscos e invertebrados, além de mamíferos, aves e tartarugas. A pesca do camarão representa 2% do montante global pescado anualmente, e responde por 35% do desperdício total de peixes e organismos marinhos descartados (RIBEIRO; SCHUCK, 2015, p. 39)..

(15) 14. econômicas, passassem a considerar os valores ecológicos por ela defendidos. Foram utilizadas novas formas de ação direta - protestos, campanhas específicas e, em alguns casos, a desobediência civil – com grande ocupação de espaço midiático e mobilização da opinião pública, impactando o espaço político e, mais tarde, refletindo-se na consagração jurídica dos valores e direitos ecológicos. Neste sentido, o Direito Ambiental. [...] é resultado justamente de uma história social, cultural e política que lhe é anterior e que lhe foi também determinante. A sua razão de ser reside justamente em tal legitimação político-comunitária antecedente, ou seja, há relação direta de causalidade entre a ocorrência da poluição e degradação ecológica, a mobilização social em prol da proteção da Natureza e a regulação normativa da matéria. Em outras palavras, o despertar da consciência ecológica mediante práticas sociais consolidou os valores ecológicos no espaço político, alcançando, posteriormente, também o universo jurídico. Esse percurso histórico-evolutivo, somado a inúmeros outros fatores, formatou a proteção jurídica do ambiente e conduziu, num momento posterior, à consagração do Direito Ambiental propriamente dito (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 147-148) (grifos do autor).. Diante deste cenário de degradações e dos perigos que representam, percebe-se que a sociedade começa a incorporar o conhecimento de que os recursos naturais são limitados, e que tal conhecimento leva ao entendimento acerca da necessidade de preservação do meio ambiente e controle da devastação causada pelo estilo de vida consolidado.. 2.2 A constitucionalização do meio ambiente. A Declaração de Estocolmo sobre o Meio Ambiente Humano, de 1972, foi o grande marco normativo da proteção ambiental no cenário jurídico internacional. Na mesma ocasião, durante a Conferência que se realizava, ocorreu a criação do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (PNUMA), o que motivou a inauguração de uma “agenda política internacional própria para a discussão e enfrentamento da crise ecológica” (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 153). Foram muitos e significativos os resultados produzidos pela conferência de Estocolmo, iniciando-se pela inclusão dos problemas ambientais tanto na pauta dos países desenvolvidos quanto na daqueles em processo de desenvolvimento. No. entanto, a. conferência evidenciou as divergências existentes entre os países desenvolvidos e os países em desenvolvimento. O Brasil, como representante do segundo caso, assumiu posição contrária às medidas preservacionistas propostas, optando por dar continuidade ao então acelerado processo de desenvolvimento econômico, afirmando que os problemas ambientais deveriam ser discutidos e solucionados pelos países desenvolvidos. Esta posição mereceu.

(16) 15. destaque, pois serviu para questionar a influência de organismos internacionais que responsabilizavam os países em desenvolvimento pelo estágio de degradação ambiental verificado (SCARIOT, 2011). A Declaração de Estocolmo, por sua importância, tem servido de guia e parâmetro na definição de princípios mínimos que devem constar tanto nas legislações internas dos Estados quanto nos textos do Direito Internacional da atualidade. Desta forma, tem-se que. A influência do ordenamento jurídico internacional em matéria ambiental é sentida de forma significativa no âmbito de todas as legislações nacionais, a ponto inclusive de vários países (e o Brasil se inclui entre eles) terem incorporado no âmbito de suas legislações domésticas o conteúdo (conceitos, objetivos, princípios, instrumentos, etc.) dos diplomas internacionais (declarações, tratados e convenções) em matéria ambiental, tanto no plano constitucional quanto infraconstitucional (SARLET, FENSTERSEIFER, 2010, p. 153-154). Benjamin (2010) afirma que a formação do Direito Ambiental e a ecologização dos textos constitucionais ocorreram no mesmo período e de forma simultânea, dada a relevância da matéria. Para ele. A ecologização da Constituição não é cria tardia de um lento e gradual amadurecimento do Direito Ambiental, o ápice que simboliza a consolidação dogmática e cultural de uma visão jurídica de mundo. Muito ao contrário, o meio ambiente ingressa no universo constitucional em pleno período de formação do Direito Ambiental. A experimentação jurídico-ecológica empolgou, simultaneamente, o legislador infraconstitucional e o constitucional (BENJAMIN, 2010, p. 84).. De fato, Benjamin (2010, p. 81) sustenta que “a constitucionalização do ambiente é uma irresistível tendência internacional”. No entanto, adverte: “[…] constitucionalizar é uma coisa; constitucionalizar bem, outra totalmente diversa. Ninguém deseja uma Constituição reconhecida pelo que diz e desprezada pelo que faz ou deixa de fazer” (BENJAMIN, 2010). As aspirações individuais e sociais com relação ao meio ambiente ganharam relevo como novas categorias de expectativas – e a partir disso, de direitos – “cujos contornos estão em divergência com a fórmula do eu-contra-o-Estado, ou até da sua versão welfarista mais moderna, do nós-contra-o-Estado”. Assim, a ecologização do texto constitucional propõe uma fórmula que positiva a solidariedade, uma fórmula do tipo “nós-todos-em-favor-do-planeta” (BENJAMIN, 2010, p. 78-79). Essa mudança de estrutura constitucional, no entanto, não significa uma mera “reordenação cosmética” normativa nos âmbitos constitucional e infraconstitucional. Ao contrário,.

(17) 16. […] trata-se de operação mais sofisticada, que resulta em tríplice fratura no paradigma vigente: a diluição das posições formais rígidas entre credores e devedores (a todos se atribuem, simultaneamente, o direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado e o dever de protegê-lo); a irrelevância da distinção entre sujeito estatal e sujeito privado, conquanto a degradação ambiental pode ser causada, indistintamente, por um ou pelo outro, e até, com frequência, por ambos de maneira direta ou indiretamente concertada; e, finalmente, o enfraquecimento da separação absoluta entre os componentes naturais do entorno (o objeto, na expressão da dogmática privatística) e os sujeitos da relação jurídica, com a decorrente limitação, em sentido e extensão ainda incertos, do poder de disposição destes (= dominus) em face daqueles (= res) (BENJAMIN, 2010, p. 79).. Seguindo o caminho da Declaração de Estocolmo, as Constituições de diversos países reconheceram no meio ambiente ecologicamente equilibrado um direito fundamental, elencado entre os direitos sociais do homem, com sua particular característica de “direitos a serem realizados e direitos a não serem perturbados” (SILVA, 2004, p. 70). (grifo do autor) A Lei Fundamental da Alemanha, de 1949, apresenta, em seu artigo 20a14 - incluído em 1994 e alterado em 2002 para prever a proteção dos animais - regime jurídico que não reconhece a dimensão subjetiva do meio ambiente, da mesma forma que não o trata como um direito fundamental. Apenas impõe aos Poderes Públicos a missão constitucional de promover a proteção ambiental. Ainda assim, o regime alemão é, no âmbito do direito comparado, um dos que possui o mais alto nível de eficácia jurídica e social (SARLET; FENSTERSEIFER, 2010, p. 166). A Constituição de Portugal, de 1976, foi pioneira em relacionar a proteção do meio ambiente ao direito à vida, dando nova formulação ao tema (SILVA, 2004, p. 45). Com efeito, a Carta portuguesa confere destaque central à matéria ambiental, reconhecendo mesmo a existência de um direito fundamental ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado. As normas dispostas em seu artigo 66 influenciaram sobremaneira o legislador constituinte 15. 14 Artigo 20 a, da Lei Fundamental da República Federal da Alemanha, de 1949: “[Proteção dos recursos naturais vitais e dos animais] Tendo em conta também a sua responsabilidade frente às gerações futuras, o Estado protege os recursos naturais vitais e os animais, dentro do âmbito da ordem constitucional, através da legislação e de acordo com a lei e o direito, por meio dos poderes executivo e judiciário.” Disponível em: https://www.btgbestellservice.de/pdf/80208000.pdf. Acesso em 01 de out de 2016. 15 Artigo 66 da Constituição da República Portuguesa, de 1976: “1. Todos têm direito a um ambiente de vida humano, sadio e ecologicamente equilibrado e o dever de o defender. 2. Para assegurar o direito ao ambiente, no quadro de um desenvolvimento sustentável, incumbe ao Estado, por meio de organismos próprios e com o envolvimento e a participação dos cidadãos: a) Prevenir e controlar a poluição e os seus efeitos e as formas prejudiciais de erosão; b) Ordenar e promover o ordenamento do território, tendo em vista uma correcta localização das actividades, um equilibrado desenvolvimento sócio-económico e a valorização da paisagem; c) Criar e desenvolver reservas e parques naturais e de recreio, bem como classificar e proteger paisagens e sítios, de modo a garantir a conservação da natureza e a preservação de valores culturais de interesse histórico ou artístico; d) Promover o aproveitamento racional dos recursos naturais, salvaguardando a sua capacidade de renovação e a estabilidade ecológica, com respeito pelo princípio da solidariedade entre gerações; e) Promover, em colaboração com as autarquias locais, a qualidade ambiental das povoações e da vida urbana, designadamente no plano arquitectónico e da protecção das zonas históricas; f) Promover a integração de objectivos ambientais nas várias políticas de âmbito sectorial; g) Promover a educação ambiental e o respeito pelos valores do ambiente; h) Assegurar que a política fiscal compatibilize desenvolvimento com protecção do ambiente e qualidade de vida.” Disponível em: http://www.parlamento.pt/Legislacao/Paginas/ConstituicaoRepublicaPortuguesa.aspx Acesso em 01 de out de 2016..

(18) 17. brasileiro de 1988 no que diz com o tratamento destinado à proteção ambiental (SARLET, FENSTERSEIFER, 2014, p. 166). A proteção do meio ambiente no contexto constitucional português possui natureza de direito-dever fundamental, reconhecendo o direito - de todos - ao meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado como um “direito fundamental autônomo”, além de atribuir um dever fundamental de defesa do ambiente ao Estado e aos particulares, o que revela sua dupla dimensão: objetiva e subjetiva (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 167). A Constituição espanhola, de 197816, vinculou a qualidade do ambiente diretamente à proteção da dignidade humana. Igualmente, consagrou o ideal solidarista, ao prever o dever de todos na conservação do ambiente (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 169). A Argentina reformou sua Constituição em 1994, incluindo capítulo que prevê, no artigo 4117, o direito ao meio ambiente. Consagra-o como direito fundamental, inserido no rol das liberdades e garantias fundamentais. Vincula o desenvolvimento humano à proteção ambiental, por meio de atividades produtivas que, além de satisfazer as necessidades das gerações presentes, não comprometa a satisfação das necessidades das gerações que virão (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 173). A Constituição Sul-Africana, de 1996 arrola o meio ambiente no rol dos direitos fundamentais em sua Seção 2418, contemplando a proteção ambiental tanto na dimensão subjetiva: o direito do indivíduo ao ambiente, quanto na objetiva: o dever do Estado na tutela ambiental. Assim, o regime constitucional revela-se bastante semelhante àquele consagrado nas constituições de Portugal e do Brasil (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 172). 16 Artigo 45 da Constituição Espanhola, de 1978: “1. Todos tienen el derecho a disfrutar de un medio ambiente adecuado para el desarrollo de la persona, así como el deber de conservarlo. 2. Los poderes públicos velarán por la utilización racional de todos los recursos naturales, con el fin de proteger y mejorar la calidad de la vida y defender y restaurar el medio ambiente, apoyándose en la indispensable solidaridad colectiva.3. Para quienes violen lo dispuesto en el apartado anterior, en los términos que la ley fije se establecerán sanciones penales o, en su caso, administrativas, así como la obligación de reparar el daño causado.” Disponível em http://www.senado.es/web/conocersenado/normas/constitucion/detalleconstitucioncompleta/index.html#t1c3. Acesso em 01 de out de 2016. 17 Artigo 41, da Constituição da República Argentina: “Todos los habitantes gozan del derecho a un ambiente sano, equilibrado, apto para el desarrollo humano y para que las actividades productivas satisfagan las necesidades presentes sin comprometer las de las generaciones futuras; y tienen el deber de preservarlo. El daño ambiental generará prioritariamente la obligación de recomponer, según lo establezca la ley. Las autoridades proveerán a la protección de este derecho, a la utilización racional de los recursos naturales, a la preservación del patrimonio natural y cultural y de la diversidad biológica, y a la información y educación ambientales. Corresponde a la Nación dictar las normas que contengan los presupuestos mínimos de protección, y a las provincias, las necesarias para complementarlas, sin que aquéllas alteren las jurisdicciones locales. Se prohíbe el ingreso al territorio nacional de residuos actual o potencialmente peligrosos y de los radiactivos.” Disponível em: http://www.oas.org/juridico/mla/sp/arg/sp_arg-int-text-const.html Acesso em 01 de out de 2016. 18 Seção 24, da Constituição da República da África do Sul: “Environment - Everyone has the right: 1. to an environment that is not harmful to their health or well-being; and 2. to have the environment protected, for the benefit of present and future generations, through reasonable legislative and other measures that: a. prevent pollution and ecological degradation; b. promote conservation; and c. secure ecologically sustainable development and use of natural resources while promoting justifiable economic and social development.” Disponível em: http://www.gov.za/documents/constitution/chapter-2-bill-rights#24 Acesso em 01 de out de 2016..

(19) 18. A Carta Constitucional de Meio Ambiente francesa19, aprovada com status constitucional em 2004, passou a reconhecer expressamente o meio ambiente como um direito fundamental humano. Entre os aspectos mais marcantes de seu texto, tem-se, pela primeira vez, a “consagração expressa do princípio da precaução em texto constitucional” (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 171) A Constituição do Equador, de 2008, representa um marco histórico no que se refere à proteção constitucional da natureza. A inovação das normas previstas em seus artigos 71 a 74 , sobre os Direitos da Natureza ('Pacha Mama') representa um avanço normativo sem 20. precedentes no constitucionalismo contemporâneo, diferentemente mesmo dos textos constitucionais que apresentam conteúdo ecológico progressista. Desta forma, consagra o 19 “Carta Ambiental de 2004. O povo francês, Considerando: Que os recursos e o equilíbrio natural condicionaram o surgimento da humanidade; Que o futuro e a própria existência da humanidade são inseparáveis do seu ambiente natural; Que o meio ambiente é o patrimônio comum dos seres humanos; Que o homem exerce uma influência crescente sobre as condições da vida e a sua própria evolução; Que a diversidade biológica, o desenvolvimento da pessoa humana e o progresso das sociedades humanas são afetados por certos modos de consumo ou de produção e pela exploração excessiva dos recursos naturais; Que a preservação do meio ambiente deve ser buscada assim como os outros interesses fundamentais da Nação; Que a fim de assegurar um desenvolvimento sustentável, as escolhas destinadas a responder às necessidades do presente não devem comprometer a capacidade das gerações futuras e de outros povos de satisfazer as suas próprias necessidades; Proclama: ARTIGO 1 o Toda pessoa tem o direito de viver em um ambiente equilibrado e respeitoso à saúde. ARTIGO 2º Toda pessoa tem o dever de participar da preservação e da melhoria do meio ambiente. ARTIGO 3º Toda pessoa deve, nas condições definidas pela lei, prevenir as ameaças que pode causar ao meio ambiente ou, caso contrário, limitar suas consequências. ARTIGO 4º Toda pessoa deve contribuir para reparar os danos que causa ao meio ambiente, nas condições definidas pela lei. ARTIGO 5º Quando a ocorrência de qualquer dano, embora incerto no atual estado dos conhecimentos científicos, possa afetar de maneira grave e irreversível o meio ambiente, os poderes públicos devem garantir a aplicação do princípio de precaução e, no âmbito de suas atribuições, a aplicação de procedimentos de avaliação dos riscos e a adoção de medidas provisórias e proporcionais a fim de evitar a ocorrência do dano. ARTIGO 6ºAs políticas públicas devem promover o desenvolvimento sustentável. Para este fim, conciliar a proteção e a valorização do meio ambiente, o desenvolvimento econômico e o progresso social. ARTIGO 7º Toda pessoa tem o direito, nas condições e nos limites definidos pela lei, ao acesso às informações relativas ao meio ambiente detidas pelas autoridades públicas e de participar na elaboração das decisões públicas que afetam o meio ambiente. ARTIGO 8º A educação e a formação para o meio ambiente devem contribuir ara o exercício dos direitos e deveres definidos pela presente Carta. ARTIGO 9º A pesquisa e a inovação devem fazer sua contribuição para a preservação e para o desenvolvimento do meio ambiente. ARTIGO 10º A presente Carta inspira a ação europeia e internacional da França.” Disponível em http://www.conseilconstitutionnel.fr/conseil-constitutionnel/root/bank_mm/portugais/constitution_portugais.pdf Acesso em 01 de out de 2016. 20 Capítulo Sétimo da Constituição da República do Equador, de 2008: Derechos de la naturaleza Artigo 71. La naturaleza o Pacha Mama, donde se reproduce y realiza la vida, tiene derecho a que se respete integralmente su existencia y el mantenimiento y regeneración de sus ciclos vitales, estructura, funciones y procesos evolutivos. Toda persona, comunidad, pueblo o nacionalidad podrá exigir a la autoridad pública el cumplimiento de los derechos de la naturaleza. Para aplicar e interpretar estos derechos se observaran los principios establecidos en la Constitución, en lo que proceda. El Estado incentivará a las personas naturales y jurídicas, y a los colectivos, para que protejan la naturaleza, y promoverá el respeto a todos los elementos que forman un ecosistema. Art. 72. La naturaleza tiene derecho a la restauración. Esta restauración será independiente de la obligación que tienen el Estado y las personas naturales o jurídicas de Indemnizar a los individuos y colectivos que dependan de los sistemas naturales afectados. En los casos de impacto ambiental grave o permanente, incluidos los ocasionados por la explotación de los recursos naturales no renovables, el Estado establecerá los mecanismos más eficaces para alcanzar la restauración, y adoptará las medidas adecuadas para eliminar o mitigar las consecuencias ambientales nocivas. Art. 73. EI Estado aplicará medidas de precaución y restricción para las actividades que puedan conducir a la extinción de especies, la destrucción de ecosistemas o la alteración permanente de los ciclos naturales. Se prohíbe la introducción de organismos y material orgánico e inorgánico que puedan alterar de manera definitiva el patrimonio genético nacional. Art. 74. Las personas, comunidades, pueblos y nacionalidades tendrán derecho a beneficiarse del ambiente y de las riquezas naturales que les permitan el buen vivir. Los servicios ambientales no serán susceptibles de apropiación; su producción, prestación, uso y aprovechamiento serán regulados por el Estado.” Disponível em http://www.stf.jus.br/repositorio/cms/portalStfInternacional/newsletterPortalInternacionalFoco/anexo/ConstituicaodoEqu ador.pdf Acesso em 01 de out de 2016..

(20) 19. paradigma jurídico biocêntrico, que reconhece à natureza o direito ao respeito integral de sua existência e à manutenção e regeneração de seus ciclos vitais, de sua estrutura, funções e processos evolutivos (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 174). O texto constitucional boliviano de 2009, em seus artigos 33 e 34 , também trata o 21. meio ambiente como direito fundamental, da mesma forma que refere sobre o dever de proteção dos demais seres vivos. (SARLET; FENSTERSEIFER, 2014, p. 175). Para além da questão jurídica, Morin (2013, p. 105) sustenta que as vias ecorreformadoras de enfrentamento da ameaça ecológica necessitam, emergencialmente, de uma reforma em nosso padrão de pensamento, para abranger a complexidade da relação que existe entre a humanidade e a natureza, e, assim, criar uma política ecológica capaz de considerar “os fatores de poluição simultaneamente em seu conjunto e em sua diversidade” (MORIN, 2013). A proposta de reforma exige que seja efetivado o despertar de todos os cidadãos, para o fim de se tratar das questões mais importantes e mais urgentes – a questão energética, a escassez de água, a concentração humana em megalópoles sufocantes, a produção de alimentos - enfrentando, além dos lobismos e corporativismos, a apatia e a indiferença dos indivíduos (MORIN, 2013). No entanto, ao mesmo tempo que se pode observar a progressão da consciência ecológica, os gigantescos interesses econômicos permanecem entravando mudanças nas estruturas institucionais e mentais, de forma que a conscientização ecológica ainda não se instalou em um grande pensamento político; ela ainda não fez nascer uma força planetária suficiente para desencadear as mudanças verdadeiramente necessárias (MORIN, 2013).. 2.3 O meio ambiente na Constituição brasileira de 1998.. A tutela constitucional do meio ambiente no Brasil, teve seu marco inaugural com a Constituição Federal de 1988. Aliás, conforme constata Paulo Affonso Leme Machado (2014, p. 147), esta é “a primeira Constituição brasileira em que a expressão 'meio ambiente' é mencionada” (MACHADO, 2014).. 21 Seção I, do Capítulo Quinto, da Constituição Política do Estado Plurinacional da Bolívia: “Derecho al Medio Ambiente Artículo 33. Las personas tienen derecho a un medio ambiente saludable, protegido y equilibrado. El ejercicio de este derecho debe permitir a los individuos y colectividades de las presentes y futuras generaciones, además de otros seres vivos, desarrollarse de manera normal y permanente. Artículo 34. Cualquier persona, a título individual o en representación de una colectividad, está facultada para ejercitar las acciones legales en defensa del derecho al medio ambiente, sin perjuicio de la obligación de las instituciones públicas de actuar de oficio frente a los atentados contra el medio ambiente.” Disponível em http://www.harmonywithnatureun.org/content/documents/159Bolivia %20Consitucion.pdf Acesso em 01 de out de 2016..

(21) 20. A tutela específica do meio ambiente na Constituição Federal encontra-se no artigo 225 e seus parágrafos, que encerra o Capítulo VI, inserido no Título VIII, que trata da Ordem 22. Social. No entanto, as disposições acerca do meio ambiente permeiam todo o texto constitucional, estando inseridas em vário títulos e capítulos (MACHADO, 2014, p. 147).. Não se pode esquecer [...] que o art. 225 é apenas o porto de chegada ou ponto mais saliente de uma série de outros dispositivos que, direta ou indiretamente, instituem uma verdadeira malha regulatória que compõe a ordem pública ambiental, baseada nos princípios da primariedade do meio ambiente e da explorabilidade limitada da propriedade, ambos de caráter geral e implícito (BENJAMIN, 2010, p. 114).. A tutela do meio ambiente na Constituição Federal de 1988 realizou verdadeiro salto, de um estágio de “miserabilidade ecológico-constitucional” para um de “opulência ecológicoconstitucional”. No entanto, não foi completamente revolucionária. No contexto do Direito Comparado, aproveitou-se da tendência mundial de constitucionalizar a proteção do meio ambiente e utilizou-se de esquema legislativo previamente desenvolvido por algumas Constituições estrangeiras, “com uma pitada, aqui e ali, de saudável e criativa originalidade” (BENJAMIN, 2010, p. 107). A Constituição de 1988 acabou com o “paradigma liberal” que impregnou suas antecessoras, e que vê no Direito “apenas um instrumento de organização da vida econômica” (BENJAMIN, 2010, p. 104), fazendo do Estado um mero regulador das atividades do mercado. Ao tratar da questão da proteção e da preservação ambiental em um capítulo específico, introduziu entre nós o paradigma do Estado de Direito Ambiental (SCARIOT, 2011, p. 91). 22 Artigo 225 da Constituição Federal de 1988: “Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações. § 1º Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao Poder Público: I - preservar e restaurar os processos ecológicos essenciais e prover o manejo ecológico das espécies e ecossistemas; II - preservar a diversidade e a integridade do patrimônio genético do País e fiscalizar as entidades dedicadas à pesquisa e manipulação de material genético; III - definir, em todas as unidades da Federação, espaços territoriais e seus componentes a serem especialmente protegidos, sendo a alteração e a supressão permitidas somente através de lei, vedada qualquer utilização que comprometa a integridade dos atributos que justifiquem sua proteção; IV exigir, na forma da lei, para instalação de obra ou atividade potencialmente causadora de significativa degradação do meio ambiente, estudo prévio de impacto ambiental, a que se dará publicidade; V - controlar a produção, a comercialização e o emprego de técnicas, métodos e substâncias que comportem risco para a vida, a qualidade de vida e o meio ambiente; VI - promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente; VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade. § 2º Aquele que explorar recursos minerais fica obrigado a recuperar o meio ambiente degradado, de acordo com solução técnica exigida pelo órgão público competente, na forma da lei. § 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados. § 4º A Floresta Amazônica brasileira, a Mata Atlântica, a Serra do Mar, o Pantanal MatoGrossense e a Zona Costeira são patrimônio nacional, e sua utilização far-se-á, na forma da lei, dentro de condições que assegurem a preservação do meio ambiente, inclusive quanto ao uso dos recursos naturais. § 5º São indisponíveis as terras devolutas ou arrecadadas pelos Estados, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais. § 6º As usinas que operem com reator nuclear deverão ter sua localização definida em lei federal, sem o que não poderão ser instaladas.”.

(22) 21. Neste sentido. Ao mudar de rumo – inclusive quanto aos objetivos que visa a assegurar – a Constituição, como em outros campos, metamorfoseou, de modo notável, o tratamento jurídico do meio ambiente, apoiando-se em técnicas legislativas multifacetárias. Uma Constituição que, na ordem social (o território da proteção ambiental, no esquema de 1988), tem como objetivo assegurar “o bem estar e a justiça sociais” (art. 193), não poderia mesmo deixar de acolher a proteção do meio ambiente, reconhecendo-o como bem jurídico autônomo e recepcionando-o na forma de sistema, e não como um conjunto fragmentário de elementos; sistema esse que, não custa repetir, organiza-se na forma de uma ordem pública ambiental constitucionalizada (BENJAMIN, 2010, p. 104).. A questão ambiental passou, então, a ser vista como um tema essencial ao desenvolvimento do país e à garantia de saúde e qualidade de vida dos cidadãos. Mesmo não inserido entre os direitos e garantias fundamentais arrolados no artigo 5º da Constituição de 1988, é irrefutável que se trata de um direito fundamental, que exige uma maior atuação estatal, além de significativas mudanças na conformação social, econômica, cultural e política da sociedade, visando à sua proteção contra os riscos próprios da atividade industrial (SCARIOT, 2011). Não é difícil perceber, então, que. A expressão “Estado de direito do ambiente” [...] tem assumido especial relevo num contexto em que crescem as exigências para que os Estados elaborem suas políticas públicas de forma ecológica, equilibrada e autossustentável. A exigência para que os Estados contemplem a questão ambiental pressupõe um constante diálogo entre governo e sociedade civil, vigorando, assim, o princípio da cooperação e da harmonia entre as ações propostas pelos governos e as expectativas da comunidade (SCARIOT, 2011, p. 100).. O direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito alicerçado na fraternidade e na solidariedade, que demanda tanto obrigações negativas quanto prestações positivas, por parte do Estado e da sociedade em geral, e cujo exercício pode ser coletivo ou individual. É reconhecido pela doutrina como um direito de terceira geração, do tipo que transcende a esfera do individual e atribui uma garantia subjetiva tanto às pessoas individualmente consideradas como aos diversos grupos de indivíduos (BENJAMIN, 2010). O reconhecimento do meio ambiente como direito fundamental tem como principal consequência a formulação de um princípio de primazia do ambiente. Além disso, é direito de aplicação direta, que independe, portanto, de lei que o regulamente; vincula imediatamente a todos, agentes públicos e privados e ao qual se pode atribuir as características da irrenunciabilidade, da inalienabilidade e da imprescritibilidade (BENJAMIN, 2010)..

Referências

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