• Nenhum resultado encontrado

Cultura Contemporânea e Cotidiano Escolar: entre práticas e pesquisas Analúcia de Morais Vieira

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Cultura Contemporânea e Cotidiano Escolar: entre práticas e pesquisas Analúcia de Morais Vieira"

Copied!
6
0
0

Texto

(1)

Cultura Contemporânea e Cotidiano Escolar: entre práticas e pesquisas

Analúcia de Morais Vieira

“A educação é o ponto em que decidimos se amamos o mundo o bastante para assumir a responsabilidade por ele e se amamos nossas crianças o bastante para não

expulsá-las de nossos mundos.” (Hanna Arendt, 1954) O texto que aqui exponho tem a intenção de abrir um diálogo entre a teoria e a prática que acontece no espaço em que trabalho: Escola de Educação Básica da Universidade Federal de Uberlândia/MG – ESEBA/UFU.

Sou coordenadora da Educação Infantil e nossa escola está organizada por ciclos de aprendizagem (1º, 2º e 3º ciclo). No seguimento do 1º ciclo temos a Educação Infantil e os 1º, 2º e 3º anos iniciais do Ensino Fundamental. São 377 crianças atendidas de 4 a 8 anos. A escola foi criada em 1977 e em 1988 deixou de ser uma “escola benefício” e se tornou uma “escola pública”. O ingresso na escola é feito por sorteio público.

Desde sua origem, a escola de Educação Básica da UFU apresenta aspectos relacionados com as condições de trabalho que a diferenciam de outras instituições públicas de Uberlândia e região. Possui um espaço físico privilegiado, com aproximadamente 7.600 m2(área total), sendo 5.320 m2 de área física construída e 2.280 m2de área livre. Possui 79 salas, das quais 11 são destinadas à Educação Infantil. Cada sala tem 36m2. Nossa proposta pedagógica procura acompanhar o ritmo das mudanças em nossa comunidade escolar, o que nos faz estar em permanente formação e estudos. Acreditamos em uma educação inclusiva e libertária, na qual as crianças possuem o direito de uma escolha a uma educação sem violência. Nosso quadro de pessoal e o plano de qualificação docente estão sempre em consonância com as diretrizes da Universidade e por isso realizamos em seu interior o Ensino, a Extensão e a Pesquisa. Por fim, a organização do tempo de trabalho escolar e o número de crianças por sala de aula contrastam com a realidade das escolas dos sistemas municipais e estaduais de ensino em nossa cidade. Pois, somos Dedicação Exclusiva, temos tempo para planejar e estudar no turno da manhã, o número de crianças por sala é de 19/20, o que em outras instituições somam para 25.

Este preâmbulo é para nos situar de que lugar irei abordar a questão da prática pedagógica aliada à teoria na Educação Infantil da Escola de Educação Básica da UFU.

(2)

A trajetória da Educação Infantil em nossa escola não foi diferente de outras quando de sua criação. Por ser uma escola de aplicação, dentro de uma Universidade muitos métodos e pesquisas foram realizadas em seu interior, como por exemplo: os cursos do PROEPE (anos 80), oficinas com pesquisadoras renomadas como Madalena Freire, Monique Deheinzelin, participação em Congressos, Simpósios, pesquisas realizadas em seu interior sobre violência, linguagem, currículo, formação docente etc. Essa trajetória acabou possibilitando que o corpo docente tivesse uma formação compatível com seu nível de atuação e, também, um olhar mais sensível para as crianças.

Em 1996, após estudos realizados na área da infância e de reflexões acerca do que trabalhávamos em nossa escola com as crianças, iniciamos a construção da nossa proposta político pedagógica para a educação infantil.

Nossos estudos se voltaram para a busca de compreender algumas questões básicas que pudessem ampliar o nosso fazer com as crianças: Quem são nossas crianças? Como podemos desenvolver um trabalho de qualidade para e com elas? Que concepções de infância, educação infantil, família e escola temos?

Na intenção de construirmos uma proposta igualitária, não excludente e que colocasse as crianças no centro da ação, optamos por um trabalho no qual a criança é sujeito, com direitos reconhecidos de fala e escuta, e protagonista de seu conhecimento cultural e social. O que nos permite salientar que hoje nosso objetivo com o trabalho com a Educação Infantil é garantir infâncias para as nossas crianças plenas da vivência de direitos e deveres. A organização do ensino tem como base os Complexos Temáticos1 e os conhecimentos das disciplinas.

Estes Complexos Temáticos serão retirados das práticas sociais e do conjunto de problemas da atualidade e do cotidiano da Escola de Educação Básica nas turmas de 1o e 2o períodos.

Para Rocha (1999), os Complexos Temáticos provocam a percepção e a compreensão da realidade. Explicitam a visão de mundo em que se encontram todos os envolvidos em torno de um objeto de estudo e evidenciam as relações existentes entre o fazer e o pensar, o agir e o refletir, a teoria e a prática. Além disso, acreditamos que os

1 Esta forma de organização curricular foi adotada pela Secretaria de Educação de Porto Alegre e está

contida na Proposta Político-Pedagógica da Escola Cidadã de 1996. Utilizamos esta mesma terminologia na nossa proposta político-pedagógica de 1996. Hoje, continuamos a adotá-la com as devidas modificações que a própria proposta teve no decorrer destes anos.

(3)

Complexos Temáticos deverão ser desenvolvidos a partir dos eixos da Educação Infantil: o lúdico, a cultura, a formação humana e a construção de conhecimentos.

Neste sentido, a contribuição de alguns autores como Ariès (1981), Zabalza (1998), Narodowski (2002), Charlot (1983), Sarmento e Pinto (1997), entre outros foram fundamentais para a construção e a re-construção de nosso trabalho.

Sabe-se que ARIÈS (1981) trouxe a discussão sobre a infância idealizada pela concepção burguesa, alertando para a importância de considerarmos que a infância é construída historicamente, sendo diretamente influenciada por questões sociais, culturais, políticas e econômicas. Ou seja, cada povo, cada nação, terá o seu retrato de criança. Assim, não há um conceito universal de infância, o que nos leva a um resgate das concepções de infância historicamente construídas ao longo dos tempos.

ARIÈS (1981), como já citado anteriormente, mostra em seus estudos as transformações do sentido da infância e da família, sendo que apenas entre os séculos XV e XVIII é que a infância foi reconhecida como uma fase do desenvolvimento e que merecia um cuidado diferenciado. No século XVIII, em 1792, Rousseau em sua obra „Emílio‟ defende “a especificidade infantil, a criança como portadora de uma natureza própria que deve ser desenvolvida” (KISHIMOTO, 1997).

Temos visto que nas últimas décadas no Brasil a criança, e sua infância tem sido objeto de preocupação pela sociedade atual que considera seu valor e potencial para o desenvolvimento sadio e integral do ser humano e sua melhor inserção na sociedade. E conseqüentemente, a educação infantil tem ganhado maior destaque e preocupação por parte dos órgãos governamentais, tendo sido reconhecido, na Constituição Federal de 1988, a importância do atendimento às crianças de zero a seis anos. Esse atendimento é reforçado ainda no Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, e na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, lei nº 9.394 de dezembro de 1996. Mas, mesmo assim, ainda parece evidente em nossa sociedade a falta de percepção e de reconhecimento dessas crianças, e dessas infâncias no sentido de cuidar para que sejam respeitadas na sua singularidade, naquilo quem lhe é próprio, nas suas necessidades e nas suas condições.

SMOLKA (2002, p. 122) mostra que:

Vivenciamos profundas mudanças nas condições de existência, nas relações de produção, nas concepções de trabalho e da própria vida. (...) Não experenciamos apenas a industrialização, mas a super-automação, a robótica, a informatização, a virtualização, a globalização. Experenciamos uma hiper-racionalização do tempo, do trabalho, da produção. Nessa ambiência, o lucro e a eficiência se impõem como

(4)

valores maiores e, no jogo das relações, produzem os mais variados e (in)convenientes resultados (...). É nessa ambiência que as crianças de hoje nascem e vivem. É nessas práticas que elas estão imersas. É dessas práticas que elas participam. De diferentes modos, em diferentes posições, vão se apropriando das formas de pensar, de agir, de significar. E é nessas práticas, ainda, que elas são nomeadas, acolhidas, ensinadas, avaliadas, rotuladas, categorizadas... De uma maneira ou de outra, pelo trabalho, pela brincadeira, pela imitação; por formas diferenciadas de contenção, restrição, carência ou exploração; nas mais diversas relações, dentro ou fora da escola, com ou sem pais e família; crianças se tornam/são feitas adultas. Mais cedo ou mais tarde. Mas, qual é, mesmo, a duração da infância? Como ela se caracteriza? O que tomamos, hoje, como parâmetros e indicadores do desenvolvimento humano?

A situação social da infância atualmente chama a atenção uma vez que parece estar-se retornando a um período em que a criança era vista como “um adulto em miniatura”, pois as crianças estão altamente expostas a uma sociedade violenta, de consumo, não sendo minimamente poupadas das preocupações da vida adulta. Assim, a sociedade tem projetado nas crianças seus anseios e expectativas, e nessa relação o adulto acaba se relacionando com a criança como um indivíduo que futuramente se tornará um adulto. Esquecendo dessa maneira de considerá-la como uma cidadã plena de direitos e com suas singularidades. Esta situação é hoje enfrentada pela escola. Ela não está alheia a este fato. É então que estabelecemos nossa proposta política pedagógica alicerçada numa concepção de infância e criança, com princípios educativos no qual a prática presente no cotidiano infantil aconteça com eixos no lúdico, na cultura, na formação humana e na construção de conhecimentos. Neste sentido, estamos possibilitando que as crianças e seus parceiros adultos compartilhem e construam saberes.

Esses eixos foram escolhidos pela equipe de professoras com a intenção de favorecer o desenvolvimento da criança, o respeito à diferença e à igualdade das crianças, a imaginação e o prazer de aprender.

Considerando a maneira peculiar como as crianças se aproximam dos diversos elementos culturais e, nesse processo, se identificam com determinadas práticas culturais, nós as reconhecemos como parte de grupos, ao mesmo tempo, que se fazem sujeitos, produtos e produtoras de culturas. Neste sentido, vários olhares sobre a infância compõem a nossa proposta político pedagógica, particularmente aqueles que reconhecem nela um período rico de possibilidades de aprendizagens, modos peculiares de abordar e transformar objetos e fatos. E que, por conseguinte, concebe a escola

(5)

infantil como um espaço plural, inventivo, palco de encontros permanentes entre as crianças e seus pares e parceiros mais experientes. Um local de construção de conhecimentos, de trocas, de brincadeiras e de vivências afetivas.

Por considerar a infância plural, e as crianças sujeitos sociais, produzidos em determinado contexto histórico, cultural, não se pode perder de vista que qualquer criança, independente da sua faixa etária, requer um trabalho que reconheça as suas necessidades e respeite sua fase de desenvolvimento. Dessa forma, o planejamento pedagógico precisa contemplar o movimento próprio da criança, o seu pensamento e a dimensão lúdica da aprendizagem. Ou seja, é fundamental fazer um planejamento pedagógico pensando não numa criança idealizada, dos livros, mas numa criança real, na criança da ESEBA. Além disso, a escola precisa ser vista como espaço de troca de experiências e de construção de vínculos afetivos entre as próprias crianças e entre os adultos.

O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil de 1998 (p. 21) apresenta que:

As crianças possuem uma natureza singular, que as caracteriza como seres que sentem e pensam o mundo de um jeito muito próprio. Nas interações que estabelecem desde cedo com as pessoas que lhe são próximas e com o meio que as circunda, as crianças revelam seu esforço para compreender o mundo em que vivem, as relações contraditórias que presenciam e, por meio das brincadeiras, explicitam as condições de vida a que estão submetidas e seus anseios e desejos.

Assim, em nosso trabalho diário com as crianças valorizamos uma prática pedagógica que é entendida em sua dimensão libertadora, criativa, participativa, inclusiva e democrática. É, também, um processo que se faz na interação com o outro, mediado pela cultura. Desse modo, nosso trabalho se apóia em estudos e pesquisas de autores - L. S. Vygotsky com sua teoria sócio-histórica-cultural, Jean Piaget com a teoria construtivista e Henri Wallon com a teoria integradora (motor-afetivo-cognitivo) - que contribuíram para uma melhor compreensão do processo de constituição de sujeitos, de seu desenvolvimento e de sua construção de conhecimento. Os estudos desses autores têm dado sustentação teórica ao nosso trabalho e nos auxiliado na compreensão do desenvolvimento infantil.

Consequentemente, nossa prática pedagógica contempla o lúdico, a cultura, a formação humana e a construção de conhecimentos pelas crianças, o que nos leva a desejar a construção de um currículo inclusivo com toda a comunidade escolar.

(6)

Nosso constante desafio é de construir um ambiente escolar na Educação Infantil que favoreça o respeito, a cooperação, a solidariedade, a autonomia, a inclusão, o direito de brincar, a manifestação e a valorização da pluralidade cultural, social e étnica e promover o desenvolvimento integral da criança, tendo como princípio o resgate dos valores humanos, para que ela construa sua autonomia intelectual, afetiva, moral e social.

Referências Bibliográficas

ARIÈS, Philippe. História social da criança e da família. Rio de Janeiro. Zahar Editores, 1981.

CHARLOT, Bernard. A mistificação pedagógica. Rio de Janeiro. Zahar, 1983.

DAUSTER, Tânia. Uma infância de curta duração: trabalho e escola. São Paulo. Cadernos de Pesquisa n° 82, 1992.

ESEBA/UFU. Proposta Político Pedagógica para Educação Infantil. Escola de Educação Básica da UFU. 1996

KRAMER, Sonia. Com a pré-escola nas mãos: uma alternativa curricular para a educação infantil. São Paulo: Ática, 1993.

LARROSA, Jorge. Pedagogia Profana. Belo Horizonte: Ed. Autêntica, 1999.

MANDELA, Nelson. Lembranças da Infância. Trecho extraído da publicação: Situação Mundial da Infância 2001 – UNICEF.

NASCIMENTO, Maria E. do. A pedagogia Freinet: Natureza, educação e sociedade. Campinas. Unicamp, 1995

ROCHA, G. Português. Uma proposta para o letramento. São Paulo: Ed. Moderna, 1999.

SARMENTO, Manuel Jacinto; PINTO, Manuel. As crianças e a infância: definindo conceitos, delimitando o campo. In: PINTO, Manuel; SARMENTO, Manuel Jacinto. As crianças contextos e identidades. Braga: Centro de Estudos da Criança, 1997.

NARODOWSKI, Mariano. A infância como construção pedagógica. IN: COSTA, Marisa Vorraber (org.). Escola básica na virada do século: cultura, política e currículo. 3ª Ed. São Paulo: Cortez, 2002.

MEC/BRASIL. Referencial Curricular Nacional para Educação Infantil. Brasília, MEC, 1998.

Referências

Documentos relacionados

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

Considerando esses pressupostos, este artigo intenta analisar o modo de circulação e apropriação do Movimento da Matemática Moderna (MMM) no âmbito do ensino

Por outro lado, os dados também apontaram relação entre o fato das professoras A e B acreditarem que seus respectivos alunos não vão terminar bem em produção de textos,

The molecule was mixed with the cationic lipid DOTAP (Figure 1) to form stable vesicles with small sizes due to the two polar heads and the long carbon chain present

Em que pese ausência de perícia médica judicial, cabe frisar que o julgador não está adstrito apenas à prova técnica para formar a sua convicção, podendo

Dissertação (Mestrado em Psicologia) – Universidade de Brasília, 2007. A organização como fenômeno psicossocial: notas para uma redefinição da psicologia organizacional e

Colhi e elaborei autonomamente a história clínica de uma das doentes internadas no serviço, o que constituiu uma atividade de importância ímpar na minha formação, uma vez

A partir desses dados, conclui-se que, atra ídos pela atividade cultural, e pela localiza ção do Centro Cultural São Paulo (centro da cidade, de fácil acesso e um espaço