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O Mal-Estar na contemporaneidade: diálogos interdisciplinares entre Freud e Bauman/ Disease in contemporaneity: interdisciplinary dialogues between Freud and Bauman

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Braz. J. of Develop.,Curitiba, v. 6, n. 2,p.9333-9345 feb. 2020. ISSN 2525-8761

O Mal-Estar na contemporaneidade: diálogos interdisciplinares entre

Freud e Bauman

Disease in contemporaneity: interdisciplinary dialogues between Freud

and Bauman

DOI:10.34117/bjdv6n2-299

Recebimento dos originais: 30/12/2019 Aceitação para publicação: 27/02/2020

José Cristiano Matos Machado

Graduado em psicologia pelo Centro Universitário Estácio de Sergipe. E-mail:cristianomatos99@hotmail.com

Augusto César Feitosa

Mestre em filosofia pela Universidade Federal da Bahia. E-mail:filofeitosa@yahoo.com.br

RESUMO

Ao buscar entender o mal-estar do homem contemporâneo, esse artigo visa discorrer sobre os condicionantes sociais, identificando os fatores que caracterizam a contemporaneidade quando esta potencializa tal condição na qual todos se instauram em nome da civilização. Destacam-se as obras de Sigmund Freud, O mal-estar na civilização e Zygmunt Bauman, O mal-estar na pós-modernidade, ambas circunscrevem um arco de observação acerca deste fenômeno, demarcando sua permanência durante todo o século XX. É do homem como sujeito ativo e passivo em seu ambiente que os dois autores tratam. No início do século XX Freud vem afirmar que existe algo no homem que age à revelia dele mesmo impulsionando-o a transgredir princípios e normas sociais, as formas utilizadas para lidar com este impasse, paradoxalmente implicam em lhe proporcionar o sofrimento. Ao final do mesmo século Bauman, fortemente influenciado pelo pensamento freudiano, vem observar as características da sociedade contemporânea, identificando a fragmentação e as peculiaridades da cultura do consumo que visa promover um bem-estar individual e coletivo aos indivíduos.

Palavras-chave: Mal-estar. Psicanálise. Sociologia contemporânea.

ABATRACT

In an attempt to understand the discomfort of contemporary man, this article aims to discuss the social conditions, identifying the factors that characterizes contemporaneity when it enhances such condition in which all are established in the name of civilization. Noteworthy are the works of Sigmund Freud, Civilization and Its Discontents and Zygmunt Bauman,

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Malaise in Postmodernity, both circumscribe an observation arc about this phenomenon, marking its permanence throughout the Twentieth century. . It is man as an active and passive subject in his environment that both authors deal with. At the beginning of the twentieth century Freud states that there is something in man that acts in his own absence, urging him to transgress social principles and norms, the ways used to deal with this impasse paradoxically imply giving him suffering. At the end of the same century Bauman, strongly influenced by Freudian thought, comes to observe the characteristics of contemporary society, identifying the fragmentation and peculiarities of consumer culture that aims to promote individual and collective well-being to individuals.

Keywords: Social Unrest. Psychoanalysis. Contemporary sociology.

1 INTRODUÇÃO

No traçado dos últimos processos evolutivos, com a virtualidade e a predominância da ciência, o ser humano manteve-se desconfortável na sociedade. O que se manifestou não apenas num sentimento, mas em dados e estatísticas. Segundo a Organização Mundial da Saúde (World Health Organization, 2017), atualmente os transtornos e problemas relacionados à saúde mental são as principais causas de incapacitação, morbidade e morte prematura no mundo. Dados da OMS apontam que o número de casos de depressão aumentou em 18% entre os anos de 2005 e 2015, são 322 milhões de pessoas depressivas em todo o mundo. A observação do aumento dos males relacionados a problemas psicológicos demanda a investigação dos componentes socioculturais que potencializam tal fato. E que atuam influenciando o indivíduo, restringindo suas possibilidades.

Um mal-estar que permanece, cortando os dias de hoje como algo significativo, presente, ainda que silenciado e ocultado em diversas patologias às quais sucumbimos. O que implica sob o ponto de vista existencial, uma condição de isolamento, um desconforto e desabrigo. Requisitando, desse modo, um entendimento das suas peculiaridades.

Com tal intuito de análise direcionamos a investigação para as obras que tratam do mal-estar, tendo por base as considerações de Sigmund Freud, em O mal-estar na civilização e Zygmunt Bauman, com a obra O mal-estar na pós-modernidade, estas auxiliam na caracterização do século XX e suas influências, incitando-nos a uma leitura comparada, destacando algumas das suas variáveis e termos significativos para o desdobramento da nossa análise, que é marcada pelo questionamento, por que prevalece na condição humana o isolamento, o desconforto e o desabrigo, mesmo com todo desenvolvimento científico e tecnológico da modernidade?

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2 A CONSTATAÇÃO DO MAL-ESTAR: REFLEXÕES PSICANALÍTICAS

O século XX é marcado por um interesse acentuado na condição humana e no reconhecimento dos vários elementos que compõe a ideia de humanidade, a psicanálise, criada por Sigmund Freud, apresenta-se como uma linha teórica de grande relevância no que tange a este estudo perseguindo o seu sentido mais amplo. De certo modo, ela incorpora em todos os seus procedimentos clínicos tal tarefa. Dunker (2011) relata uma diagnóstica que se insere no quadro maior de uma metadiagnóstica da modernidade. A psicanálise insiste em reconhecer o espaço civilizatório no qual adentramos para expor aquilo que se oculta e não foi posto em questão. A descoberta do inconsciente foi, indubitavelmente, uma das mais importantes do século passado, segundo o próprio Freud. Expõe a mais profunda ferida narcísica da humanidade, que por tanto tempo recorreu à consciência como forma determinante de compreensão dos seus elementos primordiais. O olhar além da consciência proposto pela psicanálise apresentou-se como contraponto ao pensamento da modernidade no qual o sujeito era visto como o observador que a tudo buscava. Podemos dizer que:

Freud chegou a comparar sua descoberta do inconsciente com dois outros golpes desferidos pela ciência sobre o amor-próprio da humanidade: se Copérnico retirou a Terra do centro do universo e Darwin mostrou que o homem não está no centro da criação, a psicanálise, por sua vez, descentrou o homem de si mesmo ao mostrar que 'o eu não é senhor nem mesmo em sua própria casa (JORGE, 2005, p. 17).

O inconsciente tornou-se a pedra angular da teoria psicanalítica, constituído como “algo nos homens que age à revelia deles próprios, algo a partir do que eles agem sem saber o que fazem” (JORGE, 2005, p. 17). Com o desenvolvimento e propagação dessa linha teórica, desse estudo, há uma nova compreensão de homem como sujeito que pode não possuir o domínio sobre si como outrora imaginávamos. O super-homem da modernidade não conseguiu se tornar mais feliz que os seus antecessores.

A esfera social ocupa a atenção do pensador austríaco quando se aprofunda no estudo intitulado O mal-estar na civilização. A psicanálise entendida não só para a compreensão dos fenômenos da mente e como uma alternativa terapêutica, mas também, como um mapeamento social e a compreensão das relações interpessoais. Nesta obra, Freud (1930) faz uma investigação sobre o processo civilizatório para compreender os desconfortos advindos das estruturas e instituições sociais. A função da civilização como meio de assegurar e manter a

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espécie humana em constante progresso é sem dúvida um avanço e uma dentre outras características distintivas do homem. A civilização tem, diante do exposto por Freud (1930), a finalidade de proteger o homem contra a natureza e regulamentar os vínculos dos indivíduos entre si.

Diante de todos os benefícios adquiridos através das novas condições sociais, apresenta-se, em contrapartida, uma polarização entre sexualidade e civilização. Freud enfatiza que a noção de adoecimento psíquico se relaciona, prioritariamente, com as limitações impostas à vida sexual do indivíduo moderno, cita que “a influência prejudicial da civilização reduz-se principalmente à repressão nociva da vida sexual dos povos civilizados através da moral sexual civilizada que os rege” (FREUD, 1908, p. 172). A polarização entre sexualidade e civilização demanda uma atenção especial ao que o pensador nomeia por princípio do prazer e princípio da realidade. Esses dois regem o desenvolvimento do sujeito, o princípio da realidade aparece como um substituto do princípio do prazer. Enquanto este é entendido como um método primário de funcionamento do aparelho psíquico que direciona toda ação orgânica objetivando a obtenção de prazer idealizado de modo a evitar frustrações (FREUD, 1920). “O princípio de prazer [...] é o mecanismo mental que leva o ser humano, desde os períodos mais primordiais de sua existência, a buscar o prazer independentemente da realidade” (OLIVEIRA, 2014, p. 259). Contudo, “sob a influência dos instintos de autopreservação do ego, o princípio de prazer é substituído pelo princípio de realidade” (FREUD, 1920, p. 20). Desse modo o princípio da realidade aparece, fruto da formação sociocultural e de conceitos morais e éticos, como uma alternativa ao sujeito, sendo um mediador entre os impulsos do Id e as exigências do Superego. Podemos observar que:

Este último princípio não abandona a intenção de fundamentalmente obter prazer; não obstante, exige e efetua o adiamento da satisfação, o abandono de uma série de possibilidades de obtê-la, e a tolerância temporária do desprazer como uma etapa no longo e indireto caminho para o prazer (Freud, 1920, p. 20).

A satisfação sexual represada pela sociedade é desencadeada pelo princípio do prazer. Freud revela a impossibilidade em desfrutarmos de tal felicidade – “o programa de tornar-se feliz, que o princípio do prazer nos impõe, não pode ser realizado” (FREUD, 1930, p. 14), dada a divergência entre nossas necessidades individuais em vista das demandas socioculturais. Observamos, contudo, uma busca incessante pela felicidade, aquela que,

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segundo Freud (1930), se pode realizar, que não é a felicidade imposta pelo princípio do prazer, mas sim, no reduzido sentido em que podemos mensurar através de artifícios como: sublimação (deslocamento da libido). Escapar de sofrimento como sendo fonte de felicidade, certa quietude, derivando no isolamento voluntário supondo que o desprazer possa advir dos relacionamentos humanos, chegando ao ponto de constituir um ataque à natureza para sujeitá-la a uma vontade maior, dentre outros. Na avaliação de Freud (1930), a não efetivação da felicidade acontece por meio da necessidade de segurança e a manutenção desta obtém-se através da formação de grupos sociais. O sujeito civilizado precisa abdicar dos seus desejos instituais, esses que o princípio do prazer nos impõe e que proporcionariam os momentos felizes, para a garantia de um bom convívio social.

As promessas da modernidade e a fixação na felicidade teve como consequência a infelicidade. Constata-se que os mal-estares da modernidade provinham de uma espécie de segurança que tolerava uma liberdade pequena demais. A noção de felicidade plena como aquela que só pode ser proporcionada pelo princípio do prazer traz à tona a evidência de que esta não se efetuará em consideração aos mecanismos do ego que zela pela autopreservação e para um bom estabelecimento dos vínculos interpessoais.

3 O MAL-ESTAR ENQUANTO SOFRIMENTO: UMA INDIGÊNCIA

Na transição do período moderno para o pós-moderno, o mal-estar pervade os espaços de sociabilidade e de autoidentificação do sujeito consigo próprio. Se na modernidade gozávamos de um aparato social que nos proporcionava segurança, ainda que com as restrições na liberdade, a pós-modernidade nos oferece o oposto disso, a liberdade em detrimento da segurança. Permanece, ainda que em outras perspectivas, o sofrimento. Nesse contexto, em vez de nos tornarmos felizes somos lançados numa sensação de insegurança. O modelo social que, diante do exposto em Freud, estaria aprisionando o homem, trazia uma sensação de segurança. Há um sofrimento enraizado na estrutura social.

A indigência e o sofrimento também constituem uma questão frequente no pensamento de Nietzsche (2013), como algo positivo para o desenvolvimento humano: “dou-me conta de que deve haver neles um desejo de sofrer, seja como for, a fim de extrair de seus sofrimentos uma razão provável de agir. O sofrimento lhes é necessário!” (NIETZSCHE, 2013, p. 123). Em Nietzsche o sofrimento é a contradição, o adverso, o esperado.

Em análise das obras de Nietsche e Freud, os estudos de Fortes (2014), conclui que o sofrimento é a travessia necessária para ultrapassar o próprio sofrimento reforçando esta

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afirmação ao elencar os caminhos trilhados pela análise psicanalítica. “Neste ponto, encontramos uma ressonância com a travessia da dor em uma análise, processo que requer o encontro necessário com o próprio sofrimento para uma possível mudança” (FORTES, 2014, p. 2). Ao comparar a noção de sofrimento trazida por Nietzsche e Freud, as pesquisas de Fortes (2014) encontram pontos comuns nos dois autores quando os mesmos classificam o sofrimento como inerente ao homem. As evidências ainda se cruzam quando se trata de enfrentar o sofrimento, onde tanto em Nietzsche quanto em Freud o mesmo só pode ser enfrentado através do próprio sofrimento.

Nietzche e Freud estão teoricamente unidos pela crítica à moral, não é apenas um problema no indivíduo, mas na dimensão social. O modelo social da modernidade em que Freud desenvolveu a sua teoria foi marcado por grandes transformações, mas, sem sombra de dúvidas haviam características marcantes dos modelos sociais anteriores. O patriarcalismo, predominante na época, serviu como pano de fundo para o surgimento da psicanálise. Buscando soluções para o vasto número de mulheres histéricas, Freud atentou-se para a coerção social, onde esta tinha uma função repressora mais enfática em mulheres. No entanto, a presença repressora da moral era posta em paralelo com o conformismo. Mesmo as reflexões sobre a moral tendo feito parte do berço filosófico, a hegemonia da moral cristã, que se consolidara como referência suprema de valores do homem ocidental, revela a ausência de uma autêntica problematização desta moral, e até mesmo uma submissão cega à autoridade da mesma (ROCHA, 2009). Da consciência moral, encontra-se outro ponto em que Freud e Nietzsche convergem. Nietzsche, assim como Freud, vem problematizar essa moral, entendida por ambos como interiorização de impulsos agressivos, onde a violência que seria dirigida ao outro é dirigida para si com a finalidade do estabelecimento do com convívio (ITAPARICA, 2012). Percebe-se, portanto, que essa problematização coloca os dois autores em evidências, num cenário em que pautar de forma crítica as leis que regem as relações interpessoais, pondo sob análise tabus construídos e há tempos naturalizados – como, por exemplo, em Nietzsche a indagação sobre a religião e a afirmação da morte de Deus, e em Freud, a ideia de sexualidade infantil – aparece como desafiador, o que veio trazer grandes repercussões, mas que possibilitou o estabelecimento dos dois autores como precursores de um ocidente pós-moderno. Segundo Nietzsche (1886),

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Que atitude assumem as maiores religiões frente a este excesso de casos falhados? Tendem a conservá-los, mantê-los vivos com todos os meios possíveis, tomam partido por eles, uma vez que são religiões dos sofredores, dão razão a todos aqueles para os quais a vida é uma moléstia e querem fazer crer e tornar possível que todos os outros modos de viver e sentir a vida são falsos e impossíveis. (NIETZSCHE, 1886, p. 73).

Os traços dessa moral acompanharam o ocidente pelo decorrer da modernidade, especialmente na formação das instituições, dentre elas a instituição familiar. A marcante presença dos ensinamentos cristãos no seio familiar apresenta-se como elemento acalentador do sofrimento. Mesmo na modernidade o sofrimento é naturalmente aceito, seja por este modelo de moralidade, seja pelo conformismo, mas primordialmente, por uma mentalidade que acredita que sua permanência amorteceria o mal-estar. Analisando mais detidamente, na modernidade os sujeitos desfrutavam de norteadores que os auxiliavam na construção dos seus caminhos, desse modo, o peso da responsabilidade de suas escolhas não era carregado por si só, sobretudo pelo fato de que as escolhas de algum modo eram orientadas, já estabelecidas por toda uma estrutura moral.

4 ONDE COMEÇA E ONDE TERMINA O MAL-ESTAR: CIRCULARIDADES EM

TORNO DA FELICIDADE

Nos dias atuais o sofrimento aparece como um antagonismo à felicidade, requerida por um estado de consciência plenamente satisfeita, pela realização dos desejos e das vontades, pelo contentamento e bem-estar. No entanto, parece mais significativo entender os modos pelos quais os desfrutamos ou não dessa felicidade e problematizar as imposições inerentes a este modelo de sociedade Audino (2015). A felicidade aparece como um instante, é marcada pela temporalidade, ou como recortes no percurso da vida, pois não se apresenta permanentemente. Psicanalíticamente trata-se de um esforço do ego em conciliar desejos internos com demandas sociais. A felicidade na contemporaneidade aparece ao homem, ao contrário do que expõe a psicanálise, como algo que se deve estabelecer de forma constante durante a vida do sujeito. Audino (2015), refere-se ao imperativo da felicidade: “um ideal que impõe que é preciso ser feliz a qualquer preço, reforçando a tese de que o que se encontra em jogo é justamente a evitação do sofrimento. Ou seja, não apenas o dever de ser feliz, como o dever de não sofrer” (AUDINO, 2015, p. 72).

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viver que tem como primazia o consumismo, conforme as observações feitas por Bauman (1998). Neste caso, a felicidade é assumidamente vinculada ao possuir, havendo, certa comercialização desta. O indivíduo pós-moderno anseia pelo consumo, pois dele advém a satisfação. Os produtos lhes são apresentados de forma excessiva e a obtenção destes é sinônimo de pertencimento e de realização identitária, seja para ser igual, seja para fazer parte de um conjunto, o sujeito pós-moderno precisa se inserir nas tendências de moda que, inevitavelmente, são cada vez menos duradouras, sucedendo a novas tendências. O dever de ser feliz junto à obrigação de não sofrer aparece como uma demanda impossível de se realizar, compreendendo o sofrimento como comum e necessário e a felicidade como inalcançável em sua forma original e episódica em seu modo realizável. Neste novo contexto ambos figuram diferentes faces da mesma moeda, postos com a finalidade de fortalecer o modelo econômico capitalista.

5 TUDO O QUE JÁ FOI SÓLIDO VIRA LÍQUIDO: O ADVENTO DA PÓS-MODERNIDADE

Bauman (1998), em sua análise da contemporaneidade, percebe uma mudança de valores, afirmando que o sujeito da pós-modernidade abdica de sua segurança, proporcionada pelas amarras sociais, em virtude de estar livre, liberdade requerida para possibilitar o coroamento da sua felicidade, segundo ele “os mal-estares da pós-modernidade provém de uma espécie de liberdade de procura do prazer que tolera uma segurança individual pequena demais” (BAUMAN, 1998, p. 10). Tais observações complementam em diversos aspectos as análises de Freud. Redirecionando consequências clínicas para a dimensão social. Ainda que a modernidade resguarde o sofrimento a partir da imposição de preceitos morais, na contemporaneidade esse sofrimento aparece como desnecessário, de modo que o acometimento ao mesmo passa a ser visto como insuportável e inaceitável. A sociedade pós-moderna possui diversas características que a dessemelha da modernidade. Segundo Vattimo (1989), a partir do momento em que se identifica uma sociedade de comunicação generalizada, tendo a efetivação da instauração da globalização através do consumismo (produtos, estilos, imagens), pode-se falar em pós-moderno. Esta nova condição que se antecipa como benéfica, quando pensamos na realização da libertação da moral, no abandono dos valores absolutos, entrega os indivíduos ao consumismo como alternativa da obtenção de satisfação sugerindo prover a felicidade.

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de uma sociedade em que predomina a instabilidade, a velocidade, a contínuas transições, deixando para traz a consolidação de hábitos e rotinas. Nesse sentido, a pós-modernidade tem como característica predominante a velocidade, na qual “as realizações individuais não podem solidificar-se em posses permanentes porque, em um piscar de olhos, os ativos se transformam em passivos, e as capacidades, em incapacidades” (BAUMAN, 2007, p. 7). A sociedade líquida tem tornado a vida do homem inconstante também causando-lhe desconforto.

As instituições que implicam em gerar segurança ao indivíduo como a família e a vizinhança estão, de certo modo, bastante enfraquecidas ou desintegradas, predomina um individualismo. Os laços duradouros são quase inexistentes, num mundo em que o sólido não tem mais um lugar efetivamente. As habilidades individuais e recursos inatos sucumbem diante das ferramentas tecnologicamente produzidas e mercantilizadas desagregando coletividades dependentes do mercado. Neste mundo indeterminável e maleável tudo pode acontecer e tudo pode ser, o sentimento de desamparo precariza a qualidade de vida do indivíduo (BAUMAN, 1998).

Inevitavelmente a instabilidade predominante na atualidade recai sobre os relacionamentos interpessoais, propagando formas de relacionamento que tem como primazia a excessividade e a flexibilidade. É nítido em manifestações culturais atuais o culto ao eu aparece como justificativa para a desvalorização do outro, como bloqueio da alteridade. Há a potencialização do que a psicanálise vem chamar de narcisismo, que Freud (2010) vem caracterizar como um estado em que a libido (energia sexual) está direcionada para o eu, sendo esta retirada do mundo externo.

O narcisismo é visto como uma etapa do desenvolvimento psicossexual normal do indivíduo, e certa parte do narcisismo originário, de algum modo, permanece mantida durante a vida adulta sendo que a libido dirigida ao ego no momento de sua constituição nunca o abandona totalmente. Contudo, a regressão do indivíduo ao modo de funcionamento precisamente narcísico não se constitui um fato comum da vida psíquica (FREUD, 2010). O pai da psicanálise alerta para a necessidade no indivíduo de amar (direcionar a libido para o outro) para que o mesmo não venha adoecer.

A pós-modernidade põe o sujeito em posição narcísica através da busca da desenfreada pela felicidade, através d autoafirmação identitária pelo consumismo. Bauman trata esse fenômeno como individualização, sendo um modo de “transformar a identidade humana de um ‘dado’ em uma ‘tarefa’ e encarregar os atores da responsabilidade de realizar essa tarefa e das consequências (assim como dos efeitos colaterais) de sua realização” (2001, p.40). Do

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mesmo modo que um conjunto de coisas soltas, o indivíduo se percebe desamparado, pois as relações interpessoais aparecem fragmentadas. Ao mesmo tempo se estende a diretriz de que devemos ser originais, estarmos em evidência num cenário ao mesmo tempo hostil, cheios de anseios com a acusação de que somos os únicos responsáveis por vitórias e fracassos.

O homem pós-moderno segundo Bauman (1998) é o indivíduo mercantilizado que anseia pelo consumo, implica em uma desordem nas estruturas da sociedade, pois, percebe-se a desigualdade socioeconômica gerada pelo próprio sistema capitalista. Buaman (1998) caracteriza os indivíduos não inseridos nessa sociedade de consumo como estranhos, aparecem como membros de um conjunto, que por estarem nele inseridos o torna impuro, de modo que o desconforto aparece como típico nesse contexto.

A construção de identidade do indivíduo se dá de modo precário, o mesmo se vê em mundo em que ele é incluso ou excluso, sendo que de uma forma ou de outra ambos gozam de algo em comum que é crença na ideia de que são livres, por uma ou por outra condição. Dessa noção de liberdade, segundo Bauman (1998), surge o mal-estar pós-moderno. O homem contemporâneo vive em meio a um desamparo proveniente da configuração sociocultural.

Portanto, a vida contemporânea como vida voltada para o consumo, a partir da qual tudo é tido como objetos com prazo de validade que terão importância apenas enquanto parecerem úteis em um mundo no qual as novidades surgem a todo momento o que torna este prazo cada vez menor. A alusão ao desapego às coisas, sejam elas produtos ou pessoas, ecoa pela pós-modernidade de forma abundante, “no mundo líquido-moderno, a lealdade é motivo de vergonha, não de orgulho” (BAUMAN, 2007, p. 19). Nesse mundo os consumidores também são objeto de consumo, o possuidor também é possuído e como todo esse movimento ocorre de forma cíclica e veloz, Bauman (2007) vem afirmar que a perspectiva de vida do homem líquido-moderno está em viver para o depósito de lixo.

6 CONSIDERAÇÕES QUE NÃO SÃO FINAIS

Através da leitura comparada entre as ideias de Freud e Bauman nossa investigação se encaminhou pela permanência do mal-estar, desdobramos a questão da sua prevalência em meio a todo desenvolvimento científico e tecnológico, que visava melhorar as possibilidades de compreensão da condição humana. Por esta razão nos pareceu de extrema relevância que todo o direcionamento desta análise tivesse como guia a psicanálise, sendo esta, como vimos, a diagnóstica que se insere num quadro maior de uma metadiagnóstica da modernidade. O mal-estar corta todo este período. E mesmo diante de todo esforço, da utilização de artifícios,

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um novo modo de atender às demandas coletivas e individuais com a finalidade de sanar esse mal-estar, sua permanência se faz ilustrativa através das diversas doenças psíquicas dos nossos tempos.

A negação ao sofrimento observada na contemporaneidade não impede que o homem sofra, pelo contrário, o faz sofrer; sofrer por sofrer. O sofrimento ainda aparece agravado quando se fala em felicidade, esta que é ofertada em um mundo líquido. A felicidade contemporânea que pode ser comprada, ainda que pudesse ser desfrutada de forma mais duradora – o que não é concebível diante da velocidade que os produtos da felicidade são ofertados e descartados –, não se encontra no homem uma clara predisposição, diante do que foi discutido pelo viés psicanalítico, para vivê-la em sua plenitude. A pós-modernidade oferta um ideal de felicidade não realizável ao homem, e o cogitar ter algo inalcançável implica na frustração agravando assim o mal-estar.

A flexibilidade das relações evidenciada nas rupturas repentinas ocorrendo ciclicamente, demonstra uma característica autodestrutiva no homem classificada pela psicanálise como pulsão de morte. Esse movimento é percebido na atualidade, e os valores presentes nesse contexto vem impulsionar essa compulsão no homem pós-moderno. A individualização em Bauman remete ao narcisismo em Freud, o que segundo o autor aparece como um processo doentio da vida psíquica. O eu se sobrepõe ao outro a ponto de torná-lo descartável, e desse movimento aparece o receio por ser descartado, pois o que se faz ao outro pode ser feito ao eu. O homem contemporâneo transformou-se em um produto do modelo econômico vigente. Seres inanimados e animados hoje pertencem ao mesmo grupo, o homem está coisificado e só é significativo ao outro até o momento em que lhe parece útil.

Diante do que se constata é possível afirmar que em meio às mudanças e às possibilidades de poder desfrutar dos produtos ofertados hoje em dia, que imagina-se proporcionar lazer, o mal-estar permanece, por conta do equívoco existente ao relacionar o lazer à felicidade. A indústria do consumo, os produtos que a todo momento são ofertados, não dão conta de sanar o vazio existencial do indivíduo.

A importância do estudo dos dois autores aqui trabalhados está para a percepção do movimento da sociedade. Freud é um precursor do mundo contemporâneo, e há em Bauman a reafirmação do que a psicanálise trás. A modernidade assentada na moral foi marcada pela repressão e a contemporaneidade proporciona uma ideia de liberdade que, na verdade não há, quando se constata que o homem pós-moderno encontra-se preso em um mundo que o impulsiona a ter uma vida de consumo, pela ideia de que a partir daí ele será feliz. Surgem,

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portanto, novas formas de repressão possíveis causadoras do mal-estar do homem contemporâneo.

REFERÊNCIAS

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BAUMAN, Zygmunt. Modernidade Líquida. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2001.

BAUMAN, Zygmunt. O mal-estar na pós-modernidade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1998. BAUMAN, Zygmunt. Vida líquida. Tradução Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2007.

DUNKER, Christian. Mal-estar, Sofrimento e Sintoma: Releitura da diagnóstica lacaniana a partir da perspectiva animista. São Paulo: Tempo Social, revista de sociologia da USP, v. 23, n., 2011.

FORTES, Isabel. O sofrimento como travessia: Nietzsche e a psicanálise. Rev. Epos[online]. 2014, vol.5, n.1 [citado 2018-10-09], pp. 99-111 . Disponível em: <http://pepsic.bvsalud.org/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2178700X2014000100006&l ng=pt&nrm=iso>. ISSN 2178-700X. Acesso em 01 set 2018.

FREUD, S. Introdução ao narcisismo, ensaios de metapsicologia e outros textos. Tradução Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

FREUD, S. (1908). Moral sexual “civilizada” e doença nervosa moderna. Edição Standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, vol. 9. Rio de Janeiro: Imago, 1996.

FREUD, S. O mal estar na civilização, 1930> Texto copiado integralmente da edição eletrônica das obras de Freud, versão 2.0 por Tupy Kurumin. Disponível em:

http://www.desenredo.com.br/O%20Mal-Estar%20na%20Civilizacao%20%20(Sigmund%20Freud).pdf. Acesso em 07 agosto 2017. FREUD, S. Além do princípio do prazer [1920]. In: _______ Além do princípio do prazer, psicologia de grupo e outros trabalhos. (1920-1922). Direção-geral da tradução de Jayme

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