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HISTÓRIA DAS MULHERES NO BRASIL ATRAVÉS DO JOGO DIGITAL

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Academic year: 2021

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HISTÓRIA DAS MULHERES NO BRASIL ATRAVÉS DO JOGO DIGITAL

Sonia Beatriz Leite Ferreira Cabral

Resumo: No Brasil, até a década de 1970, a produção dos saberes em torno da questão feminina era praticamente

inexistente e, além disso, refletia, na maioria das vezes, a percepção masculina sobre o tema. As mulheres passaram, então, a questionar essas referências e a reivindicar o recebimento de recursos financeiros para desenvolvimento de pesquisas, em diferentes campos da produção do conhecimento. A historiadora francesa Michelle Perrot foi uma das principais precursoras a incluir as mulheres no campo da historiografia como objeto de estudo e sujeito da História. Na perspectiva de disponibilizar esse estudo para as novas gerações, a autora desenvolveu o jogo digital “Lutas e Conquistas Femininas”. Tem como proposta resgatar e dar visibilidade às mulheres, de diferentes épocas, extratos sociais e etnias, que se tornaram símbolos de resistência e combatividade em defesa da equidade de gênero. O jogo apresenta um tabuleiro em formato espiral, enfatizando a ideia de que o processo de lutas e conquistas femininas ainda está em andamento. Cada uma das 50 casas do tabuleiro é identificada por imagens de mulheres ou fatos que contribuíram para a conquista de direitos femininos. Através desse recurso pedagógico, é possível acompanhar como a construção dos gêneros foi, ao longo da história, se transformando e que, apesar das inúmeras conquistas, ainda são recorrentes os mecanismos de controle que visam delimitar as atividades femininas e seu lugar na sociedade.

Palavras-chave: História das Mulheres, Tecnologia, Educação

A historiadora francesa Michelle Perrot foi uma das principais precursoras a incluir as mulheres no campo da historiografia como objeto de estudo e sujeito da História. Silenciadas e invisibilizadas, até então, por um discurso historiográfico androcêntrico, Perrot rompe com o silêncio e demonstra que essas possuem uma história e que é possível escrever a história das mulheres. Incorporar as vozes femininas significou reconstruir as suas trajetórias através dos vestígios que deixaram; para isso foram utilizadas e valorizadas fontes até então consideradas sem uma importância maior para a história tradicional, tais como registros de memória, correspondências familiares, diários, jornais, fotografias, relatórios médicos e policiais.

No Brasil, a partir dos anos 1970, as mulheres ingressam, de forma significativa, nas universidades e simultaneamente começam a exercer as atividades de ensino e de pesquisa. Naquele momento, a produção dos saberes em torno da questão feminina era praticamente inexistente e, além disso, refletia, na maioria das vezes, a percepção masculina sobre o tema. Para agravar, as tentativas de construir um referencial teórico que fundamentasse a epistemologia feminina esbarravam na falta de reconhecimento acadêmico dos conteúdos porque não se enquadravam nas supostas características das produções científicas. As mulheres passaram, então, a questionar essas referências e a reivindicar o recebimento de recursos financeiros para desenvolvimento de

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A partir da década de 1990, com a introdução do gênero como categoria de análise, foram criadas nas universidades brasileiras os Grupos de Gênero, o que possibilitou a formulação de teorias e metodologias que permitiam refletir sobre as questões femininas dentro de uma perspectiva relacional.

Segundo Perrot, romper com o silêncio e a invisibilidade histórica possibilitou que as mulheres compreendessem melhor a si mesmas, que entendessem que as identidades que hoje compartilham são fruto de uma construção histórica e contribuiu para que construíssem uma consciência maior de gênero.

Pinsky (2007) chama a atenção para necessidade de ampliarmos a circulação desses conhecimentos e possibilitar que os estudos sobre as mulheres ultrapassem o mundo acadêmico e sejam disponibilizados para um público mais amplo. “A história das mulheres deve ser discutida nos salões de beleza, nos almoços de família, nas mesas de bar, nos ambientes de trabalho; deve estar presente na elaboração de políticas públicas, nas escolas, nas TVs e nas rádios”

Apesar dos avanços significativos no que se refere à disseminação de informação sobre a questão feminina, o desafio de atingir o público jovem ainda persiste. Dado o poder de atração que a tecnologia exerce sobre crianças e jovens, o uso dos recursos tecnológicos vem se tornando um instrumento primordial para atingi-los, tendo em vista que possibilita recriar a realidade e transformar os conteúdos em vivência. No entanto, a utilização da plataforma digital, por si só, não garante uma prática inovadora, prova disso são os jogos online que, na sua maioria, continuam a reproduzir modelos de comportamento que são pertinentes e adequados a cada gênero. A demarcação desse recorte diferenciador se estabelece, na medida em que são disponibilizados para as meninas jogos simples cuja temática remete à questão do cuidar, tarefas domésticas moda e beleza, enquanto que para os meninos são disponibilizados jogos de ação, de luta e estratégia, reiterando e naturalizando o papel “tradicional” das mulheres.

No intuito de contrapor essa perspectiva reducionista, foi desenvolvido o jogo digital “Lutas e Conquistas Femininas” cuja abordagem foi feita tendo como pressupostos as teorias de gênero. O objetivo do jogo é resgatar e dar visibilidade às mulheres, de diferentes épocas, extratos sociais e etnias, que se tornaram símbolos de resistência e combatividade em defesa da equidade de gênero.

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O jogo apresenta um tabuleiro em formato espiral, enfatizando a ideia de que o processo de lutas e conquistas femininas ainda está em andamento. Essa trajetória repleta de desafios, avanços e recuos está representada nas 50 casas do tabuleiro e são identificadas por imagens de mulheres ou fatos que contribuíram para a conquista de direitos para as mulheres no Brasil.

Além das casas convencionais, o tabuleiro possui algumas diferenciadas; ao cair nelas o/a jogador/a poderá avançar, retroceder ou enfrentar um desafio.

A primeira parte do jogo inicia em 1827 e se estende até 1888. Aborda as reivindicações de algumas mulheres pelo direito à educação, acesso ao curso superior e oportunidades para expor suas ideias, por meio de publicações jornalísticas de cunho feminino e feminista.

A homenageada dessa fase é Nísia Floresta que, em 1832, escreveu “Direitos das mulheres e injustiça dos homens”, obra na qual busca, além de denunciar a situação de ignorância na qual se pretendia manter a mulher, a defesa pela educação como o caminho para a conquista de sua independência social e econômica.

Se o/a jogador/a cai na casa NÍSIA, avança no jogo. A casa CONVENTO simboliza o retrocesso, na medida em que este era um espaço também utilizado para o confinamento de mulheres “desviantes” – era a oportunidade de resolver seus “problemas”; o enclausuramento também servia para evitar a repartição de heranças e até mesmo como fuga de um matrimônio forçado ou de uma gravidez indesejada.

Na casa DESAFIO, o/a jogador/a terá que jogar um MINIGAME, para impedir que a produção literária e jornalística feminina seja apagada. Naquela época, as edições jornalísticas de cunho feminino e feminista tiveram como mérito trazer a público as questões específicas e estimular uma reflexão sobre a identidade feminina.

A segunda parte do jogo que compreende o período de 1906 a 1937 se destaca por ser o período em que as mulheres passaram a se organizar para reivindicar uma maior participação social e política, especialmente o direito ao voto. A personalidade homenageada é Bertha Lutz que fundou, em 1922, no Rio de Janeiro, a Federação Brasileira pelo Progresso Feminino, que lutava, dentre outras propostas, pela conquista do voto e ampliação dos direitos políticos das mulheres. Esta foi a primeira forma de organização feminina que desenvolveu táticas políticas e estratégias de propaganda.

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A casa BERTHA indica avançar no jogo e a casa RETROCESSO remete ao período do decreto do Estado Novo, em 1937, quando Getúlio Vargas fechou o Congresso, aboliu as liberdades democráticas e proibiu organizações políticas e os movimentos sociais, dentre eles o movimento feminista.

Na casa desafio a missão do/a jogador/a é eleger as Deputadas Constituintes de 1934. Na ocasião foram eleitas a primeira deputada federal Carlota Pereira de Queirós e nove estaduais, dentre elas a educadora e jornalista catarinense Antonieta de Barros.

Na terceira parte, que vai de 1962 a 1977, tornam-se relevantes as lutas pelo direito ao corpo e ao prazer, contra o patriarcado e pela ampliação do espaço de atuação no trabalho e na política. A personalidade homenageada é Heleieth Saffioti por suas dezenas de livros sobre mulheres, que tratam do patriarcado, da violência e da discriminação de gênero. Foi a partir da publicação da obra

A mulher na sociedade de classes: mito e realidade (1969) que a temática é elevada à categoria de

estudo e novas pesquisas sobre as mulheres e relações de gênero passaram a ser realizadas no Brasil.

Se o/a jogador/a cai na casa HELEIETH avança no jogo, jaó se ele cai na casa MORTE, que remete ao assassinato de Ângela Diniz, retorna imediatamente para o início do jogo. O assassinato da socialite, em 1976, por seu namorado Doca Street, virou um marco no Brasil pela luta pelo fim da violência contra as mulheres. A partir da condenação de Doca, a violência doméstica começou a ser encarada como um problema público.

A quarta parte do jogo destaca a importância da articulação e mobilização das mulheres para garantir a igualdade entre gêneros como direito fundamental na Constituição de 1988. Outros avanços concretizados são a elaboração de políticas públicas voltadas ao aperfeiçoamento do combate à violência doméstica, e a criação do sistema de cotas para aumentar a representação parlamentar feminina.

A personalidade homenageada é Lélia Gonzales, uma das protagonistas das discussões sobre gênero e raça com o objetivo de reivindicar direitos e de promover e dar visibilidade de pautas específicas.

O desafio dessa etapa do jogo é combater pensamentos e ideias preconceituosas. A “heroína” do minigame, contrapondo a representação sensual da figura feminina nos games de ação, possui características físicas que fogem dos padrões estéticos de beleza.

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O jogo disponibiliza uma linha do tempo que permite ao/à jogador/a acompanhar as mudanças de costumes, comportamento e estilo de vida que ocorreram na sociedade brasileira e que também possibilita acompanhar como a construção dos gêneros foram se transformando e de que forma os meios de comunicação de massa contribuíram para divulgar esses modelos de representações.

Fazendo um paralelo entre as formas de coação sofridas pelas primeiras jornalistas brasileiras, no século XIX, e as constatadas entre as jogadoras de game online, percebe-se que ainda são recorrentes os mecanismos de controle que visam delimitar as atividades femininas, e seu lugar na sociedade. Assim como no passado, as primeiras jornalistas recorreram ao recurso do pseudônimo masculino, as jogadoras de games precisam lançar mão de nicknames masculinos para

se manterem na invisibilidade e transitar num universo dominado pelo machismo.

Conscientes de seus direitos, as jornalistas não se intimidaram e, apesar de terem se tornado alvo de insultos e calúnias, enfrentaram inúmeros preconceitos para romper as barreiras e exercerem suas atividades profissionais. Os mesmos constrangimentos são verificados entre aquelas que ousam denunciar o ambiente machista e misógino da Internet: sofrem linchamentos virtuais, perseguição e até ameaças de morte e estupro.

Nesse sentido, faz se necessário a desconstrução de modelos pré-estabelecidos de comportamento como pertinentes e adequados a cada gênero, tendo em vista que esses estereótipos continuam tão arraigados em nossas concepções que acabam naturalizando os espaços tidos como adequados a cada gênero e a supremacia masculina sobre a feminina.

Apesar da longa história de luta, problemas históricos como a desigualdade salarial, a pouca representatividade política e a violência contra as mulheres ainda persistem

.

Novamente, os obstáculos serviram de incentivo para que as mulheres sigam na luta para construção de uma sociedade que promova de forma igualitária o acesso de todas e todos aos bens coletivos, e ao mesmo tempo valorize as diversidades de classe, de etnia e de gênero.

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DEL PRIORE, Mary. A mulher na história do Brasil: raízes históricas do machismo brasileiro, a mulher no imaginário social, lugar de mulher é na história. São Paulo: Contexto, 1989.

PERROT, Michelle. Os excluídos da história: operários, mulheres e prisioneiros. Rio de Janeiro:

Paz e Terra, 2001. p.167-234.

PINSKY, Carla B.; PEDRO, Joana Mª (Orgs.). Nova História das Mulheres no Brasil. São Paulo:

Contexto, 2012.

PINSKY, Carla B. História das mulheres, da academia para os almoços de domingo. Revista Estudo Feministas, v.15, n. 1, Florianópolis, jan./abr. 2007. Disponível em:

http://dx.doi.org/10.1590/S0104-026X2007000100015. Acesso em: 05/02/2017

History of Women in Brazil by the digital game

In Brazil, until the 1970s, the production of knowledge about the feminine question was practically non-existent and reflected the male perception on the subject. Women have come to question these references and to claim the incorporation of feminist questions into different fields of knowledge. The French historian Michelle Perrot was one of the pioneers to include women in the field of historiography demonstrating that it is possible to write the History of Women. In the perspective of making this study available to the new generations, the author developed the digital game "Women's Fights and Achievements". Its purpose is to rescue and give visibility to women from different eras, social extracts and ethnicities, who have become symbols of resistance and combativeness in defense of gender equity.

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