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A HISTÓRIA INDÍGENA ENSINADA NO SÉCULO XIX: AS LIÇÕES

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VIII Simpósio Nacional de História Cultural

MEMÓRIA INDIVIDUAL, MEMÓRIA COLETIVA E HISTÓRIA

CULTURAL

Universidade Federal do Tocantins – UFT

Araguaína – TO

14 a 18 de Novembro de 2016

A HISTÓRIA INDÍGENA ENSINADA NO SÉCULO XIX: AS LIÇÕES

DE

J

OAQUIM

M

ANUEL DE

M

ACEDO

Martha Victor Vieira

Após a independência do Brasil, intelectuais e políticos engajaram-se na tarefa de construir os fundamentos da jovem nação brasileira. De um lado, começou-se a organizar um aparato burocrático e instituições jurídicas e políticas que deveriam fornecer as orientações e controlar as ações dos agentes sociais domiciliados nessa porção do território. Por outro lado, houve também um esforço em incentivar produções culturais que contribuíssem para inventar uma ideia de nação e dar sentido a essas representações sobre o Brasil. Entre as produções culturais incentivadas pelo Governo Imperial estavam as narrativas históricas e literárias que circularam no Oitocentos.

Como diz Eric Hobsbawm, para se formar uma nação no sentido político é preciso que haja um grupo de pessoas que se reconheçam como tal. Nesse sentido, a nação é um artefato, uma invenção moderna que nasceu após o final do século XVIII. Ainda segundo esse autor, a nação seria um fenômeno construído “pelo alto”, embora, geralmente, se ancore nas “[...] esperanças, necessidades, aspirações e interesses das

Professora do Colegiado de História, do Programa de Mestrado Profissional em História e do Programa de Pós-Graduação em Estudos de Cultura e Território da Universidade Federal do Tocantins, Campus de Araguaína.

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pessoas comuns [...]”. Essas pessoas comuns, porém, seriam as últimas a desenvolverem uma consciência nacional1.

Interessados em construir a história da nação brasileira, um grupo de intelectuais fundou, em 1838, o IHGB (Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro). A princípio, a intenção do IHGB era contribuir para a construção da identidade nacional, estimulando a produção de uma escrita da história pragmática que contemplasse um projeto político nacional. Além do IHGB, o movimento romântico, surgido em 1836, também contribuiu para a elaboração da ideia de nação no Brasil. A Revista Brasiliense de Ciências, Letras

e Artes, publicada em Paris, que fundou esse movimento, trazia nos seus dois primeiros

números a epígrafe: “Tudo pelo Brasil e para o Brasil”. Era o nacionalismo brasileiro que então circulava nos impressos e buscava plasmar as almas. Muitos escritores do Romantismo eram funcionários do Estado Imperial que se engajaram na tarefa de construir a nação por meio de suas obras literárias. Segundo Bernardo Ricupero,

Em nossa vida intelectual, poucas vezes insistiu-se tanto na necessidade de afirmar-se a particularidade brasileira como durante o período de predomínio das idéias românticas. Não por acaso, o romantismo brasileiro teve como cenário histórico os anos posteriores à independência. Assim, a tarefa que se impunha aos homens da época era praticamente a de completar a obra da emancipação política, dotando a nação em constituição de maior autonomia cultural. [...] a busca da sua emancipação mental2.

Com o intuito de estimular a escrita de uma história nacional e patriótica, em l840, Januário da Cunha Barbosa, primeiro secretário do IHGB, definiu um prêmio para quem melhor produzisse uma monografia sobre a história do Brasil. O texto premiado foi do cientista alemão Von Martius, que em l843, escreveu a dissertação intitulada “Como

se Deve Escrever a História do Brasil”.

A iniciativa do IHGB evidencia a vontade dos dirigentes e membros do Instituto Histórico em estimular a produção de uma história do Brasil. Em 1854, Francisco Adolfo de Varnhagen, sócio efetivo do IHGB, escreveu a obra História Geral do Brasil, que é considerada a maior síntese histórica produzida no Oitocentos. Outro sócio, bem menos conhecido, que contribuiu para a construção da história do Brasil no século XIX, foi

1 HOBSBAWM, Eric. Nações e nacionalismo desde 1780. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1990. p. 20-21 2 RICUPERO, Bernardo. O romantismo e a idéia de nação no Brasil (1830-1870). Rio de janeiro: Martins

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Joaquim Manuel de Macedo, que no início de 1860 escreveu dois manuais didáticos:

Lições de História do Brasil para uso dos alunos do Imperial Colégio de D. Pedro II e Lições de História do Brasil para uso das escolas de instrução primária.

Macedo foi um literato brasileiro que nasceu na freguesia de São João de Itaboraí, no Rio de Janeiro, em 24 de junho de 1820. Embora tenha se formado em medicina, Macedo não exerceu essa profissão. Durante sua vida, atuou como redator, literato, dramaturgo, político, historiador e professor de História do Brasil do Colégio D. Pedro II. A partir de 1845, tornou-se sócio do IHGB, atingindo a vice-presidência em 1876. Publicou crônicas e folhetins em vários periódicos fluminenses, tais como: o

Correio Mercantil, a Revista Popular, Jornal do Commercio, A Reforma, O Globo, Marmota Fluminense, a Semana Ilustrada, entre outros.

Macedo era membro do Partido Liberal. Foi por esse partido que o escritor conquistou os mandatos de deputado provincial (1850, 1853, 1854-59) e deputado geral (1864-1866, 1867-1868, e 1878-1881). Apesar de atuar como político, redator e historiador, Macedo ficou conhecido mesmo por suas contribuições literárias, especialmente pelo romance A Moreninha, escrito em 1845 e que até 1882, ano da morte do escritor, já tinha tido 6 edições. Entre as obras de Macedo, encontram-se vários romances, sátiras políticas, crônicas, teatro, poesias e textos de história do Brasil. Ademais, os relatórios escritos para a Revista do IHGB também fazem parte do legado histórico e literário de Macedo

O

MANUAL DIDÁTICO E A CONSTRUÇÃO DA MEMÓRIA

Os livros didáticos começaram a ser produzidos no Brasil, por volta de 1810. Mas foi com a criação do Colégio D. Pedro II, em 1837, que ocorreu a “[...] elaboração do currículo escolar e em sequência a formação de conteúdos programáticos, posteriormente seguidos pelos livros didáticos, como é feito até os dias de hoje.” Contudo, uma política de livros didáticos somente ocorreu no Brasil a partir de 1930 com a Era Vargas3.

De acordo com Circe Bittencourt, na lista de sócios do IHGB havia vários professores do Colégio D. Pedro II, muitos dos quais eram responsáveis pela produção de

3 FEIDMAN, Diogo Roberto Calheiros. O livro didático de história. São Paulo: Biblioteca 24 horas, 2010. p. 48.

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manuais didáticos nesse período. Nas palavras da historiadora: esses autores possuíam “[...] estreitas ligações com o poder responsável pela política educacional do Estado, não apenas porque eram obrigados a seguir os programas estabelecidos, mas porque estavam ‘no lugar’ onde este mesmo saber era produzido4.

Como aponta Tomáz Tadeu Silva: “[...] quem tem o poder de representar tem o poder de definir e determinar a identidade”, tendo em vista que: “A identidade e a diferença são extremamente dependentes da representação. É por meio da representação, assim compreendida, que a identidade e a diferença adquirem sentido5.”

Os livros didáticos, ao divulgarem determinados conteúdos, símbolos, imagens e versões podem influenciar a forma de se pensar a sociedade de determinada época, porque “[...] o livro didático é um importante veículo portador de um sistema de valores, de uma ideologia, de uma cultura”6.

No século XIX, a produção dos livros didáticos contribuiu para a construção do Estado e da identidade nacional ao fazerem circular determinadas representações da população e do território brasileiro. Para os membros do IHGB, a pesquisa e divulgação do conhecimento histórico, geográfico e etnográfico tinham o claro objetivo de servir para gestão da memória da pátria, a fim de que as futuras gerações conhecessem os heróis nacionais. Era pensando nisso que o Instituto estava publicando os manuscritos antigos, a fim de que se pudesse “salvar de uma vez dos sorvedouros do tempo essas memórias do passado”7.

Como resultado de uma pesquisa histórica, que é recortada, selecionada e financiada por alguém, podemos dizer que o livro didático necessariamente está relacionado a um contexto de produção, que envolve o lugar da fala do narrador, sua classe social, suas referências teóricas, literárias, historiográficas e memorialista, bem como suas experiências e expectativas futuras.

4 BITTENCOURT, Circe. Autores editores de compêndios e livros de leitura (1810-1910). Educação e Pesquisa. Revista da Faculdade de Educação da USP, set/dez, vol. 30, n. 3, p. 481, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a08v30n3.pdf. Acesso em: mar. 2014.

5 SILVA, T. T. da. A produção social da identidade e da diferença.In. _____ (Org.) Identidade e

diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Rio de Janeiro: Vozes, 2011. p. 91.

6 BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In. _______(Org.). O saber histórico

na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008. p. 72.

7 MACEDO, Joaquim Manuel de. Relatório do primeiro secretário Dr. Joaquim Manoel de Macedo. In.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brazil. Tomo XVI, 3.° Série, N.° 9, 1.° Trimestre de 1853. p. 568.

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Um dos manuais didáticos que mais teve receptividade no Colégio D. Pedro II, bem como em outras escolas no Oitocentos, foi Lições de História do Brasil, escrito por Joaquim Manuel de Macedo. Esse trabalho teria se inspirado, sobretudo, na obra História

Geral do Brasil de Francisco Adolpho Varnhagen. No início de 1880, o Programa de

ensino do Colégio D. Pedro II foi atualizado, passando-se a adotar o livro de Luis de Queirós Mattoso Maia, Lições de História do Brasil (VECHIA, 2008, p.120- 121)8. Uma das razões para se substituir a obra de Macedo deve-se a necessidade de se ensinar aos alunos fatos históricos do Brasil oitocentista, que não constavam nas Lições macediana, escritas no início de 1860.

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VISÃO DE

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ACEDO SOBRE A QUESTÃO INDÍGENA NO

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RASIL

A preocupação com a questão indígena está muito presente nos escritos produzidos no século XIX. Já na Representação feita à Assembleia Constituinte de 1823, José Bonifácio afirmava que como “deputado da nação” dois objetos lhe pareciam “de maior interesse para a futura prosperidade do Império”: a “civilização geral dos índios do Brasil” e a abolição do comércio da escravatura 9.

Joaquim Manuel de Macedo, no Relatório produzido no IHGB em 1853, também reconhece a importância dessa temática. Ao falar do texto de Beaurepaire Rohan,

Considerações acerca da conquista, catequese e civilização dos selvagens no Brasil,

Macedo elogia-o por tratar de uma questão que afeta os “interesses da pátria”. Nas suas palavras: “[...] A catequese dos nossos indígenas é uma questão de reconhecida transcendência, quer seja encarada debaixo do ponto de vista religioso, quer do político”. Por essa razão, critica a ação dos colonizadores portugueses dizendo que na Colônia “[...] predominava no espirito dos conquistadores antes a ideia da destruição dos aborígines, do que a da sua catechese e civilização”10.

8 VECHIA, Ariclê. Os livros didáticos de história do Brasil na escola secundária brasileira no século XIX, sob a égide das idéias européias. In. Revista Educação em Questão, Natal, v. 31, n. 17, p. 104-128, jan./abr. 2008. Disponível em: https://periodicos.ufrn.br/educacaoemquestao/article/view/3907/3174. Acesso em: out. 2016.

9 SILVA, José Bonifácio de Andrada. Representação à Assembleia Geral Constituinte e Legislativa do Império do Brasil sobre a escravatura. In. Projetos para o Brasil. São Paulo: Publifolha, 2000. p. 23. 10 MACEDO, Joaquim Manuel de. Relatório do primeiro secretário Dr. Joaquim Manoel de Macedo. In.

Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brazil. Tomo XVI, 3.° Série, N.° 9, 1.° Trimestre de 1853. p. 574-577.

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O interesse pela temática indígena está expresso no livro Lições de história do

Brasil para uso das escolas de instrução primária”, escrito em 1863, que dedica dois

capítulos a esse tema. Um capítulo intitula-se: O Brasil em geral: o gentio do Brasil e o outro O gentio do Brasil. Esse livro escrito por Macedo sofreu atualizações, mesmo após a sua morte em 1882, e foi bastante usado nas escolas até as primeiras décadas do século XX.

A versão que estamos usando de Lições de História do Brasil para uso das

escolas de instrução primária possui trinta e seis lições, que abrangem da época da

Dinastia de Aviz em Portugal até a aclamação do Imperador d. Pedro I. As demais lições contêm apenas índice cronológico. Neste trabalho nos debruçaremos apenas sobre as lições cinco e seis que tratam da temática indígena.11

O objetivo principal do manual didático de Macedo está posto logo na introdução, quando ele afirma pretender formar as “memórias dos discípulos”. Macedo diz ainda que: “[...] nas escolas de instrução primaria o professor é a alma do livro, e não ha método que aproveite, se o professor não lhe dá vida, aplicando-o com paciência e consciência do ensino12.” Na concepção tradicional de ensino, vigente no século XIX, ao professor competia à responsabilidade pela difusão do conhecimento.

Além da parte textual, o livro de Macedo é acompanhado de três outros itens que servem como metodologia didática para que os alunos melhor assimilassem as lições. Tais itens são compostos pela explicação, que são uma espécie de glossário, pelo quadro sinóptico e pelas perguntas, que ressaltam para o professor as informações consideradas mais importantes e que deveriam ser assimiladas pelos alunos.

Na lição V, O Brasil em geral: o gentio do Brasil, observa-se que Macedo utilizou, além de Varnhagen, as crônicas coloniais para tratar da representação da paisagem e dos indígenas. Por essa razão, a descrição da paisagem é vista de forma edênica e os indígenas são representados como selvagens, como se pode notar no seguinte fragmento “No meio porém d'esta natureza opulenta e de proporções colossaes, o que se

11 Para esse estudo estamos utilizando uma edição que contém trinta e seis lições de texto e oito lições que contém apenas índice cronológico dos eventos considerados mais importantes. Essa obra, embora não tenha data, provavelmente, foi produzida no início do século XX e recebeu atualizações após a morte de Macedo.

12 MACEDO, Joaquim Manuel de. Lições de História de Brazil para uso das Escolas de Instrução

Primária (1861/63). 9ª ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, s/d. p. 1. Disponível em:

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apresentou aos olhos dos descobridores e conquistadores do Brasil menos digno de admiração e mais mesquinho foi o gentio que habitava esta vasta região”13.

Para reforçar a visão negativa do indígena na sua “Explicação” Macedo destaca que: “Gentio quer dizer a gente bárbara que não conhece a lei de Deos”. Enquanto a “Sinopse” ressalta que os gentios eram desconfiados e “diante de uma suspeita não respeitava ajustes nem contratos”, sendo a maioria antropófagos14.

Na lição VI, O gentio do Brasil, Macedo explica que os indígenas tem “laços de família limitados”, não conhecia relações sociais e viviam espalhados, desunidos, guerreando. Na sociedade indígena não teria leis, artes, ciência ou indústria. A língua era pobre não tinha F L R (Fé, Lei e Rei). Os indígenas também se guiavam pelas fases da lua para pescar, caçar, etc. Macedo complementa: “E deviam estar assim atrazados em civilização, pois que estavam sempre ocupados em guerrear”15.

Nas explicações, Macedo esclarece que: “Civilização é a instrução de um povo nas artes e sciencias que podem fazer a sua prosperidade moral e material, isto é, que esclarecem o seu espírito, e fazem o seu bem estar”. Os indígenas, como não tinham civilização, eram considerados como “selvagens”, conforme são chamados “os povos que ignorão a arte de escrever, que não tem polícia, que não tem religião, ou professão religião absurda, e que vivem em plena liberdade de natureza” 16.

Nas suas lições, Macedo deixa claro que o conceito de nação pode tanto ser usado no moderno sentido político, designando um Estado, quanto no sentido de grupos étnicos que possuem costumes em comum e se reconhecem como tais.

Nação é um grande número de famílias que habitam o mesmo solo vivem debaixo das mesmas leis, e falam ordinariamente a mesma língua. Também se diz – nação – para significar um povo de uma mesma origem e fallando a mesma lingua, e como designando-se uma casta ou uma raça17.

13 Ibid., p. 38

14 Ibid., p. 42-43. 15 Ibid., p. 46.

16 MACEDO, Joaquim Manuel de. Lições de História de Brazil para uso das Escolas de Instrução

Primária (1861/63). 9ª ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, s/d. p. 44. Disponível em:

http://lemad.fflch.usp.br/node/530. Acesso em: mar.2014. p. 52. 16 Ibid., p. 46.

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É interessante notar que o manual didático de Macedo, na parte em que trata do ensino da história indígena, utiliza alguns conceitos centrais para os intelectuais oitocentistas, quais sejam: civilização e nação. A civilização, compreendida no sentido de desenvolvimento material e “moral”, como define Macedo, fazia parte do projeto dos políticos e intelectuais brasileiros engajados na tarefa que construir a nação. O tema da nação, mais do que o de civilização, era usado recorrentemente nos impressos que circularam no século XIX, e que serviram como instrumento de mobilização popular e de persuasão política em diferentes momentos e com diferentes objetivos. Tanto que, já em 1823, José Bonifácio falava em nome da nação, como uma entidade que demandava a civilização dos indígenas.

Manoel Salgado Guimarães aponta que os escritos produzidos pelo IHGB, ao atrelar a construção da nação com a ideia da civilização, acaba excluindo índios e negros, na medida em que os consideram grupos inferiores. Na visão do historiador:

A leitura da história empreendida pelo IHGB está, assim, marcada por um duplo projeto: dar conta de uma gênese da Nação brasileira, inserindo-a, contudo, numa tradição de civilização e progresso, ideias tão caras ao iluminismo. A Nação, cujo retrato o instituto se propõe a traçar, deve portanto, surgir com o desdobramento, nos trópicos de uma civilização branca e européia18.

Joaquim Manuel de Macedo, ao propor no seu manual didático a forma e o conteúdo que se deveria estudar no que se refere à história dos indígenas brasileiros, acompanha o raciocínio dos demais sócios do IHGB, que representam os indígenas como o “outro” que reside no dentro do país. Pode-se observar, no entanto, que apesar de usar as informações do livro de Varnhagen, Macedo se diferencia da História Geral do Brasil na medida em que, em algumas passagens, busca amenizar a representação do indígena como o “bárbaro” descrito por Varnhagen.

Em sua narrativa da história do Brasil, Varnhagen difunde uma representação negativa do indígena, ressalta a dimensão conflituosa existente entre indígenas e colonos, e afirma que os donatários procederam nesta circunstância colonial “do melhor modo que lhes era possível”. Em sua opinião: “Foi a experiência e não o arbítrio nem a tirania, quem

18 GUIMARÃES, Manoel Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. In. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n.

1, p. 5-27, jan. 1988. ISSN 2178-1494. Disponível em:

<http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1935/1074>. Acesso em: 14 Nov. 2016. p. 4.

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ensinou o verdadeiro modo de levar os Bárbaros, impondo-lhes à força a necessária tutela, para aceitarem o cristianismo, e adoptarem hábitos civilizados”19.

Macedo, por outro lado, apesar de dizer que o indígena é indolente, inculto e cruel; se deixa levar por seu estilo romântico, afirmando que “o gentio tinha todos os defeitos e vicios do selvagem, mas possuia tambem alguns sentimentos nobres e generosos”, sendo hospitaleiro, simples e zeloso de sua independência. Macedo também crítica a política indigenista contraditória da Coroa portuguesa que ora protegia os indígenas da “opressão”, ora os prejudicava deixando-os à mercê dos colonos20.

No geral, as Lições de Macedo, ao falarem do indígena são bastante descritivas e etnocêntricas. Por outro lado, nas narrativas contidas nos Relatórios escritos para o IHGB há críticas acerbas ao colonizador português. Macedo, inclusive, chega a argumentar que a “morte dos aborígenes foi um meio de conquista da terra”. Segundo ele, o Brasil Colônia sofreu com a: “perigosa omnipotência exercida pelos Jesuitas sobre os nossos indígenas, e o completo indiferentismo com que o governo de Portugal abandonou os habitantes e verdadeiros senhores da terra”21. Esse senso crítico demonstrado no

relatório é bem menos contundente no manual didático macediano. A razão disso talvez sejam as restrições intelectuais do público para quem se dirigia o manual, ou até mesmo os objetivos pragmáticos de se ensinar uma história do Brasil que desqualificasse os indígenas, a fim de justificar a difusão de um modelo civilizatório europeizado feito por meio da catequese e da força física.

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ONSIDERAÇÕES

F

INAIS

A história do Brasil escrita por Macedo para ser ensinada nas escolas primárias começa por Portugal, confere destaque às questões políticas e administrativas e contém duas lições, nas quais conta-se um pouco a história dos grupos indígenas brasileiros, que são representados como selvagens. Nessa narrativa macediana, verifica-se que os africanos escravizados são pouco mencionados, excetuando por uma menção a Guerra

19 VARNHAGEN, Francisco Adolfo de. História Geral do Brasil: antes da sua separação e independência de Portugal. 7ª ed. São Paulo: Melhoramentos, Tomo I, 1951. p. 217-219.

20 MACEDO, Joaquim Manuel de. Lições de História de Brazil para uso das Escolas de Instrução

Primária (1861/63). 9ª ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, s/d. passim. Disponível em:

http://lemad.fflch.usp.br/node/530. Acesso em: mar.2014

21 MACEDO, Joaquim Manuel de. Relatório do primeiro secretário Dr. Joaquim Manoel de Macedo. In. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brazil. Tomo XVI, 3.° Série, N.° 9, 1.° Trimestre de 1853. p. 578.

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Holandesa que faz referência ao “nobre” negro Henrique Dias. E ainda à menção a Palmares, onde teriam se refugiado os escravos que tentavam fugir da “opressão do cativeiro” 22.

Ao negligenciar a contribuição africana para a formação do Brasil, as Lições escritas por Macedo não seguem a fórmula proposta por Martius23, que no texto “Como

se Deve Escrever a História do Brasil” propõe que essa história seja escrita considerando

as três etnias: indígenas, portugueses e africanos. Ademais, Martius propõe uma história etnográfica e critica a história administrativa, a qual é privilegiada por Macedo.

O fato de Macedo fazer uma história político-administrativa, mas mencionar a questão indígena em duas lições revela a importância dada a esse tema pelos intelectuais oitocentistas. O Romantismo, com a tendência indianista, revela o quanto esse tema era candente nesse processo histórico.

Enfim, nota-se que no século XIX a questão indígena estava na agenda do Governo Imperial e dos intelectuais que estavam interessados em construir uma história e uma identidade nacional e para isso precisavam pensar, ainda que retoricamente, os diferentes grupos étnicos que faziam parte da sociedade brasileira. Pode-se verificar, na atualidade, que a memória da importância dessa temática foi negligenciada e de certa forma esquecida, na medida em que se privilegiou a história dos vencedores. Essa forma de escrita da história, contudo, tem sido revisada, sobretudo a partir de 1980, quando os estudiosos e o movimento indigenista conseguiram colocar esse tema na agenda política e nos currículos escolares. As leis 10639/03 e 11645/08 muito tem contribuído para estimular essa revisão historiográfica e para que se questione o discurso da identidade nacional produzido pelos lugares de saber e poder existentes no Oitocentos.

R

EFERÊNCIAS

B

IBLIOGRÁFICAS

BITTENCOURT, Circe. Livros didáticos entre textos e imagens. In. _______(Org.). O

saber histórico na sala de aula. São Paulo: Contexto, 2008. p. 69-90.

22 MACEDO, Joaquim Manuel de. Lições de História de Brazil para uso das Escolas de Instrução

Primária (1861/63). 9ª ed. Rio de Janeiro: H. Garnier, Livreiro-Editor, s/d. p. 225. Disponível em:

http://lemad.fflch.usp.br/node/530. Acesso em: mar.2014.

23 MARTIUS, Karl Friedrich Philip von. Como se deve escrever a história do Brasil. In. Revista do

Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, 1845. p. 27-53 Disponível em:

https://umhistoriador.files.wordpress.com/2012/03/martius-carl-friedrich_como-se-deve-escrever-a-histc3b3ria-do-brasil.pdf. Acesso em: 13 Nov. 2016.

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___________. Autores editores de compêndios e livros de leitura (1810-1910). Educação e Pesquisa. Revista da Faculdade de Educação da USP, set/dez, vol. 30, n. 3, p. 475-491, 2004. Disponível em: http://www.scielo.br/pdf/ep/v30n3/a08v30n3.pdf. Acesso em: mar. 2014.

FEIDMAN, Diogo Roberto Calheiros. O livro didático de história. São Paulo: Biblioteca 24 horas, 2010.

GUIMARÃES, Manoel Salgado. Nação e civilização nos trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o projeto de uma história nacional. In. Revista Estudos Históricos, Rio de Janeiro, v. 1, n. 1, p. 5-27, jan. 1988. ISSN 2178-1494. Disponível em:

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Referências

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