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Dialogos pertinentes : uma analise de diarios fora da coercitividade escolar

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Academic year: 2021

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Carmen Ferreira da Silva

Diálogos pertinentes: uma análise de diários

fora da coercitividade escolar

Dissertação de mestrado apresentada ao curso de Lingüística Aplicada do Instituto de Estudos da Linguagem da Universidade Estadual de Campinas como requisito parcial para a obtenção do título de mestre em Lingüística Aplicada.

Orientadora: Prof•. DI". Maria Augusta Bastos de Mattos.

Campinas

Instituto de Estudos da Linguagem 1998

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C>t--001 i6A27-·7

Si38d

FICHA CATALOGRÁFICA ELABORADA PELA

BIBLIOTECA IEL - UNICAMP

Silva, Carmen Peneira da

Diálogos pertinentes: uma análise de diários fora da coercitividade escolar I Carmen Ferreira da Silva .. -- Campinas, SP: [s.n.], 1998.

Orientador: Maria Augusta Bastos de Mattos

Dissertação (mestrado) - Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Estudos da Linguagem.

1. Diários. 2. hnaginário. 3. Subjetividade.· 4. Escrita. L Mattos, Maria Augusta Bastos de. li. Universídade Estadual de Campinas. Instituto de Estudos da Linguagem. ill. Título.

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BANCA EXAMINADORA

Prof'. DI". Maria Augusta Bastos de Mattos ( orientadora )

Prof•. 01~. Raquel Salek Fiad

Prof. Dr. 1\Aanoel Luiz Gonçalves Corrêa

Prof'. Dr'. Inês Siznorini

'ata •xemplar é ~ rsdagio final da '•••

dti f s o cl i da p o r .. 5::<\f~:r;).ç:i:J .. J:.~Bg~:.~.t:ü._~bllJA~--

(4)

DEDICATÓRIA

Em memória de meus pais, pela sabedoria em lidar com as palavras, embora analfabetos; A Helena, pela compreensão da ausência consentida.

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.

'

.

AGRADECIMENTOS

A Guta, por ter acompanhado minha trajetória tímida e ter confiado em meu trabalho;

Ao Buanai pela preocupação e encorajamento calados;

Às professoras Denise Bértoli Braga e Raquel Salek Fiad pelas valiosas sugestões na qualificação;

Aos já conhecidos professores do IEL que destinam

algum tempo para os professores do Ensino Fundamental e Médio como forma de estabelecer

uma interlocução modificadora de conceitos e prática;

Ao amigo Lispector pela interlocução construtora; A Idalba, pela sua generosidade e compreensão.

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APRESENTAÇÃO ... 07

!NTRODUÇÃ0 ... 09

CAPÍTULO l :Diário pessoal e suas particularidades ... I 8 CAPÍTULO ll fundamentação teórica ... 32 1· A formação da consciência individual 32

Z· A construção do significado 38

3- A linguagem: elemento de interação e construção 42 4- Enunciação: desconhecimento das regras reguladoras

ou desejo de criar vários efeitos de sentidos 43

5~ O eu no outro 49

6- Finalmente, a construção da subjetividade 51 7- O jogo: interdiscursividade e homogeneidade discursiva 53

CAPÍTULO 111: Análise de diários de adolescentes ... .58 1" análise (Etapa C)

z•

análise ( Etapa B ) 3' análise ( Etapa A )

Esquema geral dos sete diários

64 69 73 77 CONCLUSÃ0 ... 94 ABSTRACT ... l 00 BIBLIOGRAFIA ... l 01 APÊNDICE ... ! 04

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6

RESUMO

Este trabalho tem como foco de análise a expressão individual revelada através da linguagem escrita produzida fora do contexto coercitivo da educação formal. Os dados consistem de diários íntimos produzidos(e, gentilmente cedidos para esta investigação)por adolescentes do sexo feminino, cujos conflitos são basicamente iguais, mas que, entretanto, se diferenciam por sua forma de expressão.

Embora haja o reconhecimento de que as adolescentes estejam imersas em outros inúmeros estímulos sociais coercitivos, a observação

dos aspectos relativos à afetividade e de toda vivência emocional, existentes nos diários íntimos, produzidos fora da coerção direta da escola, permite analisar a subjetividade quando esta abre espaço para o elemento estético e para as marcas dos índices de pessoa, tempo e espaço na interlocução do eu com o eu.

Tais reflexões tiveram sua origem ao

se

repensar a escola como centro disseminador de ideologias, bem como a visão de que teoricamente se trata de uma instituição que capacita o aluno a se manifestar esteticamente dentro de parâmetros socialmente aceitáveis. Se de falo a escola prepara o aluno para que ele consiga se manifestar discursivamente, sua escrita em diários, nos quais ele ten1

ampla liberdade para exercitar a subjetividade, deixaria em evidência as marcas de sua concepção de mundo se construindo.

A adoção de uma perspectiva discursiva na análise dos dados possibilitou o encontro de uma escrita mais livre das regras gramaticais, mas que por sua vez apresentava princípios discursivos que, aliados a um princípio de constntção estética, desvelaram o conflíto vívido pelo adolescente ao constituir as categorias simbólicas com as quais ele operará.

O resultado deste trabalho mostrou interpretações da linguagem escrita produzida nos diários de adolescentes do sexo feminino, cujas etapas progressivas de construção da realidade surgem da oscilação do eu ao se deparar com a intermitência de seu olhar: ora subjetivo, ora objetivo ou ainda um amálgama de ambos.

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APRESENTAÇÃO

A pmposla deste trabalho não é prescrever uma receita que

se pense definitiva, mas colocar minhas dúvidas de modo a suscitar discussões sobre a ideologia pessoal e as formas de construção da realidade social

Durante o meu trabalho como professora de primeiro grau, nas escolas da rede oficial de ensino do Estado de São Paulo, surgiram-me não dúvidas em relação ao ensino de língua materna como também parte das resoluções que tive de tomar para amenizá-las.

Assim, todas as reflexões feitas sobre a escrita I leitura, durante este meu trajeto no contexto formal de educação, forçaram-me a lançar o olhar para a extremidade oposta da qual eu me encontrava: diários espontâneos escritos pelos alunos fora da instituição escolar.

Fora da obrigatoriedade de escrever sobre algumas situações necorrentes, o aluno nos mostra de forma mais contundente e livre o que pensa, o que sente diante do mundo.

Em escritas nas quais existe mais espaço para o exercício da

subjetividade, encontramos sobrepostas idéias do sujeito e do outro, o que nos remete à concepção de Bakhtin de que a vivência real do

homem advém da relação mútua entre as categorias representativas do

eu e do outro.

Levando em conta tais considerações, o COJPUS deste trabalho

são sele diários espontâneos de alunos e que me foram cedidos após três meses de levantamento em uma escola da periferia de Campinas.

Apesar da explicitação inicial da relevância dos diários para o trabalho, pouquíssimos alunos admitiam conhecer alguém que tivesse

um ou que ele próprio escrevesse um. Aos poucos, contudo, foram reconsiderando a idéia de que outra pessoa tivesse contato com os

diários e as regras que vigorariam foram acertadas. Alguns alunos não

só entregaram as cópias de seus diários, mas também resolveram falar

sobre o que tinham escrito .

Ao se observar estes textos produzidos livremente, sabendo da pouca utilização da escrita I leitura por parte do aluno quando

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ele está fora da escola, o corpus se revela um instrumento original por possibilitar a análise das motivações particulares de alunos que resolvem fazer uso de uma escrita 'desobrigada', bem como perceber as possíveis manifestações desses alunos sobre o universo de valores de uma sociedade.

A análise mais detalhada dos diários em suas estruturas

dialógicas e lingüisticas fornece um universo ideológico de valores mais decantado, ou seja, o aluno, consciente ou inconscientemente, revela

os intradiscursos que projetam uma realidade

extradiscursiva. Assim, a ideologia pessoal dialoga com a ideologia coletiva. O centro deste trabalho é justamente este espaço da intersecção entre esses dois níveis ideológicos de construção da realidade.

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INTRODUÇÃO

Acredito que para caracterizar da melhor forma possível a motivação que me levou a analisar a escrita espontânea de alunos, fora da coerção institucional, seja indispensável um breve relato da.s etapas por que passei. E, sendo o diário um interlocutor que fornece um roteiro

das experiéncias emocionais, afetivas e intelectuais para quem o escreve, da mesma forma que os sujeitos da pesquisa, resolvi fazer uma

introdução que resgatasse um pouco a forma de um diário.

Os dados contidos nessa pequena imitação de diário certamente permitirão que eu consolide alguns pontos, elabore alguns outros e reveja outros tantos a partir do confronto com a materialidade e com a realidade da minha escrita.

O ensino I aprendizagem de língua materna despertou interesse a partir de minha prática como professora de primeiro grau nas escolas oficiais da rede de ensino. Embora não entendesse os porquês, tinha uma grande angústia com relação aos procedimentos pedagógicos utilizados em sala de aula: tudo era demais artificial, não havia reflexão

nem por parte do aluno nem do professor. De minha parte, eram

desconsiderados questionamentos importantes que deveriam ser feitos para garantir uma aprendizagem mais eficiente e menos artificial.

O sujeito I objeto da aprendizagem não pode ser definido através de uma abordagem que prescinda do respeito às etapas de

construção vividas por ele, pois dessa maneira não há como percebê-lo

como um sujeito que também é co-produtor do conhecimento, na medida em que ele trabalha com novos sentidos nas suas interações e texto.

Cabe ao professor, portanto, o papel de mediador, ou seja, a função de agente e paciente no processo de ensino e aprendizagem na produção de conhecimentos elaborados pelo aluno.

Certamente minha atitude de abordar as classes escolares de uma

única fonna, supondo que todos os alunos tivessem conhecimentos e experiências idênticas, estava ligada ao desconhecimento de novas formas de trabalho. Ou, se pensarmos em outra possibilidade, o

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10

qne ocorreu foi a assunção de uma ideologia institucional, geralmente imposta ao ingressante no I do quadro do magistério.

Entendo por ideologia institucional a crença de que há uma verdade absoluta, inquestionável. A instituição educacional muitas vezes reflete pré-conceitos que alicerçam uma ética paradoxalmente construída.

As escolas, hierarquicamente estruturadas, impõem a autoridade, na figura das pessoas que a representam. Pensam-se depositárias de um saber imutável, não restando nenhum espaço para o silêncio que não pactua, para a inserção do universo vivencial do aluno no universo desconfortável da instituição.

Mesmo sem refletir se os valores subjacentes à postura adotada tinham ou não eficiência, no início, acabei me pauta.ndo no comportamento de professores considerados modelos e bem vistos pela instituição escolar, pois adotavam uma linha de ensino mais tradicional, além de serem muito rígidos na manutenção da disciplina em sala de aula.

A minha angústia inicial não desapareceu totalmente, mas foi amenizada, tanto que atualmente tenho uma resposta bastante satisfatória para o rnomento. Antes, porém, de exercitar os meus conhecimentos, tenteí romper pouco a pouco com o esquema escolar.

A partir da interação com os alunos, senti necessidade de buscar subsídios teóricos mais consístentes que, reelaborados, se adaptassem aos anse1os da classe e à minha maneira particular de entender o

processo ensino/ aprendizagem.

Em meu trabalho como professora, deparei-me com a diversidade surpreendente da classe, ou seja, classes heterogêneas, apresentando posicionamentos, condíções sócio~econômicas e culturais diferenciadas.

Essa realidade impossibilitava uma abordagem única de ensino que satisfizesse a todos os alunos, levando-me a um cuidado maior quanto à utilização de estratégias díferenciadas, que potencializassem o brotar de idéias. Ainda assim, as aulas eram planejadas com base nas 'receitas' dos colegas mais experientes. Estes, em geral, eram professores que preceituavam com orgulho por terem utilizado

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estratégias convincentes, na medida em que conseguiam o apagamento das inúmeras variáveis existentes em sala de aula, através da imposição do conhecimento preestabelecido.

A assunção dessa postura em sala de aula coloca os alunos num umco plano, as diferenças são ignoradas e eles são observados/ avaliados de forma uni v oca: a coerção os mantém calados para que possam ser 'ensinados' a tomar resoluções em seus futuros problemas.

Por um lado é possível compreender a opção de muitos professores por uma abordagem que não leva em conta a existência das várias vozes sociais1 sobrepostas em sala de aula. Por outro, descarta-se a crença de que a aprendizagem possa ser satisfatória com aulas tão enfadonhas.

No que diz respeito à avaliação posta em prática por mim, era idêntica à das aulas consideradas 'normais': os testes propostos eram repetitivos, com preenchimentos de espaços e trabalho com exercícios estruturais, objetivando receber de volta os conceitos com os quais ha.via trabalhado durante o bimestre.

Se considerarmos o fato de que um trabalho estava sendo feito, tensinando-se' da mesma forma a todos os alunos, como ficar passível diante de resultados tão díspares nas avaliações, em uma mesma sala de aula?

É claro que os resultados não convenciam1 pois os alunos

considerados espertos por alguns professores não conseguiam notas

t O conceito de vozes sociais deve ser entendido no âmbito da concepção de

corpo social bakthiniano: ":.4 psicologia do corpo sociiil é justamente o meio mnbénte inicial dos ttfos de tàla de toda espécie, e é neste elemento que se acham submers:ts todas as fOrmas c lispccta-;; da aiaçiio Jdeolc{gk'l1 ininterrupta: as conversas de COJ'l"Cdor, as troc'lJS de opinião 110 teattv e, no concerto, nas diferentes reum(Jes socúlis, as trocas puramc"lJfc fortuitas, o modo de J"Cfii.,--.fiO

verbal Ji1ce às realidades dH vida e aos Hconft?cimcntos do ditJ a diH, o discurso interior e a coJJsciência auto-referente, a re,gulamcntar.,}âo sa..'J8!, etc. A psicologia do corpo social se mrmitesta es.sencialmente nos mais diversos aspectos da •enundaç'ào-' sob t1 forma de dliercntcs modos de dio:;cw:'>·~. sejam eles interiores ou exteriores. (Bakhtín, 199Za, p. 42, grifos do texto)

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satisfatórias e, em contrapartida, aqueles cujas expectativas não atinzimn o nivel razoável saiam-se muito bem nas avaliações.

Nessa perpectiva, minha inquietação transformou-se em descrença no que estava sendo feito. Mesmo não sabendo que atitude tomar, algumas indagações persistiram: que oportunidades poderia dar a alunos reprovados pelo sistema escolar, com rótulo de 'burros', 'preguiçosos' e 'desinteressados'? como r-edimensionar os questionamentos sem um embasamento teórico capaz de proporcionar uma reavaliação de conceítos e prática?

Nesse estágio, todo conflito vivido pode ser percebido e somente duas alternativas são possíveis: o professor aceita a situação causadora da inquietação, fingindo que ela não existe, ou assume o risco de uma instabilidade temporária enquanto ocorre o confronto com novas idéias.

O livre retorno à universidade foi inevitável e, creio, a opção mais acertada. O contato com fundamentações teóricas diversificadas possibilitou-me descobertas e mudanças de concepções cruciais na prática do ensino/ aprendizagem de língua materna. Gradativamente as ínúmeras leituras e freqüentes discussões das teorias, em contexto formal de aprendizagem, propícíaram-me a opmtunid.ade do continuo redimensionamento da própria prática de ensino.

Pois bem, iluminada pelas discussões, tomei consciência da míscelànea de conceitos teóricos utilizados em sala de aula. Com tal afirmação, não pretendo descartar a necessidade de se transitar pelos diversos conceitos teóricos das disciplinas. Contudo, quero ressaltar a necessidade de que os conhecimentos tenham consistência para que não se transformem numa a poria pedagógica.

Paralelamente à minha busca de alternativas para a prática pedagógica, encontrei em meu percurso uma gama de idéias que suscitaram novos conceitos. Estrada de mão dupla vivi. Acredito que a aprendizagem realmente ocorra dessa maneira: voltei à universidade levando concepções distorcidas, ultrapassadas e descobri outras possibilidades para o ensino por conta do contato com novos pontos de

vista..

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com a insegurança quanto à melhor forma de aplicação e continuo a enfrentar tais dificuldades. No momento, todavia, consigo identificar os conceitos subjacentes à prática anterior e encontro alternativas parciais que me impedem de retornar aos conceitos alterados.

Penso que uma das principais aquisições foi perceber a idéia de que a linguagem não vem pronta, na medida em que somos constituídos na/pela dialogia2 e determinamos significados possíveis, nos diversos contextos. Daí, a importância de se estar repensando constantemente o que é feito e como é feita a abordagem em sala de aula.

Conseqüentemente, passei a estabelecer uma relação de interação com o aluno-sujeito, isto é, com alguém que tem um potencial cognitivo capaz de reelaborar e internalizar as palavras do Outro. Assirn, como sujeito e imerso em um contexto social, o aluno também vivencia situações de acordo com o momento histórico e faz sua opção dependendo das condições sociais vigentes.

O estabelecimento da distinção entre tábula rasa e um su.Jelto cuja formação ideológica particular e coletiva está se constituindo lança luz em um aluno desejoso de se manifestar discursivamente dentro da

dispersão ideológica em que vive. Dessa forma, a adoção e inclusão do

aluno como sujeito construtor de sua aprendizagem força um ensino voltado para a dialética e reciprocidade.

Em outras palavras, a partir da identificação e alteração do conceito sobre o aprendiz, passei a perceber mais explicitamente as concepções utilizadas anteriormente e que norteavam o meu trabalho. Um dos aspectos que se mostrava mais saliente na postura anterior era a preocupação em cumprir um cronograma e executar um plano de aula, na maioria das vezes, distanciado da realidade do aluno. Ao ignorar o pressuposto de que quantidade,

necessariamente, não significa qualidade, os planos de ensino, normalmente eram elaborados com a finalidade de 'dar' um conteúdo :: Dialogia entendída como: ·-'( __ )H unidade real da llngua que é reiJfizadll m1 flJla (SjJTitche l:lfs Rede) lllio é a enuncia(,:iio monoló,gkw individual e isolada, mas li

interação de pelo menos duas enunci:tçt.5es,. isto é, o diálogo. O estudo fecundo do diálogo pressupõe, entretanto, umti il1vestigaç:iio mliis profunda das fonnl.is usadas

na citaçâo do discurso, uma vez que essas formas refletem trmdências básicus e constantes da rcccpy'âo ativa do discurso de outrem, e é e~'Sil rec'Cpy-iio, c afinal, que é fundamenüil flunbém o didlogo·" (Bakhtin, 1992a, pp. 145-146; zrífos do te,xto)

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14

programático extenso para constar no caderno do aluno, mesmo porque a instituição e os pais de alunos, parecem avaliar o pmfessor pela quantidade de matéria dada.

Com a mudança de perspectiva, os novos conhecimentos auxiliaram-me na medida em que, conciliados à experiência em sala de aula, foi possível compor uma prática mais próxima da realidade do aluno. Por conseguinte, procurei me distanciar de um ensino apegado unicamente a um conteúdo pré-estabelecido, procurando me deslocar do 'ensinar' para uma construção mais significativa, centrada na experiência social do aluno.

No âmbito dessa nova concepção, a tentativa foi o estabelecimento de uma interlocução que promovesse os embates de idéias e posicionamentos como forma de assegurar ao aluno a conscientização de si mesmo e do Outro, visto que assim ele encontraria a melhor forma, na modalidade escrita ou na oral, para a estabilização de significados, no universo dos possíveis.

De todas as observações acerca da prática e conceitos anteriores, seria interessante chamar a atenção para o fato de que o, aluno embora alfabetizado e freqüentando regularmente a escola, faz pouco uso da leitura/escrita fora da instituição escolar.

Ora, a escrita/leitura, vista como um processo no qual se pr-essupõe a inclusão do sujeito que escreve como elemento crucial para a construção dos saberes difere, e mui to, de quando usada somente para fins avaliativos, uma vez que neste último caso, os conhecimentos de que dispõe o aluno são cerceados e direcionados pela instituição escolar.

A vía de mão dupla que deveria acontecer normalmente no ensíno I aprendizagem acontece, contudo, sob outra perspectiva, pois o professor ainda observa o aluno como um 'pote vazio', um depositário ideal de conhecimentos que devem ser devolvidos, posteriormente, nas avaliações. No caso específico do ensino de língua materna, o professor espera que o aluno consiga, a partir do estudo de estruturas gramaticais, uma escrita significativa e coerente.

Ainda desse ponto de vísta, a escola parece desconsiderar a forma como ocorre o processo de produção da escrita/leitura dentro da instituição, pois não acredita em possíveis interferências de

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elementos extra-classe na composição de novos sentidos na escrita/leitnra e acaba gerando um clima tenso ao impor limites.

A tensão deixa o aluno inseguro, pois ele tem conhecímento de sua 'perda'

caso

não corresponda ao tipo de aluno preconizado pelo porta-voz da instituição. E, encerrado em universo histórico-social alheio e idealizado pela escola, o aluno não encontra referências de seu mundo social, pois o acesso à pluralidade de discursos existentes no meio em que vive é restrito.

Conseqüentemente, a ruptura com as várias vozes sociais não só descaracteriza o aluno como sujeito como tambêm inviabiliza a compreensão, por parte do aluno, da noção de trabalho que é realizado sobre a escrita/leitura.

Nos inúmeros textos com os quais trabalhei com meus alunos, a tentativa sempre foi no sentido de instigá-los no exerctcto de elaboração de seus conhecimentos sobre a escrita/ leitura como forma dele conseguir uma organização conceitual mais elaborada, posto que, na interação, ele teria oportunidade de vivenciar os conflitos de idéias e explorar as indeterminações da linguagem e abrir novos caminhos para a significação.

Diante dessas considerações seria primordial se pensar em uma escola que possibilitasse o contato do aluno com as várias formações discursivas, nas mais variadas situações, tendo o professor como mediador do trabalho com a linguagem e nela discutindo os valores correspondentes às relações sociais.

No confronto de posicionamentos, certamente, o aluno encontraria 'a sua verdade particular para o momento', buscando a melhor forma para a instalação de significados relevantes para a formação de seu universo imaginário, considerando seu grupo social e construindo sua história.

Certamente muitas idéias surgidas em sala de aula podem ser consideradas esdrúxulas ou totalmente distanciadas dos valores determinados socialmente. E ainda que possa parecer surpreendente aos que têm pouca familiaridade com os diversos tipos de situações existentes em sala de aula, os alunos devem ser respeitados em seus valores, crenças e posicionamentos pa.tiiculares ao momento vivido. Por exemplo, a idéia "lugar de bandido é na cadeia" pode ser questionada

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por um aluno que tenha algum parente preso. Neste caso, ao conceito mais genérico "bandido" se sobrepõe de forma conflitante à ligação afetiva (pai, tio, irmão), podendo haver o deslocamento da relação social mais ampla para ligação afetiva, subvertendo a proposição ou

.

'

seja, transformando-a em "o pobre rouba porque a culpa da pobreza é do rico".

O professor, para proporcionar novos pontos de vista, deve ter consciência desse deslocamento de valores feito pelo aluno. Deve diferenciar as relações sociais das afetivas, justificando que o controle social (punir quem de alguma forma fere o direito do outro) é a única forma viável, mesmo não sendo às vezes a mais justa, de controle social.

O homem, para além de suas relações afetivas, não deve ignorar as regras de convivência social. O professor deve, neste

caso, fazer com que o aluno questione a inversão valorativa da

realidade social que está ocorrendo para o aluno, antes vem o pai ; para a sociedade, o transgressor.

Ao professor cabe a função de proptcmr a diversidade de posicionamentos, bem como discutir a aceitação social e os reflexos que tais idéias desempenham no meio social, fornecendo, dessa forma, os elementos necessários para que o aluno faça as suas inferências, pelos mais diferentes caminhos e combinações.

De posse de vários elementos, o aluno terá a possibilidade de construir uma vtsao personalizada ao estabelecer formas de discernin1ento e de mediação entre seus conhecimentos do mundo real e os sistemas simbólicos de que dispõe.

Considerando, portanto, que a prática de ensino legitimada pela instituição escolar, coadunada à idéia de ser um espaço privilegiado da 'erudição', em pouco contribui na construção de uma aprendizagem efetiva, cerceando a atividade e criatividade do aluno, como seria a produção escrita espontânea dos alunos, longe da coerção direta da instituição?

Assim, para se observar e analisar a heterogeneidade de vozes do contexto social, a escolha de diários pessoais pareceu-me ser o instrumento de análise mais adequado, pois estes se constituem em escritas que residem na extremidade oposta às que são realizadas na

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escola (no sentido de que fruto da espontaneidade do aluno e não respostas a questões suscitadas pelo professor).

Através da observação das muitas falas alheias presentes nos textos, as marcas sintáticas, as construções e a internalização das palavras do Outro presentes nos diários, é possível desvelar o que o aluno prioriza dos aspectos sociais que vão compondo sua formação imaginária, como também de sua vivência emocional. E por acreditar que o adolescente conseguirá a sua identidade própria através do I no relacionamento e no confronto com os outros, é fundamental que ele encontre o espaço necessano para o seu crescimento, para sua autêntica liberdade, seja no tocante às idéias seja no exercício da melhor forma para se mostrar ao mundo.

(19)

18

CAPÍTULO I

O DIÁRIO PESSOAL E SUAS PARTICULARIDADES

U1na possível conceituação do diário pessoal se faz necessana diante das muitas variáveis existentes entre as anotações particulares7 cujos objetivos específicos estão ligados ao desejo de anotar, ressaltar, opinar sobre determinados acontecimentos do dia a dia, e os objetivos ou etapas por que passa um diário literário que tem por finalidade sua publicação.

O diário literário tem como característica básica o estilo, neste caso, estamos entendendo estilo seja como o uso consciente dos recursos da escrita, seja como ponderação das lembranças, acontecimentos ou situações a serem trabalhadas. O escritor tem conhecimento dos recursos que a escrita possibilita e utiliza a memória, uma espécie de filtro, como o elemento fundamental: muitas lembranças, acontecimentos ou situações que ele não quer que

se

evidenciem, são modificadas ou suprimidas.

Como diário literário o autor utiliza a palavra para exercer o seu ofício e, para tanto, os signos lingüísticos devem ser superados de forma a transcenderem a própria imanência, revelando tanto as enunciações do escritor a partir da relação dele com o mundo como as enunciações do mundo dos outros. Assim~ no diário literário, a escrita que se revela aos leitores é o resultado dessa relação, pois o autor está inserido em um condicionamento que o força a estabelecer elaborações acerca do homem e de seu mundo.

Nesse sentido, o estilo artístico existente nos diários literários não pode ser somente o resultado de um trabalho com as palavras, pois ele resulta da interação do autor com os elementos do mundo, com os valores e com a vida que acabam por determinar também a forma pela qual se estabelecerá a relação com os elementos lingüísticos.

De fato, a memória atuando como um filtro do tempo sobre os acontecimentos faz com que as situações apareçam hierarquizadas, ou

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seja, o autor as classifica como sendo relevantes ou não e de que

forma devem ou podem aparecer escritas, direcionando, desse modo, a

apreensão do texto pelo leitor.

Considerando a palavra como um componente do acontecimento do mundo, pode-se dizer que ela determina não só o conteúdo como a melhor forma do autor mostrar o seu olhar crítico sobre o mundo.

Embora esse olhar crítico se manifeste, muitas vezes, de fonna não sistematizada, ele se mostra num nível de distanciamento entre o eu/outro:

"No diliâo literário ri fonm1 é fictícia, porque existe

aí a intenção do autor de publicá-lo. Estes aforismos ou coletas de pensamentos servem para fixar as

observaç{Jes, os pensamentos;! as intuições~ as sensações

e as emoçàes (certamente numa forma imecliata, talvez

pouco sir;;temática e 1nuitas vezes aptlrentetnente pouco

litenüia/. que, não obstante, são a base do dMno e d1s publicaçàes autobiográflcas." (Cavaliere, 96: p. 29)

O autor, neste caso, mesmo se aproximando das fronteiras do discurso, torna~se personagem de si mesmo, sem privar-se desse contato

com o conflito gerado pelas emoções. Ou seja, "(. . .)o autor e o herài não aparecem como os componentes do todo artístico, mas como componentes da unidade tnmsliterária constituída pela vida psicológica e social!' (Bakhtin, I 992b: p. 29)

Quando se tem um diário feito no decorrer de um período mais

extenso como no caso do Dilirio íntimo, de Franz Kafka, que foi escrito de 1910 a 1924, o que se percebe é que a reelaboração dessas emoções

ocorre de uma maneira muito mais intensa. Os problemas existenciais

do autor aos 27 anos são muito semelhantes aos que tinha com 41

anos, mas têm uma configuração mais clara e elaborada.

O tempo, no diário de Kafka, é o elemento que possibilita a sedimentação das experiências que geram um discurso mais elaborado,

(21)

20

A dificuldade de relacionar-se, os noivados frustrados, o problema sexual, que são utna constante em todo o diário, são vistos como própria contingência da sucessão de momento.

Por isso, Kafka escreve em 1922:

"Um momento de reflexão. Glmfonna-te, aprende (aprende, quarentão) a detlwnu-te no instante (contudo, alguma vez o pudeste). Sim, no momento, no terrível momento. Não é tenivel, apenas o medo do futuro o faz tetrível. E também a consideração do

passado. Que fizeste com o dom do sexo?

Desperdiçaste, isto é o qutp dirão por fYm, nada

11U11S.

Contudo teâa stdo mais fiicil aproveitá-lo.

Francanzenft~, wna insi_ççnificaflcia, e u1nti

insi_<;nificiincia que nem é perceptível, provocou a decisão. Por que te EJSSOinbras? Assinz aconteceu co1n

,75 müiores baülfhas da história Lmiversül. As

insignificâncias decide1n as insi2:,71iBcânciEts. -''

(Franz Kafka, 1964: p. 1 43)

Neste trecho, Kafka está aprofundando uma afirmação feita em

1910"(: . .)estamos presos entre nosso passado e nosso fnturo'),

chegando à conclusão de que o presente é terrível pela própria indefinição do futuro. Dessa forma, a linguagem não só é a organizadora do pensamento verbal, atuando como mediadora entre os

objetos de conhecimento e o sujeito, como também fornece as possibilidades de reorganização do mundo exterior e interior.

Num outro extremo, marcado pela quase inexistência de uma delimitação temporal, inserindo-se num contínuo presente, o que se

percebe como característica predominante em quase todos os diários pessoais de adolescentes é a ausência do estabelecimento de hierarquias de pensamento que auto-regulamentem o planejamento de suas ações e afetividade, uma vez que a sua escrita surge a partir da relação direta com os acontecimentos: eles escrevem para si mesmos no mesmo momento em que vivenciam as experiências. Neste sentido, o adolescente se vê de dentro, não havendo a delimitação clara entre eu/outro.

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Diante da consideração de que o adolescente ainda não tem cons.ciência dos conceitos, mas os relaciona de forma direta aos objetos ou situações, pode-se dizer que em sua escrita ele faz uso da palavra com um significado particularizado (ele escreve para si mesmo) que denota um sentido contextualizado pelo uso e pelas suas vivências

afetivas.

Pode-se dizer, então, que não hierarquia num mundo uo qual descmtinam diante do adolescente são um presente.

há como se estabelecer uma os acontecimentos que se todos novos e fazem parte de

Dentro do aqui/ agora vivido pelos adolescentes acontece o estabelecimento de prioridades avessas àquelas por que o tempo passou, desvelando graus de valores do eu para eu quanto a conteúdo e forma.

Os assuntos mais abordados por eles são: o

desenvolvimento do corpo, moda, TV, artistas famosos, namoro, família,

escola, sexualidade e os acontecimentos momentâneos que surgem em cascata, sem que eles consigam explicações no momento por estarem envolvidos em um mundo de preocupações existenciais comandado pela emoção.

Embora o registro que os adolescentes fazem em seus diários limite-se a anotações do cotidiano, é possível percebermos que há implicitamente muitas indicações apontando para a formação de detePminados intradiscursos, bem como algumas idéias que são colocadas de forma explícita, revelando um universo imaginário com uma elaboração mais trabalhada.

Na tentativa de construir um equilíbrio no qual as percepções não apresentem tantas oscilações, ou seja, para que haja harmonia entre as necessidades particulares e as necessidades do rneio em que vive, o adolescente passa por vários estágios experienciais em sua escrita.

Embora não seja possível delimitar essas etapas por faixa etária devido às inúmeras variáveis que determinam toda a tensão emocional que se vive, como por exemplo, a exposição do adolescente a um repertório maior ou menor de leitura, o meio cultural? a sociedade na qual está imerso, as motivações exteriores, é possível a observação de uma base comum a todos eles.

(23)

22

Em um pnme1ro momento, etn sua escrita, o adolescente mantém uma posição na qual as percepções subjetivas são de suma importância, pois a relação com o próprio eu fornecerá elementos para as suas experiências com o outro e com o mundo.

E de posse de algumas representações dos objetos oriundas do grupo cultural a que pertence e que conduz à formação de conceitos, o adolescente encontra elementos para que ele possa olhar para si mesmo, no momento da experiência, e ir construindo sua capacidade de abstrair atributos relevantes e isolados da sua experiência concreta.

Dessa forma, a linguagem utilizada pelo grupo, principalmente pelos adultos, carrega predeterminações de conceitos que entrarão no desenvolvimento de outros conceitos que fornecerão elementos para que o adolescente comece a ordenar suas impressões, a reelaborar os

elementos de suas experiências para elaborar uma análise mais geral e,

posteriormente, fazer uma síntese.

Considerando-se o contexto formal da atividade da produção escrita do adolescente, dada a ênfase no estudo dos elementos lingüísticos e da preferência pela leitura dos 'grandes clássicos', por que a escrita que se apresenta nos diários dos adolescentes não assume um tom artístico e revelador de um estilo?

Nesse estágio inicial, o adolescente faz pouco uso dos elementos estéticos, posto que se trata de um período em que a sua

percepção dos acontecimentos do mundo não reconhece inteiramente os seus próprios limites, bem como ainda não leva em conta as fronteiras que o condicionarnento do sistema impõe.

A adolescência se constitui no momento propicio no qual a capacidade de avaliação da realidade interior e exterior se amplia a cada nova experiê.ncia.

Em um plano bem superior à constatação de que as pessoas têm direito de estudar os elementos lingüísticos e os grandes escritores, as concepções de Bakhtin acerca do ato criador dão conta de que a

consciência criadora do autor não advém da consciência lingüística que o autor possa ter sobre a língua:

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"(. .. )não é mais do que wna fase passiVa da cJiaçiio: a fase em que o mateiial é superado de modo únanente. " ( Bakhtin, 9Zb: p. 208)

E se a consideração é a de que o elemento artístico nasce justamente da possibilidade de entrar em conflito consigo mesmo, com o ambiente e com o mundo para que daí surjam as formas culturalmente dadas ao longo do desenvolvimento do adolescente e que, essas formas, ao serem internalizadas, constituem o material simbólico sobre o qual ele trabalhará, não há como desejar que o jovem o tenha sem que ele instale o conflito interno através de sua imersão na dialética dos próprios desejos e da vida.

Vejamos, se a língua em s1 mesma não determina a expressão artística, pois ela se constitui símplesmente em um suporte para a realização artística que deriva da tensão ético-cognitiva3

do individuo;> auxiliando à cognição, à arte, à comunicação prática, dessa forma, é possível entender a escrita no diário do adolescente quando ele se encontra em um estágio no qual ainda não ficou caracterizada a instalação do conflito.

As postulações de Bakhtin apontam para a existência de diferenças quanto às percepções que o sujeito tem de si mesmo e do

outro:

"(. .. )as fonmts do eu através das quais sou o umco a vivendtll~me se disflilguem fUndamentalmente d.1s formas do outro através das quais vivendo a todos os outros sem excepio. Vivendo o eu do outro de um modo totalmente diferente daquele que vivendo meu próprio eu." (Bakhtin, 9Zb: p.57)

J O termo tensão ético-cognitiva utilizado é de Bakhtin para designar o conflito

necessário para a instalação do elemento artístico em um texto: 'Y .. .) niio assumo

uma ibrmrt e não me detcrmü10; no mundo da nni1ha aufL-,consciêJ1cia, entre meus vulorcs, niio figura o vlilor estético si,gnifü.-Ymte de meu corpo c de múllw alma c d:l

unidade ::utística OJXfiniCLi deles que conli::re integridade ao homem; meu corpo mínhll alma se ÍJJserem em minha atividüdc que se desenvolve em meu horizonte, c esse horizonte niio pode fcchHr-sc c abt~rcfll' um cu tnmqiiiliziido, e construir um ambiente de vtilores só pmw mim: ainda n8o existo no mundo de meus vulon~~·

enquanto dado posiüvq tnmqi'ülo, 1~gual a si mesmo." (Bakhtin, 1992b, p. 202; destaques do próprio texto)

(25)

Mesmo sabendo que a motivação principal da escrita do diário diz respeito à necessidade de auto-conhecimento vivida pelo

adolescente, como urn processo indispensável de individuação para que

ele possa realizar seu projeto de vida, também encontramos o mundo, com todos os problemas, precipitando-se de repente nos seus diários.

Ao mesmo tempo em que o adolescente estabelece uma interação com o mundo real em que vive e com todas as formas de organização desse mundo real ditadas culturalmente, através da linguagem, ele consegue perceber as categorias que regulamentam a vivência de todos como um grupo e também internaliza essas experiências, possibilitando a representação e funcionamento dessas categorias coletivas num plano individual, no qual há o estabelecimento de uma organização interna dos conhecimentos.

A polissemia constante da linguagem constrói uma interpretação, quer seja com base nos seus elementos lingüísticos, quer seja em seus elementos extralingüisticos.

Embora o significado seja um componente fundamental da palavra, visto que ele é considerado um ato de pensamento, não é possível descartar o sentido que a palavra adquire além da

generalização que os signos contêm. A experiência individual e afetiva com as palavras transcende a imanência do signo lingüístico.

Por isso, o tom do diário de adolescente é notadamente inocente, engraçado , com um conteúdo, na maioria das vezes, que mostra relatos do dia-a-dia, considerados banais na perspectiva de muitos

adultos. Apesar de ingênua e espontânea, a escrita revela um adolescente dividido e vivenciando os acontecimentos e idéias do Outro,

na tentativa de individuar-se.

Nessa tentativa de se conhecer melhor, a escrita que se apresenta

no diário espontâneo denota todo o conflito vivido pelo jovem, uma vez que entram em jogo os inúmeros estímulos do mundo real e do seu

mundo interior.

A reflexão acerca da realidade e a intemalização desses

conhecimentos contribuem para a composição de sua formação

enquanto sujeito, posto que as suas idéias vão se tornando abstratas e generalizadas, promovendo alterações dos estágios de desenvolvimento vividos por ele.

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base, visto que a '"relaçâo consigo 1nes1no-com o

eu-para-niÍlll-não é u1n

eleJnento

constitutivo e

or;ganizador

cúz fi...--,nnH_ artistiül"

(Bakhtin, 9Zb: p. 165)

Fora o fato de o adolescente estar descobrindo as fronteiras e se posicionando para melhor observar a si mesmo e ao mundo, temos no diário íntimo uma relação diferenciada de observação que o eu estabelece consigo mesmo , ou seja, quando uma forma se relaciona com o próprio eu, instaura-se um outro para ele mesmo, descaracterizando o eu inicial na medida em que se deixa de viver a partir dele mesmo.

Quanto mais proximo o eu estíver para falar sobre si tnesmo,

sem um deslocamento suficiente para a reflexão, o aprofundamento e ampliação da contemplação artística ficam prejudicados, uma vez que a percepção fica enfraquecida: o acontecimento artístico requer um paliicipante que estabeleça uma relação de sujeito I sujeito, com um deslocamento suficiente para a análise dos fatos e um outro sujeito I mundo, para se constituir em um participante que é o autor-contemplador.

No tocante ao diário íntimo dos adolescentes~ na maioria das vezes há a presença de somente um dos participantes , criando a ilusão de um acontecimento artístico, pois o essencJal para que de fato o acontecimento exista está por vir, isto é, a tensão nasce de reavaliações das próprias estratégias, ações, comportamentos e atitudes em confronto com outras concepções7 idéias, valores e convicções.

Afinal, o que possibilita a apreensão dos princípios de acabamento e da realização da forma estética é o p1~vilégio do individuo ser ele próprio, de ser o outro e de se colocar fora das outras

consciências possíve1s.

O diário intimo dos adolescentes representa um espelho subjetivo de sua vida, funcionando mais como um documento pessoal das próprias experiências, ações, feitos e pensamentos, numa tentativa de se conhecer melhor, bem como as suas potencialidades.

(27)

26

Portanto, parece natural que no início de seus conflitos ele ainda não saiba lidar com freqüência com uma unidade estética para dar forma e acabamento à sua escrita e ao mundo. Mesmo que ele tenha conhecimento sistematizado de muitos recursos, falta-lhe ainda o elemento fundamental que é o transitar dentro e fora de si mesmo para lhe permitir a superação do material lingüístico.

A confissão existente no diário é uma informação que o escritor tem de si mesmo e somente o outro pode fornecer os elementos necessários que fundamentam a visão artística realizada pelo eu.

Ainda que se apresente como uma narrativa organizada, a confissão não realiza os valores biográficos artisticamente, pois tem por fim outro desejo prático e objetivo, ou seja, o eu vive um acontecimento singular e único da sua existência, numa posição isotópica incipiente.

Um exemplo de que a consciência não pode ser tomada como base para a diferenciação entre a biografia e a autobiografia é o Düírio deZlata4

Em seu diário, os elementos autobiográficos são encontrados em forma de confissões, nas quais a garota revela seus desejos mais íntimos como pré-adolescente que é, contudo ela consegue ir às exposições mais objetivas de suas percepções, seus sonhos, política, coisas de seu interesse e cotídiano, revelando que ela passou a ocupar, a partir do acontecimento da guerra em sua vida e na vida de seu país, uma

posição isotópica tensa:

4 Zlata Filipovíc nasceu em 03//2/80, em Sarajevo e ao longo de dois anos escreveu

seu diário, isto é, no período de 1991 a 1993. No início, os registros em seu diárío se restringiam aos acontecimentos corriqueiros do dia-a-dia, como por exemplo, escola, paqueras, filmes, livros, família e tantos outros próprios de sua idade. Entretanto, com o inicio da guerra na ex-lugoslávia, os acontecimentos relativos à sua vida pessoal cederam lugar aos momentos ine!<.perados vividos por todos do pais. Assim.

as rejlexi5es sobre o momento novo pelo qual ela estava passando passaram a

cm~figurar em seus textos: o medo, a raiva, a busca dos porquês da guerra. Todo o conjlilo da realidade objetiva misturou-se aos seus COI?flito.\' mais íntimos. O diário de Zlata percorreu o mundo, demmciando os horrores da guerra. Atualmente Zlata mora na FI-ança, com seus pais, após ter recebido permissão para sair de seu país.

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"O eu e o outro constituem as categorias fundamentais de valores que peL1 primeira vez 01iginam um jujzo de valor real_~ e esse juÍzq ou, 1nais exatmnente1 a óticfi

tlXiológiLw da const.-iêncit..z_1 JmmifesffJ-se niio só pelo ato,

!!lEIS peftt Inenor vivêncifl, pela mais silnples sensação:

viver significa ocupar uma posição de valores em cadü um dos üspectos da vida, significa ser um,1 óticü üxiolósica" (Bakhtin, 9Zb: p.ZOl-2, destaques do próprio texto)

No Diário de Zlata, entretanto, o caráter biográfico que sua escrita assume, e que de acordo com Bakthin é um dos valores artísticos que menos ultrapassa a autoconsciência, coloca~a muito próximo do Outro, seus heróis.

Ao proceder dessa maneira, Zlata consegue o principio organizador da sua narrativa que relata a vida dos outros e ao mesmo tempo organiza o que ela mesma vive.

A partir da relação íntercambíante que ela estabelece com os

acontecimentos~ com o Outro e consigo mesma, percebe-se nitidamente

a formação de processos superiores do seu pensamento, pois ela começa a atribuir valores acerca dos aspectos da vida, formando sua visão de mundo e o discurso que ela tende a adotar em sua vida.

E.m um dos momentos, Zlata narra perplexa os acontecimentos da guerra que afetam a todos:

''Busco razão disso tudo. Por quê? Que1n é o responsdvel? ProcuiYJ:; 1nas não encontro. Só sei é que estmnos nos enterrando na desgraçrL E tmnbém que o responsável por tudo isso é a política. Eu cüsse antes que

il política não 11ze interessava, 1nas para encontrar a

resposta a 1ninhas perguntas seria necessário, apesar de tudo, que eu entendesse um pouco de politíca. Adivinho algumas coisas, mas muitas outras af.gum dia vou aprender e compreender(. . .)"' (Filipovic, 94: p. 68)

Neste trecho a autora deixa explícito o seu posicionamento em relação à guerra que assola o seu país. Ela consegue ultrapassar o presente continuo do eu, que vive uma situação de conflito interno e

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28

externo, para narrar um presente ma1s dramático vivido pelo nós (população do país bombardeado).

Trata-se, pois, de um ato de violência que afetou o cotidiano coletivo e, embora esteja ligado ao presente, requer um olhar que se volte também para o passado e se estenda para projeções futuras, que

redimensionarão novos conceitos.

Mesmo quando Zlata fala sobre si mesma, existe um olhar de fora, de uma outra posição, da qual ela emite um juízo de valor sobre o seu sofrimento e concomitantemente sobre as privações pelas qua1s as outras crianças e adultos do país estão passando.

As observações que o eu faz sobre si mesmo estão impregnadas

de criticidade e de uma referência temporal, isto é, mesmo sendo o passado muito próximo, ele permite que ela diga:

':\e

pelo menos eu pudesse sair um pouco para andar de trenó. já qu.e nâo posso subil' a jtJhodna ... Mas é a guePm, Zlataf Epmibido pela gue1ra. Vocé tem que ficar em casa, ver os flocos dançarem e ficar feliz com isso. Ou então, em sua cabeça, reencontmr os tempos de

aJJtigmnente, dar-se uJnJnomento de tenzpo b01n, depois

voltar para El realidade da gue1ra. '' ( Filipovic, 94:

p. 1 18)

O que ela narra diz respeito a um acontecimento da vida de todos e que dentro do que existe de comum, apresenta suas especificidades.

Nesse momento, Zlata reflete sobre a realidade que ela e as

outras crianças tinham anteriormente à guerra e, longe de ser somente

um lamento sobre as perdas, o passado que emerge em seu Texto serve de fio condutor para suas projeções e construção da realidade:

r'N;lo agüento maú tiros de canhiio! Não agüento JnfllS

granadas caindo! Nem mortos! Nem fome! Nem inlelicidade! Nem medo! Minha vida é só isso! Nâo se

J..10de t.-Titicar u1na estudante inocente de onze anos de

idade por estar vivendo! U1na estudante que niio tenz

1n~,.Vs escola, que não te111 Inais nenlunna a1egn~.'l,

(30)

brinaz

1nais,

que ficou sem

-l1Inigas, se1n so~ se1n pá.>'Sliros, sem n:itureza, se1n f'ruta:,~ se1n chocolate, sen1 /J[ilas, só com um pouquinho de leite em pó. Um:z criança que, e1n

resillno,

não te1n mais inffincia. Uma

cri:l!lçfl d:z suerr:z. Asor:z percebo mesmo que estou no meio d:z sueiTa suja e nojent:z. Eu e tmubém míll1ares de outras cli:znç:zs desffi cidade que está sendo destrufd:z(. . .)" (Filipovic, 94: p. 71)

A forma artística que se encontra no diário de Zlata, ora objetiva, com o eu numa posição muito próxima dele mesmo, ora com o eu deslocado, no limite das fronteiras do outro e com um conteúdo oriundo de muita reflexão e intertextualidade, possibilita à autora adolescente o princípio de uma unidade estética.

Os recursos expressivos muito bem elaborados, os procedimentos utilizados por ela não podem ser, entretanto, considerados fruto da autoconsciência e sim da transcendência do material lingüístico face aos acontecimentos; isso tornou possível o surgimento das formas e valores de uma estética de vida materializada no objeto.

Toda a elaboração do objeto lingüístico existente no diário de Zlata pode ser percebida de forma gradativa em seus textos. Ela conseguiu elaborar uma forma artística a partir da vivência que teve dos fatos da guerra, imiscuidos aos fatos do seu cotidiano.

É inegável também que a intertextualidade que ela estabeleceu, através de suas leituras , compõe a interdiscursiv.idade que a leva a busca de si mesma.

Zlata a todo momento surpreende e instiga o leitor ao comentar suas impressões sobre os filmes a que assistiu ou os livros que leu. Em alguns textos de seu diário ela faz referências a outros diários lidos, como por exemplo, o de Anne Frank, demonstrando claramente ter conhecimento do conteúdo desse diário. Há um constante cruzamento de enunciados, pois às vezes é como se os enunciados de Anne fossem

ratificados na enunciação de Zlata.

E quanto mais Zlata acredita estar próxima de viver situação similar à de Anne frank, ma.is ela aprofunda seu poder de observação,

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10

resultando em incorporações de palavras alheias, ao mesmo tempo em que flui com mais tranqüilidade o brotar de uma estética que dê conta da confusão de suas emoções.

Na perspectiva bakhliniana a construção simbólica que o eu faz

da vida social somente

se

realiza pela relação que o eu estabelece com os outros eus:

"( ... )a palavn1 do outro se transfonna, dialogkamente, pa1w tomar-se palavra-pessoal-alheia coma ajuda de oufJWS palavras do outro e depois, ptllavra pessoal (com, poder-se-ia dizer, a perda drts aspas)." (Bakhtin, 92b: p. 405-406, grifos do próprio texto)

Em seu processo monológico, Zlata vai passando de forma gradual por um processo no qual se esquece das palavras alheias e as

toma como suas.

Assim, ela escreve em diversos momentos de seu diário :

"Olhe só, meu diário, sabe o que eu pensei? Anne Frank bem que batizou o Diário dela de Kitty; por que eu niio

daria wn no1ne l1 você?r (filipovic,94: p. 41 );

"t

possível que a gente tenhfi que se esconder no porão. Mimmy, pode deixar que eu levo você junto." ( Filipovic, 94: p.45);

"'Aie co1nparanun co1n Anne Frank. E i')SO 111e dá 1nedo7

Milnmy. Tenho medo de acabflr conw eltL ,,, ( filipovic,

94:p.155 )

Desse modo, a instalação interna de um incômodo irreversível

e a reelaboração dos estímulos externos, seja na forma de texto (pois Zlata, em um dos momentos de seu diário, se autodenomina uma

devoradora de livros), seja na forma dos acontecimentos ou através de

sua inserção em um grupo social que predeterminou certos conceitos por intermédio da linguagem, possibilitaram à autora a instalaçã.o dos dois processos fundamentais. Ela conseguiu dar uma resposta, de

caráter afetivo, comportamental e intelectual nào só a si mesma como também ao mundo.

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Entretanto, sena interessante ressaltar que uma escrita em

confo:midade com o contexto artístico-verbal não surge

gratUitamente. Além das percepções externas e reelaborações internas, é fundamental a tensão provocada através da relação entre o sujeito ! sujeito e o sujeito I mundo. Diante da necessidade de se expressar, o autor busca elementos lingüísticos que dêem conta da metáfora ideológica vivida por ele.

Por se tratar de um movimento muito tenso que o autor realiza

na tentativa de explorar e compreender o mundo e a si mesmo através

da escrita, é possível entendermos esse movimento como uma luta

nascida da possibilidade de superação do material lingüístico, utilizando a língua como um suporte, mas em cuja base se encontra a orientação ético-cognitiva.

No diário de adolescentes, portanto, encontramos vanos

estágios de elaboração formal da escrita e de idéias, visto que se trata de uma escrita situada nesse espaço de intersecção dos níveis ideológicos de construção da realidade social. Dessa forma, o termo Ideologia aqui deve ser entendido no sentido da acepção bakhtiniana, ou seja, a forma como um grupo social percebe o mundo, interpreta-o e o representa

mentalmente através dos signos lingüísticos.

E por se tratar de um processo de individuação, cada adolescente tem sua forma peculiar de abstração, no sentido de que a compreensão pode ser transformada, contudo no processo dialógico não pertence

unicamente a ele a elaboração interna~ posto que os elementos externos antecedem a internalização, compondo sua constituição.

A palavra, elemento externo enquanto signo lingüístico, auxilia

o adolescente em suas interações e a subjetividade procedente dessas relações constróem o conhecimento de realidade social elaborada por ele. A palavra se constitui na mediação entre os interlocutores, isto é, ela é o elo que liga as subjetividades e produz novas para que o sujeito possa se posicionar discursivamente dentro de contextos afetivos e

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32

CAPÍTULO li

f'UNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

Uma das idéias que permeia toda a fundamentação teórica está ligada às instabilidades que o uso da língua pode suscitar, na medida em que os signos lingüísticos podem adquirir novos efeitos de sentido, dependendo de suas das condições de produção.

Ainda que se parta deste pressuposto, o embasamento que será

tecido a seguir considera que esses mesmos signos tatnbém podem

proporcionar a estabilidade de sentido de alguns conceitos cruciais para o desenvolvimento deste trabalho, na forma como se apresentam.

Portanto, algumas noções básicas que norteiam este trabalho

têm de ser destacadas, para que se possa construir uma compreensão

mais próxima da estabilidade pretendida.

Considerando a premissa de que os fenômenos sociais resultam da interação reciproca do indivíduo e do meio, posto que se trata de

uma estrutura que progride a partir das relações que se estabelecem nos

grupos, proporcionando uma evolução simultânea tanto individual

quanto coletiva, a idéia norteadora deste trabalho é a de que o adolescente constrói suas representações de realidade social, passando por etapas graduais e bem distintas, embora não seja possível fazer uma delimitação temporal ou por faixa etária das mesmas.

1- A formação da consciência individual

Pensando, pois, as fases e planos diferentes pelos quais o pe.nsamento passa e considerando que o conflito social deve ser visto como um acontecimento que sempre existiu como possibilidade de interação, posto que é o eixo sobre o qual ocorre o desenvolvimento e progresso da humanidade, o interesse se concentra na construção do pensamento feita pelo adolescente através da escrita em diários

espontâneos, tendo diante de si o confronto e integração de interesses e como se apresentam os conflitos que ele identifica na sua forma escrita.

(34)

Para tanto, os textos produzidos por adolescentes, fora da coerção direta de um ensino formal, serão analisados e diferenciados de acordo com o desenvolvimento teórico tendo como referência os seguintes conceitos: enunciação e enunciado, significado e sentido, intersubjetividade e subjetividade, interdiscursividade e intradiscursividade, consciêncía individual e coletiva.

Todas estas noções derivam de conceitos principais, como tensão ético-cognitiva, linguagem como elemento mediador, contexto social , interação e formação do pensamento, que serão mobilízados na construção da idéia de formação de realidade social por parte do adolescente.

Os conceitos de formação da mente e a relação pensamento/linguagem que adquirem seus contornos e modo de serem determinados a partir dos signos produzidos por grupos organizados em suas interações sociais são idéias comuns tanto na concepção bakhtiniana quanto vygotskiana e fundamentarão o modo como os adolescentes se manifestam em seus textos.

As idéias, que moldam o materialismo histórico dialético fundamentado por esses autores fornecem os conceitos básicos, dos quais a idéia deste trabalho parte para analisar a escrita do adolescente que está edificando sua história no contexto social.

Antes, porêm, de seguir adiante, seria interessante ressaltar que,

por considerar a formação da consciência individual, manifestada em diferentes formas nos diários espontâneos de adolescentes, o ponto de maior interesse para este trabalho, as noções mobilizadas para fundamentar a idéia de constituição do sujeito fornecerão a dialética constante entre os textos de Bakhtín e Vygotsky, bem como uma polissemia de vozes que utilizam sentidos construídos nessa dialética.

Portanto, fica descaracterizado o pressuposto de que ocorra uma sobreposição, quer seja do comportamento individual sobre o comportamento dos grupos, quer seja do comportamento do grupo sobre o comportamento individual, mesmo pcrque a interação se transforma no meio pelo qual os sujeitos buscam o sentido, na medida em que eles interpretam e compreendem a realidade a partir das inúmeras vozes sociais presentes no ato de se enunciarem.

(35)

J4

A citação abaixo de Bakhtin marca com nitidez a estreita relação de constituição do sujeito e do grupo social através da palavra:

"'A lógica da conscíência é

a

ló"-'(Íca da coJnunícaçtio

ideológica, da interapio semíótica de um grupo social. Se plivmmos a consciência de seu conteúdo semiótico

e ideolósico,. não sobra 11ada. A inut<?eJn/ a palavra, o

sesto si,gnificante, etc. comtituem seu tíuíco ab1"i_go. Fora desse material, hti apenas o simples ato !Ysiológico, niio esclarecido pela consciência, desprovido do sentklo que os signos lhe conterem." (Bakhtin, 1992a: p.36)

É possível perceber na abordagem bakhtiniana que a psicologia

do corpo social situa-se em uma esfera exterior ao indivíduo, ou seja, na palavra, no gesto, no ato. Assim, a formação da mesma ocorre no

material utilizado pelos sujeitos em suas relações soctms, principalmente no material verbal, pois as diversas enunciações produzidas pelos indivíduos, nos mais diferentes modos de discurso, caracterizam-se em manifestações da formação do corpo social.

Dessa forma, pensar em termos de formação de um corpo social

fundado em um plano de superfície implica, necessariamente, em se buscar uma compreensão para a constítuição do sujeito que se utiliza

diferentemente da palavra para promover a sua constituição como

também para se manifestar discursivamente, proporcíonando

mudanças e deslocamentos nesse corpo social.

De fato, se o sujeito constrói a si mesmo e também ao grupo

social, é fundamental que esse sujeito seja observado em sua totalidade, ou melhor, que os aspectos subjetivos do indivíduo sejam analisados como parte integrante dos aspectos objetivos da realidade social.

Nesse sentido, para que os fenô-menos sociais, históricos e culturais sejam analisados e interpretados, é precíso considerar que o

material semiótíco se constituí na realidade sobre a qual o psiquismo individual se forma, posto que também é resultante da dialética social e que por conseguinte promove toda transformação, evolução e manutenção da consciência individual.

Assim, se o corpo socíal tem sua formação na exterioridade, em

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