• Nenhum resultado encontrado

As normas de conduta e regras dos sacerdotes seculares da Igreja Católica, em Portugal, entre os séculos XIII e XXI: uma análise através dos sínodos

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2020

Share "As normas de conduta e regras dos sacerdotes seculares da Igreja Católica, em Portugal, entre os séculos XIII e XXI: uma análise através dos sínodos"

Copied!
69
0
0

Texto

(1)

Adriano Rezende Ramos

As Normas de Conduta e Regras dos

Sacerdotes Seculares da Igreja Católica, em

Portugal, entre os séculos XIII e XXI – uma

análise através dos sínodos

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Setembro de 2017 Adriano R ezende R amos As Normas de Condut a e R

egras dos Sacerdotes Seculares da Igreja Católica, em

P

or

tugal, entre os séculos XIII e XXI – uma análise atra

vés dos sínodos

Minho | 20

1

7

(2)
(3)

Adriano Rezende Ramos

As Normas de Conduta e Regras dos

Sacerdotes Seculares da Igreja

Católica, em Portugal, entre os séculos

XIII e XXI – uma análise através dos

sínodos

Universidade do Minho

Instituto de Ciências Sociais

Setembro de 2017

Tese de Mestrado

Mestrado em História

Trabalho efetuado sob a orientação da

(4)

DECLARAÇÃO

Nome: Adriano Rezende Ramos

Endereço eletrônico: adrianorramos@hotmail.com / Telefone: +351 966 929 142 Número do Bilhete de Identidade: FH635278 (Passaporte)

Título da dissertação:

As

Normas de Conduta e Regras dos Sacerdotes Seculares da Igreja Católica, em Portugal, entre os séculos XIII e XXI – uma análise através dos sínodos

Orientador (es): Professora Doutora Isabel dos Guimarães Sá. Ano de conclusão: 2017

Designação do Mestrado: Mestrado em História

Declaro que concedo à Universidade do Minho e aos seus agentes uma licença não exclusiva para arquivar e tornar acessível, nomeadamente através do seu repositório institucional, nas condições abaixo indicadas, a minha tese ou dissertação, no todo ou em parte, em suporte digital.

Declaro que autorizo a Universidade do Minho a arquivar mais de uma cópia da tese ou dissertação e a, sem alterar o seu conteúdo, converter a tese ou dissertação entregue, para qualquer formato de ficheiro, meio ou suporte, para efeitos de preservação e acesso.

Retenho todos os direitos de autor relativos à tese ou dissertação, e o direito de usá-la em trabalhos futuros (como artigos ou livros).

Concordo que a minha tese ou dissertação seja colocada no repositório da Universidade do Minho com o seguinte estatuto (assinale um):

1. X Disponibilização imediata do conjunto do trabalho para acesso mundial;

2. Disponibilização do conjunto do trabalho para acesso exclusivo na Universidade do Minho durante o período de 1 ano, 2 anos ou 3 anos, sendo que após o tempo assinalado autorizo o acesso mundial. 3. Disponibilização do conjunto do trabalho para acesso exclusivo na Universidade do Minho.

Braga, 06 / 09 / 2017.

(5)

iii

Agradecimentos

Na justiça e no sentimento de gratidão, agradeço na pessoa da professora doutora Isabel dos Guimarães Sá, pela inestimável ajuda, compreensão e paciência com a minha pessoa, com a qual me ofereceu uma nova visão do estudo acadêmico.

Agradeço também todos os professores, que ajudaram através de seus conhecimentos a construção deste singular momento em minha vida. Não esquecendo das pessoas em seus diversos níveis como colegas entre outros que de uma forma ou de outra me ajudaram nesta caminhada.

Por fim agradeço a minha família que me ajudou e ajuda de diversas formas no meu crescimento. Meu muito obrigado a todos.

(6)
(7)

v

Dedicatória

Dedico este trabalho aos meus pais, que de sua forma me deram a grande contribuição para esta jornada.

Dedico ainda de modo especial, carinhoso e com um profundo sentimento de gratidão, todo esse esforço, para minha esposa, companheira e mulher, Simone Christine, pessoa maravilhosa e sem igual, que mostrou inabalável confiança em minha pessoa mesmo em tempos pouco amistosos, e a ela devo a maior parte desta caminhada. Obrigado minha querida, estou feliz de estar contigo.

(8)
(9)

vii

As normas de Conduta e Regras dos Sacerdotes Seculares da Igreja Católica, em Portugal, entre os século XIII e XXI

Resumo

A presente dissertação, elaborada no âmbito do Mestrado em História da Universidade do Minho, aduz e reflete sobre as condutas e regras impostas na vida sacerdotal secular dos clérigos da Igreja Católica, em Portugal, num período compreendido entre os séculos XIII e XXI.

Primeiramente, abordaremos os métodos e argumentos utilizados pela Igreja para atrair membros à vida clerical – desde os seus benefícios e testamentos aos foros privilegiados. Seguidamente, apresentaremos as regras e condutas a que esses clérigos estavam sujeitos, utilizando para tal a informação obtida a partir do estudo dos sínodos portugueses, de forma a compreender como se deu a formação deste complexo conjunto de normas regimentais. Os sínodos serão tratados de uma perspectiva analítica-comparativa, já que nos apercebemos que, dentro da mesma instituição, o entendimento de determinadas regras tem interpretações díspares – pelo que existe, em cada bispado, uma certa autonomia, diversidade ou direcionamento próprio quanto à aplicação regimental.

Por fim, dissertaremos, de forma breve, mas não menos atenta, sobre os conceitos normativos na Igreja de hoje, com o intuito de mostrar a acentuada evolução destas regras e normas de conduta. Ressalvamos ainda a importância basilar dos sínodos e concílios, que permitem normatizar, dogmatizar e conduzir a vida clerical dos sacerdotes da Igreja, no universo católico, conferindo-lhe a sua estrutura de funcionamento, bem como o caminho para a sua continuidade.

(10)
(11)

ix

The norms of conduct and regulations of secular priests of the Catholic Church in Portugal between the thirteenth and twenty-first centuries

Abstract

The present dissertation, elaborated in the scope of the Master Degree of History at the University of Minho, adduces and reflects on the conduct and regulation imposed in the secular priestly life of clerics of the Catholic Church in Portugal in a period between the thirteenth and twenty-first centuries.

First, we shall address the methods and arguments used by the Church to attract members to the clerical life – from its benefits and wills to privileged formal charters. Next, we will present the rules and conduct to which these clerics were subject to, using information obtained from the study of Portuguese synods, in order to understand how this complex set of regimental norms was formed. Synods will be treated from an analytical-comparative perspective, as we realize that, within the same institution, the understanding of certain rules has different interpretations – so there is in each diocese a different autonomy, diversity and direction referring to the application of these regulations.

Finally, we will briefly, but not less carefully, discuss the normative concepts in the Church of today, in order to show the marked evolution of these rules and norms of conduct. We also emphasize the outstanding importance of the synods and councils, which allow us to regulate, dogmatize and lead the clerical life of priests of the Catholic Church, giving it its functional scaffolding, as well as the path to its continuity.

(12)
(13)

xi

Sumário

Agradecimentos ... iii Dedicatória ... v Resumo ... vii Abstract ... ix

Índice de Ilustrações ... xiii

Tabela ...xiv

Siglas ... xv

1. Introdução ... 17

2. Do status eclesiástico e dos atrativos Igreja ... 22

2.1. Dos Benefícios ... 24

2.3. O Testamento do Sacerdote ... 25

2.4. Proteção Jurídica e Foro Privilegiado ... 27

3. Sobre a Barba e o Cabelo ... 31

3.1. Principais Formas de Tonsura ... 32

4. Das Vestes... 37

4.1. Das cores, tipos e tamanhos ... 38

4.2. Dos locais e Cerimónias para uso das Vestes ... 39

4.3 - O uso no Sepultamento ... 41

5. A Moradia Sacerdotal ... 43

6. A Conduta e a Moral ... 46

6.1. A Formação do Clérigo ... 47

6.2. De se Portar Armas ... 49

6.3. Das Proibições de Lugares e Companhias ... 50

6.4. Não participar de Jogos de Azar ... 52

6.5. Sobre Mulheres e Filhos ... 53

6.6. Outras normas ... 55

(14)

xii

Conclusão... 60 Referências Bibliográficas:... 62 Anexos ... 65

(15)

xiii

Índice de Ilustrações

Ilustração 1: A Tonsura

Fonte: http://theonlinebibleschool.net/assets/old_moodle_files/tonsure.jpg... 23 Ilustração 2: Clérigo com Tonsura

Fonte: Google imagens ... 24 Ilustração 3 : Desenho de Tonsura

Fonte: Sínodo de Angra 1560 p.59 ... 25 Ilustração 4: Desenho de Tonsura

Fonte: Sínodo de Leiria 1601 p.43 ... 26 Ilustração 5: Desenho de Tonsura

Fonte: Sínodo de Portalegre 1632 p.130 ... 27 Ilustração 6: Veste Sacerdotal

Fonte: http://www.artesacro.com.br/media/wysiwyg/projeto _especial_arte_sacro.jpg

... 28 Ilustração7: Veste acadêmica eclesiástica

Fonte:

http://virtualandmemories.blogspot.pt/2014/09/indumentaria-academica-e-eclesiastica.html ... 29 Ilustração 8: Sequência das vestes Sacerdotais

Fonte: http://1.bp.blogspot.com/_LFaxJhDtTac/SnribEK0oQI/AAAAAAAABk0/weyNJQh

_hWc/w1200-h630-p-k-no- ... 30 Ilustração 9: Elementos da veste sacerdotal

Fonte: Google imagens ... 31 Ilustração 10: Como rezar a missa

(16)

xiv

Tabela

(17)

xv

Siglas

BNP - Biblioteca Nacional de Portugal

BGUM - Biblioteca Geral da Universidade do Minho fl. – Fólio

S.S. – Sumo Sacerdote Vol. - Volume

(18)
(19)

17

1. Introdução

A presente investigação foi, em grande parte, motivada pela sensação de haver uma certa “ausência de exploração minuciosa” sobre a normatização da vida clerical secular, e a evolução desta, no contexto português. A força motriz desta dissertação foi o propósito de analisar, de forma mais profunda, esta regulamentação; e, para tal, debruçamo-nos sobre os sínodos portugueses, num período contemplado entre os séculos XIII e XVII, bem como sobre os concílios mais recentes, com o objetivo último de detectar e refletir, ainda que brevemente, sobre as mais significativas alterações normativas que ocorreram no seio clerical da Igreja Católica, em Portugal. A nossa observação e análise estende-se por mais de 800 anos, conferindo, portanto, uma perspectiva abrangente sobre as normas sacerdotais da Igreja, desde as suas primeiras diretrizes regionais nos bispados portugueses.

Antes de mais, é veemente explicar que os sínodos são assembleias convocadas por autoridades eclesiásticas – no presente caso, bispos - com a finalidade de discutir e/ou apresentar novos regulamentos, bem como outro tipo de informações relevantes para a doutrina e práxis sacerdotal. Ao longo de toda esta dissertação, os registos dos sínodos serão utilizados e comparados, perfazendo o nosso principal objeto de análise. Estes documentos, oriundos de diferentes regiões, serão examinados com atenção, sendo que, a partir deles, refletiremos não só sobre a sua relevância como também sobre a importância da diversidade dos temas neles abordados.

Os sínodos portugueses apresentam elementos diversos, que irão iluminar o entendimento das normas e seu desenvolvimento, e que exploraremos aqui, ao mesmo tempo que apresentamos o funcionamento estrutural da Igreja. Note-se, ainda, uma outra dimensão que procuraremos entender, que está profundamente ligada ao significado dos símbolos no processo ritualístico da vida clerical secular, e que é evidente em todos os pontos aqui abordados, embora em graus diferentes. Ainda que, umas vezes, possamos analisá-la de modo mais aprofundado e, noutros momentos, mais superficialmente, é importante reter que esta dimensão é uma constante presente nos elementos dos sínodos.

Verificámos também que, ao longo do período observado, vão surgindo novas medidas ou regulamentos, ainda que por vezes muito subtis, demonstrando a busca, por parte dos bispos, de uma definição e organização regimental adequada. O conjunto dessas regras, apresentadas na forma de constituições sinodais, além de normatizar a vida clerical secular, irá também ser uma expressão de

(20)

18

força do bispo junto da sua comunidade, moldando toda forma de pregação e de importância destas regras, como se verifica em Marques (2002, p.328).

É evidente que são necessárias várias normas de conduta para diferenciar a vida sacerdotal da vida laica, dentro da comunidade. O fazer cumprir dessas regras acentua a autoridade dos bispos locais, sendo este um aspeto responsável por acirradas disputas, de poder e reconhecimento, entre os altos clérigos, dotados de muita influência – tanta que fica patente, por exemplo, nas proibições de deslocamento para outro bispado sem a permissão do vigário geral1.

Estas regras, que podem parecer até triviais aos olhos contemporâneos, eram dotadas de toda uma dimensão simbólica, e apresentadas à sociedade como um regimento rígido, por forma a também induzir os leigos à obediência religiosa, graças à expressão desta ideia de poder e hierarquia na vida sacerdotal, que era um exemplo para a comunidade. Esta dimensão, além de ser, materialmente, representação da instituição, age sobre, e influencia, o meio social, mental e emocionalmente, incitando à obediência às leis estabelecidas, por estas serem apresentadas como o sustentáculo para o bom funcionamento da comunidade.

Através do estudo dos sínodos, percebe-se que, desde os primórdios de Portugal2, são várias as

regulamentações impostas à vida dos clérigos seculares, que, num contexto mais regional, servem como instrumento de submissão à autoridade do bispo e, num contexto mais global, como meio de tentar travar, o mais possível, os desvios de conduta cometidos por membros da classe, tentando manter uma boa imagem pública da instituição. Este segundo objetivo era bem mais difícil de alcançar que o primeiro, dado que, apesar de toda a regulamentação estrutural da Igreja, e da sua imposição por parte dos bispados, os clérigos sempre cometeram desvios de conduta social e religiosa. A existência das normas, e a obrigação de as cumprir, eram entendidas como meio de proteção da imagem da Santa Sé; porquanto os membros que agem em representação da instituição devem apresentar uma conduta correta e moralmente aceitável perante a sociedade.

O estudo das normas permitiu, também, encontrar contradições, quer na imposição quer na interpretação das mesmas. Quando, por exemplo, comparamos dois, ou mais, sínodos, apercebemo-nos que, por diversas vezes, não havia consenso entre os bispos quanto à regra ou ao seu sentido. Sobre um mesmo tema, o entendimento dos bispos divergia – e, por vezes, um bispo produzia ou interpretava uma dada regra de forma oposta aos demais, de modo a atender aos seus interesses.

1 Sínodo do Porto 11, 1496, in GARCIA, António Garcia y et al (Org.). Synodicon Hispanum, p 436. 2 Sínodo de Braga 1281, in GARCIA, António Garcia y et al (Org.). Synodicon Hispanum, p.10.

(21)

19

Para a obtenção dos elementos aqui analisados, foram consultados os documentos da Biblioteca Nacional de Portugal (BNP) e da Biblioteca Geral da Universidade do Minho (BGUM) - de onde se teve acesso, quase na totalidade, aos sínodos portugueses (tabela 1) – além de bibliografia relevante e outras fontes diversas, como as consultas online ao site oficial do Vaticano, para obter os documentos do Concílio de Trento e do Concílio Vaticano II, principais fontes utilizadas para comparação e contextualização das normas da Igreja contemporânea.

Tabela 1- Sínodos e livro.

Livro/Sínodo Qtde. Ano

Synodicon Hispanum* --- 1982 Braga 28 1282-1505 Évora 8 1467 Guarda 1 1500 Lisboa 13 1240-1403 Porto 11 1496 Valença do Minho 4 1444 Subtotal 65**

Constituições Sinodais – Sínodos Qtde. Ano

Porto 2 1541- 1585 Coimbra 2 1548- 1591 Viseu 1 1556 Angra 1 1560 Lisboa 3 1565-1569-1588 Goa 1 1568 Funchal 1 1585 Leiria 1 1601 Portalegre 1 1632 Elvas 1 1635 Algarve 1 1674 Guarda 1 1500 Bahia 1 1719 Subtotal 17 Total 82

* Synodicon Hispanum contém um total de 73 sínodos em seu Vol. II. ** Quantitativos de sínodos com relevância para o estudo.

(22)

20

Para a realização de uma análise histórica consistente e consequente, questionámos vários tipos de fontes: ora documentos fragmentados, porém organizados3, ora as constituições sinodais históricas

dos diversos bispados portugueses, – cuja grande maioria, por serem documentos oficiais e importantes no seio da Igreja, chegaram ao nosso tempo, muitos até intactos – sendo que a sua importância será abordada ao longo da dissertação.

Nesta “releitura” dos elementos regimentais constitutivos da vida sacerdotal secular, pudemos, ainda, observar a alteração, ou evolução, da arquitetura política e estrutural da Igreja Católica – aqui mormente representada pela figura dos bispos e dos membros subalternos, os sacerdotes, demonstrando, assim, o funcionamento e desenvolvimento da instituição.

Tendo presentes estes elementos básicos da estrutura original da Igreja, é preciso compreender que, paulatinamente, esta foi desenhando uma organização cada vez mais complexa, de modo a promover a sua própria proteção e o que considerava constituir uma melhoria de vida para os seus membros. Observaremos, também, os esforços de adaptação, realizados pela Santa Sé, para se adequar aos tempos atuais, sem contudo modificar a essência e fundamento da sua instituição – definida como a ponte entre o divino e o povo 4, o que sempre foi, e continua a ser, a fonte do seu poder junto dos fiéis.

Na nossa análise histórica, examinaremos também a dimensão do controlo da Igreja aos seus membros, em relação direta com um mundo de ritos e simbolismo, que dão suporte e justificação ao poder bispal – sendo que estes elementos simbólicos são constantes5, e ainda atuais, no contexto da manutenção da

Igreja.

Ao revisitar as constituições sinodais, notámos, ainda, haver uma grande pormenorização dos temas abordados, pelo que tivemos de ser seletivos, escolhendo os que nos pareceram ser os tópicos regimentais mais relevantes para a vida clerical secular, analisando-os, de forma a perceber, principalmente, as discrepâncias na regra, ou na sua interpretação, e o seu grau de importância nos sínodos. Verificámos, também, um conjunto de normas mais rígidas, que se foram estabelecendo ao

3 GARCIA, António Garcia y et al (Org.). Synodicon Hispanum: Portugal. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos,

Católica S.A., 1982. 2 vol.

4 VIDE, Sebastião Monteiro de. Constituiçoens Primeyras do Arcebispado da Bahia Feytas, & Ordenadas pelo Ilustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Sebastiaõ Monteyro da Vide, Arcebispo do dito Arcebispado, & do Conselho de sua Magestade, Propostas, e aceytas em O Sinodo Diecesano que o dito senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. 1719. p.257.

5MARQUES, José. A Pregação em Portugal na Idade Média.: Alguns aspectos.*. Via Spiritus: Revista de História

(23)

21

longo do tempo, tanto para a admissão6, como para o exercício, da profissão sacerdotal. Elas vão-se

tornando progressivamente mais complexas e elaboradas, até que, a um dado momento, se instituiu alguma flexibilidade quanto a certos pontos, para permitir a imersão da Igreja na contemporaneidade, mantendo uma constante busca da preservação dos seus membros, em vários aspectos.

Esta observação da vida clerical secular dos membros da Igreja ajuda-nos a uma compreensão mais profunda do desenrolar da História humana, já que por muito tempo – e, em certos contextos, ainda hoje – muitas pessoas viam, e viviam, a vida sob uma ótica profundamente religiosa e dogmática, que deveria ser seguida. Assim sendo, não se pretende somente entender a História da Igreja, e a sua posição na atualidade, mas a própria civilização, que ela tanto influenciou, e influencia. Neste sentido, e em suma, o presente estudo procurou conhecer, e comparar, em que moldes e com que tipo de preceitos ocorreu a normatização da vida dos clérigos da Igreja Católica Portuguesa, a partir do estudo das regras e normas de conduta, constantes nos sínodos de alguns bispados portugueses, entre os séculos XIII e XVII.

6 VIDE, Sebastião Monteiro de. Constituiçoens Primeyras do Arcebispado da Bahia Feytas, & Ordenadas pelo

Ilustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Sebastiaõ Monteyro da Vide, Arcebispo do dito Arcebispado, & do Conselho de sua Magestade, Propostas, e aceytas em O Sinodo Diecesano que o dito senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. Lisboa Ocidental: na Officina de Pascoal da Sylva, Impressor de Sua Magestade, 1719. p. 99 et. Seq.

(24)

22

2. Do status eclesiástico e dos atrativos Igreja

Sabemos que é relativamente consensual que a vida sacerdotal não é, por si, a mais atrativa quando se fala em termos do seu exercício propriamente dito. Apesar de ser fundamental, em teoria, a máxima dedicação e vocação para abraçar a vida clerical, existem muitos elementos que contribuem para desencorajar a escolha desta profissão – circunstância de que a própria instituição eclesiástica tem consciência. Assim sendo, neste capítulo, procuramos demonstrar como a Igreja Católica concebeu atrativos para a promoção da vida clerical, expondo os mecanismos que a instituição criou para despertar o desejo de participação, e permanência, de novos membros, ao longo da sua história.

Apesar de uma rigorosa seleção feita pela Igreja7 para aceitar membros para o Clero, – como

consta, por exemplo, na inquisição de generis8 - existiu sempre uma procura desta profissão, muito devida

a uma certa exaltação do status de clérigo, – já que, a par com a nobreza, e só abaixo do Rei, o Clero era a classe social mais importante e poderosa na hierarquia social pré-Contemporânea – provocando nos leigos um certo desejo de o alcançar, bem como um firme respeito por aqueles que o conseguiam. Uma vez feita a dita seleção, alguns membros do povo conseguiam ingressar no Clero, pelo que, sobre este ponto, é necessária uma observação: a Igreja custeava os estudos e a manutenção da vida de alguns seminaristas, uma vez que os membros do povo não eram, na sua maioria, detentores de recursos suficientes para pagar o que era necessário para aprender o exercício da profissão do sacerdócio.

7 VIDE, Sebastião Monteiro de. Constituiçoens Primeyras do Arcebispado da Bahia Feytas, & Ordenadas pelo

Ilustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Sebastiaõ Monteyro da Vide, Arcebispo do dito Arcebispado, & do Conselho de sua Magestade, Propostas, e aceytas em O Sinodo Diecesano que o dito senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. Lisboa Ocidental: na Officina de Pascoal da Sylva, Impressor de Sua Magestade, 1719. p. 99 et. Seq.

8 Investigação da origem do ordenando, não podendo este ser maculado por uma origem judaica, moura ou de cristão novo, nem ser negro ou ter algum problema na Justiça.

(25)

23

Tal como hoje, a Igreja Católica possuía elementos caraterísticos que atraíam para a vida sacerdotal, e que ultrapassavam muitas vezes a vertente religiosa, apelando para um lado mais mundano – aspecto que era, sem dúvida, levado em consideração na hora da escolha desta profissão, sem, contudo, desmerecer o lado religioso. Destes aspectos, um dos mais importantes era o facto de os membros da Igreja terem um tratamento diferenciado, e privilegiado, em todas as dimensões sociais, como vemos em Vide (1719, p.259), que demonstra que os sacerdotes tinham privilégios iguais aos nobres. Assim sendo, é evidente que, para além da dimensão espiritual, a postura temporal em relação aos membros da Igreja era um fator ultra-atrativo para os leigos, uma vez que essa era a única via que lhes era acessível para ter as mesmas honrarias e benefícios dispensados à nobreza, ou pelo menos conseguir chegar o mais perto possível disso.

Há diversos outros aspetos que tornam atrativa a vida sacerdotal, pelas vantagens inerentes ao seu exercício, como por exemplo, o facto de, durante a Idade Média e Moderna, haver uma norma que concedia ao sacerdote o direito a quarenta dias de férias por ano, além de duas manhãs semanais de descanso9, desde que não causasse prejuízo ao bom funcionamento da Igreja. Neste tempo, onde o povo

trabalhava de sol a sol, todo o ano, todos os anos, e não teria sequer ideia do que significaria o termo férias, isto demonstra que, apesar de uma vida dedicada, de forma restrita, aos desígnios de Deus e da Igreja, os membros do clero tinham vantagens únicas na dimensão temporal. A dimensão material da Igreja é muito forte, pelo que, por exemplo, no período de transição do sistema feudal para o mercantilismo, época em que as condições económicas e financeiras vão mudar, isso afeta, também, aspetos muito práticos da instituição, nomeadamente alterando o quadro de remunerações da vida sacerdotal. Assim, num período de Mercantilismo e Renascimento, de renovação material e cultural, começa a tornar-se cada vez mais evidente que objetivos mais profundos movem os desejos humanos. Já não importa somente ao Homem o que sai da terra, já não importa somente a sobrevivência – caraterísticas do sistema feudal. A dimensão monetária, o que o dinheiro pode comprar – as vivências, o lazer - torna-se cada vez mais importante, aliciando os seres humanos, que com ele poderiam satisfazer e explorar outras dimensões do ser e da vida.

9 GUARDA, Diocese. Constituições e Estatutos do Bispado da Guarda. Salamanca: Impr. de Nebrissensis,

(26)

24

2.1.DOS BENEFÍCIOS

A questão da remuneração dos clérigos sempre foi delicada para a Igreja, pelo que é tratada, de forma muito objetiva e organizada, nas suas normas. Se, por um lado, a instituição prega o desapego material e uma vida simples para agradar a Deus, por outro lado, considera os pagamentos à Igreja, e da Igreja aos seus membros, como direitos divinos daqueles que servem a Deus, pelo que os coloca numa posição de inquestionável legitimidade. Até porque, para a manutenção de uma boa imagem da Igreja, era exigida aos clérigos uma certa postura mínima, um certo nível ou condição de vida, para assegurar que não haveria qualquer interpretação de fraqueza sobre a sua instituição. Assim, para sanar esta preocupação, foi criado um estipêndio dos Curas, sendo que eram enviados visitadores para regular a vida dos clérigos e prover este salário, suficiente para o seu sustento10, não deixando transparecer

qualquer descaso por parte da Igreja para com os seus membros.

Apesar da vigorosa pregação do desprendimento das coisas materiais, na realidade a Igreja não descuida esta dimensão, tanto para bem-estar dos seus membros como pela imagem de poder que precisa demonstrar na sociedade, pelo que, além da supervisão da condição do clérigo e dos supracitados benefícios, outros lhes era assegurados11, tais como a garantia de segurança e alimentação,

por meio de normas sinodais12. Salientamos que esta preocupação constante é notada por Correia (1541,

p.21), que percebe que não é somente a dignidade do clérigo secular que precisa ser garantida, mas sobretudo a imagem da Igreja, a sua perspectiva estrutural, para os leigos. E essa preocupação com a imagem do sacerdote existe porque é ele o primeiro representante da instituição aos olhos do povo, e por isso não podendo ser visto como elemento fraco ou suscetível às agruras do mundo. Entre outros benefícios, os clérigos tinham o direito a usar a estola e ao recebimento das côngruas, cujo o valor estava em conformidade com o nível do sacerdote dentro da hierarquia da Igreja e com a paróquia onde exercia. Ainda assim, notámos que houve sempre uma constante vigilância dos valores monetários em questão, para evitar que tais fossem demasiado elevados, para que não se tornassem o principal motivo da escolha da vida sacerdotal, nem demasiado baixos, para não a desencorajar.

10 CORREIA, Francisco. Constituições Synodaes do Bispado de Miranda. Lixboa: em Casa de Francisco Correia, 1565. fl.21.

11 Benefício entende-se no contexto clerical como sendo uma forma de salário.

12 VEIGA, Manoel da; CORREIA, Francisco. Constituiçoes Extrauagantes do Arcebispado de Lixboa / foram reuistas

(27)

25

Outro tipo de benefícios eram as isenções de taxas13 em transações: desde que não fosse

utilizado para promover comércio, eram dispensados de tais onerações, o que conferia uma substancial vantagem económica quanto ao custo de vida, devido a uma maior valorização do uso do seu salário. Por outro lado, é preciso compreender uma outra dimensão, não tão positiva, ligada à remuneração dos sacerdotes. O seu vencimento era também uma ferramenta de controlo por parte dos Bispos, que podiam suspendê-lo, ou diminuir certos benefícios, como castigo, para os obrigar a obedecer às suas regras ou acatar as suas decisões.

Seguidamente, mas nesta senda, abordaremos a questão dos bens patrimoniais e financeiros, propriamente ditos, que os sacerdotes acumulavam ao longo da sua vida. Apesar de lhes ser vedada a especulação financeira, a verdade é que ela se faz presente, sendo que, aquando do falecimento do sacerdote, se levantava a questão do testamento. Por vezes, a Igreja permitia a continuidade de certos benefícios ou a entrega de bens, patrimoniais e pecuniários, a pessoas próximas do clérigo, após a sua morte, por forma a apoiá-las, sendo esta também uma estratégia de marketing da própria instituição - para mostrar como esta protege e privilegia os seus membros e, inclusive, os seus entes queridos, tanto durante a vida como depois da morte.

2.3. O Testamento do Sacerdote

Outro aspeto presente nas normas, e muito ligado ao simbolismo religioso, é a questão testamental e das cerimónias fúnebres. As normatizações a este respeito não só definem como será feito o rito do funeral, as vestes do defunto e o enterro, propriamente dito, como também determinam que o Clérigo será enterrado num local privilegiado e bem identificado – dando a entender que este goza de uma posição melhor não só no mundo dos vivos, no mundo da Igreja, mas também no mundo espiritual, no mundo de Deus14.

A Igreja, desde sempre, faz a manutenção e cuida atentamente do seu património, nomeadamente através dos testamentos, orientando a divisão da herança do sacerdote15,

13BRANCO, Afonso de Castelo. Constituições Synodaes do bispado de Coimbra feitas & ordenadas em synodo

pello... Sõr dom Affonso de Castel Brãco bispo de Coimbra, cõde de arganil... E por seu mandado impressas. Coimbra: Per Antonio de Mariz, 1591. fl. 151.

14 PEREIRA, Lopo de Sequeira. Constituições Synodaes do Bispado de Portalegre: Ordenadas e Feitas pello

Illustrissimo e Reverendissimo O Senhor Frei Lopo de Sequeira Pereira Bispo de Portalegre do. Portalegre: Jorge Roiz, 1632. fl. 156.

15 COLONIA, João Blávio de. Cõstituições Sinodaes do Bispado Dangra. Lixboa: Diocese Angra do

(28)

26

se, normalmente, como seu maior beneficiário. A instituição tem ainda o cuidado de verificar os pormenores do testamento clerical, garantindo que o documento é redigido de forma clara e detalhada, demonstrando a preocupação para com o destino dos bens e com os restos mortais do sacerdote16,

conservando uma vigília atenta sobre estas questões.

Quem lavrava este tipo de documento eram os testamenteiros, comumente indicados por eclesiásticos especificamente para a redação dos testamentos sacerdotais. Os redatores levavam em consideração a vontade do defunto17, mas também as normas para a distribuição de bens sugeridas pela

Igreja. A questão dos bens é central na instituição, de tal forma que se torna importante lembrar que era obrigação do Vigário Geral realizar o inventário dos bens dos Clérigos, bem como era obrigação destes últimos fazerem uma declaração desses bens.

Notámos, ainda, que, após o falecimento de um Clérigo, havia uma atenção de vincular, rapidamente, os seus bens ao património da Igreja, sendo que a estratégia para tal usada era de que os bens do falecido fossem utilizados como forma de pagamento dos serviços religiosos, missas e ofícios, destinados ao sacerdote finado. Ou seja, a maior parte, senão a totalidade, dos bens patrimoniais e/ou pecuniários dos clérigos, acabava por regressar à Igreja para garantir a realização das orações e ritos necessários para que “as suas almas fossem para o Céu”. Estas informações ficavam testadas18, e por

isso é possível apontar a Igreja como o grande beneficiário dos bens dos sacerdotes depois do seu falecimento. As normatizações bispais dos testamentos apresentavam uma ordem quanto à forma de utilizar os espólios do Clérigo19: primeiramente, para pagar aos eventuais credores do sacerdote, se os

houvesse; e, seguidamente, priorizando a Igreja, observando apenas depois outros beneficiários. Em suma, o sacerdote poderia, teoricamente, testar os seus bens patrimoniais, mas, na prática, o testamento traduzia-se, regra geral, num ato de beneficiação da Igreja, através do pagamento dos serviços religiosos, apesar de haver a possibilidade de ter também outros herdeiros. Quanto aos restantes benefícios, normalmente extinguiam-se consigo, aquando do falecimento; mas, excecionalmente, a Igreja poderia estendê-los, por períodos não maiores que um ano, a algum beneficiado.

16Sínodo de Lisboa de 1268,in Synodicon Hispanum, p.302 et seq.

17 COLONIA, João Blávio de. Cõstituições Sinodaes do Bispado Dangra. Lixboa: Diocese Angra do Heroísmo, 1560.

p.79.

18LIMPO, Baltasar. Cõstituições Sinodaes do Bispado do Porto Ordenadas pelo muito reveredo i Magnífico São

Baltazar Tipo Bispo do dito Bispado. 1541. fl. 68 et seq..

19ENDEM, João de. Constituicones [sic] do Arcebispado de Goa, aprouadas pello Primeiro Cõcilio Prouincial. Goa:

(29)

27

Embora, no que respeita aos procedimentos após o sepultamento do sacerdote20, haja uma

grande variação nos sínodos, quanto à questão testamental há sempre uma mesma indicação hermética para solucionar possíveis problemas quanto ao entendimento do testamento ou à distribuição dos bens: a Igreja é sempre eleita como o meio de resolução de quaisquer questões sobre o assunto. Este ponto é de fundamental importância para se entender como a instituição católica adquiria tanto poder através das normas do testamento: a maioria dos bens e espólios testados pelos seus clérigos convergiam para a própria Igreja21, que assim se retroalimentava, perpetuando a sua estrutura e capacidade financeira,

auxiliando a sua milenar existência.

Para perceber a legitimação destas normatizações, inclusive das regras testamentais, há que entender a basilar relação entre o Direito e a Igreja, – a dimensão jurídica do catolicismo – que é tão forte que assegurou sempre à instituição uma espécie de intocabilidade, de certa forma presente ainda hoje. A Igreja foi construindo a sua proteção social, e dos seus membros, através do Direito, ao longo do tempo, como veremos seguidamente. O facto de ser, durante longos séculos, a “única” detentora de grande parte do conhecimento, ter um grande poder económico e influenciar as mentes e os espíritos humanos, individual e coletivamente, foi fortalecendo, cada vez mais, a instituição, que pôde, por isso, realizar alianças de poder, adquirindo, com o tempo, uma gama única e variada de instrumentos normativos legais, utilizados para efetivar os seus privilégios através do Direito.

2.4. Proteção Jurídica e Foro Privilegiado

Um outro privilégio da vida sacerdotal consistia no modo como poderiam correr os processos contra os clérigos, em possíveis julgamentos pelos seus atos. Do ponto de vista legal, tinham uma carta de direitos privilegiada, tendo em conta que estava previsto que nenhuma Justiça secular poderia atuar sobre os sacerdotes22. A Igreja tinha uma atenção jurídica própria, protegida da Justiça do reino, sendo

que somente ela podia atuar contra os seus membros. Tal afigurava-se um privilégio notável, dado que se vivia numa sociedade estamental, onde reinava a escassez de direitos e uma Justiça feroz, muitas vezes mortificante, mutilante e até mortal – com a geral exceção, claro, do clero e da nobreza. Do ponto

20 PEREIRA, Lopo de Sequeira. Constituições Synodaes do Bispado de Portalegre: Ordenadas e Feitas pello

Illustrissimo e Reverendissimo O Senhor Frei

Lopo de Sequeira Pereira Bispo de

Portalegre do. Portalegre:

Jorge Roiz, 1632. fl. 156.

21Id, Cõstituições Sinodaes do Bispado do Porto Ordenadas pelo muito reverendo i Magnífico São Baltazar Tipo

Bispo do dito Bispado. 1541. fl. 69.

(30)

28

de vista da Lei, do Direito, a classe clerical, à semelhança da nobreza, era protegida por um Foro Privilegiado23, conferindo aos eclesiásticos uma certa blindagem jurídica, permitindo-lhes uma autonomia

de conduta, respaldada por tal proteção. Além destas, tal como à nobreza, eram-lhes asseguradas outras regalias aquando de uma condenação, como celas próprias, separadas das dos leigos; um tutor, para os acompanhar; e um privilégio em relação ao encarceramento, para aqueles que tivessem graduação em Teologia, que proibia que os prendessem em cadeias públicas24, por possuírem reconhecido

conhecimento das leis divinas.

Este era um dos diversos mecanismos da Igreja Católica para proteger os seus membros, barrando o poder dos juízes seculares para punir infrações cometidas por sacerdotes; mas esta situação jurídica muitas vezes causava nos leigos uma sensação de impunidade dos desmandos sacerdotais. Por isso, a Igreja, em sede própria, e de forma publicitada, também julgava o corpo clerical quanto aos atos considerados mais ofensivos. A instituição precisava de uma imagem pública de justiça, retidão e disciplina, pelo que exercia diretamente um controle interno e uma justiça própria25, sem sofrer a

interferência da justiça secular. As medidas corretivas ou penas aplicadas aos clérigos infratores eram dadas por membros da própria Igreja, que comumente abrandavam, e muitas vezes anulavam, a punição pelo delito cometido26. Com a isenção de jurisprudência secular, mesmo quando ocorriam casos extremos

de crimes cometidos por clérigos, estes estavam somente sob alçada da justiça da Santa Sé – sendo que era proibida, inclusive, a sua divulgação, para não macular a reputação da Igreja ou do seu corpo eclesiástico27. Tudo isto constava nas leis sinodais, onde é apresentada como um privilégio sacerdotal a

circunstância de os clérigos não serem julgados pela Justiça comum, quer em casos de intrigas e querelas, quer em outras infrações, quando eram acusados em processos movidos pelos leigos. A lei

23 COLONIA, João Blávio de. Cõstituições Sinodaes do Bispado Dangra. Lixboa: Diocese Angra do Heroísmo, 1560. p.56 et seq.

24 PEREIRA, Lopo de Sequeira. Constituições Synodaes do Bispado de Portalegre: Ordenadas e Feitas pello

Illustrissimo e Reverendissimo O Senhor Frei

Lopo de Sequeira Pereira Bispo de

Portalegre do. Portalegre:

Jorge Roiz, 1632. fl. 154

25 Sínodo da Guarda I, de 1500, in Synodicon Hispanum: Portugal. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, Católica

S.A., 1982. 2 vol. p.262.

26 VIDE, Sebastião Monteiro de. Constituiçoens Primeyras do Arcebispado da Bahia Feytas, & Ordenadas pelo

Ilustrissimo, e Reverendissimo Senhor D. Sebastiaõ Monteyro da Vide, Arcebispo do dito Arcebispado, & do Conselho de sua Magestade, Propostas, e aceytas em O Sinodo Diecesano que o dito senhor celebrou em 12 de junho do ano de 1707. Lisboa ocidental: na officina de pascoal da sylva, impressor de sua magestade, 1719. 187 p.257 et. seq.

(31)

29

sinodal28 proibia tal julgamento, não sendo alcançada pela lei secular, transferindo em absoluto para a

justiça eclesiástica esse poder.

Além disto, como verificámos em Vide (1719. p.249), existiam protocolos e obrigações socioculturais de reverência e veneração aos membros do Clero – que recebiam honrarias e tratamentos especiais, por causa da sua profissão eclesiástica, ligada ao divino, considerada digna de admiração – plasmados, por consequência, em privilégios no âmbito do tratamento judiciário. A justificação maior e mais responsável por este tipo de privilégios e tratamentos diferenciados no âmbito do Direito e da Lei, dados à Igreja Católica por parte do poder soberano reinante, é o facto de esta ser responsável e realizadora da legitimação de alguns Reis, sendo que tentou também manter, ao longo dos séculos, uma relação de poder, cumplicidade e interajuda com a realeza, levando a uma troca de gentilezas, que foi conferindo aos sacerdotes esta condição sociojurídica única e vantajosa. Com exceção de algumas poucas situações, o Clero, como um todo, privilegiava de uma proteção do sistema, que não deixava o mundo externo ter acesso ao seu meio, impedindo uma proximidade jurídica, ou igualdade legal, com o cidadão comum.

Não é raro encontrarmos nos sínodos elementos que provam que os sacerdotes estavam protegidos dos braços da Lei – como, por exemplo, quando lhes era perdoada a cobrança de pagamentos de dívidas29 - conferindo-lhes um estatuto privilegiado, apesar de, como consequência, gerar desconfiança

quanto à realização de negócios ou empréstimos com/a clérigos. Com esta proibição canónica de se cobrar dívidas aos membros da Igreja, e na impossibilidade de utilizar o meio judicial secular para isso30,

mesmo que fosse por uma dívida assumida pelo dito sacerdote, somente a fé, a veneração, a subjugação ou a amizade justificariam que os leigos se aventurassem a fazer negócios com os sacerdotes, ou a emprestar-lhes dinheiro. Ainda assim, quando os clérigos conseguiam fazer os ditos negócios ou contrair os ditos empréstimos, sabiam que, na prática, podiam faltar aos compromissos sem ser punidos por isso. A segurança é uma das necessidades básicas humanas, e esta situação, privilegiada e confortável, traz uma seguridade comparável unicamente com a da nobreza, contemplando, só por si, uma enorme

28 Sínodo da Guarda 1500, in Synodicon Hispanum, p.262 et seq.

29COLONIA, João Blávio de. Cõstituições Sinodaes do Bispado Dangra. Lixboa: Diocese Angra do Heroísmo, 1560.

fl. 55.

30 PEREIRA, Lopo de Sequeira. Constituições Synodaes do Bispado de Portalegre: Ordenadas e Feitas pello

Illustrissimo e Reverendissimo O Senhor FreiLopo de Sequeira Pereira Bispo de Portalegre do. Portalegre: Jorge

(32)

30

melhoria na condição de vida dos indivíduos, que era praticamente inatingível aos leigos, nestes séculos medievais e modernos, devido ao regime social vigente.

Na verdade, a relação da Igreja e do Direito remonta à fundação do catolicismo, e é tão antiga, vasta, profunda e forte que seria impossível explaná-la totalmente nesta dissertação. Contudo, o mais importante a concluir neste contexto, comprovado pelas nossas fontes sinodais, é que o Clero tinha uma condição jurídica única e privilegiada, que o protegia, o que se configurava, sem dúvida, como uma extrema vantagem social. Independentemente das vocações para o serviço espiritual e para o sacerdócio, esta rede de proteção jurisprudencial constituía, efetivamente, um forte atrativo para os leigos populares, à época tão desprotegidos do ponto de vista legal.

(33)

31

3. Sobre a Barba e o Cabelo

Tal como hoje em dia, a imagem sempre foi um poderoso instrumento social de afirmação de identidade. A Igreja considerava que o aspeto dos clérigos devia ser um reflexo da própria instituição, e a sua imagem era envolta de simbolismo e devia imitar os valores doutrinais. O sacerdote devia ter uma aparência peculiar, aliada a uma boa higiene pessoal e limpeza, tendo em vista uma respeitável representação padronizada. Esta imagem eclesiástica individual acaba por normatizar coletivamente o aspeto, passando a ser símbolo da doutrina católica. Por exemplo, existem elementos nas constituições sinodais31 que revelam as regras relativas à barba dos padres, sendo que lhes era exigida a raspagem da

mesma, pelo menos, de quinze em quinze dias, não sendo tolerada a permanência de uma barba malfeita.

Quanto ao aspecto do cabelo, as regras também são impostas e constantes, ainda que com derivações quanto ao tipo de corte de cabelo, dependendo do bispado e da época em que se apresenta a norma. A figura do sacerdote era de tal forma padronizada que estão até contempladas as exceções à regra nas constituições sinodais32, que desobrigavam alguns padres do uso da tonsura ou do hábito

comprido, caso não tivessem condições de os pagar ou ganhassem abaixo de um valor estipulado. Para assegurar um eficaz e efetivo cumprimento das regras instituídas nos diversos sínodos portugueses, que versavam, por exemplo, sobre questões de barba, vestimenta e cabelo, a Igreja aplicava pesadas multas, severas penalizações e até prisão, de forma a coibir o desleixo, que deixaria a sua

31PINHEIRO, Gonçalo. Constituyções Synodaes do Bispado de Viseu. Coimbra: Joam Aluares, 1556. fl. 37.

32BRANCO, Afonso de Castelo. Constituições Synodaes do bispado de Coimbra feitas & ordenadas em synodo

pello... Sõr Dom Affonso de Castel Brãco bispo de Coimbra, cõde de arganil... E por seu mandado impressas. Coimbra: Per Antonio de Mariz, 1591. fl. 76 et. Seq.

Ilustração 1: A Tonsura

(34)

32

imagem maculada e suscetível a críticas da sociedade, obrigando à observância da norma. Este é o principal motivo para a manutenção de apertadas exigências aos clérigos quanto ao caraterístico corte de cabelo, raspagem da barba e uso do hábito: a imagem tem um papel social muito relevante, e por isso a Igreja exigia que mantivessem uma boa aparência – coesa, padronizada, peculiar e constante – que simbolizasse o respeito pela doutrina, a disciplina, a retidão e a limpeza, dignas dos membros do Clero; e, se assim não fosse, puniria os infratores.

Devido a esta normatização superior sobre a questão geral da aparência, com intuito padronizador33, a regra é adotada em todos os bispados portugueses. Contudo, nem sempre a norma

era clara, definitiva ou de interpretação homogénea, pelo que, apesar do óbvio respeito e cumprimento da regra, as suas manifestações eram por vezes algo diferentes, o que acabava até por se traduzir em outros entendimentos quanto ao simbolismo inerente à figura clerical.

3.1. Principais Formas de Tonsura

Tal como as vestes, o peculiar corte de cabelo e a raspagem da barba eram elementos principais da identificação sacerdotal, de tal modo importantes que esta imagem era como o seu cartão de identidade e cédula profissional, símbolo inequívoco e imediato de que se tratava de um membro clerical.

O caraterístico corte de cabelo começou a ser utilizado por volta do século IV, e acabou instituído

no século V, de modo a destacar e padronizar os membros do Clero. Este corte foi inspirado numa prática romana, e estabelecido também como homenagem aos antigos cristãos, a quem, tal como os escravos,

33BRANCO, Afonso de Castelo. Constituições Synodaes do bispado de Coimbra feitas & ordenadas em synodo

pello... Sõr Dom Affonso de Castel Brãco bispo de Coimbra, cõde de arganil... E por seu mandado impressas. Coimbra: Per Antonio de Mariz, 1591. fl. 73.

Ilustração 2: Clérigo com Tonsura Fonte: Google imagens

(35)

33

eles rapavam a cabeça, para serem facilmente identificáveis. A Igreja incorporou este elemento como signo, mensagem, ritual de iniciação e profissão do sacerdócio, imbuindo-o de simbolismo, como declaração da aceitação plena da vida cristã. Com o passar dos tempos, e conforme as regiões, houve variações no corte de cabelo, tanto no que se refere à sua aparência, quanto ao seu significado e interpretação, no entender de alguns bispados e/ou ordens regulares.

Esta prática ritualizava-se na Prima Tonsura34, cerimónia onde o bispo explicava, de forma

genérica, aspecto peculiar do corte de cabelo, o seu simbolismo religioso e o seu significado como elemento de subordinação do novo membro da Igreja à instituição em que professava e que o acolhia.

Podemos destacar as três principais formas de se apresentar a tonsura, sabendo que, na primeira vez, todas eram simbolicamente realizadas pelo bispo, aquando da Ordenação do novo membro

34 Prima Tonsura era uma cerimónia religiosa em que o bispo fazia, pela primeira vez, o corte de cabelo do ordinando, conferindo-lhe o primeiro grau de Ordem no Clero.

Ilustração 3: Desenho de Tonsura Fonte: Sínodo de Angra 1560

(36)

34

clerical. A tonsura sempre apresentou variações. Primeiramente, a tonsura Pauli35, que sempre foi mais

utilizada no Oriente; em segundo lugar, a tonsura Petri 36, a mais comum no Ocidente, cuja maior

caraterística é a forma de corte conhecida como “Corona Christi” (Coroa de Cristo"); e, por último, a forma da Igreja Iro-escocesa, que introduz uma outra maneira, a chamada tonsura S.Joannis ou S. Jacobi, que apresenta um crescente de cabelo da fronte da cabeça37. Observa-se ainda que, a partir do

século XVI, a tonsura dos clérigos regulares foi reduzida a um pequeno círculo, sendo que ainda hoje a ordem Franciscana adota esta tradição.

Tendo em conta a sua importância, teremos, em quase todos os sínodos, a presença de alguma regra sobre a tonsura e a promoção da sua manutenção, com a imposição de multas e penas38 para

aqueles que descumprissem tais normas.

35 Todo cabelo era cortado (inspirada em S. Paulo).

36 Só o topo da cabeça era raspado (inspirada em S. Pedro).

37 ROMAG, Dagoberto. Compêndio da História da Igreja – v.1.Rio de Janeiro: Vozes, 1949, p. 275.

38ARAÚJO, Manuel de. Constituições Synodaes do Bispado de Leiria: Feitas & Ordenadas em Synodo pello Senhor

Dom Pedro de Castilho Bispo de Leiria & por seu mandado impressas. Coimbra: Manoel D'Araújo Delrey N.S. na Vniversidade de Coimbra, 1601. fl. 43.

Ilustração 4: Desenho de Tonsura Fonte: Sínodo de Leiria, 1601

(37)

35

É relevante notar ainda que, em alguns sínodos, existe uma alusão peculiar a um importante elemento, que poderia parecer um detalhe, mas era muito importante para a imagem sacerdotal: o corte de cabelo devia deixar a descoberto as orelhas39, porque a sua exposição era evidência de honestidade,

sendo este um aspecto notavelmente significativo, e acentuado, quanto à questão da aparência, porque atestava a seriedade da figura clerical.

Colonia (1560, p.37) – que não só vai descrever, através de desenho explicativo, como deve ser o corte de cabelo, mas também colocar a sua justificação simbólica para tal elemento – mostra e instrui sobre a forma correta de se realizar a tonsura (como se formam os dois círculos, símbolo da Corona Christi), bem como ensina que esta deveria ser realizada de vinte e vinte dias, sem esquecer de mencionar a proibição da total raspagem do cabelo. Esta forma de Blávio apresenta-se como a mais comum nos sínodos, talvez porque a sua simples e fácil compreensão e consecução a coloque num nível preferencial para utilizar.

Existia, no entanto, uma outra corrente sobre como devia ser a tonsura que a apresentava com um círculo ao centro, diferenciando-a do outro modelo. Os adeptos desta versão justificavam a opção como forma de promover mais claramente a dimensão simbólica dentro do Clero. Araújo (1601, p.43) descreve que os defensores desta tonsura mandaram “[...] que todos os sacerdotes tragam coroa aberta, do círculo abaixo declarado, os Diáconos e Subdiáconos do círculo segundo e os das ordens menores do

39LIMPO, Baltasar. Cõstituições Sinodaes do Bispado do Porto Orenadas pelo muito reveredo i Magnífico São

Baltazar Tipo Bispo do dito Bispado. Porto: Vasco Diaz Tanquo de Frexenal, 1541. fl.51.

Ilustração 5: Desenho de Tonsura Fonte: Sínodo de Portalegre 1632

(38)

36

tamanho do círculo pequeno [...]”. É claro que a sua intenção era que, pelo poder da imagem, como nas patentes das fardas militares, ficasse manifesta, através do corte de cabelo, a hierarquia clerical, refugiada no simbolismo, vista por todos e instituída como continuação dos costumes eclesiásticos.

Existia ainda terceiro formato, com um redimensionamento do círculo central (Ilustração 5), também com o propósito de simbolizar as diferenças dentro do Clero, evidenciando a hierarquia institucional em certas situações. Courbes (1635, p.67), ainda que sem desenhar, relata o procedimento desta tonsura, exortando também a que os clérigos tenham brio, andem apresentáveis, e sempre se distingam dos leigos pelo seu cabelo, nunca totalmente cortado, mas com a raspagem certa, tal como a barba desfeita. Além disso, avisa que estas normas são para cumprir rigorosamente e com especial atenção nos dias santos, nos dias festivos e de procissões, já que nesses dias andam mais sacerdotes juntos e não seria de bom tom que uns tivessem tonsura e barba desfeita e outros não, sob pena do pagamento de pesadas multas, ou até condenações de prisão, para aqueles que não cumprissem tais prerrogativas.

É interessante notar que o corte de barba e cabelo, algo não tão importante assim no mundo secular, é envolto de todo um simbolismo e carregado de grande relevância no mundo clerical – sendo que a aparência do sacerdote, regida por estas normas ao longo de séculos, era tão reconhecida na sociedade, e na Igreja, que figurava como elemento de identificação irrefutável dos membros do Clero40.

A Igreja, através de uma coisa aparentemente tão simples, mas tão simbólica, como a instituição do corte de barba e cabelo, zela pela sua imagem exterior e, simultaneamente, relembra aos seus membros, de forma fisicamente presente, o seu dever de obediência aos costumes, o que facilitava a doutrinação das suas ideias. Assim, estes elementos, descritos e normatizados na Igreja, patentes nos sínodos, colocam-se em evidência como um mecanismo de controlo e um disciplinador interno, e fator de diferenciação dentro e fora da Igreja, sendo que, por um lado, passam uma ideia de humildade e, por outro lado, uma perspectiva hierárquica e especial da instituição.

(39)

37

4. Das Vestes

É tempo agora de nos focarmos nas regulamentações referentes às vestes dos clérigos, onde os conceitos de cor e de tamanho são definidos para enfatizar, mais uma vez, a ideia primordial de honestidade e seriedade41 que se esperam de um sacerdote. Além desses aspectos, as vestes, pelas

suas características de brilho e de clareza na celebração dos sacramentos, procuram transparecer uma ideia de pureza e poder ao mesmo tempo, sendo este um objetivo importante para o estabelecimento de uma imagem social coesa, peculiar e forte. Existem diferenças entre as vestes, que dependem da ocasião, sendo que algumas eram raramente usadas, pelo que, à primeira vista, não são tão familiares. É importante reter que os elementos constitutivos das vestes eram sobretudo o tamanho e as cores, o que mais importa à vista, que procuravam transmitir mensagens, mesmo que subliminares, aos leigos. O costume de vestir e a evolução das vestes estão intimamente ligados à (longa) história da própria Igreja, sendo este um mundo imensamente diverso, preenchido de elementos que foram surgindo ou saindo ao longo do tempo, pelo que não nos cabe uma análise exaustiva ao vestuário, mas sim uma análise aos preceitos e conceitos que estão por detrás da indumentária em si, a partir da observação de algumas regras sobre a sua utilização.

De modo geral, notámos que as constituições sinodais tinham o objetivo de transmitir uma tradição imagética de sobriedade da instituição religiosa e dos seus membros, e de seriedade do ofício religioso, sendo que é relatado nos sínodos portugueses que esta honestidade da vida clerical também é expressa através das suas vestes.

No que ao vestir diz respeito, como iremos ver, existem elementos mais sensíveis do que outros na composição fundamental das vestes. A dinâmica de mudança nos costumes, e da cultura em geral, fez com que também a Igreja trouxesse para si alterações no quesito vestimenta, o que é observável em

41MELO, João de. Constituicoens do Bispado do Algarue. Lixboa: em Casa de Germão Galharde, 1674. fl. 39.

Ilustração 6: Veste Sacerdotal

(40)

38

diversos sínodos, que se espaçam nos séculos ora vistos, como também o é a permanência de certos elementos tradicionais, como a cor preta do hábito ou dos sapatos de uso diário, que permanecem uma constante.

4.1. Das cores, tipos e tamanhos

No que respeita às cores e tamanhos das vestes, as constituições sinodais mostram um entendimento bem mais uniforme, ainda que cada uma sendo muito descritiva acerca dos componentes das vestimentas em questão. À semelhança de todos os outros aspetos sobre a imagem do clérigo, que eram reflexo da imagem da própria instituição, a Igreja demonstrava preocupação sobre o assunto e exigia o respeito e cumprimento da norma. Como nota Mendes (1585, p.61), as leis canónicas exigiam que todo o eclesiástico parecesse sóbrio e honesto, porque a imagem do clérigo era a imagem itinerante da Igreja, e por isso o bom, o correto, uso das vestes e a boa aparência eram fundamentais para uma boa representação imagética da instituição. Ainda que alguns detalhes variassem conforme a época ou o uso, os sacerdotes deviam, regra geral e constante, calçar-se e vestir um hábito, um tipo de túnica, comprido e de cor sóbria.

Nos sínodos é dada uma grande ênfase à questão da cor das vestes sacerdotais. Existia, por exemplo, a premissa de que os sapatos teriam de ser de cor preta; tal como eram proibidas vestes de

Ilustração7: Veste acadêmica eclesiástica

(41)

39

cores consideradas desonestas ou menos honestas – tais como o vermelho, o verde, o amarelo, o alimonado e/ou a cor de cravo42.

Outros aspetos muito acentuados, e de grande relevância, nas normas sinodais eram as regras quanto ao tamanho das vestes e a proibição do uso aberto das mesmas. O hábito tinha um tamanho mínimo, abaixo do joelho, e era obrigatório usar os botões fechados. Novamente, tais regras deviam-se a critérios e padrões de imagem, que deveriam transmitir visualmente os valores morais e a sobriedade eclesiástica43, passando sempre uma impressão séria e reta, e reafirmando constantemente a identidade

daquele servo da Igreja, imbuído de uma inquestionável honestidade clerical, que era digna do, e projetada no, hábito que envergava.

4.2. Dos locais e Cerimónias para uso das Vestes

Os sínodos especificam também um conjunto de regras para o uso de determinadas vestes, ou de determinados elementos, carregadas de simbolismo, explicando, por exemplo, o que vestir para rezar a missa, ir a determinado local ou estar perante alguma pessoa distinta44.

42 Sínodo do Porto 11,1496, in GARCIA, António Garcia y et al (Org) Synodicon Hispanum: Portugal. Madri:

Biblioteca de Autores Cristianos, Católica S.A., 1982. 2 vol., p.359.

43 Sínodo do Porto 11,1496, in GARCIA, António Garcia y et al (Org) Synodicon Hispanum: Portugal. Madri: Biblioteca de Autores Cristianos, Católica S.A., 1982. 2 vol., p.3361.

44MENDES, Geraldo. Constituições Synodaes do Bispado do Porto rdenadas pelo muyto illustre... Senhor Dom

Frey Marcos de Lisboa, bispo do dito bispado &c. [sic]. Coimbra: Por Antonio de Mariz : á Custa de Giraldo Mendez, Liureiro, 1585. fl.66.

(42)

40

O tipo de vestes, elementos e sua disposição estavam imbuídos de simbolismo e eram referências aos dogmas da Igreja, expostos com o intuito de serem mostrados, explicados e confirmados perante a sociedade, como uma afirmação constante, ou como uma mensagem específica (como nas vestes especiais da Quaresma e Páscoa), e justificada, da sua doutrina.

O exemplo mais comum das normas sobre as vestes é aquele que se aplica ao hábito para a realização da missa. Em Limpo (1541, p.54), por exemplo, vemos que a norma dizia que a vestimenta da celebração eucarística devia ser a mesma usada na cerimónia do sepultamento45. Já no sínodo de

Angra, de 1560, a norma instituída mandava que se utilizasse um «sobrepellis» por cima da «loba», ou da «jubeta», e que esta fosse, pelo menos, abaixo do joelho, sob pena de pagar 50 reis de multa caso houvesse incumprimento46. Este é mais um exemplo do rígido controlo que a Igreja exercia sobre o

cumprimento das suas regras e normas, presentes nos sínodos, utilizando como punição mais comum a penalização monetária, através da qual fazia valer as regras impostas, conseguindo que os clérigos tivessem a dita imagem, ou obtendo lucro, através das multas que lhes aplicava, conquistando vantagem em ambas as situações.

Contudo, a Igreja Católica queria não só impor-se nos meios populares, mas também (e até sobretudo) nos meios distintos da nobreza e realeza, tendo por isso regras de vestimenta especiais para ocasiões e pessoas distintas. A presença e apresentação dos seus representantes, por exemplo, em eventos da corte, atraía não só a atenção e controlo dos bispados, mas também do Vaticano - ou seja, da Igreja como um todo, porque na presença de um clérigo junto dos mais distintos nobres e da Família Real, se projetava também a imagem da Santa Madre Igreja, de toda a instituição, que eles mais de perto iriam conhecer. Tal era uma circunstância da maior relevância para a Igreja obter, e manter, o seu poder na hierarquia sociocultural e até económica – visto que, além de tudo, era através da Nobreza e do Rei que a instituição recebia muitos dos seus benefícios, terras e tesouros.

45LIMPO, Baltasar. Cõstituições Sinodaes do Bispado do Porto Orenadas pelo muito reveredo i Magnífico São

Baltazr Tipo Bispo do dito Bispado. Porto: Vasco Diaz Tanquo de Frexenal, 1541. fl.54.

46 COLONIA, João Blávio de. Cõstituições Sinodaes do Bispado Dangra. Lixboa: Diocese Angra do Heroísmo, 1560. p. 55.

Ilustração 8: Sequência das vestes Sacerdotais

(43)

41

4.3 - O uso no Sepultamento

A última abordagem sinodal sobre os aspectos das vestimentas é a que diz respeito ao tipo de veste que deveriam colocar no sacerdote aquando do seu sepultamento47, atestando que deveriam ser

incorporados elementos alusivos ao seu bom caráter, promovendo uma última imagem simbólica na hora da partida do religioso. Além disso, eram especificados outros detalhes sobre a cerimónia fúnebre, como, por exemplo, o uso de colocar um cálice de prata nas mãos do finado clérigo durante a missa e o trajeto até a sepultura e, ao chegar, retirá-lo e trocá-lo por um cálice de cera ou um crucifixo, que permaneceria com ele na tumba.

Existe, por exemplo, uma descrição detalhada sobre as vestes de sepultamento dos membros do Clero, com diferenças conforme a hierarquia eclesiástica, no sínodo de Portalegre de 1632, que diz:

“[...] O hábito com que deve ser levado à sepultura sendo sacerdotes serão os ornamentos sacerdotais roxos ou pretos, sobre o hábito preto cumprido de que usaram em vida e conforme ao costume levarão uma cálix ou uma cruz nas mãos levantada ante os peitos. O diácono levará sobre a veste clerical, amito, alva, cordão, manipulo e estola deitada sobre o ombro esquerdo com a dalmática da mesma cor. O subdiácono levará sob a vestidura, amito, alva, cordão, manipulo e dalmática. Os outros de menores ordens levarão sobre a veste comprida sobrepeliz, e uns, e outros levaram tonsura aberta e barretes. ” (PEREIRA, 1632, p.154-155).

Normalmente, era esta a normatização do processo ritualístico da cerimónia do sepultamento sacerdotal, onde existiam várias mensagens expressas através da roupa – não só na última indumentária do falecido clérigo, mas também nas vestes dos diáconos e subdiáconos que o acompanhavam no cortejo fúnebre.

47 VIDE, Sebastião Monteiro de. Constituiçoens primeyras do arcebispado da Bahia feytas, & ordenadas pelo

illustrissimo, e reverendissimo senhor D. Sebastiaõ monteyro da vide, arcebispo do dito arcebispado, & do conselho de sua magestade, propostas, e aceytas em o sinodo diecesano que o dito senhor celebrou em 12. de junho do anno de 1707. Lisboa Ocidental: na Officina de Pascoal da Sylva, Impressor de Sua Magestade, 1719. p.310.

Ilustração 9: Elementos da veste sacerdotal Fonte: Google imagens

(44)

42

Estas práticas eram coerentes com a doutrina católica, e aceites pela comunidade como necessárias homenagens ao clérigo pela sua opção de vida, sendo também um meio simbólico de completar, de encerrar, a sua missão na Terra. Assim, o conjunto de regras estabelecidas para as vestes do sacerdote, tanto na vida como na morte, culminam em representações cheias de simbolismo e apelos de espiritualidade, transmitindo uma certa ideia de grandeza, que induz, de certa forma à admiração – com tanta força que poderia até modificar a essência biográfica de um sacerdote, dependendo da intensidade ritualística do momento fúnebre e/ou do simbolismo presente na indumentária escolhida.

(45)

43

5. A Moradia Sacerdotal

As problemáticas relacionadas aos cuidados a ter com a manutenção dos bens imóveis da Igreja prendiam-se a questões como o abandono ou a inutilização dos espaços, e o vandalismo contínuo, que provocavam a deterioração dos edifícios eclesiásticos. Como temos visto, a instituição sempre manifestou grande preocupação com a sua imagem, que se refletia também na preservação dos seus bens, pelo que cria normas para o efeito, no respeitante ao seu património imobiliário.

Garcia et al. (1982, p.47-48) diz-nos que o arcebispo de Braga, D. Gonçalo Pereira, durante uma viajem de visitação, no sec. XIV, se choca quando observa um completo abandono dos imóveis da Igreja, bem como uma ausência de representante clerical nos mesmos, acentuando o seu espanto quanto descaso promovido por todas as instâncias do Clero da região sobre o assunto. Desta forma, em 1333, no sínodo de Braga, abordou-se a problemática do abandono de igrejas e residências sacerdotais, bem como de outros bens e propriedades pertencentes à instituição católica. Esta questão foi mal recebida por grande parte dos clérigos, visto que o mau estado em que os bens imóveis se encontravam era de sua responsabilidade. Ressalve-se, ainda, que este sínodo teve extrema relevância, pois foi o primeiro escrito em língua portuguesa, vindo a causar grande impacto junto dos vários órgãos eclesiásticos, pelo fácil entendimento que a língua materna oferece, por oposição latim, que nem todos os sacerdotes dominavam, entendiam ou interpretavam bem.

A Santa Sé resolveu este problema dos bens imóveis através da promulgação de normas que promoviam, e até obrigavam, a fixação dos sacerdotes nas suas paróquias, com a condição de zelar pelo património, usando como domicílio o presbitério ou a residência paroquial, conferindo, assim, aos padres a responsabilidade moral de cuidar dos bens da Igreja. Passaram, então, a ser incluídas nas discussões sinodais as questões referentes ao cuidado com o património imóvel da Igreja, criando uma cultura de manutenção e zelo das propriedades, e promovendo, em simultâneo, uma representatividade maior da instituição junto aos leigos de cada região, através da constante presença do pároco. Para o cumprimento

Imagem

Tabela 1- Sínodos e livro.
Ilustração 1: A Tonsura
Ilustração 2: Clérigo com Tonsura  Fonte: Google imagens
Ilustração 3: Desenho de Tonsura  Fonte: Sínodo de Angra 1560
+6

Referências

Documentos relacionados

dois gestores, pelo fato deles serem os mais indicados para avaliarem administrativamente a articulação entre o ensino médio e a educação profissional, bem como a estruturação

Assim, além de suas cinco dimensões não poderem ser mensuradas simultaneamente, já que fazem mais ou menos sentido dependendo do momento da mensuração, seu nível de

O setor de energia é muito explorado por Rifkin, que desenvolveu o tema numa obra específica de 2004, denominada The Hydrogen Economy (RIFKIN, 2004). Em nenhuma outra área

O termo extrusão do núcleo pulposo aguda e não compressiva (Enpanc) é usado aqui, pois descreve as principais características da doença e ajuda a

No código abaixo, foi atribuída a string “power” à variável do tipo string my_probe, que será usada como sonda para busca na string atribuída à variável my_string.. O

No final, os EUA viram a maioria das questões que tinham de ser resolvidas no sentido da criação de um tribunal que lhe fosse aceitável serem estabelecidas em sentido oposto, pelo

Para analisar as Componentes de Gestão foram utilizadas questões referentes à forma como o visitante considera as condições da ilha no momento da realização do

O novo acervo, denominado “Arquivo Particular Julio de Castilhos”, agrega documentação de origem desconhecida, mas que, por suas características de caráter muito íntimo