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Olhares Estrangeiros sobre Goiás: do viajante ao Missionário na Produção da Alteridade sobre o Sertão Goiano

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Academic year: 2021

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Resumo: a história do estado de Goiás tem sido escrita há décadas sob o signo de

olha-res estrangeiros que pelo estado passaram e dele registraram suas impolha-res- impres-sões. Dentre tais transeuntes, os viajantes naturalistas europeus, que durante todo o século XIX transitaram pelo interior do Brasil em busca de anotações da fauna, flora e costumes brasileiros, fizeram de suas narrativas fontes de inquestionável importância para a construção da historiografia goiana do século que os sucederam. Entretanto, outros olhares estrangeiros construíram também importantes narrativas sobre Goiás, como é o caso dos missionários religiosos. Todavia, embora suas narrativas convirjam em muitos aspectos, os diferentes condicionamentos de seus olhares produziram também carac-terizações distintas, as quais devem ser levadas em conta para se repensar a escrita da história de períodos inteiros do estado de Goiás. Neste sentido, a proposta do presente artigo é refletir sobre tais sujeitos históricos narradores da província e estado de Goiás como indivíduos na condição de viajantes e missionários, ou seja, sujeitos que estão condicionados à sua situação de itinerantes ou vocacionados, e, a partir disso, compreender a maneira pela qual tais condicionamentos determinam a narrativa que construíram sobre o tempo e espaços descritos.

Palavras-chave: Viajantes. Missionários. Goiás Robson Rodrigues Gomes Filho**

OLHARES ESTRANGEIROS SOBRE GOIÁS: DO VIAJANTE AO MISSIONÁRIO NA PRODUÇÃO DA ALTERIDADE SOBRE O SERTÃO GOIANO*

–––––––––––––––––

* Recebido em: 01.12.2014. Aprovado em: 29.12.2014.

** Doutorando em História pela Universidade Federal Fluminense. Mestre em História pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor efetivo do curso de História na Universidade Estadual de Goiás, Campus Morrinhos. E-mail: robson.educacao@yahoo.com.br.

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NO LIMIAR DO DEBATE

U

ma das mais importantes fontes para a pesquisa da história de Goiás, espe-cialmente no que tange o século XIX, refere-se às narrativas de viajantes estrangeiros que passaram pelo estado durante décadas, com os mais diver-sos objetivos, olhares e detalhamentos que enriquecem a caracterização de períodos inteiros, ao passo que também povoam o imaginário do leitor de condições históricas questionáveis. Entretanto, é perceptível que a historio-grafia de Goiás, mesmo que careça de leituras e interpretações mais profun-das sobre a passagem dos ditos “viajantes naturalistas” pelo estado, ainda pouco se debruçou sobre outros olhares e narrativas, também estrangeiros, que não somente passaram pela região, mas, diferentemente dos viajantes, aqui permaneceram e aqui experienciaram e participaram de transformações históricas importantes.

Dentre muitos grupos estrangeiros que foram para o Goiás, sejam em processos mi-gratórios, sejam como viajantes, comerciantes, dentre outros, destacam-se os missionários religiosos, cujas perspectivas e olhares sobre o estado em muito se aproximam, mas também em muito se divergem dos viajantes oitocentistas. Um interessante exemplo refere-se aos missionários católicos da Congregação Redentorista, que desde 1894 instalaram-se em Goiás, experienciando e parti-cipando de processos históricos importantes no estado, cujas representações e olhares sobre o mesmo podem nos permitir refletir de maneira mais sofisticada sobre a construção política, socioeconômica e cultural de Goiás na transição de seu estado de “decadência” (observado pelos viajantes) à sua modernidade (pensada pela historiografia goiana).

Para refletirmos sobre estas diferentes condições de experiência histórica de viajan-tes e missionários, propomos para o presente artigo uma reflexão sobre os olhares de alguns dos viajantes do século XIX e dos missionários redento-ristas, em sua transição para as primeiras décadas do século XX, focando, de modo especial, nas particularidades históricas e antropológicas de suas experiências com a região, condicionadas por suas posições enquanto sujei-tos em trânsito ou fixos. Para tanto, propomos uma reflexão sobre o tempo e os sujeitos que nele se inserem, nele sofrem e dele logram a experiência da história, uma vez que acreditamos ser necessária, para o intento que propo-mos, uma reflexão que transcenda a mera aparência contextual das condições socioeconômicas e culturais que nos dispomos no período recortado, para nos permitirmos pensar as experiências temporais de tais sujeitos que condi-cionam sua visão como passantes ou fixantes em um determinado lugar que não somente se localiza em um espaço específico, mas, sobretudo, em uma temporalidade singular.

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OS VIAJANTES E OS MISSIONÁRIOS: UMA EXPOSIÇÃO DO OBJETO DE PESQUISA

A passagem de naturalistas e cientistas estrangeiros pelo interior do Brasil, no século XIX, está permeada por um contexto histórico de necessária abertura da co-lônia portuguesa ao conhecimento biológico e geográfico do vasto território há quase três séculos sob exclusividade lusitana. Embora fossem os estudos sobre fauna e flora não europeias uma tendência já em andamento no Velho Continente, o Brasil – por conta de um específico processo histórico seguido de sucessivas crises de sua matriz colonial – permanecia praticamente desco-nhecido aos olhos não portugueses (CORRÊA, 2001 p. 76). Esta realidade, no entanto, sofreu importantes e definitivas transformações a partir do início do século XIX, quando, com vinda da corte real de Portugal, foi adotada a abertura dos portos às “nações amigas”, cuja consequência, do ponto de vista científico e cultural, foi a possibilidade de exploração do vasto território brasi-leiro para investigações e curiosidades científicas sobre nosso bioma e cultura. Nesta ocasião, importantes nomes para nossa historiografia passaram pelos mais varia-dos espaços brasileiros coletando informações das mais diversas, cuja singula-ridade histórico-cultural não lhes escapou às anotações. No caso específico de Goiás, passaram pela então província os viajantes alemães Johann Baptist von Spix e Karl Friedrich von Martius em 1818, o austríaco Johann Emanuel Pohl entre 1818 e 1820, os franceses Auguste de Saint-Hilaire (1819) e Francis Cas-telnau (1844), os ingleses Willian John Burchell (1827-1829) e Gerog Gardner (1839-1840), os portugueses Raymundo José da Cunha Mattos (1823-1826) e Luiz D’Alincourt (1818), além de brasileiros com semelhantes fins, como o mineiro Virgílio M. de Mello Franco, o paulista Joaquim Almeida Leite de Moraes e o carioca Oscar Leal.

Tais viajantes encontraram em Goiás um contexto bastante particular. Nas últimas dé-cadas do século XVIII a produção aurífera da região já estava em declive, e com ela toda uma ocupação do espaço urbano. Nestas circunstâncias, os euro-peus que por aqui passaram encontraram uma população à deriva do arranque litorâneo no processo de urbanização e industrialização que o século XIX re-servava. Seja no que tange a arquitetura, transporte, comunicação, produção econômica, etc., seja na participação direta na imposição de valores culturais e morais reinantes na realidade europeia, Goiás foi percebido como uma pro-víncia material e culturalmente à mercê da modernidade e progresso. Mais que isso, contrastada com a importante produção de metais preciosos em Goiás durante o Setecentos, a realidade goiana do século XIX pareceu, aos olhos europeus, uma decadência que transcendia a produção e acumulação de bens materiais.

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Por outro lado, quando pensamos a presença de missionários religiosos estrangeiros em Goiás, podemos nos reportar ainda ao início da colonização do estado, com a chegada dos bandeirantes paulistas e com eles de religiosos que os acompa-nhavam. No entanto, para o intento do presente artigo, nos limitaremos a uma congregação religiosa específica que chegou a Goiás ainda no final do século XIX: os Redentoristas.

A Congregação do Santíssimo Senhor Redentor (Redentoristas), fundada em Scala, na Itália, em 1732, por Afonso Maria de Ligório, chegou ao Brasil em 1894 a convite dos bispos Dom Eduardo Duarte Silva e Dom Joaquim Arcoverde, de Goiás e São Paulo, respectivamente. Tal convite se deu sob um contexto histórico singular tanto para a Igreja Católica no Brasil, quanto para a pró-pria congregação. Para a Igreja, o momento era de adaptação ao novo regime político do país: há pouco se instaurara a República, e, com ela, a separação entre Igreja e Estado. Tal separação gerara, dentre outras coisas, uma situação financeira delicada para o poder eclesiástico brasileiro, visto que, não obstante sua liberdade face à escolha de bispos e obediência direta à Santa Sé, o recur-so financeiro que advinha do Estado agora deveria ser gerado e gerido pela própria instituição, processo a que o historiador Ronaldo Vaz (1997) chamou “estadualização”.

Em Goiás, além da questão financeira, outras problemáticas estavam em jogo para o catolicismo. O bispo Dom Eduardo Silva, cuja gestão da diocese se iniciara em 1891, foi o maior representante do que ficou conhecido por “movimen-to ultramontano”1, cujas perspectivas religiosas foi um verdadeiro retrocesso

face à modernidade (MATA, 2007), tendo como princípio prático o controle das manifestações da religiosidade popular em vistas daquilo que a historio-grafia brasileira do catolicismo insistiu em denominar “romanização”2. Tais

perspectivas geraram conflitos intensos, seja com o Estado, seja com a po-pulação local3. Essa situação culminou na ida de Dom Eduardo à Europa em

busca de uma congregação religiosa que lhe auxiliasse no controle da romaria de Trindade e na evangelização de todo o sul do estado de Goiás. Após diver-sas tentativas4, a única congregação que aceitou o desafio proposto pelo bispo

goiano foi a Congregação Redentorista da província da Baviera, na Alemanha, que, em 1894 fundou uma vice-província de missões no Brasil, com casas em Goiás e São Paulo.

Por parte da Congregação Redentorista da Alemanha, o momento do convite de Dom Eduardo foi singular. Em 1894 a província redentorista bávara estava voltando de um exílio de 21 anos imposto pelo Estado recém unificado da Alemanha, em um movimento anticlerical liderado por Otto von Bismark, conhecido por

Kulturkampf5. Neste momento de reestruturação da referida província alemã,

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vez que não somente oportunizava novos horizontes de missões, mas, funda-mentalmente, retornava aos missionários aquilo que acreditavam ser o carisma fundamental impresso pelo fundador da Congregação: a missão popular entre os pobres já cristãos7.

Dessa forma, as passagens de tais viajantes e missionários por Goiás se tornaram fontes dos mais variados tipos de interpretações sobre nossa história. De um modo específico, o signo da decadência socioeconômica e cultural de Goiás, im-presso sobre todo o século XIX, foi uma das principais marcas que os relatos e narrativas produzidos por tais indivíduos legaram para as interpretações do período entre o auge da mineração no estado – em meados do século XVIII – e sua retomada ao “progresso” e “modernidade” apenas na década de 1930. Entretanto, algumas marcas bastante singulares caracterizaram os olhares de tais

narra-dores sobre a província goiana no citado período. Dentre elas tem sido discuti-dos por historiadores o eurocentrismo e o imperialismo político e culturalmen-te reinanculturalmen-tes na Europa oitocentista8. Não obstante, para além da caracterização

de europeus ou brasileiros litorâneos, parece-nos necessário pensar tais sujei-tos históricos como indivíduos na condição de viajantes e missionários, ou seja, sujeitos que estão condicionados à sua situação de itinerantes ou vocacio-nados, e, por conta disso, com diferentes compromissos de transformação do lugar (espacial e temporal) que ocupam naquele momento específico.

Neste sentido, para pensarmos os sujeitos que tomamos para análise, nos deteremos primei-ramente em uma reflexão acerca de suas condições enquanto viajantes ou

missio-nários, que, ao que nos parece, são determinantes para a maneira como que tais indivíduos encararam o tempo e o espaço goianos que ocuparam. Para tanto, esbo-çamos, de maneira tipológica9, características gerais que podem ser percebidas em

tais posições que nosso objeto ocupa, e, a partir delas, teceremos algumas reflexões acerca do modo como acreditamos que essas condições podem ser determinantes da maneira como tais sujeitos perceberam e narraram o estado de Goiás.

A VIAGEM COMO RETORNO: OS VIAJANTES OITOCENTISTAS

E A CONSTRUÇÃO NARRATIVA DE GOIÁS SOB OLHARES EM TRÂNSITO Do ponto de vista do viajante, é fundamental pensarmos tais indivíduos como sujeitos

em trânsito. Isso significa que, pelo fato de não terem qualquer pretensão de ficar mais do que o necessário em Goiás, os viajantes não possuíam qualquer vínculo de compromisso com a província, seja em suas limitações materiais, seja nas condições culturais notadas. À exceção de Raymundo da Cunha Mat-tos, cujo cargo de Comandante de Armas ocupou em Goiás em 1823, todos os demais viajantes por aqui passaram apenas com intuitos de pesquisa, coleta de plantas e informações, ou, quando muito, curiosidade10.

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Neste sentido, podemos descrever a passagem dos viajantes oitocentistas por Goiás como uma viajem de retorno, no sentido de que seus objetivos e perspectivas não intentavam qualquer transformação do lugar analisado, mas simplesmente a oportunidade de ir, ver, retornar e narrar. Conforme reflete François Hartog (2004, p. 27),

Quanto à viagem “ordinária”, pressupõe seguramente o retorno: a narrativa que se faz (no retorno) é uma das leis de sua “organização”, tanto que Pascal assinalou-a, para condená-la, como curiosidade: “curiosidade não passa de vaidade. O mais frequentemente, não se quer saber senão para se falar; de outro modo, não se viajaria pelo mar – para não se dizer jamais nada e pelo único prazer de ver, sem esperança de jamais comunicar-se o que se viu”. Ninguém viaja pelo único prazer de ver. Excedendo o instante, a viagem estende-se para um futuro que permite ao viajante contemplar-se, memorizar o que há para se ver e saborear o prazer de ver.

Desse modo, podemos seguramente pensar a tipologia de um viajante europeu, que, de passagem, transitou pelo estado de Goiás, como sendo fundamentalmente um sujeito em trânsito, perplexo pela alteridade encontrada entre sua realidade europeia e um sertão que se localizava não somente em outro lugar do espaço, mas também do tempo.

É neste sentido que pensamos a maneira como esta condição de viajantes, portanto, de sujeitos que não querem mais do que retornar de sua aventura e narrar aquilo que nela viram, condiciona e, de certo modo, determina a maneira como os viajantes olharam para a realidade de um lugar geograficamente, culturalmen-te, materialmenculturalmen-te, e (o que nos parece ainda mais caro) temporalmente distan-te do mundo europeu de onde partiram e para onde desejam retornar. Assim, “das primeiras narrativas até as últimas, em contextos e propósitos completa-mente diferentes, percebe-se a manutenção do olhar em trânsito, daquele que enxerga, mas não vê” (OLIVEIRA, 2006, p. 13).

Portanto, podemos afirmar, de uma maneira geral, que a produção da narrativa do via-jante está fundamentalmente condicionada por um caráter de retorno. Ou seja, o viajante não possui em seu horizonte de expectativas – no sentido empre-gado por R. Koselleck (2006) – outra coisa senão seu retorno e sua narrativa. Tais elementos – retorno e narrativa – compõem, portanto, a base mais essencial da

condição antropológica do viajante, afinal, “pode-se separar, de um modo ge-ral, viagem e retorno? Uma viagem sem retorno, não por acidente, mas em sua própria definição, seria ainda uma viagem?” (HARTOG, 2004, p. 26). Neste sentido, o retorno se torna tão necessário quanto o ato de narrar, uma vez que o não-retorno significa (no sentido de uma viagem) ou a perda, ou a morte.

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Para pensarmos tais condições antropológicas do viajante (o retorno, a narrativa e a morte), tomamos como ponto de reflexão um dos mais memoráveis viajantes da mitologia ocidental: Odisseu. Na Odisséia de Homero, Ulisses, ou Odis-seu, viaja para Troia com o fito da guerra, mas é justamente em seu retorno que reside a reflexão fundamental de sua viagem. Ao zarpar da costa de Troia, Ulisses perde-se no mar, tornando-se um errante que não deseja outra coisa senão “me encontrar em minha casa e ver o dia do meu retorno” (HARTOG, 2004, p. 33). O medo do não-retorno tem uma razão de ser que ultrapassa o mero desejo de encontrar-se em casa; Ulisses não pode morrer no mar, pois a morte no mar (ao contrário da morte gloriosa na guerra), “é um horror comple-to, pois perde-se tudo, sem a menor contraparte: a vida, o retorno, mas também o renome e até o nome” (HARTOG, 2004, p. 45).

Este medo da morte, ou da perda do “nome” (enquanto identidade pessoal) decorrente da privação do retorno está presente não somente em Ulisses, mas em qualquer viajante que se coloque nas condições antropológicas da viagem. No caso dos naturalistas europeus que tomamos por objeto de análise, tais temores podem ser percebidos, ou pelo menos pensados, quando nos deparamos com sua re-jeição imediata à alteridade temporal de Goiás.

Ao se depararem com a realidade goiana, qual seja, uma província de “fronteira”11, os

viajantes oitocentistas se depararam com um local que não somente estava em um outro lugar do espaço, mas também do tempo. Segundo François Har-tog (2003), a querela entre os antigos e os modernos, até o “descobrimento” das Américas se passava unicamente na esfera temporal. Com o advento dos “selvagens”, no entanto, o antigo passou a residir não somente em um tempo distinto, mas igualmente em um lugar e tempo localizáveis no espaço. Esta relação entre o antigo e o moderno, ao que nos parece, pode ser evidenciada também na maneira como os viajantes europeus encaram os costumes e reali-dades em Goiás. O próprio termo “decadência” parece denotar uma tentativa de explicação do porque uma sociedade que partilha a simultaneidade tempo-ral da existência está ainda tempotempo-ralmente tão “atrasada” em relação ao seu ponto de partida (para tais viajantes, a Europa).

Assim, o medo da “morte” ou da “perda do nome” no caso dos viajantes oitocentistas pode ser pensado a partir do temor de se perder no tempo do outro, ou seja, de retro-ceder, face à alteridade temporal, do moderno europeu ao antigo (ou decadente) goiano. Esta, ao que nos parece, pode ser uma das possibilidades interpretativas para uma caracterização ao mesmo tempo agressiva e horrorizada sobre o sertão goiano12 nas narrativas dos naturalistas europeus do Oitocentos, uma vez que:

o outro é sempre uma ameaça – e o outro extremo representa um extremo perigo. Para manter ou recuperar sua identidade, reencontrar seu nome próprio […]

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o resistente deve ser também o vigilante. O retorno de si para si produz-se em prejuízo do outro (HARTOG, 2004, p. 28. Grifo nosso).

É neste sentido que a narrativa ganha um papel fundamental quando se atinge o retorno. Para o viajante, narrar é lembrar; e lembrar é evitar perder-se mesmo depois de retornado ao seu local de origem. Para pensarmos esta questão, outra mitoló-gica viagem de retorno serve-nos para reflexão. No Antigo Testamento cristão Moisés lidera o povo hebreu em uma viagem que dura 40 anos. Mais que uma fuga da escravidão no Egito, o Êxodo é uma narrativa de uma viagem de retor-no, na qual a “Terra Prometida” nada mais era do que o local de origem para onde o povo deveria regressar depois de séculos de errância em uma viagem perdida. Entretanto, uma vez chegado ao destino, a lição mais importante da viagem liderada por Moisés e Josué não é outra senão “lembrar”.

Modelado por seu deus, que redige a Lei, Israel é insistentemente convidado a jamais deixar de lembrar-se do Egito, caso contrário o tempo de opressão po-derá recomeçar e o Egito “retornar”. Não se trata evidentemente de um retorno efetivo para o Egito, mas o próprio povo de Israel corre o risco de recriar um “Egito”. A memória é o antídoto. No curso de sua marcha, o povo não se choca com o outro, sob os traços de povos estrangeiros ou de seres monstruosos, mas o outro está presente nele próprio (HARTOG, 2004, p. 31-32. Grifo nosso). Desse modo, é a narrativa uma chave fundamental para se evitar a perda do retorno, ainda

que geograficamente o retorno já tenha sido alcançado. De um modo geral, portan-to, a memória é o antídoto que evita o retorno ao “selvagem” por parte dos euro-peus. É necessário não somente relatar o que se viu, mas se construir uma narrativa na qual o “outro” esteja sempre em alteridade de “si”, transformando, através da memória construída narrativamente, o sertão goiano em uma sociedade decadente, ociosa, imoral e inteiramente avessa a qualquer civilidade e progresso.

Destarte, é necessário ao historiador que lida com a narrativa dos viajantes perceber de que maneira sua posição de transeunte condiciona a parcialidade de seus olha-res sobre a realidade goiana, tecendo julgamentos de valor dos mais diversos, cujo teor não se pode esperar a dedicação de se transformar a realidade ob-servada. Ou seja, “suas memórias de viagem são construções que revelam, ao olhar do observador contemporâneo, espessas camadas de representações que passavam por um processo de comparação, classificação e ordenação de suas impressões sobre o ‘outro’, ressaltando diferenças” (CORRÊA, 2001, p. 82). Foi com essa parcialidade de olhar, marcado pelas noções de cientificidade, progresso

e industrialização, próprios do mundo europeu, que os variados viajantes des-creveram o estado de Goiás. No caso das condições urbanas, por exemplo, é

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comum a percepção das cidades goianas como “decadentes”, cujas casas são descritas como miseráveis e a vida urbana como inexistente. Diversos são os relatos em que estas caracterizações ocorrem, de Pohl (1951, p. 21-25) que descreve os arraiais como conjunto de casas miseráveis e abandonadas, à Os-car Leal que descreve as casas goianas como “um sistema claustral, estúpido, abominável mais próprio de caipiras do que de gente que se preza de civiliza-da” (LEAL, 1980, p. 75). Neste sentido,

É inegável que há uma profunda diferença entre uma paisagem descrita e estu-dada, e uma paisagem experienciada e vivida. Como os viajantes não tinham nem sentimentos, nem vínculos de familiaridade com a cidade, o que sem dúvida é um fator que dá significado especial aos lugares, não foram nada condescen-dentes ao traçar o perfil de sua geografia, de seus habitantes e do seu conjunto urbanístico (CORRÊA, 2001, p. 92).

Portanto, embora tais caracterizações não sejam em tudo divergentes das descrições feitas pelos missionários, como veremos adiante, a diferença fundamental en-tre tais olhares se dá, como já afirmamos, na condição de transeunte de tais viajantes, que, sem qualquer vínculo afetivo, cultural ou vocacional com o lugar descrito, não se veem obrigados a qualquer condescendência, ou mesmo empenho para transformação do lugar.

A VIAGEM COMO (RE)FUNDAÇÃO: OS MISSIONÁRIOS CATÓLICOS E OS OLHARES SOBRE GOIÁS A PARTIR DA IDEIA DE VOCAÇÃO A partir dessas considerações, podemos esboçar também uma tipologia para o

missioná-rio. De um modo geral o missionário religioso sai de sua terra natal para cumprir aquilo que acredita ser sua vocação, porquanto, a realização de um chamado divino pessoal que determina suas condutas, posições sociais e mesmo interesses materiais. Neste sentido, o missionário, especialmente católico, desempenha um tipo específico de ascetismo13 que o leva a sair de sua terra natal não em uma

via-gem de retorno, como no caso dos viajantes acima descritos, mas de fundação. Isso significa que, de maneira geral, os missionários não intentam o retorno à sua pátria, mas o estabelecimento em seu lugar de missão como cumprimento de um chamado particular de seu deus. Tais condições ficam claras, por exemplo, em alguns relatos das crônicas escritas pelos missionários redentoristas quando de sua vinda para o Brasil:

Vencidos todos os impedimentos e dificuldades […] raiou finalmente o longa-mente esperado 5 de outubro, em que deveríamos abandonar para sempre o

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chão firme da Europa e começar a insegura viagem através do Oceano Atlântico

para pisar novamente em terra firme apenas no Brasil (WIGGERMANN, 1982,

p. 18. Grifos nossos).

Estávamos de arrumação, aproveitando-nos destes dias que ainda nos sobra-vam, quando sobreveio, ainda a tempo, o pai com mamãe e irmãos para me

darem o adeus derradeiro neste mundo e o “Até à vista no Céu”

(WIGGER-MANN, 1982, p. 184. Grifos nossos).

A partir dos excertos acima, é notória a condição assumida pelos missionários de

via-jantes fundadores de um novo lar, uma nova pátria, ou seja, sem qualquer

perspectiva de “voltar para narrar”. Para pensarmos esta questão, utilizar-nos--emos novamente de mais uma personagem viajante da mitologia ocidental: Eneias. Em sua epopeia sobre a fundação de Roma, Eneida, Virgílio narra a viagem de um sobrevivente troiano da destruição de sua terra pelos inimigos gregos. Nesta viagem Eneias, assim como Ulisses, enfrenta inúmeros desafios. Todavia é sua chegada que de fato culmina na reflexão principal de toda a obra: a fundação do novo lar, que futuramente se tornaria Roma, é na verdade uma refundação, a construção de uma Nova Troia; de certa forma, um reco-meço ou um retorno ao local de origem localizado em outro lugar do espaço. Neste caso, destarte,

Enquanto Ulisses não deseja mais que retornar a Ítaca, deixando Troia enfim destruída, Enéias deixa Troia em chamas para não mais voltar. A Eneida não fornece justamente o exemplo de uma vigem sem retorno, mesmo se a narrativa tende de todo para a fundação de uma nova Troia? Onde e como? Tudo está aí. Trata-se da narrativa de uma colonização forçada (HARTOG, 2004, p. 29).

Tomando esta reflexão, portanto, para pensarmos o caso dos missionários redentoris-tas que temos por objeto de análise, parece-nos coerente admitir que o mis-sionário parte de sua terra natal para não mais voltar, e, assim, poder fundar uma nova pátria, católica, evangelizada. Todavia, essa nova pátria é o espelho daquela que deixou para trás. É uma nova Troia (no caso católico, uma nova Roma); uma tentativa não de uma fundação de algo totalmente novo, mas de algo que retorne àquela terra que para trás se deixou no “o adeus derradeiro neste mundo”.

A partir de tais condições, acreditamos haver características singulares na forma como os missionários redentoristas em Goiás perceberam o espaço e tempo do lugar destinado para essa nova fundação. Tais características, não obstante aparentes proximidades são fundamentalmente diferentes do olhar impresso pelos

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via-jantes oitocentistas sobre o qual refletimos há pouco. Clara fica esta questão quando nos deparamos com a interessante descrição que tais missionários fa-zem da primeira casa que lhes foi destinada como convento em Goiás.

Quando falamos de convento, não vá o leitor destas linhas imaginar-se um edi-fício como os que na Europa se destinam para residência de Religiosos. Nosso primeiro convento não passava de uma cabana feita de ripas rebocadas com barro. Entrando pela pesada porta depara-se um corredor estreito de 5 passos de comprimento por 1 e meio de largura, que iria servir de oficina para o mar-ceneiro irmão Gebardo. […]. Possuía o vão da janela, mas não a janela, o que permitia o acesso à luz, mas também aos passantes meter a cabeça para dentro ou aos curiosos espiar o interior. Faltavam também por inteiro mesas e cadeiras, que não teriam mesmo lugar, pois o espaço era mal suficiente para uma cama. Contiguamente a este abria-se outro quarto, desta vez escuro, desprovido que era até da abertura da janela. Seguindo-se o corredor atingia-se, galgando um cepo de madeira, outro cômodo, destinado à cozinha. Esta possuía uma porta posterior, que levava ao quintal, para ultrapassá-la era mister curvar-se bem, caso não se preferisse ferir a cabeça nos caibos do telhado. A cozinha era des-pida de fogão e de todo o aparelhamento culinário. Três pedras no chão com os restos de cinza e de lenha eram a única indicação de que estávamos no com-partimento reservado ao preparo de alimentos. Da cozinha uma porta conduzia a outra sala, que tinha ficado pronta na manhã do dia de nossa chegada. Devia servir de refeitório. As paredes ainda úmidas e pegajosas, forçando-nos a toda a atenção para não nos aproximarmos, com o que corríamos risco ou de nos sujar ou de derrubar as paredes. Pequena abertura fazia as vezes de janela. Nada de mesa, nem de cadeiras, nem de qualquer outros apetrechos. […] Isto foi o nosso primeiro convento. Assoalho é coisa que não existia nesta casa, nem em todo o estado de Goiás. O piso é a terra nua. O goiano ao construir a sua casa não se dá o menor trabalho de ao menos aplainar o chão em seu interior. Muito menos é de encontrar-se em Goiás casa forrada. A única cobertura é precário teto de telhas ou de sapé. Não é, pois, de admirar se os diversos cômodos do convento, principalmente a cozinha, estavam cheios de água, quando a vinda de nossos padres. Por ocasião das chuvas a água chegava a cair em cheio em nossos

pra-tos e copos […] (WIGGERMANN, 1982, p. 121).

Na descrição acima, aparentemente não há muitas diferenças na maneira como os mis-sionários e os viajantes enxergam as limitações materiais das residências em Goiás, especialmente quando comparadas com as edificações europeias com as quais estavam acostumados. No entanto, é justamente na fixação missioná-ria em oposição à fugacidade do viajante que reside a diferença que desejamos

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expor. Ainda na mesma narrativa, após uma série inteira de descrições em des-favor das condições materiais que se encontrava o lugar a que se destinavam os missionários, o cronista ressalta que:

Enganar-se-ia, contudo, quem nos julgasse tristes por vida tão pobre e afadi-gosa. Nada disso, o que nos faltava em consolações terrestres, era reposto pela graça de Deus por tal forma, que nunca estivemos tão alegres como naqueles tempos em que chegávamos a tirar da mesma miséria motivos de alegria (WIG-GERMANN, 1982, p. 122).

Esta fala do cronista revela um fator fundamental que marca toda sua construção narrativa sobre o estado de Goiás: o ascetismo vocacional. Segundo Émille Durkheim, em sua famosa Formas Elementares da Vida Religiosa, o puro as-ceta é:

[…] um homem que se eleva acima dos homens e que adquire uma santida-de particular por meio santida-de jejuns, santida-de vigílias, pelo retiro e pelo silêncio, em uma palavra, por meio de privações, mais do que por atos de piedade positiva

(DURKHEIM, 2003, p. 330).

Portanto, segundo o sociólogo, a característica fundamental que marca o ascetismo é a atitude de renúncia ou privação por parte do religioso de uma vida própria do seu cotidiano, em virtude da crença de que tal sacrifício pessoal possa elevá-lo a um estado de pureza, proximidade ou agrado da divindade cultuada. É neste sentido que, para Durkheim, “o ascetismo não é, como se poderia pensar, um fruto raro, excepcional e quase anormal da vida religiosa; ao contrário, é um elemento essencial dela” (DURKHEIM, 2003, p. 331).

Desse modo, quando pensamos, dentro do cristianismo católico, na vida dos santos pela Igreja canonizados, percebemos que o status de pureza por eles adquiri-do tem relação direta com um ascetismo viviadquiri-do, normalmente, em forma de renúncia das atividades e prazeres da vida cotidiana no mundo. Até os últimos séculos que encerraram a Idade Média, a forma de ascetismo mais comum, seja na Igreja Católica, seja em movimentos condenados como heresias, qualifica-va-se pela fuga do mundo, ou seja, pela retirada do indivíduo das atividades cotidianas passando a viver isoladamente, ou em uma comunidade isolada em mosteiros, abadias e conventos.

Diante disso, torna-se uma tendência comum se pensar que tal forma de ascetismo, por Weber chamada de extramundano, somente foi rompida ou contestada pelo Protestantismo calvinista, que inauguraria uma forma de ascetismo a que o mesmo autor chamou de intramundano (WEBER, 2013). Entretanto, é

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neces-sária uma reflexão mais profunda para não cometermos uma análise leviana da questão.

Se pensarmos a Baixa Idade Média, especialmente no advento de movimentos taxados como heréticos, como os valdenses e albigenses, ou mesmo nas ordens mendi-cantes, como os franciscanos e dominicanos, percebemos que há desde aí uma tendência ao ascetismo que, em alguma medida, se diferencia essencialmente da vida monástica. Como bem ressaltou Weber na sua A ética protestante e o

espírito do capitalismo, “a Ordem Terceira de São Francisco era, por exemplo, uma poderosa tentativa na direção de uma penetração ascética na vida cotidia-na, e, como sabemos, de forma alguma foi a única” (WEBER, 2013, p. 148). Entretanto, a questão que se coloca é: podemos pensar aí já em um ascetismo

intramun-dano? A resposta parece, necessariamente, ambivalente: se por um lado temos neste caso um tipo de ascetismo de atuação no mundo, portanto um tipo de vida religiosa essencialmente missionária, por outro ainda temos uma forma de vida religiosa que distingue o frade (agora também distinto do monge) do leigo14. Ou seja, embora atuando no mundo, a forma de ascetismo aqui

elenca-da trata-se de uma vielenca-da extramunelenca-dana em missão intramunelenca-dana, o que a torna essencialmente diferente do ascetismo protestante analisado por Weber. Em outras palavras:

O ascetismo cristão, que de início fugia do mundo pela solidão, já havia domi-nado o mundo a que ele renunciara pelo monastério e pela Igreja. Mas ele tinha, no seu conjunto, deixado intocado o caráter naturalmente espontâneo da vida cotidiana dentro do mundo. Agora ele caminhou para dentro do mercado da vida, fechou a porta do monastério atrás de si e comprometeu-se em penetrar justamen-te naquela rotina cotidiana com seu carájustamen-ter metódico, para transformá-la em uma

vida no mundo, mas não para este mundo (WEBER, 2013, p. 175).

Isso significa que temos diante de nós um objeto de pesquisa que tem de renunciar sua pertença ao mundo, ao passo que nele próprio realiza sua vocação. No caso dos missionários redentoristas, portanto, as próprias limitações materiais e cultu-rais por eles enxergadas em Goiás fazem parte de sua agenda de interesses no estado, o que condiciona fundamentalmente a maneira como o enxergam, pois embora “decadente” ou “atrasado”, é neste mesmo lugar que têm de se fixar e transformá-lo como parte da missão a que acreditam terem sido chamados. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora com descrições semelhantes, o modo como missionários e viajantes veem o lugar em que narram possui diferenças fundamentais. Tais diferenças residem

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especial-mente na necessidade de transformação do lugar e das pessoas, por parte dos mis-sionários (refundadores do lugar de origem deixado para trás), e a mera observação descompromissada dos viajantes, que não desejam senão o retorno para narrar. Entretanto, seja no olhar daquele que se fixa por vocação, seja na descrição daquele

que passa como mero observador, é justamente a alteridade entre seu ponto de observação e seu lugar de origem, que tornam próximas tais narrativas. Essa alteridade, no entanto, transcende uma simples diferenciação de aspecto físi-co ou geográfifísi-co, podendo ser observada igualmente no quesito temporal, na qual suas posições antropológicas de viajantes ou missionários condicionam o modo como encaram a realidade com a qual se deparam.

Isso significa que, embora distintos, conforme demonstramos ao longo do presente ar-tigo, é na relação de alteridade com o “outro” que tais narrativas se encontram. Ambas têm dificuldades de perceber no sertanejo goiano um “ser” indepen-dente da visão de mundo de quem o observa, transformando-o em nada mais que um “ser-aí” (o Dasein de M. Heidegger), portanto não mais que um reflexo daquele que o interpreta. Tal reflexo, entretanto, espelha frustrações daquele que o produz, uma vez que não se consegue dissociar o campo de experiências europeu (localizado em um lugar do tempo a que se chamou de “modernida-de”) da realidade concreta de Goiás, localizado em um lugar do tempo e do espaço em notória alteridade com o Velho Mundo de onde se partiu.

FOREIGN LOOKS ABOUT GOIÁS: FROM THE TRAVELER TO THE MISSIONARY IN PRODUCTION OF OTHERNESS ABOUT BACKWOODS OF GOIÁS

Abstract: the history of the state of Goiás has been writing for decades under the sign of

foreign eyes that by there have passed and about it recorded their impressions. Among these passersby, the European naturalists travelers, who throughout the nineteenth century carried over the interior of Brazil in search of notes about Brazilian fauna, flora and customs, made their narrative sources of unquestio-nable importance for the construction of Goiás historiography of the century that succeeded. However, other foreign eyes also built important narratives of Goiás, as is the case of religious missionaries. Meantime, while their narratives converge in many respects, the differing circumstances of their looks also pro-duced distinct characterizations, which must be taken into account to rethink the writing of history of entire periods of Goiás state. In this sense, the purpose of this paper is to discuss about such historical subjects that were narrators of the state of Goiás as individuals provided travelers and missionaries, that is, indivi-duals who are conditioned to their situation of itinerant or vocation, and, from that to understand the way in which such constraints determine the narrative that built over time and space described.

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Keywords: Travelers. Missionaries. Goiás. Notas:

1 Uma das definições possíveis de Movimento Ultramontano refere-se a sua caracterização como sendo “uma série de atitudes da Igreja Católica, num movimento de reação a algumas correntes teológicas e eclesiásticas, ao regalismo dos estados católicos, às novas tendências políticas desenvolvidas após a Revolução Francesa e à secularização da sociedade moderna. Pode-se resumi-lo nos seguintes pontos: o fortalecimento da autoridade pontifícia sobre as igrejas locais; a reafirmação da escolástica; o restabelecimento da Companhia de Jesus (1814); a definição dos ‘perigos’ que assolavam a Igreja (galicanismo, jansenismo, regalismo, todos os tipos de liberalismo, protestantismo, maçonaria, deísmo, racionalismo, socialismo, casamento civil, liberdade de imprensa e outras mais), culminando na condenação destes por meio da Encíclica Quanta Cura e do ‘Sílabo dos Erros’, anexo à mesma, publicados em 1864.” (Santirocchi, 2010: 24). Já outros autores, como Sérgio da Mata (2007, p. 226), referem-se ao ultramontanismo como “uma espécie de xiitismo papista”, destacando o caráter antimoderno da Igreja Católica a partir de tal movimento, reagindo contra o Estado laico, ao liberalismo político (qual seja, neste sentido: à democracia) e à liberdade religiosa. 2 Para uma discussão sobre o conceito de romanização, ver: Santirocchi, 2010; Bruneau

(1974) e Hoornaert & Azzi (1983).

3 Sobre os conflitos vividos por Dom Eduardo Silva em sua gestão da diocese goiana, ver: Gomes Filho (2012a).

4 Sobre a ida de Dom Eduardo à Europa, bem como diversos outros desafios vividos pelo bispo, ver sua autobiografia: Silva (2007).

5 Sobre a Kulturkampf e os conflitos da Alemanha unificada com o catolicismo, ver: Gross (2007) e Bjork (2008).

6 Sobre todo o processo de dificuldades e aceitação da missão no Brasil, ver as crônicas redentoristas editadas pela própria congregação: Wiggermann e Gahr (1982).

7 Sobre o carisma da Congregação Redentorista, ver: Walles e Billy (2012).

8 Dentre muitos historiadores que têm discutido o assunto, podemos citar: Belluzzo (1994), Chaul (2001), Duarte (2005), Oliveira (2006), Aragão (2009), Teixeira (2013), Menezes (2013). 9 O método da tipologia nos parece interessante neste primeiro momento para nos permitir

perceber, de maneira geral e abstrata, as diferenças fundamentais entre as posições que os sujeitos que tomamos por objeto de análise ocupam. Para tanto, admitimos desde já, que: “a tipologia sociológica oferece ao trabalho histórico empírico somente a vantagem – que frequentemente não deve ser subestimada – de poder dizer, no caso particular de uma forma de dominação, o que há nele de ‘carismático’, de ‘carisma hereditário’, de ‘carisma institucional’, de ‘patriarcal’, de ‘burocrático’, de ‘estamental’, etc., ou seja, em quê ela se aproxima de um destes tipos, além da de trabalhar com conceitos razoavelmente inequívocos. Nem de longe se cogita aqui sugerir que toda a realidade pode ser “encaixada” no esquema conceitual desenvolvido no que segue” (WEBER, 2009, p. 141-142, grifo nosso). Portanto, não é nossa pretensão afirmar que estas caracterizações gerais que esboçaremos para o tipo “viajante” ou para o tipo “missionário” se encaixam invariavelmente na realidade histórica. Pelo contrário, tomamos tais generalizações apenas como ferramenta heurística que nos permite, a partir da generalidade, perceber as singularidades de nosso objeto de pesquisa.

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10 O caso de Cunha Mattos entre os viajantes é uma das exceções necessárias que tornam a tipologia um instrumento heurístico que não pode ser confundido com a realidade histórica. Segundo Oliveira (2006: 7), “como militar imbuído do espírito disciplinar, Cunha Mattos almejava civilizar a província em direção a um projeto de nação que se anunciava. Para tal, era preciso vencer a decadência imposta com o fim da mineração e aprofundada pela inabilidade político-administrativa e pela preguiça da população provincial”. Entretanto, o mesmo Cunha Mattos não deixou de atravessar o estado de Goiás com um olhar de via-jante, uma vez que “os relatos contidos no Itinerário do Rio de Janeiro ao Pará e Maranhão pelas Províncias de Minas Geraes e Goiaz colocaram-no como um viajante investigador que descreveu o que viu pelos caminhos, abordando aspectos cotidianos que na corografia não cabia colocar” (OLIVEIRA, 2006, p. 8).

11 A ideia de “fronteira” que usamos aqui refere-se, evidentemente, ao entendimento subjetivo desta, como lugar limítrofe em que as alteridades se ressaltam e se reverberam. Portanto, “a alteridade é percebida na fronteira mediante o estabelecimento das diferenças, e a condição de “estar-entre” é que permite apreendê-las. Assim, a colisão de diversidades estabelece espaços e tempos próprios, em que os primeiros (espaços) abrigam o desencontro dos se-gundos (tempos). Na fronteira coexistem tempos diversos, porque diz respeito ao espaço limítrofe entre o presente e o devir” (OLIVEIRA, 2006, p. 1).

12 “Comumente utilizada pelos viajantes, a palavra “sertão” passa a ser o identificador de regiões que careciam passar pelo processo civilizador europeu. Saint-Hilaire, Spix, Martius e os demais viajantes da época, aplicaram a palavra “sertão”, no sentido de definir áreas de população rarefeita, mas também regiões onde inexistisse a vida civilizada” (MENEZES, 2013, p. 4).

13 Sobre as diferenças entre os ascetismos de missionários católicos e protestantes, ver: Weber (2013).

14 O mesmo se aplica ainda ao padre diocesano, uma vez que ainda que não se retirasse à uma vida monacal, deveria cumprir votos que o tornava em alguma medida diferenciado do leigo, praticando, portanto, um tipo de ascetismo que não pode ainda ser classificado de totalmente intramundano.

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