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Análise da fendilhação em elementos de betão armado induzida por restrições a deformações impostas

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Academic year: 2021

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Análise da fendilhação em elementos de betão armado induzida

por restrições a deformações impostas

Luís Leitão

1

Rui Faria

2

Miguel Azenha

3

Carlos Sousa

4 RESUMO

O controlo da fendilhação decorrente do impedimento a deformações impostas, como a retração, é uma das preocupações principais para os projetistas, devido ao papel determinante que este fenómeno assume na durabilidade e no aspeto visual de estruturas de betão armado (BA). Os efeitos da fendilhação podem ser controlados limitando a abertura de fendas através de uma adequada quantificação e distribuição das armaduras. Contudo, em alguns casos, as metodologias de cálculo propostas pelos regulamentos de projeto garantem o controlo da fendilhação aplicando quantidades exageradas de armadura face à verdadeira necessidade da estrutura. Estas normas são baseadas em pressupostos simplificados, devido à falta de informação sobre os efeitos do grau de restrição na estrutura, do fenómeno não-linear envolvido e da consideração explícita da interação entre as deformações impostas e a fluência do betão. Estes aspetos são incluídos no modelo adotado no presente trabalho, que é direcionado para o estudo de muros de BA.

Palavras-chave: Retração, Estruturas de BA, Deformação impedida, Fendilhação do betão, Simulação

numérica

1. INTRODUÇÃO

A consideração dos efeitos da retração na determinação da armadura mínima necessária para o controlo da fendilhação do betão é normalmente efetuada através de uma abordagem simplificada, de acordo com a generalidade dos regulamentos, tais como o Eurocódigo 2 - Parte 1-1 [1]. Regra geral, esta abordagem consiste em considerar o funcionamento estrutural dos elementos de BA idêntico ao comportamento de um tirante sujeito a uma restrição total à deformação, o que se revela bastante conservativo face à restrição existente em estruturas distintas. No sentido de colmatar esta lacuna, alguns regulamentos direcionados para reservatórios (tais como o Eurocódigo 2 – Parte 3 [2]) têm introduzido o conceito de ‘grau de restrição’, de forma a obter uma previsão mais realista da abertura de fendas que se verifica nas estruturas de betão. Contudo, a metodologia referida baseia-se num número reduzido de cenários de restrição à deformação, limitando a sua generalidade.

Esta limitação dos regulamentos de projeto de estruturas de BA constitui a motivação do presente artigo, em que se aborda a implementação de estratégias de simulação numéricas com recurso ao Método dos Elementos Finitos (MEF), no sentido de obter padrões de fendilhação e aberturas de fendas próximos da realidade. Assim, apresenta-se um estudo preliminar orientado para a simulação numérica de estruturas à escala real, incluindo a respetiva validação, sendo que a metodologia proposta é desenvolvida de forma a permitir uma aplicação prática. Optou-se portanto por desprezar a simulação explícita dos efeitos associados à distribuição não uniforme da retração ao longo da secção

1

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Depart. de Engenharia Civil, Porto, Portugal. dec11017@fe.up.pt

2

Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto, Depart. de Engenharia Civil, Porto, Portugal. rfaria@fe.up.pt

3

Escola de Engenharia da Universidade do Minho, Dep. Eng. Civil, Guimarães, Portugal. miguel.azenha@civil.uminho.pt

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transversal do elemento [4]. O modelo desenvolvido assume uma representação dos elementos de BA em estado plano de tensão, com simulação explícita da armadura através de elementos de barra, sendo o carácter transiente do problema associado à fluência e à retração devidamente considerado. Os efeitos associados à capacidade resistente à tração do betão simples após fendilhar (‘tension softening’), bem como do BA (‘tension stiffening’), são considerados.

A validação da abordagem proposta é realizada através da comparação das previsões numéricas com os resultados obtidos experimentalmente num tirante de BA submetido a um ensaio de tração pura. A estratégia de modelação é posteriormente aplicada a um muro de retenção localizado no norte de Portugal, para o qual existe disponível informação relevante, nomeadamente: dados do projeto e da construção, os padrões de fendilhação e as aberturas de fendas atuais obtidas através de uma inspeção in-situ no âmbito da presente investigação. A coerência entre o comportamento observado do muro e os resultados do MEF é discutida pormenorizadamente, juntamente com a descrição das análises paramétricas no sentido de avaliar a importância das diferentes variáveis envolvidas na simulação.

2. ABORDAGEM NUMÉRICA APLICADA

A abordagem de modelação numérica proposta é direcionada para o estudo de estruturas em larga escala, aplicando o MEF com malhas pouco refinadas, permitindo prever de forma realista o comportamento da fendilhação, além de simultaneamente não apresentar problemas de convergência nem tempos de cálculo impraticáveis. Nesse sentido, a estratégia adotada baseia-se num modelo de fendilhação distribuída, com os varões representados como embebidos nos elementos finitos (EF), sendo que a correspondente deformação é calculada através do campo de deslocamentos do EF de betão em que se encontram embebidos. As tensões geradas fora do plano são consideradas desprezáveis nas estruturas simuladas (do ponto de vista da fissuração associada à retração), sendo assim possível assumir um estado plano de tensão. Em termos de processamento numérico, utilizaram-se EF com 8 nós e 22 pontos de Gauss para a discretização do betão, e recorreu-se a uma formulação com armaduras embebidas e perfeitamente aderentes para a simulação dos varões. A fendilhação é simulada através de um modelo multidirecional de fendas fixas, e é efetuada uma decomposição das extensões do betão que permite combinar os efeitos não-lineares da fendilhação com outros fenómenos, tais como a fluência e a retração deste material [4]. Múltiplas fendas são admitidas em cada ponto de integração, mas o ângulo entre elas não pode ser inferior a um limite, para o qual se estipulou o valor de 60º. A extensão total de tração do betão é decomposta em componentes dependentes e independentes da tensão, assim como numa extensão relativa à abertura de fendas. A abertura de fendas no betão é obtida através de um pós-processamento posterior à análise mecânica, que consiste na integração da extensão relativa à abertura de fendas ao longo do comprimento em que ocorre deslizamento entre o aço e o betão.

São adotados dois tipos de diagramas constitutivos multilineares para definição da relação tensão-abertura de fenda, com os quais se simula o diferente comportamento do betão em duas zonas distintas: a que se encontra dentro da área efetiva que envolve os varões das armaduras (onde o efeito ‘tension stiffening’ é considerado), e a que se encontra afastada dos varões (onde ocorre um efeito de amaciamento ou ‘tension softening’). O ‘softening’ é representado por um diagrama de tensão-extensão descendente após o betão fendilhar, sendo a área delimitada pelo diagrama e o eixo das extensões a correspondente à relação Gf/h, em que Gf corresponde à energia de fratura e h é a dimensão da banda de fendilhação (ver Fig.1a). Gf é estimada de acordo com o Model Code 1990 (MC90) [5]. O valor de h define a largura da banda na qual ocorre a fendilhação do betão, encontrando-se associado ao tamanho do EF, ou a metade deste valor, consoante a fissuração ocorre na totalidade dos pontos de Gauss ou somente em metade. Este procedimento garante que o diagrama de ‘softening’ apresenta objetividade face ao refinamento da malha de EF utilizada [6].

O ‘tension stiffening’ é representado por um ramo multilinear (ver Fig.1b), no qual existe um patamar de tensão de tração assumido durante a fase de fendilhação estabilizada [7]. Neste diagrama o

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através de um ramo descendente, correspondente ao adotado para o ‘tension softening’ (que garante também uma correta dissipação da energia de fratura). Este ramo descendente termina quando a tensão atinge o valor de tfcm, ocorrendo então o patamar de tensão constante que acaba quando a extensão no betão atinge o valor de *2, definido como segue:

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em que fctm representa a resistência média à tração do betão, t é um parâmetro que depende da duração da carga, sy representa a extensão de plastificação do aço, Es é o módulo de elasticidade do aço e p,eff é a relação entre as áreas de aço e de betão na área efetiva que envolve a armadura. Estas propriedades são estimadas com base no MC90 [5]. A perda de rigidez de corte que se regista após ocorrer fendilhação é simulada assumindo um valor constante de 0.2 para o fator de retenção ao corte.

Figura 1. a), b), c): Diagrama final tensão-extensão (‘tension softening’ + ‘tension stiffening’); Distinção de zonas ‘tension softening’ e ‘tension stiffening’ num muro de BA (d) e num tirante (e).

No que respeita à simulação do ‘tension stiffening’ durante a fase de formação de fendas, é de realçar que o diagrama da Fig.1b descreve o comportamento médio no comprimento ls,max ao longo do qual ocorrem deformações relativas entre as armaduras e o betão que as envolve. Por este motivo, no modelo de EF a perda de rigidez associada à formação de cada fenda localizada deve ser repartida pelo comprimento ls,max. De facto, a objetividade entre o diagrama ‘tension stiffening’ representado na Fig.1b e a malha de EF adotada apenas é garantida se o valor da banda de fendilhação for igual a ls,max. Na análise de um muro de BA com espessura significativa, os efeitos associados ao ‘tension stiffening’ devem ser considerados apenas nas camadas externas que envolvem as armaduras (área efetiva de betão, tal como definido no MC90 [5]). No restante betão do núcleo apenas o ‘tension softening’ deve ser considerado – ver corte transversal esquemático na Fig.1d. Por este motivo, o diagrama  que deve ser usado na análise em estado plano de tensão é definido como uma média ponderada dos diagramas de ‘tension softening’ e de ‘tension stiffening’, sendo a ponderação efetuada com base na percentagem da espessura do muro em que ocorre cada um dos referidos dois efeitos - ver Fig.1c. É importante referir que este tipo de abordagem 2D de um muro de BA é apenas aplicável uma vez que os efeitos correspondentes à retração diferencial ao longo da espessura são simulados através de uma redução da capacidade resistente do betão à tração. São explicitamente consideradas as componentes autógena e de secagem da retração, sendo a respetiva deformação introduzida no modelo através de uma contração volumétrica uniforme imposta ao longo do tempo nos EF que representam o betão.

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Os efeitos da fluência são incluídos na análise através da metodologia proposta pelo MC90 [5]. A Eq. (2) representa o método de cálculo da extensão associada à fluência, sendo que c simboliza a extensão mecânica do betão (dependente da tensão), c é a tensão de compressão do betão, Ec(t0) é o módulo de elasticidade do betão na idade do carregamento t0, (t,t0) representa o coeficiente de fluência, Eci é o módulo de elasticidade do betão aos 28 dias e t é a idade do betão em dias.

( ) ( ) [ ( ) ( ) ] ∫ [ ( ) ( ) ] ( ) (2)

3. MODELAÇÃO DE UM TIRANTE DE BETÃO ARMADO

Na primeira aplicação da metodologia proposta pretende-se modelar um ensaio de tração pura de curta duração realizado num tirante de BA, reportado nos trabalhos realizados por Jaccoud [8]. Este autor realizou diversos ensaios de tração em elementos de BA, no sentido de estudar a armadura mínima a aplicar para o controlo da fendilhação, analisando a influência de fatores como a geometria, a percentagem de armadura, o procedimento experimental, etc. O provete que se decidiu modelar apresenta uma secção transversal de 150450mm2 e um comprimento de 2500mm, sendo o ensaio designado como B13. A armadura longitudinal é composta por 610mm. O tirante encontra-se fixo numa das suas extremidades, sendo a deformação axial de tração aplicada incrementalmente na extremidade oposta [8]. A deformação no betão foi registada experimentalmente através de medições realizadas com LVDTs com um comprimento de referência de 1m, localizado na zona central do provete. A escolha do ensaio B13 para uma simulação inicial está relacionada com a possibilidade de se poder validar a metodologia proposta quer na fase de formação de fendas, quer na fase de fendilhação estabilizada, através de uma simulação simplificada em que é possível desprezar os efeitos associados à retração e à fluência.

3.1 Descrição geral do modelo numérico

O modelo numérico do tirante apresenta um comprimento de 2500mm, uma altura de 450mm e uma espessura de 150mm, sendo a análise efetuada em 2D assumindo um estado plano de tensão. No sentido de simular a elevada rigidez das ancoragens existentes na extremidade do provete, impôs-se que todos os nós de cada extremidade apresentassem o mesmo deslocamento na direção X (ver Fig.2). Considerou-se a extremidade do lado esquerdo fixa, tendo-se aplicado o deslocamento no lado oposto. Os varões das armaduras longitudinais são modelados explicitamente, de acordo com a distribuição reportada por Jaccoud [8], correspondendo a uma percentagem de aço igual a 0.70%.

Figura 2. Esquema da simulação numérica associada ao ensaio B13 (em mm).

Adotou-se a malha de EF apresentada na Fig.3a, na qual a dimensão longitudinal dos EF foi determinada para corresponder ao máximo espaçamento entre fendas expectável ls,max, calculado com base no MC90 [5]:

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Este artifício garante a objetividade dos resultados obtidos face à dimensão da malha de EF adotada, uma vez que os diagramas de ‘tension stiffening’ representam o comportamento médio do betão ao longo do qual ocorre escorregamento entre o betão e as armaduras. Desta forma é garantida uma

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correta dissipação da energia de fratura. Para simulação adequada dos efeitos combinados de ‘tension softening’ e ‘tension stiffening’ indicados no contexto da Fig.1e, recorreu-se ao diagrama ponderado (Fig.1c) como forma de representar a relação  do betão. É importante realçar que o valor calculado de ls,max=0.25m é coerente com o espaçamento médio entre fendas de 0.15m reportado por Jaccoud [8] no ensaio B13, uma vez que é comum existir uma relação de aproximadamente 2/3 entre os espaçamentos entre fendas máximo e médio.

As propriedades dos materiais diferem ao longo da malha, conforme a distribuição esquematizada na Fig.3. Consideraram-se quatro tipos de materiais distintos: (i) MABET1 corresponde à região central do tirante, onde não existem estribos; (ii) MABET2 é considerado junto às extremidades do tirante, pois a existência de estribos provoca localmente uma pequena diminuição aparente da capacidade resistente do betão à tração; (iii) MABET3 é aplicado a um único alinhamento de EF, numa zona que deveria corresponder à localização do material MABET2, de forma a induzir a primeira fenda (evitando que esta apareça simultaneamente em diversos alinhamentos de EF), através de uma pequena redução da resistência à tração do betão; (iv) MABET4 corresponde aos EF das extremidades em que se considerou um comportamento elástico. O comprimento do tirante representado pelo material MABET4 corresponde àquele em que nenhuma fenda foi reportada em [8], uma vez que as extremidades do betão se encontram comprimidas pelo sistema de ancoragem. Os parâmetros gerais do modelo estão representados na Fig.3b. De salientar que os incrementos de deslocamento impostos à extremidade direita foram suficientemente pequenos para que, em cada incremento, não ocorresse fendilhação em mais do que um EF.

Figura 3. a) Malha adotada e identificação dos materiais; b) Propriedades materiais consideradas.

3.2 Discussão de resultados

Na Fig.4 encontra-se representado o diagrama  obtido experimentalmente (com base na tensão aparente no betão), que é comparado com os resultados da simulação numérica tanto para o tirante de BA como para o caso de o tirante ser constituído somente pela armadura. É possível verificar que a previsão numérica para o tirante de BA apresenta uma boa coerência com os resultados experimentais. De facto, após o tirante atingir a tensão de tração limite para o betão, o típico diagrama com formato em ‘dentes de serra’ é devidamente simulado, sendo a perda de rigidez após fendilhação captada de forma consistente com as observações experimentais. Além disso, o número de fendas que se forma é também coerente com o número reportado em [8], sendo esta uma caraterística importante, uma vez que se encontra diretamente relacionada com o valor estimado para ls,max. Outra caraterística importante é o facto de se verificar uma maior coerência dos resultados numéricos com as observações experimentais durante a formação das primeiras fendas. Isto era expectável tendo em conta a estratégia adotada na determinação de ls,max, que resulta numa maior precisão durante esta fase da fendilhação, pois à medida que se formam mais fendas o valor do respetivo espaçamento tende na realidade para o valor médio. Outro aspeto positivo a registar é o facto de o modelo numérico captar adequadamente a

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rigidez associada à fase de fendilhação estabilizada, o que sugere que os parâmetros utilizados na definição do diagrama de ‘tension stiffening’ foram razoavelmente estimados.

Figura 4. Diagrama tensão-extensão do tirante de BA: resultados experimentais e numéricos.

4. MODELAÇÃO DE UM MURO DE BETÃO ARMADO

Após a validação da metodologia proposta, aplicar-se-á também esta técnica na simulação da fendilhação induzida pela retração num muro de BA localizado no norte de Portugal. O muro de retenção, cuja secção transversal se encontra esquematizada na Fig.5, tem 4.7m de altura e um desenvolvimento longitudinal de 18.9m, sendo a sua espessura variável desde 0.40m na base até 0.25m no topo. A armadura longitudinal encontra-se detalhada na Fig.5, correspondendo a uma percentagem média de aproximadamente 0.5% (com pequenas variações ao longo da altura). As classes do betão e do aço são C25/30 e S500 [1], respetivamente.

Figura 5. Muro de BA: a) Fotografia parcial; b) Secção transversal.

A betonagem do muro realizou-se em 2004, sendo que em 2011 se efetuou um registo in-situ quer do padrão de fendilhação, quer da abertura de fendas, ambos reproduzidos na Fig.6. Nessa figura, o número por cima de cada fenda representa a máxima abertura da fenda, em mm, que se observou ao longo do seu desenvolvimento. É possível detetar uma descontinuidade na cofragem, aproximadamente na zona intermédia do muro, que se estende da base ao topo do muro e que é responsável pela indução de uma fenda. Na Fig.6 esta fenda encontra-se identificada como ‘descontinuidade’, pormenor que deve ser considerado no modelo, introduzindo uma zona de fragilidade no muro de forma a induzir a fenda. Indica-se adicionalmente que a relação existente entre

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restrição na parte superior do muro, quando comparada com a restrição imposta à base do muro, justificando a inexistência de fendas que se prolonguem ao longo da altura do muro e a consequente diminuição da abertura das fendas [9].

Tal como referido anteriormente, a obtenção de resultados coerentes utilizando uma determinada malha de EF depende de a fendilhação no modelo numérico se desenvolver ao longo do comprimento estabelecido, ls,max. Contudo, revela-se muito complicado obter uma estimativa precisa desta dimensão, devido à variabilidade intrínseca da aderência entre o betão e as armaduras. No MC90 [5] são idealizados valores caraterísticos para ls,max, pelo que ao modelar uma estrutura com base nestas indicações é expectável que os resultados apresentem uma estimativa por excesso da abertura de fendas, e um padrão de fendilhação que se afasta da realidade. Por este motivo decidiu-se realizar uma análise paramétrica, considerando diferentes valores para ls,max. e consequentemente diferentes dimensões da malha de EF: (i) ls,max=0.78m, que corresponde à estimativa do MC90 [5] baseada no valor caraterístico inferior para as tensões de aderência; (ii) ls,max=0.48m, que corresponde a uma estimativa das tensões de aderência baseada em valores médios [10]; e (iii) ls,max=0.31m, tendo-se adotado este valor como um limite inferior (correspondendo, de modo aproximado, a um valor caraterístico superior para as tensões de aderência), de forma a analisar a influência do refinamento da malha na qualidade dos resultados.

Figura 6. Abertura de fendas e padrão de fendilhação do muro de BA.

A adoção de uma dimensão para o EF igual a ls,max tem como objetivo garantir a independência dos resultados relativamente à malha, supondo que a fendilhação em termos longitudinais se estende efetivamente ao longo da totalidade do comprimento do EF. Contudo, a restrição existente num muro de BA é variável ao longo da altura e do seu desenvolvimento, podendo surgir padrões de fendilhação distintos do esperado. Por este motivo deve-se proceder a uma análise crítica dos padrões de fendilhação obtidos, e por esse facto nas análises efetuadas considerou-se também como parâmetro variável a largura da banda de fendilhação, associada ao efeito ‘tension softening’. Assim tomaram-se dois valores distintos para o parâmetro h, na definição dos digramas de ‘tension softening’ de acordo com a Fig.1a: (i) um valor igual à largura do EF e (ii) metade desse valor. Uma vez que não é possível saber previamente se a fendilhação ocorrerá na totalidade dos pontos de Gauss ou apenas em metade, a segunda hipótese indicada (comprimento h igual a metade da largura do EF) ajudará a avaliar a influência de se assegurar ou não uma correta dissipação da energia de fratura. Desta forma consideraram-se seis cenários na análise paramétrica, avaliando simultaneamente a influência do tamanho do EF e de h.

4.1 Descrição geral do modelo numérico

A descrição que se apresenta corresponde à simulação em que se adotou ls,max=0.78m, sendo que para os restantes dois valores de ls,max o modelo é similar. De uma forma geral a geometria apresentada na Fig.5 é respeitada. Contudo, uma vez que na simulação numérica se assume uma representação 2D, é necessário representar o muro pelo seu plano médio, não sendo possível modelar a excentricidade da sapata relativamente ao muro. Outra simplificação associada à representação 2D é ter de se desprezar a contribuição das tensões associadas à flexão do muro (resultantes do impulso das terras adjacentes), o que é aceitável uma vez que estas têm uma influência marginal no desenvolvimento da fendilhação longitudinal. O modelo geral de EF do muro é apresentado na Fig.7, com as seguintes condições de apoio: são impedidos os deslocamentos horizontais na extremidade direita do modelo, de forma a

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simular o eixo de simetria; tanto os deslocamentos horizontais como os verticais na face inferior estão restringidos. O facto de se impedirem os deslocamentos horizontais na face inferior está relacionado com a informação disponibilizada durante a fase de construção, que relata a existência de um solo compacto e de geometria não plana. Os varões de aço são simulados através de uma grelha que reproduz os rácios de armadura ao longo do muro.

Na Fig.7 é possível observar a malha de EF adotada e os materiais correspondentes. De forma a simular adequadamente a espessura variável do muro, consideraram-se diferentes materiais numerados de MABET1 até MABET6. Esta divisão reflete o estreitamento da secção desde a base até ao topo, o que provoca alterações nas percentagens de ‘tension softening’ e ‘tension stiffening’ consideradas no cálculo do diagrama ponderado. O material MAELAST pretende simular a sapata (betonada previamente), onde se desprezou a possibilidade de fendilhação (confirmado posteriormente com base na análise das tensões). O material MAFRAG corresponde à zona da fenda central associada à descontinuidade previamente mencionada, tendo-se considerado uma diminuição para metade da capacidade resistente do betão à tração nesta secção.

Para as propriedades mecânicas do betão, foi considerada a sua classe de resistência - C25/30. Contudo, de acordo com as recomendações do EC2 [2] aplicou-se um coeficiente de redução de 0.8 à capacidade resistente do betão à tração, de forma a poder simular as tensões pré-induzidas com origem nas deformações térmicas em idades jovens, e também o efeito não-linear da retração de secagem na direção da espessura do muro. De acordo com o MC90 [5], consideraram-se as seguintes propriedades na definição dos diagramas de ‘tension softening’ e ‘tension stiffening’: Gf=79Nm/m

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e t=0.4. O Quadro 1 apresenta outras informações importantes relacionadas com os materiais envolvidos na simulação numérica do muro.

Figura 7. Malha de EF, condições fronteira e distribuição de materiais do muro de BA.

Quadro 1. Informação relativa à simulação numérica do muro de BA.

MAELAST MABET1 MABET2 MABET3 MABET4 MABET5 MABET6

Espessura (mm) 2900 387.5 362.5 337.5 312.5 287.5 262.5

‘Tension softening’ (%) - 18.7 21.4 15.6 8.8 0.9 0

‘Tension stiffening’ (%) - 81.3 78.6 84.4 91.2 99.1 1

A fluência do betão foi definida com base na metodologia proposta pelo MC90 [5], tendo-se considerado uma humidade relativa de 60% e um cimento da classe N. Como não foi possível caracterizar in-situ o fenómeno da retração do betão, as deformações associadas devidas à retração autogénea e de secagem foram estimadas com base nas leis de evolução do EC2, considerando-se uma deformação total (livre) de 35510-6 ao fim de um período de 7 anos. As faces do muro em contacto com o solo foram assumidas como não contribuindo para a retração de secagem. Além disso, as deformações longitudinais da sapata de fundação foram negligenciadas nas análises, simplificação aceitável por dois motivos: (i) a sapata foi betonada previamente à construção do muro, pelo que grande parte da deformação autogénea daquela já tinha ocorrido; (ii) a sapata encontra-se enterrada,

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contribuição do peso próprio do muro foi considerada. Para o aço considerou-se um módulo de elasticidade de 200GPa. Uma vez que nas diferentes análises as tensões nos varões nunca atingiram a condição de plastificação, considerou-se para as armaduras um comportamento linear-elástico.

Assinala-se o facto de ser crucial garantir um desenvolvimento gradual e controlado da fendilhação ao longo da análise, sendo este um aspeto a ter em linha de conta na definição dos incrementos de tempo. Alcançou-se este controlo considerando-se 300 incrementos de 70 horas de duração cada, correspondentes aos primeiros 2.5 anos de vida do muro (período em que a fendilhação se desenvolve mais acentuadamente), seguido de 100 incrementos de 400 horas de duração cada, completando-se assim os 7 anos de análise pretendidos.

4.2 Discussão dos resultados

Na Fig.8 apresentam-se os padrões de fendilhação e de abertura de fendas obtidos para as três malhas consideradas (com h coincidente com o comprimento de cada EF), sendo possível constatar que o comprimento do EF tem uma influência significativa nos resultados. Verifica-se que à medida que o comprimento do EF diminui o número de fendas aumenta, e a correspondente abertura de fendas diminui. É importante realçar, contudo, que a análise que apresenta uma maior coerência com as observações in-situ é a correspondente a ls,max=0.47m. Tal era expectável, uma vez que este valor corresponde a uma estimativa com base em valores médios das tensões de aderência, sendo estas mais realistas do que os valores característicos sugeridos pelo MC90 (ls,max=0.78m). A malha com

ls,max=0.47m conduz a um número de fendas semelhante ao observado, apresentando porém aberturas de fendas ligeiramente subestimadas. Este pormenor pode ser parcialmente explicado pelo facto de se poder ter sobrestimado a perda de rigidez induzida pela descontinuidade na zona central do muro. Constata-se ainda que, conforme esperado, a consideração de uma estimativa conservativa para ls,max resulta em valores conservativos para a máxima abertura de fendas.

A Fig.9 apresenta os resultados das simulações em que os diagramas de ‘tension softening’ são definidos considerando que o comprimento h é igual a metade do tamanho de cada EF. Com base nas Figs 8 e 9 não é possível definir qual das abordagens é a mais adequada, uma vez que diferentes padrões (em termos de número de pontos de integração onde ocorre fendilhação) são observados nas diversas simulações. Dado que as Figs 8 e 9 apresentam resultados semelhantes, é possível concluir que a definição exata dos diagramas de ‘tension softening’ teve uma influência diminuta na precisão dos resultados neste muro. Na verdade, a definição do tamanho do EF e do comprimento ao longo do qual ocorre o escorregamento entre o betão e a armadura revela ter uma influência nos resultados muito maior do que a definição do valor da largura da banda de fendilhação.

Figura 8. Abertura de fendas e padrão de fendilhação do muro de BA: a) ls,max=0.78m; b)

ls,max=0.47m; c) ls,max=0.31m.

Figura 9. Abertura de fendas e padrão de fendilhação do muro de BA considerando a libertação da energia de fratura num único ponto de Gauss: a) ls,max=0.78m; b) ls,max=0.47m; c) ls,max=0.31m.

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CONCLUSÕES

O presente artigo visou contribuir para o aumento do conhecimento associado aos fenómenos não-lineares da fendilhação induzida pela retração em estruturas de BA, considerando os efeitos da fluência. Apresentaram-se estratégias práticas de modelação numérica deste tipo de estruturas, no sentido de colmatar algumas lacunas dos atuais regulamentos de projeto, tendo-se implementado um procedimento que permitiu modelar o distinto comportamento do betão em zonas influenciadas pela proximidade das armaduras, ou afastadas destas últimas. Apresentou-se uma discussão de resultados de análises que permitiu avaliar a importância de considerar as dimensões dos EF consistentes com o diagrama de ‘tension stiffening’ adotado, e o correspondente espaçamento entre fendas, em estruturas de BA em que ocorre localização das fendas. Dois casos de estudo foram analisados numericamente, estando o primeiro relacionado com um ensaio de tração pura realizado num tirante de BA. A aplicação da metodologia proposta a este exemplo conduziu a resultados satisfatórios, tendo-se captado as principais caraterísticas observadas neste ensaio, nomeadamente: o número de fendas formadas, a perda de rigidez durante a fase de formação de fendas e a rigidez durante a fase de fendilhação estabilizada. O segundo caso de estudo correspondeu à modelação de um muro real de BA, em que as observações in-situ foram realizadas no âmbito deste trabalho. A simulação numérica permitiu obter uma razoável previsão da abertura de fendas, tal como o padrão de fendilhação. Este segundo exemplo permitiu confirmar a importância do tamanho dos EF para a qualidade dos resultados obtidos, em estruturas cuja restrição à deformação não é uniforme.

AGRADECIMENTOS

Este trabalho é financiado por Fundos FEDER através do Programa Operacional Fatores de Competitividade – COMPETE e por Fundos Nacionais através da FCT – Fundação para a Ciência e a Tecnologia no âmbito do projeto de investigação PTDC/ECM/099250/2008. Agradece-se ainda à FCT o financiamento das unidades de investigação LABEST e ISISE e da bolsa do primeiro autor SFRH/BD/76183/2011.

REFERÊNCIAS

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[2] CEN, Eurocode 2 - Design of concrete structures - Part 3: Liquid retaining and containment structures. 2006.

[3] Azenha, M., Sousa, C., Faria, R. e Neves, A., Influência dos campos de temperatura e humidade no comportamento em serviço de uma laje de betão armado. Proc. BE2008 – Encontro Nacional Betão Estrutural 2008 (CD-ROM), Guimarães, 2008.

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[6] Bažant, Z.P. e Oh, B. H., Crack band theory for fracture of concrete. Matériaux et Constructions, 1983. 16(3): p. 155-177.

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de mestrado, Faculdade de Engenharia da Universidade do Porto (2011).

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Referências

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