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DESCRIÇÕES E CONFLITOS TEÓRICO-COMPUTACIONAIS: O CASO DA RETIDÃO LOCAL

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Academic year: 2021

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II Seminário Internacional de Pesquisas Em Educação Matemática

GT: Educação Matemática – Novas Tecnologias e Ensino à Distância

DESCRIÇÕES E CONFLITOS TEÓRICO-COMPUTACIONAIS:

O CASO DA RETIDÃO LOCAL

Victor Giraldo Luiz Mariano Carvalho

Universidade Federal do Rio de Janeiro Universidade do Estado do Rio de Janeiro

victor@im.ufrj.br luizmc@uerj.br

Resumo: Revisamos o conceito de Conflito Teórico-Computacional, discutido em Giraldo, Carvalho e Tall (2002d). Buscamos retomar a discussão sobre o papel das limitações das represenações computacionais na imagem conceitual de derivada e limite desenvolvida pelos estudantes. Nossa argumentação será baseada num estudo de caso com estudantes de primeiro ano de graduação de Licenciatura em Matemática.

Palavras-chave: Conflito Teórico-Computacional, Descrição, Reversão, Imagem Conceitual, Derivada e Limite.

1. I

NTRODUÇÃO

Em Giraldo (2001a), definimos conflito teórico-computacional como sendo qualquer situação pedagógica onde ocorra uma aparente contradição entre uma representação computacional para um dado conceito matemático e formulação teórica associada. Argumentamos que a abordagem do conceito de derivada pode ser planejada de forma a promover uma reversão positiva das limitações inerentes aos ambientes computacionais visando enriquecer — ao invés de estreitar — as imagens conceituais dos estudantes (p. ex. Giraldo & Carvalho, 2003a; 2003b; Giraldo, Carvalho & Tall, 2002d). Neste artigo, disutiremos a noção de descrição para um conceito matemático: uma representação que envolve limitações intrínsecas e, assim, não reflete perfeitamente a definição matemática correspondente. Argumentaremos que a adequada utilização dessas limitações pode estimular o engajamento dos estudantes em formas de raciocínio potencialmente

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enriquecedoras. Nas seções 2 e 3, apresentaremos aspectos teóricos relativos a essas noções e o quadro teórico em que elas se inscrevem. Na seção 4 discutiremos possíveis efeitos negativos ou positivos de conflitos teórico-computacionais. Em 5 nos aprofundaremos no exemplo de maior interesse neste trabalho: o conceito de derivada. Na sexta seção, apresentamos um estudo de caso e na sétima sua análise. Finalmente, em 8, dirigimos algumas considerações finais.

2. F

UNDAMENTAÇÃO

T

EÓRICA

Imagens conceituais e unidades cognitivas

Nossa argumentação embasa-se na teoria de imagem conceitual e definição conceitual (Tall e Vinner, 1981). Segundo os autores, imagem conceitual é a estrutura cognitiva total associada a um conceito matemático na mente de um indivíduo e que está sendo continuamente (re)construída com o seu amadurecimento. Uma imagem conceitual pode (ou não) incluir uma definição conceitual, isto é, uma sentença que o individuo utiliza para especificar o conceito, e que, por sua vez, pode (ou não) coincidir com a definição formal1. Barnard e Tall (1997) introduziram o termo unidade cognitiva para se referir à porção da

imagem conceitual na qual um indivíduo foca atenção em um determinado momento.

Unidades cognitivas podem ser símbolos, representações, imagens mentais ou quaisquer outros aspectos relacionados com o conceito. Uma imagem conceitual rica deve incluir, não apenas a definição formal, mas várias ligações internas e externas entre unidades cognitivas.

De um ponto de vista estritamente formal, dentro de um sistema de regras de inferência, um objeto matemático está perfeitamente caracterizado pela sua definição, no sentido em que a definição exaure completamente o objeto. Assim, podemos dizer que, neste sentido, um objeto matemático é a sua definição. Por outro lado, a teoria de imagens conceituais sugere que o ensino de um conceito matemático deve incluir diferentes abordagens e

1 Aqui, entendemos por definição formal aquela consensualmente aceita pela comunidade matemática dentro de um dado contexto histórico e teórico.

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representações para permitir aos alunos construírem conexões múltiplas e flexíveis entre unidades cognitivas.

Raizes cognitivas e organizadores genéricos

David Tall (1989) define raiz cognitiva para um conceito matemático como uma noção atendendo duas propriedades fundamentais:

1. fazer sentido (ao menos potencialmente) para os estudantes no estágio em questão e 2. permitir expansões cognitivas, em direção aos desdobramentos teórico seguintes. Em geral, uma raiz cognitiva não corresponde à definição formal. No caso do conceito de derivada, sua fundamentação teórica – o conceito de limite – não é familiar aos estudantes nos cursos de cálculo elementar. Ao contrário, ele se revela profundamente não-intuitiva, como atesta seu próprio desenvolvimento histórico (veja, p.ex. Cornu, 1992). Desta forma, a definição formal de derivada não se presta a ser uma raiz cognitiva para este conceito, pois a primeira condição acima não é atendida, embora a segunda certamente o seja.

Tall define ainda organizador genérico como um ambiente de aprendizagem para um dado conceito matemático (ou corpo organizado de conceitos) cujo planejamento e construção baseiem-se em uma raiz cognitiva. Segundo o autor, um organizador genérico deve propiciar ao estudante explorações em que ele tenha oportunidade de lidar com exemplos e, se possível, contra-exemplos do conceito em questão. Organizadores genéricos podem ser programas de computador que forneçam respostas rápidas à exploração do usuário, assim como outros ambientes de aprendizagem.

A noção de retidão local

Tall (2000) sustenta que a noção de retidão local2 é uma raiz cognitiva adequada ao conceito de derivada. Esta noção é baseada no fato que uma curva, quando suficientemente magnificada, se assemelha a uma reta. De acordo com o autor, esta é uma percepção humana primitiva de aspectos visuais de um gráfico e está relacionada profundamente ao modo como um indivíduo olha um gráfico e apreende suas mudanças de gradiente. Em uma abordagem para o conceito de derivada baseada na noção de retidão local como raiz

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cognitiva, o gradiente é apresentado como a inclinação da reta que se confunde com a curva no processo de magnificação local. O organizador genérico associado é um ambiente computacional que permita ao usuário desenhar um gráfico, mudar a janela gráfica e observar as conseqüentes mudanças na aparência do gráfico3.

O processo de magnicação local é exemplificado na Figura 1 para uma curva diferenciável, y=x2, que adquire o aspecto de uma linha reta; e para outra não-diferenciável, o gráfico da função blancmange4, que mantém o aspecto crispado.

3 Veja o organizador genérico Graphic Calculus, proposto por Tall em Blokland, Giessen & Tall (2000). Veja também o organizador genérico Melhor Reta, proposto pelos autores deste trabalho em Giraldo (2001b) e Giraldo & Carvalho (2003b). Neste último, procuramos explorar o conceito de derivada através da comparação dinâmica de representações computacional, algébrica e geométrica para o comportamento local de uma dada curva diferenciável, na vizinhaça de um ponto fixado, em relação à reta tangente e retas não tangentes.

4 4 A função blancmange é definida para [1,1]x pela soma da série

()() , onde () nn b  é u m a s e q ü ê n c i a d e f u n ç õ e s m o d u l a r e s d e f i n i d a s i n d u t i v a m e n t e c o m o : ;() Cada n b

é não-diferenciável nos pontos da forma

1 1 ,para0,...,2. 2 n n kxk±

A soma é uma função contínua pois é o limite uniforme de uma série de funções contínuas, mas não-diferenciável em todos o pontos do domínio.

(5)

Figura 1. Processo de magnificação local para curva diferenciável e não-diferenciável.

3. D

ESCRIÇÕES E

C

ONFLITOS

T

EÓRICO

-C

OMPUTACIONAIS

Usaremos o termo descrição para qualquer referência a um conceito matemático, dentro

de um contexto pedagógico, que apresente limitações inerentes em relação à definição formal associada. Por exemplo, as três principais representações para funções – fórmula,

gráfico e tabela – na forma em que são usualmente apresentadas em sala de aula, ou seja, sem explicitação de domínio ou contra-domínio, constituem exemplos de descrições para o conceito, uma vez que não especificam com absoluta precisão a função a que se estão referindo (como ilustra a figura 2, abaixo).

Figura 2. As três principais descrições para funções usadas em sala de aula

Cada forma de descrição de um dado conceito realça alguns de seus aspectos e obscurece outros. Sendo assim, o uso de descrições pode dar origem situações de aparente

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descrições para gerar conflitos é justamente a característica que desejamos destacar. Para o caso específico de conflitos entre descrições computacionais e não computacionais – foco principal do presente trabalho – empregaremos o termo conflito teórico-computacional, como ilustra a figura 3.

Figura 3. Conflitos teórico-computacionais

Como discutido em trabalhos anteriores (p. ex. Giraldo & Carvalho, 2003a; 2003b; Giraldo, Carvalho & Tall, 2002d), examinaremos aqui a possibilidade da reversão positiva do efeito das limitações associadas a cada forma de descrição, como fatores enriquecedores das images conceituais desenvolvidas pelos estudantes, por meio da ênfase nos potenciais conflitos associados.

4. E

FEITOS E

P

OTENCIALIDADES DE

C

ONFLITOS

T

EÓRICO

-C

OMPUTACIONAIS

Resultados de pesquisa em Ensino de Matemática discutem efeitos negativos da utilização indevida de ambientes computacionais na aprendizagem de conceitos matemáticos. Em particular, alguns trabalhos sugerem que a ênfase excessiva em certos aspectos pode levar à conversão das características inerentes às descrições empregadas em limitações nas imagens conceituais conseqüentemente desenvolvidas pelos estudantes. Em trabalhos anteriores, nos referimos a este processo por meio do termo efeito de estreitamento (p. ex. Giraldo, Carvalho & Tall, 2002d).

Por exemplo, Hunter, Monaghan & Roper (1993) observam que estudantes, usando o programa Derive, não necessitavam substituir valores para montar tabelas e esboçar os gráficos das funções respectivas. Como resultado, os estudantes não desenvolveram a habilidade de calcular valores das funções por substituição. Mesmo aqueles que

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conseguiram calcular valores por substituição antes do curso pareciam ter perdido a habilidade após.

Belfort & Guimarães (1998) observaram professores trabalhando em um ambiente de geometria dinâmica. Pediu-se a eles para encontrar empiricamente o retângulo com maior área e perímetro de 40m. Devido a erros de arredondamento, o programa exibia resultados aproximados. Assim, três pares de professores obtiveram o resultado para área máxima igual a 100m2, mas com valores diferentes para o lado AB. Os autores relatam que os professores ficaram paralisados diante desse obstáculo, e foram incapazes de compreender que resposta seria a correta. Entretanto, a investigação acerca do “erro” do programa levou à necessidade de uma solução teórica. Os autores concluem que é possível usar as limitações de um programa como uma ferramenta para desenvolver o raciocínio dedutivo. Seguindo esta mesma linha, outros autores ressaltam que limitações associadas a descrições computacionais podem ser usadas de forma positiva.

Hadas, Hershkowitz & Schwarz (2000), por exemplo, relatam a produção de um conjunto de atividades em um ambiente de geometria dinâmica para motivar a necessidade de formalizar demonstrações, provocando surpresa ou incerteza em situações nas quais a possibilidade de construção estivesse em oposição à intuição dos estudantes. A quantidade de explicações dedutivas aumentou consideravelmente em situações envolvendo incerteza. Os autores concluem que provas passaram a fazer parte da coleção de argumentos utilizada pelos estudantes, e eles se engajaram naturalmente na atividade matemática de formular demonstrações.

Doerr & Zangor (2000) descrevem observações sobre uso de calculadoras gráficas em turmas de pré-cálculo. Os autores defendem que, ao contrário de preocupações anteriores, o equipamento não se tornou uma fonte de autoridade matemática. Eles observam que esta perspectiva era uma conseqüência da abordagem adotada pelo professor, particularmente pela sua consciência das limitações das calculadoras e sua crença que se provam conjecturas através de argumentos matemáticos.

De fato, vários autores concordam que o efeito dos computadores no ensino de matemática não depende de nenhuma propriedade intrínseca às máquinas. Ao contrário, esses efeitos são conseqüência da maneira como eles são utilizados. Tall (2000) afirma que a priorização

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de certos aspectos e a negligência de outros pode resultar em uma atrofia dos aspectos relegados.

Em nossa própria interpretação, o efeito de estreitamento observado no experimento de Hunter, Monaghan & Roper não se deveu à ocorrência de conflitos teórico-computacionais, mas, ao contrário, à sua ausência. O uso excessivo de ambientes computacionais – especialmente quando não confrontados com outras descrições – pode contribuir para a concepção de que as limitações da representação seriam atributos do próprio conceito matemático, levando ao desenvolvimento de imagens conceituais estreitadas. Sierpinska (1992) observa que a consciência das limitações de cada forma de representação e do fato que elas representam o mesmo conceito são condições fundamentais e necessárias para a compreensão de funções. Desta forma, nossa hipótese é de que ao se enfatizar os potenciais conflitos associados ao confronto de diferentes descrições – em lugar de evitá-los – pode-se estimular o desenvolvimento de imagens conceituais mais ricas.

5. O C

ASO DA

D

ERIVADA

Uma das descrições mais utilizadas para a derivada, em cursos de Cálculo básico, é a seguinte: a derivada da função f em x0 é a inclinação da reta tangente ao gráfico no ponto (x0, f(x0)). Vinner (1983) observa que a noção de tangência está, em geral, fortemente ligada

a problemas de construção de tangentes a círculos. A abordagem desses problemas chama atenção para relações geométricas globais da curva e da reta, particularmente no número de pontos de interseção. Então, a idéia de ser tangente – “tocar” em apenas em um ponto – se apresenta em oposição à idéia de ser secante – “cortar” em dois pontos. Isso pode levar a um estreitamento da imagem conceitual de tangente, que passa a ser inconsistente com a noção de tangente no sentido do Cálculo Infinitesimal. De fato, o autor observa que, ao tentar representar a reta tangente à cúbica y = x3 na origem, muitos estudantes traçaram uma semi-reta com origem no ponto de tangência ou um pequeno segmento de reta num ponto próximo a este, de forma a não “cortar” a curva (figura 4).

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Figura 4. Um efeito de estreitamento associado à descrição de derivada como inclinação de retas tangentes, como observado por Vinner.

Acreditamos que, dependendo da abordagem empregada, esta mesma descrição pode assumir um papel oposto ao observado por Vinner: ela pode ser utilizada para assinalar o

fato de que, ao se estudar a diferenciabilidade de uma função, o que ocorre “longe” do ponto de tangência é irrelevante, isto é, diferenciabilidade é uma propriedade exclusivamente local.

A noção de retidão local também constitui uma descrição para o conceito de derivada, pois contém limitações que podem disparar conflitos teórico-computacionais.

Na Figura 5, apresentamos uma limitação interessante da descrição de derivada baseada em retidão local. Exibimos um esboço do gráfico da função definida no conjunto dos reais pela sentença: 2 (),se fxxx e 2 ()(),se fxxx .

Essa função vem a ser derivável em zero e descontínua no restante do domínio. No entanto, a reta tangente nem sempre se confundirá visualmente com o gráfico da função (apesar do que está aparente na parte de cima da figura), gerando um conflito teórico-computacional. De fato, na parte inferior, com uma janela gráfica diferente, induz-se a dúvida sobre a derivabilidade no ponto zero, criando uma situação de conflito.

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Figura 5. O processo de magnificação local de uma função diferenciável em apenas um ponto.

Como assinalamos em Giraldo, Carvalho & Tall (2002d), muitos conflitos associados à noção de retidão local estão relacionados ao fato que um algoritmo finito é usado para descrever um processo infinito. Por exemplo, a Figura 6 mostra o processo de magnificação local da curva 2 yx , em torno do ponto 0 1, x

realizada no Maple. Como a curva é diferenciável, deveria aparecer algo semelhante a uma reta. No entanto, devido à precisão do algoritmo e a erros inerentes à álgebra de ponto flutuante, para valores muito pequenos da escala das janelas gráficas (abaixo de

6

10

) o programa exibe uma poligonal.

Figura 6. O processo de magnificação local da curva

2

yx .

Limitações como essas podem levar ao estreitamento de imagens conceituais, se a representação computacional é usada em excesso. Entretanto, nossa hipótese é que uma abordagem adequada, estimulando a aparição de conflitos teórico-computacionais, e não os evitando, pode levar a uma conversão positiva dessas mesmas limitações: elas podem

adquirir o importante papel de apontar para o fato de que a noção de limite, no sentido do cálculo infinitesimal, está além da precisão do computador, e portanto, de qualquer precisão finita.

(11)

6. U

M

E

STUDO DE

C

ASO

A experiência relatada nesta seção faz parte de um estudo mais amplo, no qual seis estudantes do primeiro ano do curso de Licenciatura em Matemática da UFRJ foram entrevistados individualmente e colocados diante de situações potencialmente geradoras de conflitos teórico-computacionais de diferentes naturezas (usando o progrma Maple). Sintetizamos as repostas de um dos participantes, Antônio (pseudônimo), para quatro entrevistas relativas ao conceito de derivada, envolvendo em particular descrições por meio de retidão local.

Entrevista 1: Foram colocadas aos participantes algumas questões gerais referentes às suas

concepções sobre funções, continuidade e derivabilidade.

Perguntou-se a Antônio como ele poderia decidir sobre a diferenciabilidade de uma função, dada a sua expressão algébrica. Ele afirmou que a função seria diferenciável caso pudessem ser aplicadas as regras usuais de derivação. Ele foi então inquirido como poderia decidir sobre a diferenciabilidade de uma função, dado um gráfico em uma tela de computador. Ele sustentou que poderia magnificar o gráfico para ter uma visão cada vez mais precisa, mas que seria impossível ter certeza já que os computadores não são livres de erro.

Entrevista 2: Foi pedido aos participantes para magnificar gradualmente o gráfico da

função cuja fórmula é

2

yx

em torno do ponto (1,1) e explicar o que observavam. Como ilustrado na figura 5, para janelas gráficas com escalas pequenas, o gráfico adquiria um aspecto de linha poligonal, ao invés de uma reta como seria o esperado.

Antônio declarou que ele deveria ver algo semelhante a uma linha reta tangente. Quando a tela começou a exibir a poligonal, ele afirmou que o computador estava errado. Depois de refletir um pouco, explicou o erro do computador:

Antônio: Por que o computador, ele [...] não tem a noção do que ele tá fazendo. Ele [...]

tipo, ele tá diminuindo, aí ele começa a confundir os pontos. Aí por isso que ele dá aqueles resultados lá. Começa a dar reta quebrada, depois vai distorcendo a reta mais ainda. [...] Como o computador, ele monta o gráfico ligando os pontos, então [...] esses pontos aqui são resultados de aproximações, então ele

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liga sem pensar. Liga os pontos e o que der é o gráfico pra ele, por que ele não sabe o que acontece. É isso, por isso que ficou aquele gráfico todo errado lá. Entrevista 3: Foi pedido aos participantes para magnificar gradualmente o gráfico da

função blancmange em torno de um ponto fixo, usando o Maple, e explicar o que observavam. Os estudantes estavam familiarizados com a função e suas propriedades, pois já a haviam estudado em aulas prévias de Cálculo.

Antônio começou explicando a construção da função blancmange. Ele demonstrou uma boa compreensão do processo.

Antônio: É como se você estivesse pegando um número e multiplicando ele por 1 2,

pegando o que foi multiplicado por 1

2, por 12. [...] Então é o somatório de

uma progressão geométrica de razão 1

2. O somatório de uma progressão

geométrica é um limite, então ele converge pra um ponto. Está ali. [...] Está bem definido.

Ele então começou o processo de magnificação e explicou que, como a curva era não-diferenciável, o gráfico deveria ficar cada vez mais irregular. Entretanto, para esboçar o gráfico, o algoritmo trunca a série que gera a função blancmange após um número finito de passos, resultando em um gráfico cada vez mais suave – exatamente ao contrário da expectativa de Antônio. Ele demonstrou grande surpresa naquele momento, e perguntou a razão desse resultado inesperado. Após ouvir a explicação, comentou em estado de crescente excitação:

Antônio: Ah, tá beleza. [...] Tá beleza. Você pode somar mais alguns passos, mas nunca até infinito [...] Mas infinito ele [o computador] não consegue fazer. [...] É, eu acho que nada poderia fazer. Nem o computador, nem nada! Por que [...] não dá pra você somar nada no infinito! Você vai continuar sempre com um infinito faltando. E nada pode representar o infinito, como um todo, e sim mostrar que ela vai praquele lugar, que ele tende àquilo, mas não que é. Infinito é isso. Não dá pra você representar ele, nem no plano, nem no papel,

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nem em nada! O computador representa aquilo que o homem conhece e sabe pra onde vai.

Entrevista 4: Foi pedido aos participantes para decidir sobre a diferenciabilidade das

funções:

Para tanto, foram exibidos os gráficos das curvas sen(1/)yxx e de

22

sen(1/)

yxx

em torno do ponto (0,0), como na figura 7.

Figura 7. As curvas sen(1/)yxx e

22

sen(1/)

yxx

.

Num primeiro momento, Antônio disse que ambas as funções deveriam ser diferenciáveis, pois as fórmulas que ele conhecia se aplicavam às expressões algébricas. Ele então começou a magnificar os gráficos em torno da origem, e as curvas pareciam cada vez mais borradas e confusas. Antônio argumentou que isso deveria ser devido a erros de interpolação, mas que as funções deveriam ter derivada. Pedimos a Antônio para dar sua opinião sobre a diferenciabilidade. Ele comentou:

Antônio: Se fosse sin( / )1 x , sem mais nada, elas não seriam. Elas não seriam diferenciáveis em 0, porque sin( / )1 x não estaria definido. Mas, para essas funções o ponto (0,0) existe, então é a junção de duas curvas. [...] Ei, espera aí! Eu acho que

1

v não é [diferenciável], sabe porque? Porque em 0, ela é

modelada pela junção de duas retas, y= x e y= −x. [...] Quando chega perto daquele ponto, as partes se aproximam uma da outra de acordo com aquelas

()

se ( /),0 0,0 xxsex vx sex ? e

()

2 2 sen(1/),0 0,0 xxsex vx sex ?

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retas! Elas vão se encontrar naquele ponto, certo? Mas é uma junção assim brusca, tipo um bico. [...] A outra [v2] é diferente, é uma junção suave. Aqui as

parábolas modelam a curva, não as retas, essa é a diferença. Por isso que eu acho que uma tem derivada e a outra não, v1 tem e v2 não. […] Mas eu não posso ficar totalmente seguro somente olhando o gráfico. Deixa eu pensar.

Antônio conclui que o único caminho para se ficar seguro seria usando a definição de derivada. Ele apresentou alguma dificuldade para calcular os limites, mas reafirmou que esse seria o único caminho confiável, mesmo que ele não conseguisse fazê-lo.

7. D

ISCUSSÃO

Desde a primeira entrevista, Antônio claramente expressou sua preferência pela representação algébrica. Ele afirmou que os critérios para se decidir sobre a diferenciabilidade de uma função tinham que estar baseados nas fórmulas. E ainda, ele demonstrava estar consciente das limitações dos algoritmos computacionais. Essa atitude mental lhe deu meios para entender rapidamente o que estava por trás do resultado inesperado durante a segunda entrevista (figura 8). Nesse sentido, o conflito teórico-computacional foi quase imediatamente resolvido pelo estudante.

Por outro lado, na entrevista 3 o conflito teórico-computacional teve um papel central no seu raciocínio (figura 9). De fato, o entusiasmo de Antônio sugere que o conflito realmente disparou uma nova idéia para dele: não é possível representar o conceito de infinito por

nenhum meio físico. Mais ainda, ele ressaltou a razão para essa impossibilidade: sempre ficará uma infinidade faltando. O conflito levou Antônio a compreender não só as

limitações da representação computacional, como também de outras representações; e a expressar uma distinção conceitual entre o finito e o infinito.

O conflito envolvido na entrevista 4 foi um pouco mais complicado (figura 10). A não-diferenciabilidade da função não podia ser estabelecida por uma simples manipulação do formulário algébrico, indo de encontro à principal estratégia de Antônio. Entretanto, a confrontação entre as representações algébrica e computacional, sugerindo diferentes conclusões, levou-o a optar por uma outra – e para ele nova – estratégia: a

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diferenciabilidade de uma função pode ser decidida, de forma definitiva, apenas por meio da definição formal do conceito.

Figura 8. O conflito teórico-computacional na entrevista 2.

(16)

Figura 10. O conflito teórico-computacional na entrevista 4.

A atitude mental de Antônio em relação às situações de conflito contribuiu para os resultados relatados aqui. Os trechos das quatro entrevistas relatados acima sugerem que o conflito atuou como fator positivo para o enriquecimento da imagem conceitual de derivada e das noções relacionadas. Entretanto, outros participantes mostraram comportamentos bem distintos. Em alguns casos, os conflitos ajudaram aos estudantes a usarem formas de raciocínio mais sofisticadas. Em outros, os conflitos agiram de forma quase despercebida, já que eles foram rapidamente resolvidos. No entanto, alguns estudantes pareceram não conseguir conviver com a situação de conflito. A análise global dos resultados da investigação em que este caso se inclui encontra-se em curso. Um de nossos objetivos é compreender mais claramente em que situações os conflitos tem um papel positivo no enriquecimento da imagem conceitual dos alunos, em particular, em que sentido e em que extensão as atitudes e os conhecimentos anteriores dos estudantes determinam esse papel.

8. C

ONSIDERAÇÕES

F

INAIS

O ensino de matemática na graduação freqüentemente segue um modelo de abordagem

(17)

sua formulação teórica. Vários obstáculos pedagógicos foram relacionados a esse modelo. Cornu (1991) observa que muitas expressões matemáticas têm significados diferentes na linguagem coloquial. Esses são os casos de alguns dos conceitos fundamentais do Cálculo, por exemplo “limite” e “continuidade”. Uma vez que uma definição matemática é estabelecida, o próprio conceito definido adquire a condição de objeto em si, tornando-se independente da linguagem empregada. Apesar das definições se basearem na linguagem corrente, sua manipulação lógica exige a abstração em relação a essa linguagem. As principais idéias, necessárias para desenvolvimentos teóricos posteriores, não nascem das definições formais, mas de idéias intuitivas relacionadas (p. ex., Cornu, 1991; Tall & Vinner, 1981). Vinner (1991) salienta que os processos pelos quais as teorias matemáticas são formuladas raramente correspondem às suas organizações finais. Sendo assim, ao introduzirmos um novo conceito, muitas vezes apelamos para representações limitadas em relação à definição formal. Este é o caso da representação computacional dos conceitos fundamentais de Cálculo, o objeto central deste trabalho. Por outro lado, uma abordagem baseada em uma só forma de representação está comumente associada a obstáculos pedagógicos de diferente natureza. Como observamos, se isso ocorre, um efeito de estreitamento das imagens conceituais é bastante provável de ter lugar. Lemos no clássico

O que é Matemática?:

Qualquer que venha a ser o nosso ponto de vista filosófico, para todas as finalidades da observação científica um objeto se exaure na totalidade das relações possíveis entre ele e o observador ou instrumento. (Courant & Robbins, 1941)

O objetivo deste trabalho é apresentar um modelo alternativo de abordagem, não puramente baseada nem no formalismo nem em formas de representação imprecisas. Não temos intenção de desvalorizar o formalismo em relação à intuição ou à imprecisão. Ao contrário, através da ênfase nas limitações e diferenças, desejamos estimular o desenvolvimento de imagens conceituais mais ricas, assim como assinalar o papel central da conceituação formal na construção de uma teoria matemática.

(18)

R

EFERÊNCIAS

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Referências

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