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CAMILA FLESSATI UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO O DISCURSO MONOLÓGICO NA OBRA AS MENINAS EXEMPLARES, DA CONDESSA DE SÉGUR.

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Academic year: 2021

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CAMILA FLESSATI

UNIVERSIDADE DE SÃO PAULO

O DISCURSO MONOLÓGICO NA OBRA AS MENINAS EXEMPLARES, DA CONDESSA DE SÉGUR.

O período em que a obra As meninas exemplares foi escrito data de 1856, uma época marcada pela mentalidade patriarcal, representando predominantemente a sociedade aristocrata.

A escritora, Condessa de Ségur, pertence a esse universo, e em sua infância as características como a obediência e a humildade que são exaltadas nos seus livros eram ainda mais fortes. De modo que Ségur teve uma educação rígida e pais severos. O pai da autora pertenceu a classe militar que defendeu a Russia de Napoleão Bonaparte e, por ironia, Ségur se casou com o conde Eugenio de Ségur.

A apresentação da escritora Condessa de Ségur faz-se necessária pois é possível transpor muitos pontos de sua vida com suas obras, permitindo identificar em seus textos discursos monológicos.

Segundo Bakhtin1, pode-se classificar alguns romances como monológicos. Sabe-se que esse tipo de romance possue vários personagens, que são sempre veículos de posições ideológicas, para exprimir unicamente uma visão do mundo, uma ideologia dominante, a do próprio autor da obra; assim embora nesses romances muitos personagens falem, todos eles exprimem a voz do autor.

Partindo da definição de Bakhtin sobre romance monológico, o presente trabalho analisará o discurso dentro da obra As meninas exemplares.

O título do livro traz a idéia de um exemplo a ser seguido, um modelo. E de acordo com a definição do dicionário de semiótica2, a primeira acepção da palavra

modelo pode ser aplicada nesse caso: no sentido herdado da tradição clássica, entende-se por modelo o que é capaz de imitar. O modelo pode então ser considerado como uma forma ideal.

O vocábulo modelo preenche a idéia que a autora deseja alcançar com essa

obra, que os leitores sigam os exemplos que lhes são expostos, as personagens exemplares são recompensadas por boa conduta; ao passo que as não-exemplares recebem castigos e, em alguns, pode-se questionar a violência desse período.

Desta maneira, tomando como aporte as considerações de Regina Zilberman3 acerca da literatura infantil tem-se que o livro para a infância assumiu, desde a sua

origem, uma personalidade educativa. Ao invés do lúdico, adotou uma postura pedagógica, englobando valores e normas do mundo adulto para transmiti-los às crianças.

As personagens que dão o título à essa obra são duas irmãs chamadas Camila e Madalena. A primeira é a mais velha, tem 8 anos, é bastante levada, gosta de brincadeiras que tenham muito barulho e ação, como por exemplo correr ou esconde-esconde. Já a segunda, tem 7 anos, e ao contrário da irmã prefere

1

BAKHTIN, M. Questões de literatura e estética. 2

GREIMÁS, A. J. e COURTÉS, J. Dicionário de Semiótica. 3

(2)

brincadeiras mais calmas, as quais antigamente eram chamadas de brincadeiras de meninas como brincar de casinha, dedicando-se as tarefas diárias que um lar exige.

Embora tenham gostos diferentes, essa duas crianças não brigam, sempre uma tem a sabedoria de aceitar o que a outra lhe pede. Tal aspecto pode ser observado no excerto abaixo:

“Mme de Fleurville era a mãe de duas boas, encantadoras e amáveis meninas. Uma adorava a outra. É muito comum a gente ver irmãos, que brigam entre si, que discutem e vêm queixar-se aos pais, depois de terem brigado de tal forma, que é impossível dizer com quem está a razão. Nunca houve uma discussão entre Camila e Madalena, pois sempre uma cedia ao desejo da outra. Isto não quer dizer que tivessem os mesmos gostos (...)”4

Tal comportamento remete a idéia de que nessa época o conceito de infância ainda era muito recente. As crianças eram consideradas como mini-adultos, não havendo distinções entre um ou outro. Por exemplo: cobrava-se que um indivíduo de cinco anos agisse com a mesma maturidade de um de vinte, as roupas eram iguais para crianças e adultos, entre outros.

A sociedade oitocentista, em especial a aristocracia, julgava-se superior a outras pessoas, e o que as diferenciava era o poder econômico. Como as personagens desse livro pertencem a aristocracia pode-se ver nas ações da crianças o reflexo do pensamento dos adultos e diretamente a educação recebida.

Mm de Fleurville sendo mãe das meninas Camila e Madalena era a responsável pela educação delas e parte integrante nesse processo era aliar os princípios cristãos. Aparentemente isso não só pode ser normal, como para alguns pode ser louvável. No entanto, nesse caso, haverá uma terceira alternativa, pois se observa que entra em questão a dualidade entre o parecer e o ser, tais personagens parecem verdadeiras cristãs, mas ao invés de agir buscando a caridade cristã o que ocorre é a demonstração de uma superioridade pautada na vida financeira dessa família.

Essa pseudo-superioridade é frequentemente nas obras de Ségur. Especificamente nas Meninas exemplares isso é expresso na ação de dar esmolas aos pobres; mais que o ato de dar esmolas, o modo como o assunto é colocado proporciona um constrangimento ao leitor e demonstra um pensamento típico da sociedade tradicional do século XIX.

Por vezes, o tratamento dado aos pobres não é discutido na obra. O que mais importa é a atitude de dar a esmola do que a relação que se possa ter com essa pessoa, o que seria mais condizente com uma atitude caridosa.

Isso pode ser observado nesta passagem:

4

(3)

“- Vamos ver passar os carros na estrada grande? propôs Camila.

- Isso mesmo, respondeu Madalena, e se nós vermos mulheres e crianças pobres poderemos dar-lhes esmola. Vou levar algum dinheiro comigo.

- É mesmo, então vou levar também.”5

Há um trecho ilustrativo do que ocorria com uma mulher quando esta se via na condição de viúva. Dentro desse romance, a Mm de Fleurville é uma mulher viúva e se afastou do centro urbano francês justamente por isso, foi viver em uma fazenda com as filhas. Numa tarde as filhas da Mm de Fleurville, Camila e Madalena, foram passear e ouviram um barulho forte, logo foram ver o que teria se passado e infelizmente era um acidente com uma charrete. Como boas pessoas, mãe e filhas abrigam os feridos em sua fazenda.

No decorrer da narrativa o leitor fica sabendo que a senhora acidentada também era viúva e sua filha tem uma forte admiração por Camila e Madalena, as têm como um exemplo. Vendo as filhas tão bem juntas e sendo as duas viúvas; ambas verificam o quanto seria bom poder compartilhar de momentos de alegria não só com as filhas, mas entre elas. Ter um adulto para conversar, ponderar o que fazer, etc. Isso era comum no século XIX, ou a mulher voltava para a casa dos pais ou o irmão mais velho a ajudava a administrar as finanças e lhe dava a proteção necessária.

Dentro da literatura infantil Nelly Novaes Coelho6 faz um estudo sobre os valores presentes em cada escola literária e que consequentemente reflete o contexto histórico em que está inserida. Tais valores foram divididos em dois grupos. As características que compõe os paradigmas tradicionais possuem elementos semelhantes ao que se encontra nos discursos monológicos.

Da mesma maneira que se podem relacionar os paradigmas emergentes aos discursos polifônicos. Comprova-se o quanto essas abordagens são próximas observando o quadro abaixo:

Paradigmas Tradicionais Paradigmas Emergentes

1- Espírito individualista 1- Espírito solidário

2- Obediência absoluta à Autoridade 2-Questionamento da Autoridade 3- Sistema social fundado na

valorização do ter e do parecer, acima do ser

3- Sistema social fundado na valorização do

fazer como manifestação autêntica do ser

4- Moral dogmática 4- Moral da responsabilidade ética

5- Sociedade sexófoba 5- Sociedade sexófila

5

SÉGUR, Condessa. As meninas exemplares. 6

(4)

6- Reverência pelo passado 6- Redescoberta e reinvenção do passado 7- Concepção de vida fundada na

visão transcendental da condição humana

7- Concepção de vida fundada na visão cósmica/existencial/mutante da condição humana

8- Racionalismo 8- Intuicionismo fenomenológico

9- Racismo 9- Anti-racismo

10- A Criança: “adulto em miniatura” 10- A Criança: ser-em-formação

Vale ressaltar que o caráter doutrinador de seus livros deve-se também ao fato da autora escrever essas obras para as netas, que até então apenas escutavam tais estórias. Como estas tiveram que se mudar para outro país, Ségur vê-se convidada a entrar no universo da escrita.

Quanto à estrutura, a obra agrada ao leitor, pois contém um ritmo rápido com capítulos curtos, indicando que cada aventura terá o seu desfecho brevemente. Aliado a essa rapidez, a narrativa prende o leitor convidando-o para os próximos capítulos e, no caso das Meninas exemplares, convidando para livros subseqüentes. A análise desse tipo de discurso possibilita não apenas compreender o meio no qual a obra foi escrita , mas também conhecer autores tão marcantes como a Condessa de Ségur, a qual foi muito lida e influenciou gerações não só francesas ou brasileiras, já que sua obra começa a ser lida no Brasil ainda no século XIX, mas Segur teve uma amplitude em vários continentes e significativa importância.

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BIBLIOGRAFIA

ARIÈS, Philippe. História social da família e da criança. Rio de Janeiro, LTC, 1981. BAKHTIN, Mikhail. Questões de literatura e estética. São Paulo, Annablume, 2002 BARROS, Diana. Dialogismo, polifonia, intertextualidade. São Paulo, Edusp, 1994. BLIKSTEIN, Izidoro. Kaspar Hauser ou A fabricação da realidade. São Paulo, Edusp/ Cultrix, 1983.

COELHO, Nelly Novaes. Literatura Infantil - Teoria, Análise, Didática. São Paulo, Moderna, 2000.

COELHO, Nelly Novaes. Panorama histórico da literatura infantil/juvenil. São Paulo, Ática, 1991.

GREIMAS, A. J. e COURTÉS. Dicionário de Semiótica. São Paulo, Cultrix, 1979. SÉGUR, Condessa de. As meninas exemplares. São Paulo, Editora do Brasil, s/d. ZILBERMAN, Regina. A produção cultural para a criança. Porto Alegre, Mercado Aberto,1984.

Referências

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