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ELEMENTOS PARA UMA ANÁLISE DO MACHISMO (*)

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Academic year: 2021

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E L E M E N T O S PARA U M A ANÁLISE DO M A C H I S M O (*)

M a r y P i m e n t e l D r u m o n t P E R S P E C T I V A / 2 0 D R U M O N T , M . P . E l e m e n t o s p a r a u m a a n á l i s e do m a c h i s m o . Perspectivas, S ã o P a u l o , 3 : 81-85, 1980. R E S U M O : A n á l i s e s o c i o l ó g i c a do m a c h i s m o , definido c o m o u m sistema de r e p r e s e n t a ç ã o - d o m i n a ç ã o l i g a d o à i n t i m i d a d e sexual- C a r a c t e r i z a ç ã o d a e s t r u t u r a d a p r á t i c a das r e l a ç õ e s entre os agentes sexuais.

U N I T E R M O S : M a c h i s m o , e s t r u t u r a i d e o l ó g i c a , d o m i n a ç ã o - s u j e i ç ã o .

INTRODUÇÃO

Em termos da colocação adotada, o machismo é definido como um sistema de representações simbólicas, que misti-fica as relações de exploração, de do-minação, de sujeição entre o homem e a mulher.

Esta definição não tem a preocupa-ção de atingir um rigor conceituai a par-tir de um modelo teórico fechado e

abs-trato. Mas ao contrário, a de conceituar ainda que provisoriamente o machismo, de forma que a investigação possa ser conduzida para dar conta da multipli-cidade de suas manifestações concretas dentro de uma unidade de análise.

O machismo enquanto sistema ideo-lógico, oferece modelos de identidade tanto para o elemento masculino como

para o elemento feminino. Ele é aceito por todos e mediado pela "liderança" masculina. Ou seja, é através deste mo-delo normalizante que homem e mulher "tornam-se" homem e mulher, e é tam-bém através dele, que se ocultam partes essenciais das relações entre os sexos, invalidando-se todos os outros modos de interpretação das situações, bem como todas as práticas que não correspondem aos padrões de relação nele contidos. Desde criança, o menino e a menina en-tram em determinadas relações, que in-dependem de suas vontades, e que for-mam suas consciências: por exemplo, o sentimento de superioridade do garoto pelo simples fato de ser macho e em contraposição o de inferioridade da me-nina. Um outro exemplo nos é oferecido pela própria destinação em termos de

* Este artigo focaliza uma etapa de tese de doutorado em preparação. Apresenta elementos teóricos que fundamentam a pesquisa.

* * Professora Assistente do Departamento de Ciências Sociais e Filosofia do Instituto de Letras, Ciências Sociais e Educação — Campus de Araraquara, U N E S P .

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D R U M O N T , M . P . E l e m e n t o s p a r a u m a a n á l i s e d o m a c h i s m o . Perspectivas, S ã o P a u l o , 3 : 81-85, 1980.

trabalho: a menina é geralmente condu-zida para as atividades que não produ-zem dinheiro, enquanto que o garoto é necessariamente orientado para uma pro-fissionalização.

O machismo pode ser genericamen-te considerado como um ideal a ser atin-gido por todos os homens e acatado e ou invejado pelas mulheres.

O machismo constitui, portanto, um sistema de representações-dominação que utiliza o argumento do sexo, mistificando assim as relações entre os homens e as mulheres, reduzindo-os a sexos hierar-quizados, divididos em polo dominante e polo dominado que se confirmam mutua-mente numa situação de objetos.

A o apropriar-se da realidade sexual, o machismo, em seu efeito de mistifica-ção, supercodifica a representação de uma relação de poder (papéis sexuais, símbolos, imagens e representações eró-ticas, instituições sexuais, etc.) produ-zindo "duas linguagens": uma masculi-na e uma feminimasculi-na. Nesta produção-re-produção de papéis, códigos, representa-ções sexuais, etc, há produção do espa-ço aberto, no sentido dado à expressão "corpo sem órgão" por Guattari e De-leuze (6) da extorsão do prazer, do sen-tido, do poder, do objeto, etc, onde se reproduzem as próprias condições de su-bordinação da mulher.

Assim, o machismo representa-ar-ticula (relações reais e imaginárias) esta dominação do homem sobre a mulher na sociedade.

A tese se propõe ao estudo do ma-chismo visto de seu interior, isto é, em suas articulações enquanto estrutura ideológica no seio das ideologias domi-nantes e das instituições de controle.

Investiga também como determina-das relações reiteram, sistematizam e

des-locam na esfera da existência privada uma estrutura fundamentalmente machis-ta (ao nível do discurso), cuja origem pode se encontrar no social (por exem-plo, o culto do herói entre as mulheres, o culto da "self-made-woman").

Analisa o tipo de poder que estas relações implicam. Neste sentido, faz

parte de seus objetivos, compreender a "cumplicidade" no relacionamento se-xual ao nível do micro-poder, em sua lógica interna e não apenas projetada para fora.

Deste ponto de vista, preocupa-se em estudar o investimento do desejo a ser operado no campo social e seus as-pectos históricos, políticos, econômicos e sociais.

Em suma, o trabalho expressa a ló-gica da transversalidade na análise do fenômeno estudado enquanto processo ideológico específico, na medida em que se preocupa com a representação que se tem das relações entre os sujeitos sexuais, seus aspectos de cumplicidade e os fato-res extra-ideológicos que o machismo sus-tenta.

Dentro desta perspectiva, a pesqui-sa cujos resultados servirão de funda-mento ao trabalho, objetiva o melhor co-nhecimento da estrutura do machismo ou seja, visa responder as seguintes ques-tões:

1) Quais os mecanismos de contro-le e subjugação da mulher? Que institui-ções exerceriam funinstitui-ções domesticadoras e disciplinadoras capazes de caracterizar o processo de institucionalização destas relações?

2) Qual o funcionamento dos me-canismos simbólicos do machismo, ou se-ja, como ele se articula ao nível da ideo-logia?

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3) Como se articula este sistema de representação-dominação ao nível da for-mação social brasileira? Como articular esta luta de sexos dentro das classes da sociedade brasileira?

CATEGORIAS ANALÍTICAS E M P R E G A D A S

Tal conceituação do problema im-plica em estudá-lo da perspectiva da Análise Institucional. Nesta perspectiva,

as instituições sociais são concebidas co-mo centros históricos de centralização do poder. O conceito não se reduz ao con-junto de normas assumidas por agentes (o que seria seu aspecto estrutural explícito) mas abrange também as normas não re-veladas, freqüentemente as mais impor-tantes, pois apontam para as "regras do jogo" do poder institucional. Inclui tam-bém o conjunto das relações sociais (práticas institucionais).

Estes dois aspectos, (as normas e as práticas) são mediados pelo discurso ins-titucional. Estas instituições são sede de poder por onde atravessam as normas, as regras do poder central. Elas (as institui-ções) se processam num contexto de

mu-dança e afirmação de relações e formas de produção social, apontando para as fissuras internas das práticas (hegemôni-cas) e para as respostas dos insti-tuídos. (9).

Proceder à análise institucional, significaria pois, estudar as formas insti-tuintes e não privilegar as formas instituí-das. Trata-se então de buscar no dis-curso institucional, antes de tudo, o sim-bólico, o não explícito em termos de re-sultado de uma observação. Esse simbó-lico, o não dito, é ligado a uma estrutura de poder. A análise institucional atenta

também para as implicações sociais, eco-nômicas e políticas da observação socio-lógica. E introduz a dimensão dialética, quando procura as formas de respostas do polo institucional dominado, que se revelam nas relações entre dominantes e dominados.

Em suma, trata-se de ". . . um mé-todo que visa produzir uma nova relação do saber, uma consciência do não saber que determina nossa ação" (8). Trata-se, portanto, de mostrar, não somente a face objetiva das relações sociais, mas tam-bém a ação simbólica como uma variável importante, isto é, a ação das Instituições ausentes/presentes. (*)

Esta perspectiva teórico-metodoló-gica permite-nos abordar o problema do machismo a partir de categorias analíti-cas extremamente frutíferas, tais como os conceitos de Transversalidade e o de

Es-tigma.

O conceito de Transversalidade con-forme o entendemos e Guattari (7), re-fere-se às ligações entre indivíduo-histó-ria, entre libido e sistemas político-sociais A transversalidade se coloca a propósito da normatização e da repressão dos

indi-víduos (loucos, por exemplo), ou de grupos (mulheres, negros e grupos estig-matizados em geral) como concretização de uma situação de dominação sócio-polí-tica num contexto histórico-global. A

Transversalidade, assim é um conceito que ultrapassa o nível da análise dos pa-péis sociais e coloca a questão da gênese e do sentido da participação do indivíduo no grupo, sem cair numa análise descriti-va sócio-psicológica. " A transversalidade num grupo é uma dimensão contrária e complementar às estruturas geradoras de hierarquização piramidal e dos modos (*) A p e s a r de sua evidente i n f l u ê n c i a dos m é t o d o s p s i c a n a l í t i c o s que pode ser vista n o u s o dos conceitos tais c o m o o de inconsciente, de objeto de desejo

o n ã o d i t o . . . , os mesmos e s t ã o subordinados a o estudo de estrutura de autoridade,

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D R U M O N T , M . P . E l e m e n t o s p a r a u m a a n á l i s e do m a c h i s m o . Perspectivas, S ã o P a u l o , 3 : 81-85, 1980.

de transmissão esterilizadores das mensa-gens" ( 7 ) .

Como instrumento de trabalho ana-lítico o conceito permitir-nos-à estudar a lógica interna do machismo enquanto es-trutura ideológica de representação-domi-nação entre os sexos. Esta categoria é útil para mostrar a determinação social das ações dos sujeitos. Isto não significa entretanto que em cada classe, em cada grupo, o machismo não apresente especi-ficidades. Daí a necessidade de traba-lhar com as semelhanças e as diferenças.

Uma outra categoria analítica com a qual trabalharemos é a de Estigma (4) por nós considerado como um dos meca-nismos instituintes dos grupos e que, se-gundo Goffman, é um atributo profunda-mente depreciativo. Este autor salienta que o que é preciso ver na realidade, é a existência de uma linguagem de relações e não de atributos. Um atributo que es-tigmatiza alguém pode confirmar a nor-malidade de outrem. Portanto ele não é, em si mesmo, nem honroso nem deson-roso . . . Um estigma é então, na rea-lidade, um tipo especial de relações entre atributos e estereótipo. Em síntese, o es-tigma é um dos mecanismos de controle e dominação, de que a sociedade dispõe, sobre os indivíduos. O estigma justifica, portanto as principais formas de segre-gação que conhecemos como a segrega-ção de classe, de grupos minoritários, de sexos, etc, consequentemente a manipu-lação das relações sociais.

Estudar, portanto, os processos de estigmatização é, antes de tudo, reconhe-cer que estes processos estão subordina-dos às relações de saber e poder, bem como às suas determinações socais,

his-tóricas e econômicas. É investigar como se passa o processo de dominação, disci-plinarização e submissão dos indivíduos, de seus corpos e de seu tempo.

E nesse ponto, valemo-nos de M . Foucault (3) para quem o capitalismo "foi obrigado a elaborar um conjunto de técnicas de poder, pelo qual o homem se encontra ligado a algo como o traba-lho, um conjunto de técnicas pelo qual o corpo e o tempo dos homens se tor-nam tempo de trabalho e força de traba-lho e podem ser efetivamente utilizados para se transformar em lucro . . . "

É fundamental, portanto, investigar a disposição da estrutura de poder deste sistema simbólico, o machismo. Apreen-der também a forma e a disposição do poder masculino permeabilizando as ins-tâncias estruturais, bem como as possíveis respostas que o polo dominado pode ofe-recer.

Ora, sabemos que a mulher enquan-to polo dominado assume a opressão de diferentes formas, na condição de vítima ela afirma cada vez mais sua posição oprimida, não assumindo a direção de seu próprio destino social, não se enga-jando numa luta pela sua própria libe-ração.

CONCLUSÕES:

Concluindo, o machismo é definido como um sistema de representação-do. minação fortemente ligado à intimidade sexual.

A tese tenta aprofundar o estudo do machismo, já anteriormente iniciado em uma dissertação de mestrado (1).

Em termos metodológicos procede-se a uma Análiprocede-se Institucional do machis-mo de tal machis-modo que se possa penetrar o social desde o desejo até o caráter anta-gônico e complementar das relações his-tórico-sociais desse sistema ideológico.

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D R U M O N T , M . P . S o m e elements t o w a r d s an analysis of " m a c h i s m o " . Perspec-tivas, S ã o P a u l o , 3: 81-85, 1980.

A B S T R A C T : S o c i o l o g i c a l analysis of " m a c h i s m o " , defined as a system of domination-representation connected w i t h sexual i n t i m a c y . S t r u c t u r e characteriza-t i o n of characteriza-the praccharacteriza-tice of r e l a characteriza-t i o n s h i p s becharacteriza-tween sexual agencharacteriza-ts.

U N I T E R M S : M a c h i s m ; ideological s t r u c t u r e ; d o m i n a t i o n - s u b j e c t i o n .

R E F E R Ê N C I A S BIBLIOGRÁFICAS 1. D R U M O N T , M . P . Essai d'

interpreta-tion sociologique du 'machismo' au Nord-est du Brésil. Universidade Católica de Louvain, Louvain, Bél-gica. 1970.

2. O machismo: análise de um ideal. In: Reunião Anual da S . B . P . C . 28, Brasília, 1976. 3. F O U C A U L T , M . A Verdade e as

for-mas jurídicas. 2 .a ed., Cadernos da

P . U . C . , R i o de Janeiro, 1975. 4. G O F F M A N , E . Estigma: notas sobre

a manipulação da identidade de-teriorada. R i o de Janeiro, Zahar, 1972.

5. G R A M S C I , A . Los intelectuales y la organización de la cultura. Buenos Aires, Nueva Edicion. 1973. 6. G U A T T A R I , F . & D E L L E U Z E , G .

L'Anti-Oedipe. Paris, Minuit. 1972. 7. G U A T T A R I , F . Psychanalyse et

trans-versalité. Paris, Maspero. 1972. 8. L O U R A U , R. Analyse institutionelle

Paris, Minuit. 1970.

9. L U Z , Madel. Construção de modelo de análise de instituições. Associa-ção dos Psiquiatras da Bahia, Sal-vador, 2, 1978.

Referências

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