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MARIA GISELE VARGAS BATISTA

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Academic year: 2021

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O SOLDADO DE FRONTEIRA: TRADIÇÃO, MEMÓRIA E MASCULINIDADES NO 4ºGACav-II/1ºRADC (1926/ 1943)

Irati 2018

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MARIA GISELE VARGAS BATISTA

O SOLDADO DE FRONTEIRA: TRADIÇÃO, MEMÓRIA E MASCULINIDADES NO 4ºGACav-II/1ºRADC (1926/ 1943)

Dissertação apresentada como requisito parcial à obtenção do grau de Mestre em História, Curso de Pós-Graduação em História, Área de Concentração “História e Regiões”. da Universidade Estadual do Centro Oeste - UNICENTRO-PR.

Orientadora: Profa. Dra. Rosemeri Moreira.

Linha de Pesquisa: Espaços Simbólicos, Ambiente e Corporeidades.

Irati 2018

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AGRADECIMENTOS

Dizia o poeta Fernando Pessoa “Tenho pensamentos que, se pudesse revelá-los e fazê-los viver, acrescentariam nova luminosidade às estrelas, nova beleza ao mundo e maior amor ao coração dos homens”. Por mais sagrados que sejam esses pensamentos, quero no momento revelar, uma parte deles. Aquele que remete a gratidão.

Ao 26ºGAC de Guarapuava por me receberem e permitirem acesso aos materiais de pesquisa. Principalmente aos comandantes Tenente-Coronel William Wilson Alexandre Rueda e Tenente-Coronel Rogério Pereira Gonçalves.

Ao PPGH da Unicentro que acolheu este projeto e possibilitou condições para que eu pudesse realiza-lo.

A você professora Dra. Rosemeri Moreira, educadora, orientadora, e agora, amiga. Meu agradecimento sincero pela pessoa dedicada, eficiente, diligente. Sem você essa pesquisa não teria chegado ao fim.

Aos amigos e amigas que fiz na caminhada durante o desenvolvimento do projeto, colegas de curso e professores do PPGH em Irati e Guarapuava, minha gratidão.

À minha prima Julianne Aparecida Lima por me ajudar na transcrição da fonte.

À minha amiga e irmã por escolha Kety C. de March. Agradeço muito pela conversa, pelas chamadas de atenção, pelo carinho, pela crença de que eu poderia e conseguiria vencer os obstáculos de trabalhar, cuidar da minha saúde - às vezes frágil - e terminar este trabalho. “Amiga, muito, muito obrigada!”

Ao meu companheiro de caminhada durante todo o processo, que conviveu e percebeu todos os altos e baixos da pesquisa e da minha crença em permanecer na árdua tarefa da pesquisa. Pelo seu carinho, pelo zelo, pelo amor, pelo companheirismo em até ficar acordado para me fazer companhia nessa jornada, “Cléber Witte, muito obrigada!”

A minha mãe Maria do Belem Vargas que forneceu carinho, abraço, ajuda com todos os meus afazeres para que eu pudesse me dedicar a análise e à escrita. Por estar comigo e me levantar quando, prostrada e com dor, queria desistir. “Mamãe, não tem preço o teu amor e carinho por mim, muito obrigada!”

Enfim, a todas e todos que direta e indiretamente fizeram parte de meu cotidiano e contribuíram com o encorajamento, diálogo e críticas. Agradecida!

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“Programados para aprender e impossibilitados de viver sem a referência de um amanhã, onde quer que haja mulheres e homens há sempre o que fazer, há sempre o que ensinar, há sempre o que aprender” (FREIRE, 1996, p.70).

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo analisar o 4ºGACav-II/1ºRADC, unidade militar existente em Santo Ângelo, no Rio Grande do Sul, entre 1926 e 1943. Buscamos compreender como a representação de heróis, a ênfase na rememoração, a invenção da tradição militar, as atividades desenvolvidas na caserna, buscavam formar uma masculinidade militar ideal, nessa região fronteiriça. Nossa principal fonte de pesquisa é o “Livro Histórico do II/1ºRADC da 3ªRegião Militar”, o qual é composto por anotações manuscritas e boletins dessa unidade militar, além de leis e decretos do mesmo período. Essa documentação, escrita desde 1926, foi juntada como Livro Histórico em 1943. Em termos teóricos nos aproximamos de concepções da Nova História Militar e da Nova Histórica Cultural, que deram arcabouço à discussão sobre como eram forjado esses militares de fronteira e como foi construída a masculinidade hegemônica para esse grupo. Esta abordagem permite analisar a criação e instalação da unidade militar citada, compreendendo as políticas de defesa, a escolha da região de fronteira e da Artilharia a Cavalo, bem como entender como se fez a construção da memória, a rememoração das tradições e a construção dos heróis por meio das narrativas de boletins constantes no Livro Histórico da unidade militar de Santo Ângelo. Além disso, admitimos a análise das narrativas de representação de masculinidade(s) e construção do “homem militar”. Desta forma, foi possível compreender como as representações de heroicidade, as tradições inventadas, a memória, a rememoração, as atividades normatizadas e hierarquizadas eram utilizadas para inventar uma masculinidade hegemônica, que se pretendia, inscritas nos corpos desses militares.

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ABSTRACT

This dissertation aims to analyze the 4th GACav-II / 1ºRADC, military unit existing in Santo Ângelo, Rio Grande do Sul, between 1926 and 1943. We seek to understand how the representation of heroes, the emphasis on remembrance, the invention of the military tradition, the activities developed in the barracks, sought to form an ideal military masculinity, in this border region. Our main source of research is the "Historical Book of II / 1ºRADC of the 3rd Military Region", which is composed of handwritten notes and bulletins of this military unit, in addition to laws and decrees of the same period. This documentation, written since 1926, was added as a Historical Book in 1943. In theoretical terms we approach conceptions of the New Military History and the New Cultural History, which gave a framework to the discussion about how these border soldiers were forged and how the hegemonic masculinity for this group. This approach allows us to analyze the creation and installation of the mentioned military unit, including defense policies, the choice of frontier region and Horse Artillery, as well as to understand how the construction of memory, the remembrance of traditions and the construction of heroes through the narratives of bulletins contained in the Historical Book of the military unit of Saint Angelo. In addition, we admit the analysis of the narratives of representation of masculinity (s) and construction of the "military man". In this way, it was possible to understand how representations of heroicity, invented traditions, memory, recollection, normalized and hierarchical activities were used to invent a hegemonic masculinity, which was intended, inscribed in the bodies of these soldiers.

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LISTA DE MAPAS

Mapa 01: Localização da Cidade de Santo Ângelo na região missioneira 38

Mapa 02: Região Missioneira e Localização de Santo Ângelo, em 2008 38 Mapa 03: Mapa Esquemático Malha Ferroviária do Rio Grande do Sul

Situação em 1920 / Encampação da Rede / Criação da VFRGS 45

Mapa 04: Bacia Hidrográfica do Rio Ijuí-RS 91

Mapa 05: Sul do Brasil - Relevo, Cobertura Vegetal e Solo 122

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LISTA DE TABELAS

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LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS

1ºGACav = 1º Grupo de Artilharia a Cavalo 4ºGACav = 4º Grupo de Artilharia a Cavalo

4ºRCI = 4º Regimento de Cavalaria Independente 16ºGACav = 16º Grupo de Artilharia a Cavalo

26ºGAC = 26ºGrupo de Artilharia de Campanha

II/1ºRADC = 2° Grupo do 1° Regimento de Artilharia de Divisão de Cavalaria CEDOC = Centro de Documentação e Memória

DIP = Departamento de Imprensa e Propaganda FEE = Fundação de Economia e Estatistica LH = Livro Histórico

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12

1. ENTRE O IMPÉRIO E A REPÚBLICA: POLITICAS DE DEFESA E A CRIAÇÃO DO 4ºGACav-II/1ºRADC.

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1.1. Políticas de Defesa: da Invenção do Exército Brasileiro à Implantação do

4ªGACav. 26

1.2. Políticas de Defesa da 1ª República Para a Região Missioneira: Santo Ângelo

– RS. 37

1.3. A Criação e Instalação do 4ºGACav: a Opção Pela Artilharia a Cavalo. 47 2. TRADIÇÃO E MEMÓRIA: O 4ºGACav-II/1ºRADC E O PASSADO

(RE)CONSTRUÍDO. 56

2.1 O Livro Histórico II/1ºRADC: Lugar de Memória. 57

2.2. Memória e Tradição: Representações do Gen. Osório no

4ºGACav-II/1ºRADC. 65

2.3 As Datas Comemorativas do 4ºGACav-II/1ºRADC e a Tradição Inventada. 69 2.3.1. O Aniversário do 4ºGACav-II/1ºRADC: 24 de Maio. 73

2.3.2. A Representação do Herói e o Dia do Soldado. 76

2.3.3. Dia da Bandeira no 4ºGACav-II/1ºRADC: 19 de Novembro. 79 3. HOMENS E MASCULINIDADES: A FORMAÇÃO DOS SOLDADOS DO

4ºGACav-II/1ºRADC. 82

3.1 Masculinidade Hegemônica e as Masculinidades. 82

3.2 Ser um Militar na Fronteira. 88

3.3. Narrativas de Despedida no 4ºGACav-II/1ºRADC: em Busca da

Masculinidade Ideal.. 95

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS. 110

FONTES E REFERÊNCIAS. 113

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INTRODUÇÃO

As instituições militares brasileiras, durante muito tempo, foram estudadas pela historiografia, não como organizações complexas que são, mas a partir de um viés pedagógico sobre a prática da guerra e a construção de exemplos de heroísmo, tanto para militares como para civis.

Até o século XIX, a História Militar não era considerada um campo específico do conhecimento, pois estava inserida na história dos Estados Nacionais. Dita tradicional, sua ótica era a descrição de epopeias hiperbólicas abarrotadas com datas, batalhas, heroicização de líderes militares e das instituições armadas, envolvidas em disputas fronteiriças e/ou nacionalistas. A Guerra, para quem escrevia este tipo de história, era estanque, desvinculada da vida em sociedade, da política interna, da cultura ou da economia.

Sob outro viés, essa pesquisa se insere no debate da chamada Nova História Militar, a qual procura perceber a ação humana na fronteira, nas relações que militares e suas instituições estabelecem com variados campos, entre eles a política, a cultura, a economia, etc. Por essa perspectiva historiográfica entendemos a sociedade como uma construção que parte das ações militares, e numa via de mão de dupla, interfere na cultura das instituições armadas.

O fazer militar está relacionado com a sua formação e com as inscrições pedagógicas que recebe no período de caserna. Nesta pesquisa queremos compreender de que modo as narrativas de heróis, de memória e da tradição militar atuaram na formação dos militares do 4º Grupo de Artilharia à Cavalo (4ºGACav) chamado (após 1939) de 2° Grupo do 1° Regimento de Artilharia de Divisão de Cavalaria (II/1ºRADC) entre 1926 e 1943.

Para atender essa proposta, essa pesquisa se propõe a investigar o 4ºGACav-II/1ºRADC enquanto esteve localizado no município de Santo Ângelo - Rio Grande do Sul1, entre os anos de 1926 a 1943. Importante apontar que em 1939 essa organização passou a ser chamado de 2° Grupo do 1° Regimento de Artilharia de Divisão de Cavalaria (II/1º R.A.D.C.), mantendo seu funcionamento no mesmo local até 1943, quando foi transferido para o município de Santiago – RS. O 4ºGACav-II/1ºRADC era um agrupamento militar com subordinação nacional por ser um braço da 3ª Região Militar, com sede em Porto Alegre, e essa estava subordinada ao Exército Brasileiro com sede no Rio de Janeiro.

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Nossa análise parte de elementos considerados essencialmente militares (documentos oficiais), buscando interpretá-los enquanto construções. Dessa forma, nosso foco não será apontar a listagem de recrutamento, o valor do soldo, o contingente do efetivo e as batalhas perdidas ou ganhas. Consideramos que a vida dita militar é muito mais do que isso. Ela está mediada pela cultura e pela política, e os militares são agentes transformados e transformadores da/e pela sociedade, não unicamente itens, ou sujeitos presentes em batalhas, de uma listagem de documentos oficiais.

Para analisar as narrativas sobre os heróis e a construção da memória e da tradição na formação de militares, nos utilizamos do chamado Livro Histórico da 3ª Região Militar do II/(1ºRADC), composto por atas e boletins dessa unidade militar, afim de analisarmos o cotidiano da cultura militar, a invenção das tradições, a construção da representação de militar, as masculinidades postas, hegemônicas e/ou periféricas, além das intencionalidades e objetivos de quem promoveu a escrita desta documentação.

O Livro Histórico do II/1ºRADC da 3ª Região Militar foi manuscrito aos moldes de um Livro Ata, por diversos oficiais ou praças da unidade militar, rubricado em 1943, mas sem autoria identificável. Esse documento, de 93 páginas, foi escrito entre 1926 e 16 de junho de 1943 e juntado como Livro Histórico nesse mesmo ano. Os registros se referem a relatórios dos boletins e algumas atividades desenvolvidas na instituição. A partir da narrativa contida na fonte, acreditamos que, nessas atas e boletins era escrito parte do que era lido, nas chamadas formaturas, em datas especiais e/ou comemorativas, pelo comandante ou representante deste, diante do agrupamento militar. Algumas páginas têm sinais de umidade, porque a tinta esmaeceu, o que dificultou sua transcrição em muitas passagens.

Percebemos que esse livro era um local de preenchimento de registros e que nele se fazia a escrita de algumas ações que ocorriam na unidade. Entre essas ações figurava a leitura de alguns boletins que fazem parte desse Livro Histórico, assim como atas e registros diversos.

A capa e a chamada folha de abertura do Livro Histórico foram feitas após a juntada das atas e boletins, em 10 de fevereiro de 1943. Todas as folhas foram rubricadas por um subcomandante da unidade de Santo Ângelo, mas não há identificação do mesmo. Após essa página de abertura, está um boletim de 24 de maio de 1926. É a partir dessa data que nossa análise foi feita.

A finalidade da fonte era/é registrar elementos do cotidiano da unidade militar, mesmo que esses registros não tenham sido feitos diariamente (o que nos leva a refletir sobre o que

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era considerado importante o suficiente para ser registrado). E em vários momentos percebemos lacunas como se nada considerado importante tivesse ocorrido no quartel, ou, quem sabe a um extravio da documentação.

Além do cotidiano da unidade militar, a fonte se refere aos dias de viagens, de deslocamentos diversos (na maior parte dos registros sem nenhum detalhamento de percurso e na maioria das vezes não constando para quais atividades); dias de treinamento, dia de algumas atividades de recreação e competição; alguns relatos de datas comemorativas para as quais, na maioria das vezes, havia boletins sem numeração, as quais visavam dar instruções os militares. A partir de um léxico militar, esse Livro Histórico contem rememorações de batalhas e heróis; exemplificavam ações visando moldar, ensinar, dar lições de vida, de cidadania, de civismo para os militares.

O contato inicial com essa fonte se deu a partir de um trabalho de restauração, realizado em 2012, no Centro e Documentação e Memória (CEDOC) da Universidade Estadual do Centro-Oeste, em Guarapuava, Paraná. No momento de devolução do livro, foi pedido por escrito autorização para a digitalização do mesmo. Em 2016, o Tenente-Coronel Eduardo Netto dos Reis, Comandante do 26º Grupo de Artilharia de Campanha (26º GAC), forneceu a documentação por escrito e autorizou sua digitalização. Esse Livro Histórico encontra-se atualmente em Guarapuava – Paraná, no 26ºGAC, devido às transferências de arquivos e unidades militares, que aconteceram ao longo dos últimos 60 anos.

Além dessa fonte, descrita acima, nós utilizamos outras que estão relacionadas diretamente a esta instituição e foram por ela ou para ela produzidas. Tais como legislação e decretos presidenciais de criação de instituições militares no Brasil relacionados ao 4ºGACav-II/1ºRADC.

O recorte temporal que analisaremos é o estabelecido pela fonte, a qual se refere ao período de 1926 a 1943, e a abrangência territorial na região missioneira, mais especificamente no município de Santo Ângelo - RS.

Nossos objetivos específicos foram, em primeiro lugar, analisar a criação e instalação 4ºGACav-II/1ºRADC, no período de 1926 a 1943, buscando compreender as políticas de defesa nacionais, relacionadas ao papel do Exército Brasileiro. Buscamos dialogar sobre o processo de instalação da unidade militar na cidade de Santo Ângelo, discutindo a escolha dessa região para essa unidade militar, assim como a opção pela artilharia a cavalo, na década de 1920. Em segundo lugar, analisamos as narrativas sobre a organização militar, presentes nas atas dos boletins manuscritos no Livro Histórico da unidade, focando na representação da

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tradição, os usos da memória e a construção do passado militar por meio das representações de heróis militar (es) delineadas nesses boletins. Por fim, a partir da perspectiva de gênero, temos como objetivo a análise das narrativas de representação de masculinidade(s) e construção do “homem militar”, em meio ao cotidiano das atividades ditas militares.

A perspectiva teórico-metodológica adotada para esta pesquisa procura entrelaçar a Nova História Militar com a análise da fonte, em uma abordagem que Arno Wehling (2001) denominou como “abordagem da guerra” - porque por ela se percebe uma História pluridimensional que visualiza novos temas, novos problemas.

Por esse ponto de vista, a Nova História Militar abarca o diálogo com outros campos da historiografia. Leva em consideração que o conhecimento é dinâmico e complexo, e, portanto, precisa debater tanto com os campos da história, como a história política, social, cultural, econômica, ou das ideias, quanto com a antropologia, a sociologia, a geografia entre outras ciências.

Para Wehling (2001) esta nova forma de escrever a história militar leva em consideração a participação da sociedade e as relações dos militares com ela, bem como suas motivações para ela. Em virtude disso, o historiador precisa realizar um tratamento mais interdisciplinar da fonte que pretende pôr em análise.

Ao realizar uma narrativa que leva em consideração as ações relacionais humanas, nossa escrita realiza intersecções com outras áreas do saber, principalmente ao fazer novas perguntas para a fonte histórica, diferentes daquela da História Política, do início do século XX. Como historiadores, nos deparamos com a interpretação e compreensão de conceitos que anteriormente não eram o foco da História Militar2, daí a necessidade de transitar pelos campos da história e de outras ciências. De acordo com Fernando Velôzo Gomes Pedrosa (2011), foi só a partir da 2ª Guerra Mundial que a historiografia militar começou a ser renovada no que diz respeito a esta temática.

Em outras palavras, a preocupação dos que escrevem a Nova História Militar é debater sem fazer a distinção entre período de guerra ou de paz, porque ambos são importantes. São períodos distintos, todavia a presença militar é constante em ambos. A atuação militar é oriunda de formas de ser e de fazer de um povo, portanto, longe de ser estanque, ela apresenta um dinamismo que interessa para os/as pesquisadores/as desse campo da História.

2 Fazemos uma abordagem que considera uma análise de gênero na instituição militar, principalmente no terceiro capítulo.

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Para fazermos o debate sobre a história do Exército Brasileiro nos utilizamos da obra do brasilianista Frank McCann, publicada em 2007, e que nos traz um entendimento de como estava organizado o Exército, bem como suas dificuldades enfrentadas no século XIX, tanto pela falta de aparelhamento técnico quanto econômico, e no início do século XX, quando ainda persistiam diversos problemas, entre eles os que questionavam as Forças Armadas brasileiras no desempenho de seu papel de defesa.

Além disso, McCann (2007) nos auxilia nas reflexões sobre políticas de defesa que envolveu o Exército como o principal instrumento de controle do governo central, especialmente na década de 1930 quando houve a preocupação maior em estruturar e fazer implantação de suas políticas.

Neste mesmo caminho foram utilizadas as obras de Celso Castro que discute a construção ideal de militar; as características de cada uma das Armas e o que se esperava do militar que passava a fazer parte dela; quais os vínculos que esses homens estabelecem na hierarquia e a partir de quais ações militares a instituição entende que deve estabelecer seus parâmetros de disciplina, coragem, lealdade, racionalismo.

Fez-se necessário estabelecer diálogo com as pesquisas de José Murilo de Carvalho, em virtude, de maior compreensão do lugar preenchido pelo Exército, tanto na política nacional, quanto na própria compreensão de mundo que os militares precisavam ter por isso o retorno tanto ao período anterior e quanto ao posterior da chamada 1ª República. Assim como a preocupação com determinadas características profissionais para atuarem no exercício de sua função, que apresenta o desvelo com a formação do militar dentro e fora das instituições militares brasileiras.

Além disso, tanto Celso Castro quanto José Murilo de Carvalho discutem sobre os nuances externos às Forças Armadas, mas que interferiam em como o ideal de militarismo, de militar e de Exército foi sendo construído, paralelamente ao ideal de nação. Essa abordagem é importante uma vez que, para entender uma unidade militar de fronteira e no período abordado, o contexto nacional/internacional é fundamental.

Para nossa análise retomamos o quadro histórico do período anterior à formação da unidade. Em virtude disso, revisitamos o período da 1ª República e, brevemente, o Brasil Império, para entendermos as políticas de defesa. Tornou-se relevante e imprescindível reaver aspectos da história nacional e da história das Forças Armadas, em específico do Exército Brasileiro, e será esse o fio condutor no capítulo inicial.

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Entendemos que a Proclamação da República, em 1889, foi resultado de uma nova composição política, de governo, concepção de sociedade e de Forças Armadas. Concordamos com Celso Castro (2002) e José Murilo de Carvalho (2006) quando afirmam que, neste período, o Exército teve uma postura de participação direta na política do país. Para discutir as questões políticas que envolvem os militares e ampliar esse conhecimento precisamos conhecer, analisar e debater sobre as unidades militares que compõem a força terrestre, o Exército.

Durante o início da Primeira República houve uma preocupação com a mobilização de uma simbologia militar, e nela uma glorificação do passado do Exército como “Berço de Heróis”, como analisado por Miriam de Oliveira Santos (2004). Essa inquietação provinha de uma necessidade datada de criar uma escala de valores que se utilizava da história militar do século XIX, com uma ótica de história Magistra vitae3, para todos os militares, a partir da década de 1920.

Frank McCann (2007), ao fazer a análise sobre o Exército na década 1930, afirmou que essa instituição foi transformada em agente de controle do Governo Vargas, como forma de implantar a sua política de Estado. Por outro lado, o mesmo autor salienta que Vargas precisou do apoio de um grupo de militares para chegar à presidência do país e em troca cedeu a eles o controle da instituição. McCann compreende que esse controle era tão significativo que os oficiais militares eram mais leais à instituição militar do que ao Governo: “O Exército sob Dutra e Góis Monteiro tornou-se [...] um Exército autônomo e intervencionista, capaz de atuar com legitimidade própria” (McCANN, 2007, p. 552-553). Isto quer dizer, que muitas vezes o Governo precisou ceder aos interesses militares para continuar tendo seu apoio, ao mesmo tempo deles se utilizando para permanecer no poder.

Concordamos com Castro (2002) que o Exército Brasileiro foi também resultado de uma invenção republicana. Na mesma linha, McCann (2007) salientou que a força deste Exército dependeu da barganha com um Governo que pretendia se manter no poder, em situações nem sempre favoráveis e, ao mesmo tempo, de sua capacidade de se organizar e se (re)aparelhar para as demandas de manter o território unido, entre outras.

3 Um modelo de escrita da história que começou a se dissolver, enquanto modelo de escrita historiográfica após o século XVIII, quando a história deixou de ser uma coleção de exemplos, uma mestra da vida, como analisa Karina Anhezini, (2010).

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Para fazer esse tipo de análise nos apoiamos nas discussões provenientes da História Cultural. A História Cultural, para Chartier (1990), apresenta uma realidade social, mutável quanto a seu espaço de origem e como construção, resultado de uma forma complexa de pensar e “dada a ver/ler” de forma variada. Na obra “A História Cultural: entre práticas e representações” (1990), Chartier apresenta a noção conceitual de representações como sendo fruto de esquemas classificatórios, produto de práticas que hierarquizam códigos e símbolos que dividem, e demonstram um modo de ver e de ser. É a partir dessa interpretação do conceito que queremos compreender a forja do militar do 4ºGACAv-II/1°RADC.

Precisamos ter em mente que essa noção conceitual de representação não é única, mas para Chartier (2002) pode tanto se dar a perceber quanto estabelecer uma fronteira, uma distância entre o que os signos deveriam representar e aquilo que evidentemente está se apresentando como real. Por conseguinte, é preciso realizar constantes negociações, pois, ela só passa a existir por meio das relações entre os sujeitos, além do mais, está em constante transformação e (re)construção. Utilizamos esse conceito uma vez que temos por preocupação compreender a construção de um fazer pedagógico que pretendia inscrever aquele militar na categoria de uma masculinidade ideal.

Como dito, a História Militar, por longo período, se preocupou com os grandes feitos, as batalhas descritas como memoráveis, vinculadas a construção dos estados nação. A Nova História Militar se encontra imbuída de um viés cultural e as problematizações passaram a ser com as instituições militares como um todo. O diálogo com a História Cultural nos possibilita levantar questões atinentes a construção dos heróis, o uso da memória e as masculinidades militares.

Dialogando com a História Cultural nos utilizaremos de noções conceituais que julgamos ser necessárias a uma perspectiva que corresponda à Nova História Militar. Entendemos que analisar as representações presentes em uma instituição militar é compreender este nascimento do reflexo que nos dá a perceber, a fala de uma instituição que tem por característica a formação de um homem militar.

Buscamos entender no Livro Registro da instituição, esta marca que apresenta, inclusive, muitos silenciamentos, que são o efeito de um poder presente nas narrativas discursivas. Foucault (1979) afirma que “[…] o indivíduo é um efeito do poder e, simultaneamente, ou pelo próprio fato de ser efeito, é seu centro de transmissão. O poder passa através do indivíduo que ele constituiu” (1979, p. 103). Esta concepção nos ajuda a

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pensar a busca pelo regramento que ocorre dentro das instituições militares e a formação militar como um todo.

Entendemos que as representações que são utilizadas pelas instituições militares estão impregnadas de relações de poder as quais Foucault (1979) se refere, no momento em que é necessário estabelecer regras, normas, preceitos que devem ser seguidos por todos que delas fazem parte. O poder de regrar que o discurso militar possui, na verdade é só um dos efeitos deste poder. O poder é circular e perpassa todos os indivíduos que fazem parte de um agrupamento militar, funcionando como uma maquinaria de adestrar o corpo militar (FOUCAULT, 1996).

Para Erving Goffman (2010), as instituições militares se enquadram na descrição do conceito de Instituição Total, pois elas buscam transformar todas as ações cotidianas que ocorrem em seu interior em situações regradas, formais, normatizadas em situações diferentes daquelas vivenciadas no ambiente externo ao seu controle.

E sob essa ótica de adestramento que nosso olhar encontra as possibilidades de observar o 4ºGACav-II/1ºRADC como uma Instituição Total, uma vez que as instituições militares carregam marcas de seu tempo e operam em um processo de formação de símbolos que devem ser seguidos por todos que fazem parte da unidade.

Porém, entendemos que a instituição total, contingência as ações sociais dos sujeitos, os ensina, condiciona a considerar determinados símbolos e sinais. Esses sinais, construídos como tradições permitem elaborar um ideal de militar. Analisar as representações contidas nos escritos oficiais nos possibilita compreender os interditos e os diversos elementos nelas presentes, a sua invenção e forma com que elas se reproduzem e formam o militar.

Os discursos, para Foucault (2002), é o próprio fazer, é o dito, são as formas que transformam, ou tornam permanentes as ações dos sujeitos. Isso porque os sujeitos carregam contingências históricas que são formadores, produtores de realidades sociais. Os sujeitos são perpassados pelos efeitos de poder, efeitos esses que nos interessam, na compreensão das representações que os militares desejam para seus subordinados e que a própria instituição deseja de todos, uma vez que a partir deles ela própria existe.

Nas instituições militares essas contingências orientam a construção tanto de uma representação quanto de uma identidade ideal que se pretende homogênea a partir de um passado idealizado pelas datas comemorativas, pela organização do agrupamento, seu cotidiano resultando na formação do militar.

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Nessa linha de pensamento, o mesmo autor salienta que as práticas discursivas são próprias a um sistema de formação. Assim como existe o discurso clínico, o discurso econômico, também há o discurso militar e as relações de gênero estão permeadas por esta noção de discurso. Como deve agir/ser um militar? Quais ações são consideradas próprias para aos militares? Atemos-nos a essas questões em toda a dissertação, porém, no capítulo 2 discutimos esta noção conceitual, aliada a compreensão de conceitos como representação, memória, espírito militar e tradição.

É importante observar que as tradições só podem ser compreendidas como sendo invenções com o objetivo de dar legitimidade às práticas sociais de determinada comunidade, como salienta Eric Hobsbawn (1997). As tradições são uma forma de garantir a continuidade de um passado, ou de atribuir ao período presente uma reconstituição deste passado respaldado em um status anterior. Para Hobsbawn, ao se inventar uma tradição há uma preocupação com cerimônias, símbolos “[...] que não corresponde ao que foi realmente conservado na memória popular, mas aquilo que foi selecionado, escrito, descrito, popularizado e institucionalizado por quem estava encarregado de fazê-lo” (HOBSBAWM, 1997, p. 21). A invenção de uma tradição estabelece uma continuidade artificial com o passado, ao fazer a repetição de determinados rituais. A ritualização acaba por legitimar determinados valores amparados em uma artificial origem histórica, que por se ancorar no passado seriam aceitos por todos.

Nesse sentido, buscamos compreender quais e como as tradições foram rememoradas/ inventadas no 4ºGACav-II/1ºRADC, ao longo do recorte selecionado, a fim de discutirmos os usos do passado feitos pela organização militar. O sentido dessa pesquisa foi entender como essas tradições permitiam ao grupamento expressar e/ou construir sua representação ideal e coesão como grupo.

Compreendemos o conceito de representação atrelado ao de tradição, uma vez as instituições militares possuem uma linguagem própria, uma cultura organizacional e muitos valores que são transmitidos a todos que fazem parte dela. Cada componente guarda para si cada um destes valores aprendidos no grupo como um ideal uma forma de melhor desempenhar o seu papel. Para que exista a conformidade entre a tradição o desempenho de cada membro, a instituição faz o apelo à obediência, às regras de conduta e ao mesmo tempo promove heróis que a instituição considera como modelos a serem seguidos e com os quais os soldados precisam se identificar.

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Para entender como estas tradições surgiram, salientamos que na instituição militar, há regras próprias e o militar que adentra um quartel ou escola militar, passa por um processo de socialização. Como afirma Castro, neste momento o aluno precisa apreender “[...] os valores, atitudes e comportamentos apropriados à vida militar” (2004, p. 15), a fim de adquirir “[...] os espíritos ou identidades militares” (p. 104), mesmo que estes, por vezes, sejam mutáveis.

Em virtude da compreensão dessa linguagem idiossincrática de instituições militares, que possui regras, e promove modelos dizemos que na caserna eles adquirem o espírito militar ou ethos militar. Castro (2004) explica que essas são noções conceituais que utilizamos para analisar o modo próprio de ser que caracteriza os indivíduos que estão na caserna. De acordo com Santos (2004), a formação do ethos militar passa por um ritual que tem por objetivo aprender a ser militar, se identificar com a instituição e a se distanciar do meio civil, seja pelo reforço de símbolos ou de mensagens ou pela própria retórica dos discursos oficiais.

Castro (2002) acrescenta que a manutenção deste ethos militar se dá pela evocação do passado, pela percepção de um fio que liga as manifestações institucionais, a ritualização do passado a uma identidade social do Exército. Para o autor, com a manutenção do ethos é possível construir a instituição e o sentimento de pertencimento à mesma.

As representações que os militares - praças e oficiais - ouvem e percebem em seu cotidiano, as normas que recebem para seguir, os símbolos e a hierarquia que passam a conhecer e a respeitar, promovem um conjunto de comportamentos e valores praticados cotidianamente, gerando um sujeito ajustado à instituição.

Nesse sentido, concordamos com Stuart Hall (2006) quando apresenta as culturas nacionais como um sistema de representação cultural. Entendemos que o militar do 4ºGACav-II/1ºRADC, não só é mais um sujeito na instituição militar, mas também é o meio pelo qual se constrói o sentido de ser militar na região onde se insere e atua, posto que ele constantemente retoma tradições que reforçam as representações sobre ser um militar. Essa ação tanto organiza a vida dele pelas regras que lhe são impostas, quanto fornece um sentido para suas ações enquanto militar.

Castro (2004), sobre a construção dos sujeitos nas forças armadas, percebeu uma cultura organizacional que estabelecia as regras desde o início da formação. Para ele, essa construção visava formar um espírito que refletisse a excelência e, mais do isso, valores e significações que faziam a distinção entre os que permaneciam na carreira militar e os que eram estimulados a desistir, por não se enquadrarem na perspectiva dessa mesma representação ideal.

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Consideramos que as instituições militares ainda se constituem, no mundo ocidental, como um lugar de construção de uma masculinidade, pois é no quartel que estes homens não só adquirem o conhecimento sobre o uso das armas como também aprendem o sentido da disciplina. Compreendemos que discutir a construção/formação de homens em uma organização militar é relevante sob uma ótica de gênero, uma vez que esta instituição se configura como um lugar de disciplinamento e normatização das masculinidades.

Helena Carreiras (2009) salienta esse processo de inclusão/ exclusão, pela identificação quando analisa os papéis de gênero que historicamente são aceitos como uma normatização das instituições armadas. A autora explicita que as práticas existentes nas instituições armadas permitem a formação de estereótipos de gênero: a masculinidade está para a guerra e para o público, para armas; enquanto a paz, o privado, está para a feminilidade. Todavia, a mesma autora evidencia que essas instituições se preocupam em forjar a hegemonia de uma masculinidade militar ao desconsiderar as várias masculinidades em prol de uma possível: a do homem guerreiro. Em outras palavras, a ênfase é na construção de uma masculinidade ideal, um ethos militar pautado pela virilidade.

Para compreendermos como se forja este homem militar, consideramos que ele passa por uma construção, um ato da cultura, uma vez que a imagem que o Exército toma para si, de acordo com Santos (2004), é uma imagem de virilidade, de uma masculinidade específica, sócio-histórica. É uma construção de gênero, uma vez que atribui significados à masculinidade, em oposição ao que é ser mulher/feminino, estabelecendo relações de poder como afirma Joan Scott (1990). Para Scott, entender a sociedade a partir da categoria gênero é perceber as relações sociais e culturais estabelecidas pelos seres humanos, que distinguem os lugares e as diferentes normatizações impostas conforme a identidade de gênero atribuída e ou cobrada a cada um/a. Para ela a categoria gênero se refere a um tipo especifico de relações sociais, fruto de relações de poder que as pessoas travam entre si e a partir de uma concepção binária da cultura que evoca formas de ser, e de fazer específicas para mulheres e homens. Por conseguinte, só é possível compreendê-lo por uma análise relacional, que não desconsidere essas representações dicotômicas entre o feminino e o masculino normativo cultural.

A analisar o 4ºGACav-II/1ºRADC sob essa ótica, significa verificar como esse processo normatizador que procurava uma masculinidade ideal agiu por meio das representações de militares ideais. Representações que dialogavam com os marcadores sociais de gênero presentes na Instituição militar no universo das masculinidades. Por meio delas

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conseguimos compreender a construção da masculinidade própria ao militar componente do 4ºGACav-II/1ºRADC.

Dessa forma, o debate apresentado Raewyn Connell (2016) sobre masculinidade hegemônica nos permite dialogar sobre a normatização das ações de homens que estão na Instituição militar: como são construídas as noções de masculinidade e de virilidade, diante da alteridade da vida civil e das outras possibilidades do masculino. Essas questões acima preveem uma preocupação com hegemonia, uma representação que se pretende única, um trabalho de identificação com papéis específicos e um status de virilidade que se espera de um militar. Todavia, é preciso deixar evidente que não há uma hegemonia, como afirma Carreira (2009). Essa homogeneidade ocorre somente no âmbito do discurso, o qual procura estabelecer um grupo militar homogêneo em torno de uma masculinidade homogênea. É por essa perspectiva que buscamos discutir como se dá a construção desse homem militar da Artilharia a Cavalo, no agrupamento enfocado.

Rosemeri Moreira (2011, p. 324) afirma que a virilidade é entendida como a “capacidade para a guerra, para a ação, para a violência”, portanto, é a partir desses conceitos que passamos a entender a preocupação de um militar do 4ºGACav-II/1ºRADC em ter ações consideradas viris. Essas ações de coragem estabeleciam o pré-requisito para a junção entre masculinidade e virilidade. Como analisa Kelly Cristina Kohn (2014), a virilidade é conquistada e (re)conquistada, ocupando lugares simbólicos dentro de um determinado padrão de masculinidade.

Esta análise relacional de gênero nos permite compreender como as masculinidades foram (re)construídas no 4ºGACav-II/1ºRADC, observando que as concepções de homem e de soldado são constructos culturais, posto que há uma construção normativa do como ser masculino em oposição relacional ao que não é ser masculino, portanto, feminino. Assim, ao fazermos este tipo de análise, incorremos em construir uma análise a partir da categoria de gênero.

Dividimos este texto em três capítulos. No primeiro, denominado - “Entre o Império e a República: políticas de defesa e a criação do 4ºGACav-II/1ºRADC” - imergimos no contexto histórico de criação e instalação desse agrupamento militar. Abordamos, em primeiro lugar, a política nacional referente à defesa no país, retomando brevemente aspectos do século XIX. O 4ºGACav-II/1ºRADC surgiu na região missioneira do noroeste do Rio Grande do Sul, em 1926, mais precisamente na região missioneira na cidade de Santo Ângelo onde viveram uma quantidade expressiva de militares. Abordamos os debates sobre a política nacional sobre

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a defesa, no início do século XX, a fim de compreender a criação do agrupamento militar, na região citada. Além disso, procuramos discutir como foi estruturada o 4ºGACav-II/1ºRADC, e sua organização interna. No final do capítulo, discutimos a hierarquia entre as Armas do Exército e principalmente qual a ethos da Arma da Artilharia a Cavalo à qual este grupamento faz parte: o chamado Espírito das Armas, que se configura como uma identidade militar mais específica para a Artilharia, mas que não se desvincula da Arma da Cavalaria.

No segundo capítulo – “Tradição, memória e representação: o 4ºGACAv-II/1ºRADC e o passado (re)construído” - nossa preocupação é problematizar como as tradições foram vivenciadas na caserna e quais os usos da memória na construção do passado desse agrupamento. Para isso, discutimos quais e como as datas comemorativas foram descritas e vivenciadas no 4ºGACav: os rituais, os símbolos e as evocações de heroicidade. Também enfocamos a discussão sobre a memória como estratégia para construção de um passado e, por fim, a representação dos heróis militares, presente nos enunciados da fonte.

No terceiro capítulo, intitulado “Homens e masculinidades: a formação dos soldados do 4ºGACav-II/1ºRADC”, a análise se volta à formação do militar do 4ºGACav-II/1ºRADC. Analisamos as narrativas que formam a virilidade militar desse soldado, que se pretende protetor da Pátria e que deveria estar disposto a se apresentar nas fileiras do Exército, quando solicitado seu retorno, em caso de guerra. Os itens que abordamos neste capítulo versam sobre as noções conceituais de masculinidade hegemônica e masculinidades, assim como o de virilidade que nos ajudam a analisar a fonte. Em seguida, nos preocupamos em saber qual era a masculinidade que foi desejada e cobrada desse efetivo militar, por meio da análise de vivências do cotidiano do quartel. E, por último, analisamos aos enunciados relativos à solenidade de despedida da caserna, disponíveis no livro registro do 4ºGACav II/1ºRADC.

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1. ENTRE O IMPÉRIO E A REPÚBLICA: POLITICAS DE DEFESA E A CRIAÇÃO DO 4ºGACAV-II/1ºRADC

Neste capítulo temos por objetivo analisar a criação e instalação do 4º Grupamento de Artilharia a Cavalo (4ºGACav) (chamado - após 1939 - de 2° Grupo do 1° Regimento de Artilharia de Divisão de Cavalaria (II/1ºRADC) no período de 1926 a 1943, na chamada região missioneira, cidade de Santo Ângelo, no noroeste do Estado do Rio Grande do Sul.

Para isso, em primeiro lugar discutimos as políticas de defesa nacionais relativas ao Exército Brasileiro. Retomamos alguns aspectos da história do Exército Brasileiro, no contexto de criação e instalação da 1ª República em 1889, e os desdobramentos posteriores que contextualizam o período em que foi criado o 4ºGACav-II/1ºRADC no período de 1926 a 1943.

Na sequência buscamos compreender as políticas de defesa adotadas a partir da 1ª República para a região missioneira de Santo Ângelo. Importante afirmar que compreendemos região como um conceito que vai além da configuração de território, porque abrange múltiplos processos de vivências que instalam a unidade neste local, entre eles um afloramento de sujeitos que se distinguem dos demais em virtude de sociabilidades e que desenvolvem culturalmente e as relações de poder que estabelecem para o viver nesse território.

Temos em mente que quando nos focamos em contextualizar a região onde foi instalado o 4ºGACav-II/1ºRADC, estamos considerando região como uma noção conceitual definida por Bourdieu (1989), como um complexo resultado de disputas de poderes, tanto em relação aos seus limites quanto em relação aos seus sentidos, seus significados.

Segundo Liliane da Costa Freitag (2012), porém, a noção conceitual de região abrange não só o aspecto material, mas também os múltiplos processos que perpassam as vivências dos indivíduos de determinado lugar, porquanto, “[...] a região é criada a medida que é alimentada pelas experiências da historiografia, da memória, da cultura, das relações de poderes, dos saberes, da vida e da morte” (FREITAG, 2012, p. 10).

Corroborando com esta visão, Durval Muniz de Albuquerque Júnior (2008) entende a região como algo que ao mesmo tempo em que a limita, dá unidade, e é permeada de lutas e conflitos de relações de poder. Para este autor, a região nasce tanto de investimentos de

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sentido quanto da produção de sentidos; nasce da busca por organizar o mundo, por ordená-lo, por esquadrinhá-lo, por classificá-lo, por dominá-lo.

Na terceira e última parte do capítulo enfocamos a criação propriamente dita do agrupamento militar e a opção pela artilharia a cavalo. Discutimos como o 4ºGACav foi criado em 1921, através do Decreto-Lei presidencial nº 15.235, todavia só entrou em funcionamento efetivo no ano de 1926. Analisamos as condições históricas que contribuíram para o surgimento dessa unidade militar na referida localidade.

Por conseguinte, analisar a criação do 4ºGACav nos permite observar os caminhos que foram resultados de práticas múltiplas, entre elas, as políticas de defesa que criaram a unidade militar.

1.1 Políticas de Defesa: da Invenção do Exército Brasileiro à Implantação do 4ªGACav.

Falar sobre uma unidade militar pertencente à instituição de defesa nacional implica não somente pensar sobre o quartel em si, mas como ele se relaciona as políticas referentes às Forças Armadas. Todavia, não é possível pensar em defesa, militares e instituições sem refletir sobre a história do Brasil.

Temos que considerar nessa abordagem que escrevendo sobre a História Militar no Brasil, precisamos retomar a historicidade que permite ao Exército ser responsável pela implantação, funcionamento do 4ºGACav e ao mesmo tempo referendar as políticas instrucionais da formação dos militares que serviram em Santo Ângelo.

Para a história institucional veiculada, o Exército Brasileiro surgiu em 1822, após a proclamação da independência. Em virtude disso, podemos dizer que a construção da história dessa instituição é também resultado da articulação entre o Estado e as Forças Armadas, que em constante dinâmica precisou elaborar políticas de defesa que agregassem força a ambos, mesmo quando deixamos o período imperial e adentramos ao período republicano, em 1889.

Entendermos a História Militar do Exército Brasileiro é também um exercício de análise de sua gênese, pois quando fazemos isto verificamos que como um órgão de defesa nacional ele é uma instituição permanente e regular, definida na 1ª Constituição Republicana

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como: “[...] essencialmente obediente, dentro dos limites da lei, aos seus superiores hierárquicos e obrigada a sustentar as instituições constitucionais” (BRASIL, 1891). O Exército republicano, por conseguinte, possui uma diretriz planejada, voltada para uma política de defesa, para que pudesse, como afirma a constituição de 1891, cumprir com seu papel em dar a solidez para as outras instituições da Nação.

Para que o Exército existisse e tivesse legitimidade social, jurídica e política foi necessária uma origem que representasse essa preocupação com a defesa de todos os habitantes do território. E essa origem está articulada com a construção da nação brasileira, não no sentido da sua existência concreta, mas no desejo por essa existência e como deveria ser vista.

Quando falamos de construção histórica de nacionalidade envolvemos aspectos que vão além da resistência militar. Precisamos analisar a política nacional estabelecida pelos grupos governantes do período em que a escrita da história brasileira foi pensada como escrita da nação. Por isso, retomamos alguns aspectos do governo de D. Pedro I e de D. Pedro II, uma vez que estas políticas de governo influenciaram a ocupação do território que posteriormente comporia o Estado do Rio Grande do Sul, local onde foi criado o 4ºGACav.

Ao observar a história política brasileira do século XIX é possível verificar que o governo monárquico teve franca oposição à sua política de centralização, por parte das resistências das oligarquias estaduais, como salientou João Quartim de Morais (2005). Esse autor afirma que, “[…] a força política da oligarquia latifundiária repousava sobre o controle das instituições municipais e provinciais” (MORAIS, 2005, p. 52), e permitir que o imperador tivesse acesso ao controle total da administração era uma forma de reduzir o poder de negociação local destes latifundiários. Essas negociações, que tentavam desarticular o poder latifundiário e incrementar a centralização política, podem ser vislumbradas, de acordo com Morais (2005), quando se analisa a Constituição de 1824. Nessa análise o autor salienta que as Forças Armadas receberam pouca atenção do ponto de vista legal.

A monarquia brasileira precisava manter, mesmo que a contragosto dos latifundiários, quadros permanentes de oficiais que garantissem a soberania, o poder monárquico e a centralização. Sendo assim, foi necessário fazer negociações e confiar aos aristocratas certos poderes sobre esses exércitos.

José Murilo de Carvalho (1974) afirma que a nobreza, que ele denomina de “civil”, conseguiu acesso a postos militares por meio do prestígio do poder e até mesmo pela riqueza de forma voluntária. Sob este aspecto, Gabriela Nunes Ferreira (2006) explica que, tanto no

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período colonial quanto no período monárquico, havia uma espécie de limbo (um lugar de não-negociação para evitar maiores imbróglios), uma vez que as negociações levavam em consideração as disputas locais, a posse da terra, as rixas de fronteira e a disputa pela terra indígena. Por conseguinte, para esse autor os comandantes militares locais, da época do império, receberam terras na região de fronteira e possuíam seus próprios interesses, muitas vezes tinham preocupação em atender os desígnios dos presidentes de províncias, mais do que, necessariamente, o desejo da monarquia.

Salientamos que nesse período a oficialidade do Exército acabava dependendo menos de seus talentos e mais da coesão entre estes militares e a relação política existente entre a Instituição e o governo. Para Wilma Costa apud Ferreira (2006), o governo imperial ainda não havia conquistado o “monopólio da violência” no Rio Grande do Sul. Em parte, porque nele as fronteiras não estavam bem delineadas e os vínculos “sociais, pessoais, econômicos e políticos aproximavam-no de seus vizinhos no Prata” (FERREIRA, 2006, p. 75).

Mais do que isso, essa autora, nos adverte de que essa região possuía tantas indefinições de fronteira, de interesses, inclusive, europeus, que a possibilidade de uma lealdade integral da força militar gaúcha tinha como empecilho os próprios grupos que faziam a defesa. Os estancieiros usavam seu poder de comandantes de pequenos exércitos locais para obter maiores terras e ao mesmo tempo, muitos deles eram oficialmente ocupantes de cargos militares4 imperiais.

Por outro lado, o imperador possuía um quadro de oficiais a seu dispor que também não estavam preparados militarmente. Como afirma Adriana Barreto de Souza (2004), os militares que a coroa dispunha eram oficiais que não tinham formação profissional no Exército, mas que reafirmaram o seu direito a serem militares por meio da sustentação da tese do merecimento e da honra familiar. Além disso, a autora salienta que esse grupo havia conquistado esses postos, também pela prestação de serviços e demonstração de fidelidade à coroa, tal qual se fazia em Portugal, antes da independência. Podemos refletir, então, que os militares contribuíam para com o sucesso do regime monárquico e o equilíbrio de poder que este precisava manter no país, e de forma muito peculiar nas fronteiras do Oeste, principalmente na região Sul.

4 Sobre isso ver: BETHELL, Leslie. (Org.). História da América Latina: da independência até 1870, volume III. Nessa obra temos um esmiuçar sobre a política na fronteira, em cada um dos países. Além disso, a autora evidencia que a opção de ter um corpo militar privado no Brasil, como foi a Guarda Nacional, foi inspirado numa lei francesa de 1831.

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De acordo com Vitor Izecksohn (2004), na ocorrência da Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), o Brasil teve dificuldades de encontrar efetivo para compor as fileiras do Exército. Além disso, as inúmeras rebeliões nacionais durante o período imperial deram o tom de uma situação em que o governo central e os poderes locais estavam em direções opostas. Ambos perceberam que foram despojados deste poder das armas em meio ao processo de unificação da nação que ocorreu, como afirma Castro (2000, p. 34), no momento da Proclamação da República, em 1889.

Durante o século XIX, os sujeitos que serviam ao Exército não eram treinados, somente preparados para pequenas batalhas oriundas de disputas locais. A falta de aparelhamento técnico-militar para a defesa nacional tolhia o próprio imperador em seu poder de executivo, administrador da nação, uma vez que não podia investir neste preparo, pois desagradaria os proprietários rurais que contribuíam com a manutenção das alianças que sustentavam a monarquia. Todavia, isso começou a mudar após 1870, quando os grupos políticos locais perceberam que era melhor transferir para o governo a tarefa de combate e de defesa e que sua autoridade local não estaria comprometida, como salientou Richard Graham (Apud Leslie Bethell, 2014).

Muitos dos que ingressavam nas fileiras do Exército não eram alfabetizados, mas aprendiam a ler após ingressarem nos quartéis. Como afirma Izecksohn (2004), até 10% dos militares, no último quartel do século XIX, não sabiam ler e escrever no momento da admissão. Todavia, muitos destes “aprendiam ‘leitura, caligrafia, aritmética, geometria a duas dimensões [e] desenho’” (2004, p. 246) dentro da instituição, o que poderia representar um ganho para jovens de classes sociais menos abastadas e que possuíam dificuldades de acesso ao ensino formal.

Héctor Luis Saint-Pierre (2000), ao abordar a existência de exércitos modernos (os do século XVIII e XIX), e a necessidades deles frente àqueles que os europeus conheciam anteriormente, afirma que os governantes temiam o que Nicolau Maquiavel chamou de Exército mercenário. Esses exércitos para Maquiavel (apud Saint-Pierre, 2000) eram um grande risco para a formação e proteção da defesa nacional na modernidade e, portanto, os governos precisavam que, de alguma forma, os sujeitos se dispusessem a ingressar na carreira militar. Esse foi um dos fatores que levou o governo imperial a procurar centralizar seu poder e controle sobre a “ação de violência”.

Concordando com Saint-Pierre (2000), a análise feita por Carvalho (2006) sobre o recrutamento das Forças Armadas, afirma que na virada da Monarquia para a República, o

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Brasil, diferente de outros países da América do Sul, herdou a forma europeia de fazer o recrutamento, principalmente a portuguesa que primava por alianças locais baseadas num modelo paternalista de organização social e política e não investia em um Exército efetivo, profissional.

Para Carvalho (2006), essa característica permaneceu até início do século XX, no sentido de que havia ainda uma distinção entre os efetivos nacionais e os regionais, bem como uma falta de profissionalização do Exército Brasileiro. Não foi por acaso a dificuldade que o Exército Brasileiro teve em combater na Guerra do Contestado, como salienta Frank D. McCann (2007). Nessa guerra os efetivos locais, depois os regimentos estaduais foram convocados, mesmo assim, devido a falta de preparo e desconhecimento, foi solicitada a ação do exército. Porém, até mesmo essa instituição teve dificuldades em vencer os sertanejos do interior de Santa Catarina e Paraná, entre 1912 e 1916.

McCann (2007), além desse, relata diversos episódios da história do Exército Brasileiro durante o início da República nos quais foram usados equipamentos muitas vezes obsoletos e que aos poucos foram ajustando as técnicas de defesa, as táticas e estratégias conforme o combate.

Retomando a análise de Carvalho (2006), o mesmo salienta que os efetivos das Forças Armadas se formaram dentro de um contexto em que não houve grandes lutas pela independência e, por isso, no Brasil a divisão entre os oficiais, com origem nobre, e os escalões inferiores do Exército foi mantida durante o período monárquico, apresentando uma configuração problemática que resultou no despreparo dessas forças no início da República.

Percebemos como problema o fato de que o recrutamento militar não era equitativo e não reproduzia as características da sociedade brasileira no período de transição da monarquia para a república. Carvalho (1974), sobre esse período, faz um retrato de que as classes mais abastadas conseguiam postos considerados de maior destaque enquanto que os postos menos desejados e, principalmente, aqueles preenchidos por recrutamento forçado, eram provenientes das classes populares, muitos dos quais aproveitaram o serviço militar para ter acesso à escolarização, por exemplo.

Durante o século XIX, os que não eram oficiais do Exército, e até mesmo alguns dos que adquiriram esta patente, não recebiam quase nenhuma instrução superior sobre fazer a guerra, como afirma Carvalho (2006), e aprendiam conforme as exigências do cotidiano quando o momento bélico se apresentava. Isso se manteve até o início do período republicano.

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Essa divisão, que mantinha o status e os privilégios sociais dentro dos quadros do Exército, acabava por levar para suas fileiras demandas sociais que não necessariamente eram desígnios das funções militares. Esta situação criava um clima de animosidade entre as fileiras e, para Carvalho (1974), foi um dos aspectos que deu origem ao Movimento Tenentista (1920-1935).

Ainda no século XIX, como afirma Carvalho (2003), a preocupação dos que haviam conseguido derrubar a monarquia era consolidar a República. Era necessário, como analisa este autor, uma legitimação do regime, e foi isto que o governo republicano procurou estabelecer. Uma afirmação constante de heróis, mitos, simbologia que efetivassem a construção de uma nação republicana. Essa dificuldade era tamanha porque a República recém instalada precisava ancoragem em heróis que não tivessem vínculos fortes com o Império.

Foi forjado, no Exército, como símbolo de patriotismo, civismo e virilidade o Marques de Herval, reconhecido na República como Marechal Manuel Luís Osório5 (1808-1879), o qual havia sido vitorioso na Batalha de Tuiuti (24 de maio de 1866), e durante a Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), entre outros indivíduos aos quais retornaremos no capítulo dois.

Atrelar uma história de patriotismo nacional a um fazer pedagógico institucional era demonstrar que a República e algumas lideranças do Exército estavam preocupadas não só com a imagem política, mas também em formar um determinado tipo de cidadão. Compreendemos, portanto, que havia uma preocupação com a formação de um cidadão e, por isto, retomamos uma fala do poeta, filho de militares, Olavo Bilac, que defendia a ideia de que o Exército Brasileiro deveria ter uma preparação ampla e voltada a defesa dos interesses nacionais:

Queremos o exército que devemos possuir: não uma casta militar, nem uma profissão militar, nem uma milícia assoldadada, nem um regime militarista, oprimindo o país: mas um exército nacional, democrático, livre, civil, de defesa e coesão que seja o próprio povo e a própria essência da nacionalidade (BILAC apud CARVALHO, 1974, p. 194).

5 Marechal Manuel Luís Osório, Marquês do Herval (1808-1879), nascido no Rio Grande do Sul, ele ingressou na Cavalaria aos quinze anos de idade e participou das guerras da Independência (1822-1824), da Cisplatina (1825-1828), dos Farrapos (1835-1845), do Prata (1851-1852) e da Tríplice Aliança (1864-1870)” (SAVIAN, 2014, p.59).

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Olavo Bilac combatia a ideia de que era desonroso fazer parte do Exército e declarava que fazer parte dele, mesmo que de forma temporária, não era só cumprimento de um dever para com a pátria, era também uma ligação entre os cidadãos, uma condição para o fortalecimento da ideia de Brasil soberano e para a superação das divisões que ocorriam no meio militar no início da República.

Nas palestras da escola militar e nos debates do Clube Militar no Rio de Janeiro, como afirma Castro (1995), grassava a crença no pensamento Positivista, principalmente em relação ao aspecto da doutrina Comtiana que defendia o cientificismo6. A ligação com essa doutrina permitiu que a jovem oficialidade estabelecesse uma atuação política em favor da Proclamação da República e da valorização da carreira militar. O que, de uma forma ou de outra, acabou interferindo na forma como estes oficiais, formados na virada do século, entendiam o dever militar.

O envolvimento de militares na campanha abolicionista do fim do XIX; a participação na Guerra da Tríplice Aliança (1864-1870), momento em que o Exército conseguiu se organizar com mais coesão e estabilidade; as discussões em torno do positivismo e do cientificismo na Escola Militar, tudo isso propiciou um envolvimento direto de militares na defesa de ideais republicanos. Castro (1995) salienta que todos esses fatores, somados à ideia da valorização simbólica do mérito individual entre os alunos e jovens oficiais e seu espírito de união e solidariedade entre os pares, contribuíram com a Proclamação da República e para com uma visão de como seria o Exército Nacional que deveria atuar em prol da consolidação deste regime.

Como discutido, segundo Carvalho (2006), alguns oficiais recebiam formação na Escola Militar da Praia Vermelha, onde tinham acesso à doutrina positivista de Benjamin Constant. Carvalho afirma que, nessa escola preparatória, o que predominava era o ensino da matemática e das ciências, ao invés das disciplinas técnicas para a arte da guerra.

Era esse ambiente de estudo que formava profissionais de diversas áreas dentro do corpo do Exército, sendo nesse ambiente, de acordo com Carvalho (2006), construída a ideia do soldado-cidadão, defendida por Olavo Bilac. Para os militares oriundos da Escola Militar

6 Muitos estudantes militares concordavam com tenente-coronel Benjamin Constant Botelho de Magalhães, (professor de astronomia, matemática e ciências naturais do instituto militar), entusiasta das ideias de Augusto Comte, de que para o bem do país havia a necessidade de promover a integração da atuação dos militares na sociedade civil. Alguns destes estudantes e ex-alunos de Constant foram mais atuantes nos episódios que levaram a Proclamação da República do que o próprio tenente-coronel Benjamin Constant. Depois da proclamação da República, Benjamim Constant chegou ao posto de general de brigada. Ver CASTRO, 2000.

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da Praia Vermelha, ambiente de formação de bacharéis fardados e pacifistas, como salientou Carvalho (2006), não havia a defesa da necessidade de um Exército permanente, uma vez que a formação dessa oficialidade não estava direcionada para os fazeres da guerra, mas para intervenção nas ações de governo. Afinal, destes bacharéis é que vinham as ideias, a erudição que pretendia civilizar o Brasil com a República.

Nesse sentido de civilizar, intervir para formar e/ou conduzir a população para outro patamar de nação, é que as primeiras ações de governo foram tomadas. De acordo com McCann (2007, p. 266-267) somente na segunda década da República, e depois da 1ª Guerra Mundial, o positivismo da ideia de soldado-cidadão foi esmaecendo. Todavia, devemos lembrar que não havia uma homogeneidade na questão de como ser um soldado no início da República. O próprio Carvalho (2006) nos apresenta o oficial tarimbeiro7, como aquele que participou de campanhas de guerra, muitos sem curso na Escola Militar e/ou ex-combatentes na Guerra contra o Paraguai. Dentre esses, podemos destacar o próprio Deodoro da Fonseca.

Esse declínio se deu, principalmente, devido à influência da Missão Militar Francesa8, que foi contratada em setembro de 1919, pelo Governo de Epitácio Pessoa, com o intuito de mudar a forma que o Brasil entendia o Exército. Além disso, o contexto de pós-guerra trazia a preocupação de aparelhar uma formação que protegesse as fronteiras nacionais.

De acordo com Adriana Iop Bellintani (2009), o governo brasileiro, desde períodos anteriores a Epitácio Pessoa, tinha preocupação com as áreas de fronteiras, principalmente com a Argentina9. Antes mesmo de o acordo ser fechado, oficiais franceses fizeram visitas ao Rio Grande do Sul com o objetivo de conhecer a capacidade bélica do lado brasileiro. O contrato do governo brasileiro com a França visava para a Missão Militar:

Sua tarefa era criar os alicerces do Exército moderno, organizando escolas para treinar oficiais profissionais, melhorando a capacidade do estado-maior para dirigir o Exército, reformulando os regulamentos sobre treinamento e táticas, elaborando um sistema de promoções que assegurasse a ascensão dos

7 A expressão deriva de tarimba: “estrado de madeira onde dormiam os soldados nos quartéis”. Seria a designação dos que efetivamente foram a guerra, contrastando com os oficiais oriundos dos cursos científicos, da engenharia, por exemplo, como era Benjamin Constant. Ver: CASTRO, 1995, p.17.

8 Lembrando que houve outras missões da França no Brasil. A primeira denominada de Missão Militar de Instrução foi contratada pelo Governo de São Paulo em 1906, em prol do treinamento da força pública daquele Estado. Outra também importante, foi a Missão de Aviação de 1918 que possibilitou o início do treinamento no Exército com aviões. Ver: FERNANDES apud FAUSTO,1997; MIALHE, 2010.

9 Nesse período a preocupação era com a concorrência Argentina, porém, em virtude de todo o histórico de dificuldades de manutenção dessa fronteira era de se esperar uma preocupação maior do Governo também com as questões de defesa territorial. Sobre isso sugerimos a leitura BETHELL, Leslie. (Org.). História da América Latina: de 1870 a 1930, volume IV.

Referências

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