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1. NO TRILHA DOS CONCEITOS DA REVOLUÇÃO PERMANENTE E DO DESENVOLVIMENTO (DESIGUAL E) COMBINADO

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TRABALHO, SOCIEDADE E MARXISMO: UMA ABORDAGEM RELACIONAL DO TROTSKISMO BRASILEIRO E ESTADUNIDENSE DOS ANOS 1930

Roberto Borges Lisboa1

Gláucia Vieira Ramos Konrad2

INTRODUÇÃO

O presente artigo apresenta a pesquisa em desenvolvimento pelo autor no Curso de Doutorado do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria desde 2015. Denominada "Trabalho, Sociedade e Marxismo: Uma abordagem relacional do Trotskismo brasileiro e estadunidense dos anos 1930", essa pesquisa propõe redirecionar os estudos da classe trabalhadora e suas organizações políticas. Isto significa trilhar uma direção pouco usual, a de problematizar distintos contextos nacionais e verificar como estes se relacionam nos processos históricos mais amplos, sob o prisma das análises dos grupos políticos, brasileiros e estadunidenses, de extração trotskista na década de 1930.

Destaca-se que este artigo foi dividido em três parte. Inicialmente, indica-se o tema de pesquisa e seus conceitos articuladores. Em seguida, ele situa a literatura acerca da temática do trotskismo, explorando suas virtude e limites. Por fim, apresenta-se como a pesquisa vem sendo desenvolvida e a importância do gesto comparativo para a tessitura dessa história.

1. NO TRILHA DOS CONCEITOS DA REVOLUÇÃO PERMANENTE E DO DESENVOLVIMENTO (DESIGUAL E) COMBINADO

Respectivamente, a existência da Oposição de Esquerda Internacional (OEI) e da IV Internacional foram marcadas pela presença de movimentos e partidos políticos de todos os quadrantes do planeta. Neste sentido, a seção brasileira e a estadunidense estiveram

1 Doutorando no Programa de Pós-Graduação em História da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: roberto.hst@gmail.com.

2 Orientadora. Professora Doutora no PPG em História. Departamento de Arquivologia da Universidade Federal de Santa Maria. E-mail: glaucia-k@uol.com.br.

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amparadas pelas análises teóricas e políticas dos referidos movimentos que subsidiaram suas elaborações para cada contexto específico, o da realidade nacional.

Importa ressaltar que seus militantes incorporaram grande parte da crítica do ex-dirigente bolchevique Leon Trotsky, quanto ao desenvolvimento interno da União Soviética e a postura política da IC nas seções nacionais dos Partidos Comunistas. Em primeira instância, pode-se afirmar que os partidos de extração trotskista, apesar da distância geográfica, tiveram similitudes flagrantes, no que se refere à compreensão e intervenção diante dessas duas questões.

Todavia, a abordagem de cada sociedade em questão, a brasileira e a estadunidense, as respectivas transformações nos mundos do trabalho e os usos do marxismo por cada seção nacional do movimento trotskista internacional sugerem a ocorrência de diferenças. Indica-se que o problema que atravessa a pesquisa está na interrogação de quais similitudes e diferenças marcaram efetivamente as duas seções da IV Internacional. Em outras palavras, a influência teórica e política de Leon Trotsky foi apropriada de maneira ímpar por essas seções nas diferentes questões suscitadas acima ou podemos pôr em questão essa assertiva, evidenciando uma simples adaptação do programa político esboçado pelo ex-dirigente bolchevique?

O exercício desse problema permite assinalar uma renovação de perspectivas quanto ao tratamento das fontes e tessitura da História. Assim, pode-se indicar que será possível entrever o percurso da práxis dessas seções trotskistas e, em especial, que as especificidades e similitudes podem contribuir para a compreensão e análise do outro no período histórico referido anteriormente.

Para entrever a práxis dessas seções trotskistas, acompanharei o percurso dos

conceitos da revolução permanente3 e do desenvolvimento (desigual e) combinado4 nos

3 Em linhas gerais, sobre a teoria da revolução permanente, Trotsky sustenta que “para os países de desenvolvimento retardatário e, em particular, para os países coloniais e semicoloniais, a teoria da revolução permanente significa que a solução verdadeira e completa de suas tarefas democráticas e nacional-libertadoras só é concebível por meio da ditadura do proletariado, que assume a direção da nação oprimida e, antes de tudo, de suas massas camponesas”. Isto significa que a ditadura do proletariado, enquanto força dirigente da revolução democrática, pelas forças sociais em presença, se transforma em revolução socialista. Para Trotsky, “a revolução socialista não poder ser concluída nos marcos nacionais” visto que “uma das principais causas da crise da sociedade burguesa reside no fato de que as forças produtivas por ela engendradas tendem a ultrapassar os limites do Estado nacional”. Daí a conversão em revolução permanente, ou seja, uma revolução que “começa na arena nacional, desenvolve-se na arena internacional e termina na arena mundial”. (TROTSKY, 2010, p. 311-317). 4Esta noção em Trotsky é peça fundamental para compreender seu pensamento político. Para Trotsky: “A desigualdade do ritmo, que é a lei mais geral do processus histórico, evidencia-se com mais vigor e complexidade nos destinos dos países atrasados. Sob o chicote das necessidades externas, a vida retardatária vê-se na contingência de avançar aos saltos. Desta lei universal da desigualdade dos ritmos decorre outra lei que, na falta de denominação apropriada, chamaremos de lei do desenvolvimento combinado, que significa aproximação das diversas etapas, combinação das fases diferenciadas, amálgama

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jornais dessas seções. Isto facilitará visualizar onde foram utilizados e como foram apropriados.

Apresentado o objetivo geral da pesquisa, pode-se indicar os seguintes objetivos específicos:

a. Analisar aqueles documentos que trazem interpretações sobre a realidade social brasileira e estadunidense, a partir de seus respectivos jornais;

b. Estabelecer conexões a partir dos diferentes contextos locais acerca da situação da classe trabalhadora, visando compreender o ativismo de cada seção trotskista;

c. Verificar a interação de ideias e sujeitos entre as duas seções nacionais, identificando a amplitude dessa relação;

d. Comparar a relação de cada partido de extração trotskista com a intervenção estatal, diante legislação social e do trabalho, cruzando o significado da mesma à classe trabalhadora de cada país.

Para tanto, serão consultados os jornais A Luta de Classe, Sob Nova Vanguarda, The Militant, New Militant e Socialist Appeal.

Destaca-se que A Luta de Classe foi a principal ferramenta política grupos políticos trotskistas no Brasil de 1930 a 1939. Ele pode ser encontrado no Centro de Documentação e Memória (CEDEM) da Universidade Estadual Paulista (UNESP), mais especificamente, no Centro de Documentação do Movimento Operário Mário Pedrosa (CEMAP).

Por outro lado, os jornais The Militant (1928-1934), New Militant (1935-1936) e Socialist Appeal (1937-1940) foram publicados pelos grupos políticos trotskistas estadunidenses com uma periodicidade quinzenal em determinados anos. A desproporção evidente da magnitude do acervo em comparação com as demais fontes hemerográficas que

das formas arcaicas com as mais modernas. Sem esta lei tomada, bem entendido, em todo o seu conjunto material, é impossível compreender a história da Rússia, como em geral a de todos os países chamados à civilização em segunda, terceira ou décima linha.” (TROTSKY, 1977, p. 25).

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utilizaremos deverá ser resolvida com a escolha de documentos específicos, visto que a pesquisa não compreende focar as notícias e análises sobre determinados temas, tais como, o “stalinismo” e a União Soviética. Destaca-se que a pesquisa deverá abordar o período compreendido entre os anos 1930 e 1940. Ainda, o acervo digitalizado encontra-se disponível no sítio “www.marxists.org” em excelente qualidade para consulta, com a possibilidade de download.

2. UM BREVE BALANÇO DA HISTÓRIA DAS ORGANIZAÇÕES POLÍTICAS TROTSKISTAS NO BRASIL E ESTADOS UNIDOS

A literatura que incorporou o trotskismo dos anos 1930 à história do movimento operário brasileiro teve seus primeiros trabalhos publicados na década de 1970. A iniciativa resultou em abordagens essencialmente episódicas quanto ao tratamento deste movimento político. Não obstante, estudos como os de Alexander (1973), Carone (1974) e Dulles (1977) foram fundamentais na recuperação da trajetória inicial da dissidência do PCB que se organizou como fração do primeiro a partir de 1930.

Na década seguinte, três obras publicadas foram responsáveis por uma abordagem direta da trajetória inicial dos dissidentes comunistas no Brasil, a de Campos (1981), a de Coggiola (1984) e a de Abramo e Karepovs (1987).

Enquanto Campos buscou esclarecer o que seria a temática do trotskismo e trouxe um breve capítulo sobre os passos iniciais das dissidências comunistas que formaram a Oposição de Esquerda no Brasil a partir da consulta de poucos números do jornal A Luta de Classe; Coggiola apresentou um breve panorama do surgimento de diversas frações e organizações políticas ligadas ao trotskismo na América Latina dos anos 1930 abordando suas trajetórias, configurações e reconfigurações, bem como, seu desenvolvimento ulterior a morte de Trotsky no México em 1940. Por sua vez, Abramo e Karepovs compilaram uma série de artigos presentes no jornal A Luta de Classe e nos boletins do período de 1930-1933 quando os dissidentes comunistas brasileiros militaram fracionariamente no PCB através do Grupo Comunista Lênin (1930) e da Liga Comunista do Brasil (1931-1933). A publicação destes documentos disponibilizados para pesquisa no Centro de Documentação do Movimento

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Operário Mário Pedrosa (CEMAP) foram responsáveis por subsidiar boa parte das pesquisas sobre a temática durante a década de 1990.

Todavia, a década de 1990 e 2000 pouco avançou na construção de novas perspectivas de pesquisas e diferentes métodos para a história do trotskismo no Brasil. No caso da historiografia brasileira, apesar da confecção de tramas mais complexas, procurou-se seguir a tendência iniciada nos anos 1980 ocupando-se inicialmente da trajetória política dos trotskistas no Brasil. Não poderia ser diferente o caminho inicial destas novas pesquisas, pois estas teriam a sua disposição um acervo deste movimento político muito superior em comparação com os períodos anteriores. Karepovs (2005, p. 276) indica a novidade historiográfica do período caracterizada pelos “novos e mais profundos olhares sobre o trotskismo dos anos 1930.

Assim, surgem trabalhos fundamentais para entender o período inicial de constituição da Oposição de Esquerda no Brasil tal como o de Marques Neto (1993) que identificou os principais embates no interior do PCB de 1927 a 1929, a base programática que surgiu destes embates e se consolidou no período de formação do Grupo Comunista Lênin em 1930 e da Liga Comunista do Brasil em 1931, a formatação organizacional destas frações e as análises sobre o desenvolvimento histórico brasileiro extremamente original para o período desde o período colonial até a dita “Revolução de 1930”.

Ainda, Marques Neto publicou junto de Karepovs e Löwy (1995) artigo relacionando a apropriação das ideias de Trotsky no Brasil por aqueles que definem como a primeira geração do trotskismo brasileiro, de 1930 a 1939, articulada em torno do jornal A Luta de Classe5. Na década seguinte, Karepovs e Marques Neto (2002) e Coggiola (2003) articulariam uma história panorâmica do movimento trotskista brasileiro destacando a intervenção política entre os anos 1930 e 1960. Estes textos compõem referência fundamental, em especial, no que se refere à trajetória organizacional e política dos dissidentes comunistas no Brasil.

Por outro lado, as pesquisas de Almeida (2005) e Castro (1995) (2002) (2005) direcionaram seus olhares para episódios específicos da história brasileira dos anos 1930 para captar a práxis dos dissidentes do PCB. O primeiro publicou artigo sobre os levantes militares de 1935 – conhecido na historiografia por intentona comunista – analisando a crítica dos

5 Ao longo destes dez anos, o jornal foi publicado pelos Grupo Comunista Lênin (1930), Liga Comunista do Brasil (1931), Liga Comunista Internacionalista (1933), Partido Operário Leninista (1936) e Partido Socialista Revolucionário (1939).

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dissidentes ao PCB pela iniciativa de liderar a tentativa de golpe. O segundo publicou artigos

– desenvolvidos a partir de sua dissertação de mestrado6 e tese de doutorado7 – sobre a

participação dos trotskistas na constituinte proposta por Getúlio Vargas e na luta antifascista desenvolvida em São Paulo e no Rio de Janeiro entre 1933 e 1935 através da Frente Única Antifascista e do jornal O Homem Livre na primeira e da Frente Única de Luta contra a Reação e o Fascismo na segunda.

Até aqui, um olhar atento identificaria certas preferências por narrativas que interligam estritamente a história da Oposição de Esquerda no Brasil à história PCB ainda que o inverso não seja tão recorrente. Isto decorre das escolhas efetuadas por pesquisadores cujas importantes contribuições históricas ajudaram a estabelecer gêneses, trajetórias e episódios marcantes das classes em luta no Brasil. Na verdade, o primeiro tende a se confundir com o segundo e o segundo com o terceiro. Contudo, interessa perceber que estes tipos de estudos não esgotam as possibilidades de pesquisa de uma “fatia” menor, mas não menos importante, da historiografia do trotskismo brasileiro, aquela que se ocupou do projeto político da dissidência comunista ou de suas assertivas sobre o desenvolvimento histórico brasileiro e suas especificidades.

Cabe sustentar que as pesquisas sobre a “fatia menor” da literatura do trotskismo brasileiro dos anos 1930 ainda são um tanto incipientes, apesar da importância das pesquisas de Ferreira (1999), Silva (2003) e Demier (2008) (2013). Enquanto Ferreira pesquisou o conceito de revolução dos trotskistas no período já citado sem deixar de situar as divergências políticas junto aos comunistas e buscou situá-las historicamente junto da localização do Brasil como parte atrasada do capitalismo mundial; Silva procurou analisar a crítica operária dos comunistas e trotskistas sobre a chamada “revolução de 1930”. Ainda que estes textos sejam referência fundamental à análise da interpretação da realidade social brasileira, as fontes utilizadas restringiram-se aos documentos publicados por Abramo e Karepovs, ou seja, uma pequena parte do acervo existente atualmente sobre as questões que se propuseram a pesquisar. Por outro lado, as pesquisas recentes de Demier destacam relações implícitas na

6 CASTRO, Ricardo Figueiredo de. A Oposição de Esquerda brasileira: 1928-1934: teoria e prática. 1993. Dissertação (Mestrado em História)-Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1993.

7 CASTRO, Ricardo Figueiredo de. Contra a guerra ou contra o fascismo: as esquerdas brasileiras e o antifascismo: 1933-1935. Tese (Doutorado em História)-Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 1999.

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historiografia brasileira e, de certo modo, esquecidas entre as ideias de Trotsky e dos trotskistas brasileiros na historiografia brasileira no que se refere ao conceito de populismo e bonapartismo utilizados em parte da literatura para entender o período que Getúlio Vargas governou o Brasil e o período seguinte até o golpe e a implantação da ditadura civil-militar em 1964.

Por outro lado, o movimento trotskista no Brasil na primeira metade dos anos 1930 traduziu diversos artigos do jornal The Militant de 1930 a 1934, forma encontrada para o contato com as publicações de Trotsky e do trotskismo do período já referido. Em contrapartida, é interessante notar que o trotskismo estadunidense ascende como principal organizador político desse movimento político internacional apenas em 1938, quando a sede da recém-fundada IV Internacional é transferida de Paris para Nova York. (KAREPOVS, 1985, p. 3-5).

No que se refere aos estudos do trotskismo norte-americano, ele foi abordado ligeiramente por Alexander (1991) que publicou um panorama mundial intitulado International Trotskyism situando os diversos movimentos políticos de diferentes nacionalidades reivindicantes daqueles que após os anos 1940 definiram-se pelo adjetivo que se queria infamante de trotskistas. Outro autor que pesquisou os primeiros passos constituintes do trotskismo estadunidense foi Broué (2007). O autor evidenciou a incorporação das ideias de Trotsky por diversas dissidências dos partidos comunistas atuando enquanto fração da IC, denominando-se OIE entre 1930 e 1933. Neste sentido, ambos trabalhos incorporam o trotskismo estadunidense em suas pesquisas, ainda que de forma pontual e relacional.

Destaca-se que, na literatura estadunidense sobre a história do trotskismo, a obra que desenvolveu importante densidade sobre o panorama de suas organizações políticas dos anos 1930 foi redigida por James Cannon (2013). Esta obra – resultado de diversas conferências em 1952 – deve ser definida como parte da literatura militante da história do movimento operário dos Estados Unidos da América. Cannon percorreu os primeiros dias do comunismo “norte-americano” identificando as lutas fracionárias no partido comunista, o começo da Oposição de Esquerda culminando na Conferência Nacional de Chicago em maio de 1929 da Comunist League. Este existiu até 1934 quando ocorreu um leve reavivamento da indústria sob o governo Roosevelt, o que facilitou um aumento do diálogo com os trabalhadores que

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chegavam ou retornavam as fábricas. Foi neste ano que Comunist League unificou-se com o American Workers Party formando um novo partido chamado de Workers Party que publicou até 1936 o periódico New Militant. Diferentemente do caso brasileiro, que não aderiu ao “giro

francês” 8, os trotskistas norte-americanos denominaram-se Socialist Workers Party em 1937

e decidiram entrar no Socialist Party buscando aumentar seus efetivos militantes. Neste momento, a publicação de Socialist Appeal serviu como ponto de contato com militantes da organização que permaneceram até 1940.

3. O GESTO DE COMPARAR E OUTROS ELEMENTOS PARA O ESTUDO DO TROTSKISMO EM SOCIEDADES CONTÍGUAS

A primeira afirmação que merece destaque é o entendimento de que a pesquisa em questão trata de uma temática tradicional ligada a classe operária, limitada aos "segmentos organizados dessa classe" (BATALHA, 1998, p. 148). No entanto, o tradicional evoca a pesquisa do movimento operário e seus grupos políticos, ainda que o tema proposto aqui seja pouco recorrente na historiografia. Ressalta-se que, mesmo assim, ele é parte importante para se entender a dinâmica política e o debate ideológico dos anos 1930. Afinal, o estudo da dinâmica política dos trabalhadores deste período não pode ser entendido sem levar em conta a formação dos partidos comunistas nos anos 1920 e o desenvolvimento político ulterior da IC e de suas seções nacionais, assim como, da formação durante os anos 1930 de uma oposição surgida das lutas intestinas do Partido Bolchevique denominada, inicialmente, OIE (1930), em seguida, Liga Comunista Internacionalista (1933) e, por fim, IV Internacional (1938). Ainda que amplamente desfavorável para estes, os alcunhados “trotskistas” – liderados pelo russo e ex-dirigente bolchevique Leon Trotsky – lograram constituir pequenos grupos surgidos de cisões das seções nacionais da IC em todos os quadrantes do planeta.

8 Bensaïd (2010, p.43) sustenta que em fins de 1935 os trotskistas norte-americanos e franceses dividiam-se sobre a questão do entrismo. Conhecido como “o giro francês”, o entrismo no Partido Socialista francês foi justificado em 1934 por Trotsky enquanto uma possibilidade de construir uma frente única contra o fascismo e antecipar o surgimento de correntes de esquerda neste partido. Este prognóstico parecia se confirmar diante da participação dos socialistas espanhóis da insurreição das Astúrias. Contudo, no caso francês, a política de frentes populares da IC ocasionou o fracasso desta política culminando no segundo semestre de 1935 na expulsou dos trotskistas do Partido Socialista francês. Logo em seguida, a seção estadunidense aderia ao Socialist Party apesar do fracasso da experiência em França.

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Em síntese, essa pesquisa parte da tese que indica a existência de similitudes e diferenças que desautorizam definir os movimentos políticos trotskistas como blocos

monolíticos munidos de uma teoria social9 adaptada mecanicamente ao campo político local

de intervenção. Assim sendo, investigar as análises contidas nos jornais indicados, no que se refere às formas de apropriação das teorias social da revolução permanente e do desenvolvimento (desigual e) combinado em distintas realidades sociais, quanto à configuração e reconfiguração capitalista – os mundos do trabalho – no contexto pré-segunda guerra mundial e, ainda, sobre a dinâmica política da classe trabalhadora, permitirá definir as análises dessas distintas realidades sociais e, também, os pontos de contatos e ruptura existentes entre as mesmas.

Deve-se levar em conta que a “imprensa operária”, da qual a trotskista é parte integrante, é “a expressão cultural mais visível desse segmento social” ainda que não seja a única. (BATALHA, 2000, p. 64).

A adoção de uma perspectiva comparada para o estudo do trotskismo brasileiro e estadunidense na década de 1930 parte do entendimento de que é possível identificar questões e problemas que não apareceriam em estudos de suas realidades sociais individualmente. Essa questão foi discutida por Jürgen Kocka (2003, p. 40) no artigo Comparison and Beyond, quando o autor utilizou este entendimento para defender o mérito de uma perspectiva comparada para a História.

Ainda, mesmo que se reconheça a diversidade de caminhos para a construção do conhecimento histórico, o gesto de comparar permite visualizar questões que talvez fossem esquecidas, caso o escopo de análise não fosse ampliado. Por exemplo, a comparação de sociedades contíguas, a brasileira e a estadunidense, distintas economicamente, mas não opostas, pode trazer conhecimentos que extrapolam as fronteiras do Estado-Nação, inclusive redirecionando o olhar do historiador para um contexto maior e comum.

Pensando o desenvolvimento do trotskismo brasileiro e estadunidense, da Crise de 1929 até a II Guerra Mundial, vivenciando mudanças sensíveis nas suas respectivas sociedades, pode-se indicar prováveis diferenças no quadro organizativo e similitudes na forma de lidar politicamente com o problema. Isto possibilita realçar que o gesto de comparar

9 Conforme a definição sintética de Daniel Bensaïd (2008), uma teoria social é apenas uma interpretação crítica de determinada época.

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tem sua importância para a heurística. Ainda, tanto o reforço da diferença quanto da similaridade nos resultados encontrados, pode ajudar na descrição dos objetivos da pesquisa.

Especificamente, esse contexto geral teve impacto na agência da classe trabalhadora nos respectivos países. Contudo, diferentes governos e respostas impactam a pesquisa com interrogações. Por exemplo, qual o limite dessas diferenças? No Brasil dos anos 1930, a legislação social e trabalhista erigida de forma fragmentária resultará na Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) de 1943. Enquanto isso, o governo dos Estados Unidos propões um acordo aos trabalhadores para minimizar os impacto do desemprego, iniciado com a Crise de 1929, o New Deal. Nesse sentido, os trotskistas fizeram parte de cada contexto e interviram sobre eles politicamente.

Como indicado por Kocka (Ibid., p. 40), o gesto de comparar traz consigo um componente analítico importante para perguntar e responder questões causais. Desse modo, perceber a práxis desses grupos políticos e comparar pode ajudar a perceber questões externas à eles, mas também internas.

Ainda, a definição do objeto e fonte da pesquisa, o movimento político trotskista brasileiro e estadunidense e seus jornais durante a década de 1930, devem ser relacionados à proposta de Benjamin (1994, p. 225-226) de “escovar a história a contrapelo”, perspectivada na “tradição dos oprimidos” onde predomina aquilo que o filósofo chama de “estado de exceção” como regra geral da sociedade em que se vive. Neste sentido, a análise benjaminiana coincide com o período histórico desta pesquisa, no qual, o avanço do fascismo é uma realidade que deixou marcas indeléveis em todos os quadrantes do planeta.

Para o movimento dissidente do comunismo oficial, a história demonstrou a difícil e conturbada trajetória que para a sua manutenção teve que conviver com a repressão estatal recorrente no caso brasileiro e estadunidense, mas não somente, como também teve que continuar a reproduzir sua existência diante da violência comunista que sucedeu muito além dos muros da União Soviética. A definição de Natalia Sedova, companheira de Trotsky, referindo-se aos últimos como “fantasmas de olhos esburacados” é uma pista relevante da representação do stalinismo. (BENSAÏD, 2010, p. 15). Este testemunho dá eco a tragédias que se abateram ao recente movimento político fundado por Trotsky e que Bensaïd (Ibid., p. 18) definiu como os “combatentes da retaguarda” dos vencidos desta época.

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Ainda, para a produção de um espaço de inteligibilidade neste recorte temporal, está sendo analisado tanto o acontecimento que produz mudança no contexto em que se produz quanto o processo histórico determinado, ou seja, o movimento de acontecimentos, fator importante da construção temporal do objeto da pesquisa em questão e que constitui as estruturas. (ARÓSTEGUI, 2006, p. 332-332).

Por fim, a análise das fontes tem sido desenvolvida através do reconhecimento de acontecimentos e questões reincidentes no decorrer dos anos que foram publicadas. Deste modo, a análise qualitativa das fontes hemerográficas desenvolve-se a partir da descrição e recorrência para articular conteúdos relacionais, classificar fenômenos ou variáveis do processo proposto na periodização histórica definida (Ibid., p. 344).

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