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As guerrilheiras : feminismo em tempos autoritários?

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Academic year: 2021

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“As guerrilheiras”: feminismo em tempos autoritários?

KREUZ, Débora Strieder1

O movimento feminista passou a organizar-se no Brasil a partir de meados da década de 1970, num contexto de combate ao regime autoritário existente desde 1964. À medida que este cedeu espaço a um governo democrático, as demandas específicas femininas puderam ser postas em pauta. O presente trabalho, o qual é fruto da pesquisa para o Trabalho de Conclusão de Curso da autora, objetiva analisar e demonstrar a percepção que as militantes das organizações clandestinas atuantes no combate ao autoritarismo durante as décadas de 1960 e 70 possuíam sobre as questões específicas do gênero feminino. Para a sua efetivação, analisam-se entrevistas de ex-militantes, bem como documentos dos grupos. Sabe-se que muitas das organizações viam tal luta como divisionista, tendo em vista que o combate deveria ser contra o regime autoritário e, com o término deste, muitas reivindicações seriam atendidas. Contudo, mesmo dentro dos grupos as relações de gênero permaneciam como na sociedade patriarcal, sendo que poucas foram as mulheres que alcançaram cargos de liderança. Em muitos casos, as militantes somente adquiriram a denominada consciência de gênero com o exílio e, só depois do retorno ao Brasil, organizaram-se de forma efetiva em torno dessas demandas. Dessa forma, pretende-se contribuir para o debate historiográfico sobre a atuação das mulheres na resistência à Ditadura Militar brasileira, bem como a influência das ideias feministas sobre as mesmas. Palavras-chave: Ditadura Civil-Militar; mulheres; feminismo.

Introdução

O período compreendido entre 1964 e 1985, ou seja, a Ditadura Civil-Militar, tem sido frequente objeto de estudo por parcela significativa da historiografia pátria, preocupada em não deixar que se apague período tão nebuloso da nossa História. Contudo, a participação feminina foi pouco investigada2. É nessa perspectiva, com o intuito de incluir a investigação acerca das mulheres que participaram do combate a tal regime autoritário, que se insere o presente trabalho.

Dessa forma, pretende-se discutir aspectos concernentes a participação feminina na resistência ao autoritarismo3, bem como a visão que estas tinham acerca dos problemas

1

Estudante dos cursos de História/Licenciatura e Direito da Universidade Federal de Pelotas. Email: debora_kreuz@yahoo.com.br

2

Poucas são as obras que versam a esse respeito. A título de exemplo podemos indicar COLLING, Ana Maria. A resistência da mulher à ditadura militar no Brasil. Rio de Janeiro: Rosa dos Tempos, 1997; FERREIRA, Elizabeth F. Xavier. Mulheres, militância e memória. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996; CARVALHO, Luiz Maklouf. Mulheres que foram à luta armada. São Paulo: Globo, 1998. Tais obras foram muito importantes para o desenvolvimento da pesquisa.

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Usar-se-á, nesse sentido, a palavra resistência, a qual será compreendida como aqueles grupos clandestinos que, de forma armada ou não, opuseram-se ao regime autoritário.

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específicos femininos4, especialmente nos chamados “Anos de Chumbo”, ou seja, entre 1968-75, quando se vivenciou o auge da repressão estatal.

Tal preocupação derivou da observação do contexto da época, pois enquanto em muitos países ocorria a chamada “revolução dos costumes”, com as mulheres saindo às ruas, “queimando sutiãs”5, reivindicando participação mais efetiva nos diversos âmbitos sociais, no Brasil tal discussão chegou de forma contundente somente em meados da década de 1970, quando, em 1975, a Organização das Nações Unidas o elegeu como o ‘Ano Internacional da Mulher’, favorecendo a discussão e consequentemente a organização de diferentes grupos que passaram a reivindicar por demandas específicas. Contudo, deve-se ressaltar que, num primeiro momento a centralidade da luta foi em prol da Anistia, e, especialmente, após o retorno dos milhares de exilados, pelas especificidades do gênero feminino.

Dessa forma, partiu-se para a investigação: quais preocupações no tocante às questões femininas estavam presentes entre as mulheres que resistiram ao Regime Civil-Militar? Estas estavam presentes? Se não, o que era então almejado?

Como meio de contato com as militantes, optou-se pelo uso de depoimentos já editados6, bem como entrevistas de História Oral realizadas pela autora durante o primeiro semestre do ano de 2012. A opção por tal metodologia pode ser explicada na fala de Alberti (2004):

É da experiência de um sujeito que se trata; sua narrativa acaba colorindo o passado com um valor que nos é caro: aquele que faz do homem um indivíduo único e singular em nossa história, um sujeito que efetivamente viveu – e, por isso dá a vida – as conjunturas e estruturas que de outro modo parecem tão distantes.

Contudo, a crítica às fontes não foi deixada de lado. Mesmo com todo o encanto proporcionado pelo uso da História Oral, esta deve ser tomada com as devidas reservas, tendo em vista a constante reelaboração pela qual esta passa. Pollack faz menção à ressignificação que a memória sofre, mediante as experiências dos indivíduos:

4

Entende-se por problemas específicos aqueles relacionados à questões da sexualidade, liberdade em relação às figuras masculinas (pais, companheiros), violência doméstica, dentre outros.

5

Protesto ocorrido nos Estados Unidos da América, contra a escolha da Miss América, no ano de 1968.

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A memória é, em parte, herdade, não se refere apenas à vida física da pessoa. A memória também sofre flutuações que são função do momento em que ela é articulada, em que ela está sendo expressa. As preocupações do momento constituem um elemento de estruturação da memória7.

Inicialmente, apresentar-se-á as mulheres com as quais se teve contato direto: Maria Amélia de Almeida Teles, Suzana Lisbôa e Nilce Azevedo Cardoso. A primeira, mais conhecida por Amelinha, fez parte do Partido Comunista do Brasil- PCdoB8 e atualmente milita no movimento feminista; a segunda iniciou a luta no movimento estudantil e mais tarde passou a Aliança Libertadora Nacional - ALN9, sendo que atualmente é um dos principais nomes na Comissão de Familiares de Mortos e Desaparecidos Políticos e a terceira, num primeiro momento também esteve vinculada à luta de estudantes e depois passou à Ação Popular - AP10, e atualmente, trabalha com psicopedagogia.

Feitas essas breves considerações, passemos ao resultado da investigação.

Mulheres em luta: a concepção da “questão da mulher” em meio ao autoritarismo

De acordo com o relatório Brasil Nunca Mais (1985), 12% das pessoas processadas em inquéritos policiais militares eram do sexo feminino. Percebe-se, dessa forma, a pequena participação da mulher brasileira no âmbito político, ou seja, público11. Contudo, cabe destacar que a mulher que resolvia entrar para a militância no final da década de 1960 já rompia com duplo paradigma – a saída de casa e a posterior entrada na política.

Em contraponto a tal afirmação, Ridenti (1990) aponta como fator positivo tal número, que realmente era maior na luta armada:

A média de 18% de mulheres nos grupos armados reflete um progresso na liberação feminina no final da década de 60, quando muitas mulheres tomavam parte nas lutas políticas, para questionar a ordem estabelecida em todos os níveis, ainda que, então, suas reivindicações não tivessem explicitamente um caráter ‘feminista’ propriamente dito, que ganharia corpo só nos anos 70 e 80, em outra conjuntura. Não obstante, a participação feminina nas esquerdas armadas era um avanço para a ruptura do estereótipo da mulher restrita ao espaço privado e

7

POLLACK, Michael. Memória e Identidade Social. Estudos Históricos, Rio de Janeiro, vol.5, nº10, 1992, p.200-212

8

O PCdo B – Partido Comunista do Brasil - foi criado em 1962, a partir de uma dissidência do PCB – Partido Comunista Brasileiro. Aderiu a luta armada como forma de combate à Ditadura.

9

Aliança Libertadora Nacional – dissidência armada do PCB. Criada em 1967, e o principal dirigente foi Carlos Marighella.

10

Ação Popular – criada em 1962, a partir da Juventude Católica. Não aderiu a luta armada e trabalhava para a conscientização das massas.

11

Fato a ser destacado, nesse ponto, é que um dos lemas do movimento feminista a nível mundial, nesse período, era de que o “privado é político”, ou seja, as questões decorrentes da vida privada deveriam ser tratadas no âmbito público, como tentativa de mudanças que garantissem o acesso às mulheres aos espaços antes destinados somente aos homens.

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doméstico, enquanto mãe, esposa, irmã e dona-de-casa, que vive na função do mundo masculino.

Acredita-se que, mesmo tal número sendo pequeno, representa a participação feminina no espaço antes destinado somente ao masculino. Wolff (2010) explica tal participação como decorrência do acesso à universidade, o que, em décadas anteriores, era impensável:

É dessa forma que se pode explicar a presença das mulheres nestas ‘trincheiras‘, pois ao contrário de outras gerações de estudantes universitários, naquela geração do final dos anos 1960, a proporção de mulheres universitárias era muito maior do que nas décadas anteriores.

******

O feminismo, enquanto movimento organizado, especialmente em âmbito internacional, passou a ter visibilidade a partir do final da década de 1960, quando inúmeros grupos passaram a discutir o papel da mulher na sociedade. O lema do movimento, “o privado é político”, passou a ser objeto de discussão em diferentes esferas, colocando que o que ocorria nas relações interpessoais, especialmente no tocante as mulheres, também deveria ser pauta de ações específicas. Contudo, no Brasil, de acordo com Costa (2010), enquanto movimento organizado, o feminismo foi surgir só no final da década de 1970, já no contexto de abertura política e com a principal bandeira de luta a anistia “ampla, geral e irrestrita” e a redemocratização. Só mais tarde é que as demandas específicas foram sendo colocadas no primeiro plano.

No Brasil vivíamos um contexto autoritário, que reprimia qualquer manifestação contrária àquela ordem vigente imposta. Mesmo assim, as ideias e discussões elencadas pelo movimento, repercutindo a nível mundial, tiveram reflexos entre algumas militantes dos já mencionados movimentos de resistência. Para Amelinha, por exemplo, o ocorrido em 1968:

Para mim foi... eu em plena clandestinidade descobrir que eu tenho direito a ter desejo, a ser um ser desejante, a ser... eu tenho direito a exercer com liberdade a minha sexualidade. Eu aprendi tudo isso em 68. Porque isso eu não aprendi antes... falava ali e tal... mas ali em 68... E isto é político. Porque ficava muito no campo individual... problema é seu. [...] foi uma revolução dentro da revolução né. Mas quando as mulheres entraram foi uma... revolução. 12

12

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A mistura dos sentimentos, ou seja, repercussão do movimento e também a luta contra o regime está apresentada em um texto sobre a repressão e a resistência no Rio Grande do Sul (PADRÓS; SIMÕES; 2009):

Ao mesmo tempo em que se discutia a revolução sexual, o uso de anticoncepcionais, o conflito de gerações, o feminismo – inclusive, em 1967, houve a passeata da minissaia em Porto Alegre, com a detenção de várias mulheres – ainda imperavam os bailes de debutantes, o tabu da virgindade, entre tantos outros. Como canta Nei Lisboa, Foi um rebuliço lá em casa/ manifestos, passeatas/ Festivais de minissaias/ Meu irmão limpando a arma/ Meu irmão/ E a revolução?

Nilce também rememora tal momento:

O ano de 68 foi muito significativo para homens e mulheres. Para as mulheres, especificamente teve um plus de liberdade, de reconhecimento, de camaradagem, pois homens e mulheres saíram às ruas para lutar contra a ditadura e por liberdades: individual, de expressão, de pensar, de ser..13

Ressalte-se que, dentro daquele contexto de lutas, era difícil a apreensão das demandas femininas, representada no ‘rebuliço’ mencionado, tendo em vista o histórico papel de subordinação da mulher à esfera privada. Por isso, foi dupla a mudança de paradigma feita pelas militantes, como já mencionado no comentário de Ridenti (1990), pois elas saíram de casa para ocupar o espaço público e também para a luta contra o autoritarismo daquele momento. Contudo, a preocupação predominante, especialmente nos depoimentos investigados, era a luta pelo combate à Ditadura implantada.

Quando indagada acerca da preocupação com os temas feministas, ou seja, o que ela almejava enquanto mulher, dentro da organização, Amelinha14 afirma que

As minhas reivindicações era a igualdade né. Igualdade ali...no tratamento, na participação, nas condições. Então se nós estamos num ‘aparelho’, que o aparelho é aquela casa, que se fica fechada, ali trabalhando, todo mundo tinha responsabilidades com a limpeza, o banheiro, da cozinha, da cama que dormia, com a sua roupa. E isso era uma eterna discussão. [...] Então era muito difícil. Nossa, era muito difícil. Era uma discussão permanente. Aquilo para mim era muito importante, para eles não era importante, porque se eles não fizessem nada, alguém ia fazer e esse alguém era eu, né, entendeu? Então... para eles não era importante e para mim era muito importante né, porque eu achava que a revolução tinha que ser pessoal também, não era só no macropolítico e isso, olha, acho que foi um atrito constante, foi constante.

13

Depoimento concedido à autora. Porto Alegre, 2012. Acervo pessoal.

14

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Contudo, Suzana menciona que:

A gente não viveu... eu por exemplo, na época não tive acesso a informação de luta feminina, de luta das feministas, eu não tive acesso a nada disso. Era uma coisa muito intuitiva ali da, para a participação da gente. Eu não lia nada, eu lá lia Simone de Beavouir?. Eu não tinha noção de absolutamente nada. [...] Nós éramos três e elas duas eram super amigas e intelectualizadas. Elas me deram alguns livros para ler. E elas estavam muito acima do meu nível intelectual de conhecimento. [...] Mas eu comecei a ler algumas coisas que elas me deram.15 Dessa forma, percebe-se a diversidade de opiniões sobre tal momento. Nesse sentido, importante é a fala de Ferreira (1996): “[...] no caso de testemunhos, mais do que a busca de uma verdade (mesmo sendo esta sempre problemática, por ser relativa), deve-se buscar um sentido para a pluralidade de verdades que brotam dos relatos.”. Cada militante, portanto, percebeu o momento de determinada forma, não havendo um pensamento único.

Já no tocante as discussões sobre as questões específicas, enquanto que para uma das militantes não existe lembrança de tais momentos, para outra, havia a busca constante de informações acerca de tais temáticas. Enquanto que para Suzana:

Eu não participei de discussão especificamente disso. Uma das pessoas que dava orientação ali para a base de secundaristas do Julinho era a Beth Lobo [...] Eram discussões muito fechadas, não era uma coisa corriqueira. E ela que abriu um pouco. Pelo menos para mim. A lembrança que eu tenho é isso. O que ela falava... se ela nos dava literatura, se ela falava de coisas sobre o feminismo... eu não sei.16.

Para Amelinha: “Era assim... estudava o marxismo e eu pegava os livros que tratava dos assuntos que interessavam, Ines Arman, a Clara Zetkin, a Alexandra Kolontai, que eram livros que eram marxistas mas que tratavam da questão das mulheres.”17

Tais divergências no tocante à percepção podem ser derivadas também das preocupações individuais de cada militante, pois enquanto Amelinha18 menciona a “revolução pessoal”, para outros a revolução política era prioridade, sendo que depois os outros problemas seriam automaticamente resolvidos. Os estudos coexistiam com as ações, mas não priorizavam lutas específicas. Segundo o pensamento de Colling (1997), a luta pelas demandas específicas poderia dividir a esquerda.

Contudo, a ausência de discriminação, ou pelo menos, a sua não percepção, como mencionada por Suzana,

15

Depoimento concedido à autora. Porto Alegre, 2012. Acervo pessoal.

16

Idem.

17

Depoimento concedido a autora. Passo Fundo, 2012. Acervo pessoal.

18

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Olha, a única vez que eu me senti discriminada assim como mulher, foi numa época, ainda, acho que, não sei se 68 ainda que eles iam... o Ico pretendia ir pro campo. [...] Mas ele ia embora. E só os homens que iam... a gente não ia. Foi a única vez que eu me lembro que eu me senti mal. “Como assim, só vão os homens?” Mas eles iam para a luta no campo. [...] Ali na ALN, não senti diferença, não senti nenhum tipo de pressão, nem de... de preconceito. Tinha muitas mulheres, eu acho que tinha muitas mulheres, eu convivi com muitas mulheres ali. E não tinha, não senti discriminação, nenhuma assim.19

pode decorrer da postura adotada por cada organização. Enquanto que no documento fundante da ALN “O papel da ação revolucionária na organização” está mencionada a participação de militantes de ambos os sexos: “[...] um movimento integrado por jovens dos dois sexos. Entre os componentes, além da mulher brasileira, que até então não participava na ação revolucionária, mas que agora se incorporou nela [...]”, na maioria dos documentos das outras organizações20 em nenhum momento há a referência à mulher, ou às militantes, muito menos das suas demandas específicas.

Deve-se tomar cuidado, porém, com o que estava previsto nos documentos com a efetiva prática das organizações, evitando-se generalizações. Amelinha menciona: “quando eu fazia a discussão todo mundo concordava comigo, você entendeu, mas na hora da prática voltava todo aquele comportamento.” 21. Ou seja, mesmo que pertencentes à organizações diferentes, pode-se mencionar que, em muitas das vezes, o comportamento não estava de acordo com o que previam os manifestos, pelo menos no tocante a tais temáticas.

Andújar (2010), de forma sintética, exemplifica aquele momento, bem como as mulheres que dele fizeram parte:

Guerrilheiras, feministas ou roqueiras; microscópicas mini-saias ou largas túnicas multicoloridas, armas na bolsa ou microfone nas mãos, pílulas anticoncepcionais escondidas em lugares recônditos da gaveta mais segura da casa, davam conta de mulheres com horizontes diversos e experiências que, não sem contradições, iam constituindo outras formas de ser e relacionar-se.

19

Depoimento concedido a autora. Porto Alegre, 2012. Acervo pessoal.

20

Ressalte-se que não foram todos os documentos analisados, apenas os mais relevantes e que estão contidos na obra de Aarão: Imagens da Revolução. Contudo, existem pequenos comentários sobre demandas femininas no documento

Projeto de Programa do Partido Revolucionário dos Trabalhadores, de 1969. Pelo fato de não terem sido obtidos

depoimentos de militantes de tal organização não se pode fazer comentários mais amplos.

21

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Conclusão

Após essa breve exposição, fica claro que, no contexto brasileiro, a abertura para as discussões em voga com o movimento feminista não encontrou um lugar propício. Como apresenta Colling (1997):

Se na Europa e nos Estados Unidos o movimento feminista aparece destacadamente no início da década de 60, no Brasil isto ocorrerá somente no final dos anos 70. Esta defasagem temporal tem como causa os dois discursos dominantes na época: o do regime militar e o da oposição a ele. Ambos impediam a manifestação das diferenças e da pluralidade dos sujeitos.

Contudo, percebeu-se que nos locais e também entre aqueles indivíduos que desejavam, especialmente algumas mulheres, o debate existiu, embora de forma muito restrita e condicionado à situação na qual estavam inseridas as militantes. Deve-se ressaltar que tal preocupação advinha muito mais da experiência da militante do que das condições postas. Woolf (2010) expressa de forma clara o que representou aquele momento para muitas das mulheres brasileiras:

O fato é que mesmo com as ditaduras e com a filosofia da esquerda daquela época, colocando a luta de classes a frente e acima de qualquer outra luta ou transformação social, a revolução das mulheres já estava se fazendo, pela própria incorporação destas aos movimentos e organizações que lutavam contra as ditaduras.

O movimento feminista de forma organizada, como mencionado, foi surgir somente no final da década de 1970, mas possuiu características peculiares: lutando inicialmente pela anistia ampla geral e irrestrita aos perseguidos políticos, aos poucos foi se apropriando dos debates que norteiam a ‘questão da mulher’. Como nos diz Sarti (2004):

[...]embora influenciado pelas experiências européias e norte-americana, o início do feminismo brasileiro dos anos 1970 foi significativamente marcado pela contestação à ordem política instituída no país, desde o golpe militar de 1964. Uma parte expressiva dos grupos feministas estava articulada a organizações de influência marxista, clandestinas à época, e fortemente comprometida com a oposição à ditadura militar, o que imprimiu ao movimento características próprias.

Dessa forma, pretende-se contribuir minimamente para o debate sobre a participação das mulheres em período tão triste da nossa história. Para encerrar, coloca-se a fala de Amélia Teles (2010) quando esta sai da prisão, em 1974, a qual deve ser vista como

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objetivo de todos aqueles que militam em prol de um mundo mais justo, especialmente no tocante às questões das mulheres:

A militância política eu nunca larguei. Agora mais do que nunca a situação se impunha: denunciar os desaparecimentos de opositores políticos que passaram a ser constantes em 1974, lutar por melhores condições carcerárias para os presos, defender a anistia, ampla, geral e irrestrita. E mais: tínhamos que lutar pela ideias feministas. Passamos a entender que não haveria mudanças sociais; econômicas e políticas sem a participação e libertação das mulheres. A nossa revolução é mais longa, por isso temos que fazê-la no cotidiano e já.

Referências

ALBERTI, Verena. Ouvir Contar: Textos em História Oral. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2004.

ANDAJÚR, Andrea. De novelas, sexo e rock‘and roll: as relações amorosas em dias de revolução. In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe. Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2010, pg. 31-51.

COLLING, Ana Maria. A Resistência da Mulher à Ditadura Militar no Brasil. Rio de Janeiro: Record: Rosa dos Tempos, 1997.

COSTA, Ana Alice Alcântara. O feminismo brasileiro em tempos de Ditadura Militar. In: Pedro, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe. Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Mulheres, 2010, pg 174-90.

FERREIRA, Elizabeth F. Xavier. Mulheres, militância e memória. Rio de Janeiro: Editora Fundação Getúlio Vargas, 1996.

FILHO, Daniel Aarão Reis; SÁ, Jair Ferreira de (orgs). Imagens da Revolução: Documentos Políticos das Organizações Clandestinas de Esquerda dos anos 1961-1971. São Paulo: Expressão Popular, 2006, 2ª ed.

GORENDER, Jacob. O Combate nas Trevas. São Paulo: Ática, 2003. 6ª ed.

PADROS, Enrique; SIMÕES, Ananda. Faz escuro, mas eu canto: os mecanismos repressivos e as lutas de resistência durante os ‘anos de chumbo’ no Rio Grande do Sul. In: PADRÓS, Enrique Serra, et al. Ditadura de Segurança Nacional no Rio Grande do Sul (1964-1985): história e memória. Porto Alegre, Corag, 2009, vol.2.

RIDENTI, Marcelo Siqueira. As mulheres na política brasileira: os anos de chumbo. Tempo Social; Rev, Sociol, USP, S. Paulo, 2(2): 113-128, 2.sem. 1990.

SARTI, Cynthia Andersen. O feminismo brasileiro desde os anos 1970: revisitando uma trajetória. In: Estudos feministas, Florianópolis, 12(2): 35-50, maio-agosto/2004.

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TELES, Maria Amélia de Almeida. Lembranças de um tempo sem sol. In: Pedro, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe. Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Mulheres, 2010, pg 283-92.

WOLFF, Cristina Scheibe. O gênero da esquerda em tempos de ditadura. In: PEDRO, Joana Maria; WOLFF, Cristina Scheibe. Gênero, Feminismos e Ditaduras no Cone Sul. Florianópolis: Ed. Mulheres, 2010, pg. 138-55.

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