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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO. Maryane Marins Barbosa

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE FACULDADE DE EDUCAÇÃO

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO

Maryane Marins Barbosa

BNCC NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: PROCESSO DE REELABORAÇÃO DA VERSÃO NACIONAL

Niterói 2020

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Maryane Marins Barbosa

BNCC NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: PROCESSO DE REELABORAÇÃO DA VERSÃO NACIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Profª Drª. Sandra Escovedo Selles.

Niterói 2020

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Maryane Marins Barbosa

BNCC NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO: PROCESSO DE REELABORAÇÃO DA VERSÃO NACIONAL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Educação, da Universidade Federal Fluminense como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Educação, sob a orientação da Profª Drª. Sandra Escovedo Selles.

Aprovada em ______ de __________________de_______.

BANCA EXAMINADORA

____________________________________________________ Profª. Drª. Sandra Escovedo Selles - UFF (Presidente) ____________________________________________________

Profª. Drª. Luciana Maria Almeida de Freitas - UFF ____________________________________________________

Profª. Drª. Maria Luiza Süssekind Veríssimo Cinelli - UNIRIO ____________________________________________________

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AGRADECIMENTOS

A Deus por me dar forças para superar os desafios e conseguir chegar até aqui!

À minha família por acreditar nos meus sonhos e por estar comigo em cada fase de mudança dando todo o apoio e incentivo.

Ao meu namorado que de uma forma carinhosa esteve sempre ao meu lado.

Aos professores que me ajudaram realizar esse sonho. Sou grata especialmente a minha orientadora. Não apenas por todo ensinamento acadêmico, mas por sua amizade e incentivo. A todos os amigos e profissionais que me fizeram acreditar que no fim tudo daria certo!

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RESUMO

O presente estudo tem como objetivo compreender o processo de (re)elaboração da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) nas Secretarias de Educação no estado do Rio de Janeiro, elegendo o componente curricular Ciências como referência para o entendimento deste processo. O governo federal determinou que a BNCC deveria ser (re)produzida nos demais níveis burocráticos antes de qualquer atuação pedagógica nas instituições escolares. Órgãos da nossa unidade federativa estavam submetidos ao Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC). Esta dissertação não apenas realiza um exame nos documentos acerca do programa federal e de sua proposta estadual, bem como entrevista alguns participantes com funções-chave no processo curricular fluminense. Enquanto o primeiro método proporcionou entender o papel de cada instância governamental, o segundo contribuiu com uma dimensão mais local da (re)elaboração da BNCC. Na análise e interpretação dos nossos dados, utilizamos como referências teórica-metodológicas o ciclo de políticas (BALL; BOWE; GOLD, 1992; BALL, 1994) e redes políticas (BALL, 2014). A análise sugere que esse processo se trata de um realce histórico dos presentes arranjos curriculares fluminense e nacional, os quais fazem parte de um projeto de educação global com influências conservadoras. O ProBNCC não só procurou dispor subsídios técnicos e financeiros para a reforma curricular, bem como fixou padrões para o processo e o conteúdo curricular fluminense, explicitando relações com a própria etapa/perspectiva de implementação do poder executivo. Como resultado da análise realizada, é possível distinguir sentidos de privatização, pseudoparticipação e regulação no processo fluminense de adaptação da BNCC que mais preservam o aparato do governo central e suas agências na formulação da política.

Palavras-chave: (Re)elaboração da BNCC; Programa Federal (ProBNCC); Privatização,

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ABSTRACT

This study aims to understand the process of (re)elaboration of the National Common Core Curriculum (BNCC) in the Rio de Janeiro Local Educational Authority, focusing on science school subject at Elementary School. Following federal government guidelines, the BNCC should be (re)produced at all local bureaucratic levels before any further work at school institutions. Agencies of Brazilian Federative Units had to join the Support Program for BNCC Implementation (Programa de Apoio à Implementação da Base Nacional Comum Curricular” (ProBNCC). The empirical research basis has included an examination of documents about the federal program together with interviews with some key participants of the Rio de Janeiro curriculum implementation process. While the first method provided an understanding of the role of each governmental instance, the second contributed to a particular dimension of the education reform at the local level. In the analysis and interpretation of our data, we used as a theoretical and methodological references the policy cycle (BALL; BOWE; GOLD, 1992; BALL, 1994) and political networks (BALL, 2014). The analysis highlights that the process comprises both local and national curricular arrangements that are part of a global education project under conservative influences. The ProBNCC not only provides technical and financial resources for the reform, but also set standards for implementing the local curriculum contents within this reform process. In this sense, the implementing process matches the stage/perspective of the federal educational authority. As a result, it is possible to distinguish meanings of privatization, pseudo-participation and regulation as the main analytical categories in the process of adapting BNCC in Rio de Janeiro. Thus, the implementation process maintains the apparatus of the central government and its agencies in the formulation of the curricular policy at the local level.

Keywords: (Re)elaboration of the BNCC, Federal Program (ProBNCC), Privatization,

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LISTA DE ILUSTRAÇÕES

Figura 1: Munícipios que aderiram ao regime de colaboração. ... 57 Figura 2: Modo de governança no âmbito do ProBNCC referente a etapa da Educação Infantil

e do Ensino Fundamental. ... 59

Figura 3: Fase do processo da produção do currículo estadual dos estados e Distrito Federal.

... 64

Figura 4: O significado da composição do código alfanumérico relativo às habilidades. ... 79 Figura 5: O modo de contribuir na plataforma digital para o DOC-RJ... 83 Figura 6: Principais marcos para a (re)elaboração dos currículos estaduais previstos pelo MEC

para o ano de 2018. ... 84

Figura 7: Fotos do dia da entrega da versão preliminar do DOC-RJ para o CEE-RJ. (a) Os

Secretários de Educação (SEEDUC-RJ e UNDIME-RJ) passando solenemente o documento para a Presidente do CEE-RJ Malvina Tuttman; (b) Parte da equipe bolsista do ProBNCC presente no dia da cerimônia. ... 86

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LISTA DE TABELAS

Tabela 1: Entrevistados. ... 52 Tabela 2: Membros do Comitê Nacional de Implementação de acordo com a Portaria nº

268/2019 e Portaria nº 757/2019. ... 58

Tabela 3: Cronograma de atividades definido pela SEB/MEC para os bolsistas de Educação

Infantil e Ensino Fundamental. ... 60

Tabela 4: A composição de perfis da equipe bolsista do ProBNCC, por estado. ... 62 Tabela 5: Composição da Comissão Estadual de Currículo do Rio de Janeiro. ... 72 Tabela 6: Comparação dos componentes presentes na estrutura da BNCC com o DCERJ

considerando apenas a Área de Ciências da Natureza. ... 78

Tabela 7: Quadro de habilidades de Ciências da Natureza do DCERJ apresentando algumas

habilidades fluminenses, ou seja, aquelas criadas pela equipe do ProBNCC do Rio de Janeiro. ... 81

Tabela 8: Exemplificação de habilidades de Ciências da Natureza na BNCC e no DCERJ... 82 Tabela 9: Quantidade de habilidades de Ciências da Natureza na proposta preliminar e na

aprovada pelo CEE-RJ... 94

Tabela 10: Correlação entre excertos do parecer e os efeitos nas habilidades. ... 95 Tabela 11: Quantidade de habilidades por unidade temática de Ciências da Natureza. ... 96

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LISTA DE SIGLAS ABdC Associação Brasileira de Currículo

ABRAPEC Associação Brasileira de Pesquisa em Educação em Ciências ALCA Acordo de Livre Comércio das Américas

ALERJ Assembleia Legislativa do Estado do Rio de Janeiro ANEB Avaliação Nacional da Educação Básica

ANFOPE Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação ANPAE Associação Nacional de Política e Administração da Educação ANPEd Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação ANRESC Avaliação Nacional do Rendimento Escolar

BID Banco Interamericano de Desenvolvimento

BIRD Banco Internacional de Reconstrução e Desenvolvimento

BM Banco Mundial

BNCC Base Nacional Comum Curricular CCE Ciência, Cultura e Educação CDC Currículo, Docência e Cultura

CECIERJ Centro de Educação a Distância do Estado do Rio de Janeiro CEE-RJ Conselho Estadual de Educação do Rio de Janeiro

CEPAL Comissão Econômica para a América Latina e Caribe CNE Conselho Nacional de Educação

CONAE Conferência Nacional de Educação

CONARCFE Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores

CONSED Conselho Nacional de Secretários de Educação DCERJ Documento Curricular do Estado do Rio de Janeiro DCN Diretrizes Curriculares Nacionais

DEM Democratas

DICAP Diretor de Capacitação Técnica, Pedagógica e de Gestão de Profissionais da Educação

DICEI Diretor da Diretoria de Currículos e Educação Integral

DIFOR Diretor da Diretoria de Formação e Desenvolvimento dos Profissionais da Educação Básica

DOC-RJ Documento de Orientação Curricular do Estado do Rio de Janeiro DPR Diretor de Políticas e Regulação da Educação Básica

ENEM Exame Nacional do Ensino Médio ESP Escola sem Partido

FEERJ Fórum Estadual de Educação do Estado do Rio de Janeiro FMI Fundo Monetário Internacional

FNCEE Fórum Nacional dos Conselhos Estaduais de Educação FNDE Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação

FUNDEB Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação

FUNDEF Fundo de Manutenção e Desenvolvimento do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério

GT-DiaD Grupo de Trabalho sobre Direitos à Aprendizagem e ao Desenvolvimento

IDEB Índice de Desenvolvimento da Educação Básica IFB Instituto Federal de Brasília

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INEP Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira

ISERJ/FAETEC Instituto Superior de Educação do Rio de Janeiro MDB Movimento Democrático Brasileiro

MEC Ministério da Educação NSE Nova Sociologia da Educação OMC Organização Mundial do Comércio

OREALC Oficina Regional para a Educação na América Latina e no Caribe PAR Plano de Ações Articuladas

PCN Parâmetros Curriculares Nacionais PDE Plano de Desenvolvimento da Educação

PIBID Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência PNE O Plano Nacional de Educação

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

ProBNCC Programa de Apoio a Implementação da Base Nacional Comum Curricular

PT Partido dos Trabalhadores

SAEB Sistema Nacional de Avaliação da Educação Básica

SAEP Sistema Nacional de Avaliação do Ensino Público de Primeiro Grau SAERJ Sistema de Avaliação da Educação do Estado do Rio de Janeiro SASE Secretaria de Articulação dos Sistemas de Ensino

SBEnBio Associação Brasileira de Ensino de Biologia SE Secretaria Executiva

SEB Sistema Educacional Brasileiro

SECADI Secretário da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão

SEDEs Secretarias Estaduais e Distrital de Educação SEEDUC-RJ Secretaria de Estado de Educação do Rio de Janeiro SEMESP Secretário de Modalidades Especializadas da Educação SESU Secretaria de Educação Superior

SETEC Secretaria de Educação Profissional e Tecnológica

SIMEC Sistema Integrado de Monitoramento Execução e Controle do Ministério da Educação

SINEPE/RJ Sindicato dos Estabelecimentos de Ensino do Estado do Rio de Janeiro

SME Secretaria Municipal de Educação TPE Todos pela Educação

UEL Universidade Estadual de Londrina

UFRGS Universidade Federal do Rio Grande do Sul

UNCME União Nacional dos Conselhos Municipais de Educação UNDIME União Nacional dos Dirigentes Municipais de Educação UNESCO Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura UNICEF Fundo das Nações Unidas para a Infância

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 13

1. CURRÍCULO E SUAS PREPOSIÇÕES À REFORMA EDUCACIONAL ... 16

1.1. A INVENÇÃO E DIMENSÕES DO CAMPO CURRICULAR ... 16

1.2. CURRÍCULO E ESTADO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO ... 24

2. O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA (DES)ORDEM MUNDIAL . 28 2.1. ENTRE DITADURAS CIVIL-MILITAR E A COERÇÃO NEOLIBERAL ... 28

2.2. ENTRE DISPUTAS NO SETOR PÚBLICO E NO SETOR PRIVADO ... 38

3. CURRÍCULO LOCAL OU NACIONAL? ... 48

3.1. POLÍTICA E PESQUISA ... 48

3.1.1. Entrevista: o que dizem os sujeitos político?... 50

3.1.2. Análise e interpretação: para além da implementação e do contexto local ... 52

3.2. A GOVERNANÇA DA IMPLEMENTAÇÃO ... 56

4. A REFORMA EM FUNÇÃO DA BNCC NO ESTADO DO RIO DE JANEIRO .... 65

4.1. A REPROGRAMAÇÃO DA GESTÃO EDUCACIONAL ... 65

4.2. A VERSÃO DO DCERJ ... 70

4.3. A VERSÃO DO DOC-RJ ... 84

CONSIDERAÇÕES FINAIS: NOVOS NEGÓCIOS E ANTIGAS ESTRATÉGIAS ... 97

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ... 100

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O presente estudo insere-se na linha de pesquisa Ciência, Cultura e Educação (CCE) do Programa de Pós-graduação em Educação da Universidade Federal Fluminense. Ele tem como objeto de investigação o processo de (re)elaboração da política de ensino segundo o Programa de Apoio a Implementação da Base Nacional Comum Curricular (ProBNCC). Especificamente, refere-se à unidade federativa do Rio de Janeiro e com foco na Área de Ciências da Natureza do Ensino Fundamental.

O ProBNCC constituiu uma iniciativa da União para auxiliar os estados e munícipios na produção de seus currículos em conformidade com a Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Não apenas implica à pesquisa o contexto político-ideológico na esfera governamental, mas também os próprios modos de significação e representação social. É um realce histórico dos presentes arranjos curriculares da educação fluminense.

O interesse pelos estudos das políticas curriculares está muito relacionado a minha formação em Licenciatura em Ciências Biológicas na Universidade Federal Fluminense (UFF). Um dos motivos de ter escolhido o curso consiste na minha admiração ao magistério. Eu estudei em escolas públicas e meus professores foram pessoas de grandes inspirações. Tive oportunidade de participar de 2014 a 2016 do Programa Institucional de Bolsas de Iniciação à Docência (PIBID). A experiência foi fundamental para a minha formação inicial. Tanto reiterou a minha vocação na profissão quanto possibilitou reflexões acerca do ensino de Ciências/Biologia.

Eu questionava sobre a prática docente e sua devida autenticidade. Mesmo subordinada a inúmeras políticas curriculares que definem um saber fazer, as aulas não eram iguais como na descrição do livro didático e tampouco cumpriam em todo o bimestre o conteúdo da avaliação externa. O contexto escolar constituía uma dinâmica própria que não tinha como ser estritamente prevista por qualquer governo ou editora por envolver sujeitos com diferentes experiências/histórias de vida. A distinção tornava a prática docente única e com grandes possibilidades de (re)invenção na profissão. Embora a política não possa ditar absolutamente o exercício profissional, ela limita até certo ponto a criatividade do professor.

Essas e outras considerações originaram a temática da minha monografia (BARBOSA, 2016). Ela tinha como objetivo entender os sentidos dos termos cotidiano e contextualização no ensino de Ciências/Biologia. Contextualização era um dos princípios organizadores dos

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Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). O documento ressignificou o conceito em consequência de determinadas lutas para institucionalizar identidades pedagógicas. Embora incorporasse perspectivas de cotidiano e comunidade escolar, elas não eram tão valorizadas igual o conteúdo biológico. Esse estudo me motivou a desejar entender mais sobre as políticas da educação brasileira.

A BNCC estava em processo de elaboração na instância governamental no término do meu trabalho de conclusão de curso. Eu comecei a participar do grupo de pesquisa Currículo, Docência e Cultura (CDC) e estava em questão a BNCC e sua intricada conjuntura. O currículo nacional e a avaliação externa eram tendências de políticas públicas de educação no Brasil. Essas constituíam algumas das estratégias do projeto neoliberal para a educação em uma era de globalização. Há um conjunto bastante expressivo de determinações no campo curricular desde a década de 1990. Diretrizes, parâmetros, programa de livros didáticos e provas em larga escala são alguns dos exemplos. Eles objetivam induzir mudanças na organização pedagógica de modo a favorecer a regulação do poder central.

A BNCC é a mais recente normativa curricular da nação brasileira. Primeiramente, foram aprovados os documentos relativos à Educação Infantil e ao Ensino Fundamental, no ano de 2017, em um cenário para decisões políticas mais excludentes do que includentes. O governo federal estabeleceu imediatamente o processo de implementação nas redes estaduais e municipais. Ele iniciou antes mesmo de ser deferida a BNCC do Ensino Médio. O ProBNCC não só procura dispor subsídios técnicos e financeiros para os estados e munícipios, bem como subjaz efetivar os padrões nacionais de educação nos demais níveis de governo. Um meio de estabelecer limites administrativos para próprios os membros partícipes da federação.

Mesmo que essas relações no sistema educacional brasileiro possam construir hierarquias e estabelecer controles, há possibilidades de atuação e influência em cada etapa curricular. Os estados e munícipios podem dar diferentes contornos no processo de implementação, porque o currículo tem muita relação com a cultura escolar. No presente estudo propomos como objetivo entender o processo de (re)elaboração da BNCC nas Secretarias de Educação no estado do Rio de Janeiro. O governo federal determinou que deveria ser (re)produzido nos demais níveis burocráticos antes de qualquer atuação pedagógica nas instituições escolares. A produção da pesquisa se encontrou precisamente nessa etapa curricular que mais reforça o aparelho político-administrativo.

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Se órgãos da nossa unidade federativa estavam sujeitos às disposições do processo/programa federal de implementação, centralizados no Ministério da Educação (MEC), quais sentidos podem sobressair desses processos no decorrer da reforma do currículo fluminense? Que sujeitos e grupos estariam envolvidos na adaptação estadual do documento federal? Como entender a ação destes sujeitos e grupos em um contexto que tensiona as decisões curriculares? Em uma época de drásticas reformas na educação procuramos registrar o processo curricular e alguns de seus possíveis efeitos às práticas escolares.

A dissertação está organizada em 4 capítulos para buscar responder e produzir outras questões. O capítulo 1 apresenta as principais teorias de currículo e pondera acerca dessa política da educação no mundo globalizado. O capítulo 2 retrata o período histórico das reformas curriculares no Brasil na Nova República. O capítulo 3 descreve a metodologia da pesquisa e explicita as funções dos sistemas de ensino previstas em documentos do ProBNCC. O capítulo 4 identifica os participantes da pesquisa e seus trabalhos com a política nacional/local. Também explicita o processo de elaboração do currículo fluminense a âmbito do programa com base nas falas dos entrevistados.

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1. CURRÍCULO E SUAS PREPOSIÇÕES À REFORMA EDUCACIONAL

1.1. A INVENÇÃO E DIMENSÕES DO CAMPO CURRICULAR

Ao longo da história da educação, diversas concepções sobre currículo foram elaboradas e para melhor compreensão dos seus significados no processo educacional, é necessário conhecer os caminhos pelos quais percorreram os estudos curriculares. O marco na delimitação do currículo como um campo de especialização do conhecimento pedagógico, para muitos autores (MOREIRA; SILVA, 1994; LOPES; MACEDO, 2011a) corresponde ao início do século XX, a partir de perspectivas sobre planejar cientificamente as atividades escolares de modo a estabelecer no ensino metas e padrões predefinidos. Embora anteriormente na história da escolarização ocidental não existisse este campo especializado, não significa para Silva (2005) que as diversas filosofias educacionais, em diferentes épocas, deixaram de fazer especulações sobre experiências pedagógicas que modernamente designamos como currículo. Alguns dos sentidos que hoje damos ao currículo passaram a ser utilizados apenas a partir do século passado com base na literatura educacional americana. Em um contexto marcado por processos de industrialização e movimentos migratórios, concomitantemente, se intensificava a massificação da escolarização. Diante das mudanças estruturais da sociedade norte-americana, segundo Lopes e Macedo (2011a), a escola adquire outras responsabilidades. Cabe, assim, à instituição, inculcar valores, condutas e hábitos às novas gerações pari passu com as transformações políticas, sociais e econômicas. Ao direcionar o ensino para a resolução de problemas sociais gerados pelas mudanças econômicas, movimentos educacionais surgem na tentativa de definir o que ensinar nas instituições, de modo a racionalizar e sistematizar os processos pedagógicos.

A princípio, as perspectivas desse grupo encontram sua máxima expressão no livro

The curriculum (1918), de Jonh Franklin Bobbitt (1876-1956), considerado por Silva (2005) o

primeiro tratado de currículo. Ele propõe na sua obra que a escola deveria preparar o aluno para a vida adulta economicamente ativa. Alinhando o ensino à ordem capitalista que se consolidava, o formulador de currículos deveria estabelecer de modo minucioso quais são os objetivos de aprendizagens dos estudantes. Esses objetivos, por sua vez, deveriam corresponder às mais diferentes habilidades necessárias para as ocupações profissionais da vida adulta (LOPES; MACEDO, 2011a). Ao definir tais comportamentos o ensino desloca-se para fins vocacionais, moldando jovens com base nos parâmetros da sociedade industrial considerados como

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desejáveis por seus propositores. Em uma conjuntura que o currículo delimita aos alunos capacidades de resolver problemas práticos, o conceito eficiência adquire uma importância significativa nos processos educativos. A partir dessa concepção, que caracteriza o movimento como eficientismo, o currículo torna-se um instrumento por excelência do controle social que se pretendia estabelecer, conferindo-lhe características de ordem e racionalidade às experiências pedagógicas.

Apesar de as orientações designadas por Bobbitt constituírem uma grande influência na educação estadunidense, não se pode entender a formação do novo campo como monolítico, podendo ser identificadas outras intenções (MOREIRA; SILVA, 1994). Com distinta noção de controle social através do currículo, surge também nos Estados Unidos nas primeiras décadas do século XX o progressivismo, que caracteriza o sistema educacional como um meio de reduzir as desigualdades sociais ocasionadas pelo desenvolvimento de uma sociedade industrial e urbana. Na tentativa de propor uma formação ao aluno com base em princípios democráticos, Jonh Dewey (1859-1952), filósofo estadunidense e um dos nomes mais conhecido desse movimento, direciona a ênfase curricular para a experiência infantil como modo de superar o hiato entre o interesse dos estudantes e a escola (LOPES; MACEDO, 2011a). Nessa concepção, o ensino adquire um valor imediato ao invés de ser uma preparação para a vida ocupacional adulta. O progressivismo organiza-se em torno de resolução de problemas presentes na sociedade em um processo contínuo, desde demandas práticas até às mais complexas. Assim, o modo de organização curricular é guiado por princípios democráticos, propostos de modo gradual até a consecução dessas finalidades.

A partir dessa perspectiva de formular uma nova escola, mais democrática, para todas as classes sociais, as ideias de Dewey contribuíram para o desenvolvimento do pensamento curricular no Brasil nos anos 1920, sobretudo pela aproximação de Anísio Teixeira (1900-1971) ao Teacher’s College, na Universidade de Colúmbia onde Dewey trabalhava (MOREIRA, 2010). Enfatizando a natureza social do processo escolar com vistas a reduzir o alto índice de analfabetismo, educadores brasileiros – os chamados Pioneiros da Escola Nova1 – identificados

com ideias democráticas buscavam corresponder o sistema educacional ao novo contexto ocasionado pelo débil processo de industrialização. Embora os escolanovismo seja um

1 Educadores brasileiros que buscavam superar as limitações da antiga tradição jesuítica e da tradição

enciclopédica, derivada da influência francesa em nossa educação, que enfatizavam o caráter elitista. Eles esforçavam-se para tornar o quase inexistente sistema educacional consistente com o contexto da época, realçando a natureza social do processo escolar, sugerindo métodos de ensino e da avaliação e democratização da sala de aula. Nessa concepção, convergem a preocupação com a reestruturação da sociedade à ênfase dada aos aspectos técnicos envolvidos nos processos educacionais.

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movimento com divergentes vertentes, reunindo liberais e socialistas, Anísio Teixeira foi um dos mais renomados desses “pioneiros” e responsável por reformas educacionais na Bahia e Distrito Federal (MOREIRA, 2010). Como Dewey, o escolanovismo concebe a escola como um lugar de transformação social e o currículo como um processo que persiste ao longo da vida, realçando as noções progressivistas desse filósofo.

Apesar de as significativas contribuições de Dewey para a educação, as proposições curriculares iniciadas por Bobbitt sobre seleção e organização das experiências educativas, como um processo de administração cientificamente orientado, encontraram sua melhor representação na obra Princípios básicos de currículo e ensino do americano Ralph Tyler (1902-1994), publicado em 1949 (SILVA, 2005). Preconizando um procedimento linear para organizar o currículo, dividido em quatro etapas, Tyler propõe não apenas definições de metas e objetivos de ensino, de modo detalhado, mas também a seleção e a criação de experiências de aprendizagem adequadas, a organização dessas experiências e, sobretudo, a avaliação do currículo (LOPES; MACEDO, 2011a). Assim, mais do que responder as questões centrais até então primordiais para a teoria do currículo, estabelece um elo entre currículo e avaliação, como modo a verificar a consecução dos rendimentos dos alunos.

Ao sugerir que a eficiência da implementação dos currículos seja inferida pela avaliação, Tyler acreditava que dessa forma seria possível garantir um adequado funcionamento das práticas educativas. Neste sentido, se aproximava dos eficientistas quando associa o currículo aos métodos de racionalização da produção industrial que visava o aumento da produtividade do trabalho que se instituíam em moldes tayloristas e fordistas2 (SILVA, 2005). O currículo, nessa concepção, além de intensificar o controle da ação pedagógica, sintetiza questões burocráticas, simplesmente relacionadas a uma questão técnica de desenvolvimento do sistema escolar, estabelecendo funções fixas a cada um de seus membros. Este paradigma estabelecido por Tyler dominou o campo curricular por longos anos, em diversos países, incluindo o Brasil, onde ficou conhecido como “tecnicismo” e ainda hoje repercute bastante nos procedimentos de elaboração do currículo (MOREIRA, 2010).

2 Na virada do século XIX o engenheiro americano Frederick Winslow Taylor (1856-1915) desenvolveu a ideia

de gerência científica. Esta gerência promovia no ambiente fabril a racionalização do trabalho, através de regras, métodos padronizados e hierárquicos, objetivando a maximização da produção e do lucro. Com base nesse planejamento, a gerência controlava o processo produtivo em que os trabalhadores são meros operadores de tarefas simplificadas. Este modelo de organização da produção industrial, denominado taylorismo, provocou mudanças significativas no ambiente fabril, de modo a perpetuar tais princípios de administração no modelo de produção fordista, proposto mais tarde por Henry Ford (1863-1947). Contudo, este ao introduzir uma linha de montagem em movimento contínuo, por uma espécie de esteira, na qual cada operário passou a ficar fixo em um espaço demarcado, trouxe um intenso controle, automatização e mecanização do processo de trabalho (RIBEIRO, 2015).

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O planejamento das atividades escolares segundo critérios objetivos e científicos, proposto tanto por Tyler e Bobbitt quanto por Dewey e Teixeira, enfatiza o caráter prescritivo do currículo, posteriormente denominado de currículo formal ou pré-ativo. Embora tais tradições constituam perspectivas que apresentam divergências, há em comum um determinado nível centralizador da administração do cotidiano das escolas que se interpõe sobre as decisões da ação pedagógica, como uma ordem de aplicação. Isso se dá em uma dinâmica mecanicista e linear que aparta produção curricular de sua implementação, segundo Lopes e Macedo (2011a). Assim, o controle exercido sobre a primeira etapa parece mais viável, enquanto os insucessos das proposições curriculares são constantemente denunciados como problemas de implementação, recaindo a culpa sobre os “aplicadores”, ou seja, os professores. Daí advém inúmeras tentativas de controlar também a ação curricular docente, como modo de prevenir insucessos.

Em meio a movimentos sociais e culturais de diversas naturezas, contestando o status

quo, que marcaram os anos de 1960 em todo o mundo3, surgiram as primeiras críticas sobre a concepção e a estrutura educacional ditas tracionais (SILVA, 2005). Ao restringir as questões burocráticas e administrativas simplesmente à atividade técnica de como fazer, essas teorias ocultam as relações de poder e as contradições sociais existentes na sociedade. Inconformado com as concepções sobre o mundo social, o filósofo francês Louis Althusser (1918-1990), na obra A ideologia e os aparelhos ideológicos do estado (1970), elenca a escola como uma instituição estratégica pela qual em que se dá a reprodução dos princípios capitalistas que regem o Estado, no qual a estruturas de classes é reforçada. Isto se dá pela transmissão de ideias da classe dominante sobre a sociedade, pelo reforço das práticas excludentes o que, por sua vez, naturaliza as estruturas capitalistas existentes (SILVA, 2005). Esta relação entre escola e ideologia vai constituir o cerne subsequente das teorizações críticas da educação e do currículo baseadas na análise marxista da sociedade (LOPES; MACEDO, 2011a).

Apoiadas nessa perspectiva althusseriana, diversas foram as concepções críticas, denominadas de teorias da correspondência ou da reprodução, que realçaram a escola como uma instituição seletiva e excludente (SILVA, 2005). Embora não trate especificamente sobre o currículo, ampliam as reflexões sobre a educação como um meio de controle social.

3 Alguns dos importantes movimentos sociais e culturais que caracterizam os anos de 1960 são os protestos contra

a guerra do Vietnã e movimentos de contracultura que enfatizava, por exemplo, a liberdade sexual, uso de drogas e libertação individual, nos Estados Unidos; os movimentos de independência das antigas colônias europeias; protestos estudantis em alguns países, em particular na França; as lutas contra a ditadura no Brasil (SILVA, 2005).

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Defendendo uma correspondência entre a base econômica (infraestrutura) e a superestrutura4, a escola passa a ser tratada como dual, transmitindo, através dos conteúdos, exclusivamente visões de mundo apropriada aos que estavam destinados a dominar e, outra, às posições sociais subordinadas. Esta transmissão diferencial, para Samuel Bowles e Herbert Gintis (1976), não estava presente apenas nos conteúdos, mas também na vivência das relações sociais da escola, ao espelhar, no seu funcionamento, as relações sociais do mundo do trabalho. Em contrapartida, Pierre Bourdieu (1930-2002) e Jean-Claude Passeron (1975) com uma abordagem menos determinista, centralizam a importância dos processos culturais na perpetuação das desigualdades sociais. Considerando que o sistema educativo está baseado na cultura dominante, isto é, aquela que possui prestígio e valor social, este modo de reprodução social, simbólico e material, dificulta a escolarização das crianças e jovens das classes populares.

Nesta trajetória das críticas ao papel da escola na preservação da sociedade capitalista que se consolidara, a sociologia britânica direciona suas preocupações para questões mais diretamente relacionadas ao campo curricular. O livro Conhecimento e controle: novas direções

para a Sociologia da Educação, publicado em 1971, marca o início dessa crítica e reúne artigos

de diversos autores que se esforçaram por compreender como a diferenciação social é reproduzida por meio do currículo (LOPES; MACEDO, 2011a). A matriz desses esforços, sob a liderança de Michael Young, ficou conhecida como Nova Sociologia da Educação (NSE). Neste movimento, buscava-se entender os interesses envolvidos por trás dos processos de seleção, organização e distribuição do conhecimento escolar. Em outras palavras, enquanto os grupos que detêm o poder legitimam um saber, a elaboração curricular deve ser pensada como invenção social, envolvendo conflitos e disputas relativos às definições do sistema socioeconômico do seu tempo.

Essa perspectiva de produção curricular implicada em relações assimétricas de poder, apresenta como um dos representantes mais conhecidos no Brasil o norte-americano Michael Apple (MOREIRA; SILVA, 1994). Nos anos de 1980 ocorria no nosso país um processo de abertura política, após quase 20 anos de ditadura militar, marcada no campo educacional e, em especial, no currículo, pela valorização do tecnicismo. Com o processo de redemocratização,

4 A manutenção das estruturas capitalistas é, em grande parte, assegurada através dos aparelhos repressivos

(relacionados ao poder judiciário, a polícia e forças armadas) e aparelhos ideológicos de estado (como, por exemplo, escolas, igrejas, famílias e mídias). Enquanto os aparelhos repressivos asseguram a estrutura da sociedade essencialmente por meio da força, os aparelhos ideológicos constituem crenças que naturalizam as estruturas sociais. Entre os diversos aparelhos existentes a escola assume a posição central. Isto porque esta instituição se encarrega das crianças de todas as classes sociais e desde os primeiros anos da educação infantil inculca-lhes, durante anos, precisamente durante aqueles em que a criança é mais “vulnerável”, espremida entre o aparelho de estado familiar e o aparelho de estado escolar, os saberes contidos na ideologia dominante (ALTHUSSER, 1970).

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Apple é um dos autores que ajudou a reincorporar concepções marxistas aos discursos educacionais brasileiros (LOPES; MACEDO, 2011a). Aproveitando-se das teorias da reprodução, no entanto, evitando ideias excessivamente determinista e abrangentes, este autor defende o currículo como elemento estreitamente relacionado às estruturas econômicas e sociais. Entretanto, esta conexão não pode ser meramente deduzida do funcionamento da economia, mas igualmente mediada pela ação humana, ativamente produzida a partir das histórias de vidas dos sujeitos da escola. Isto quer dizer que a reprodução social, em particular na escola, não é um processo garantido, mas requer um convencimento que não se sucede sem oposição e resistência (SILVA, 2005).

Embora no Brasil, no contexto da redemocratização, destacaram-se abordagens para a produção curricular, em sua maioria de matriz crítico-marxista, outras teorias sociais também foram utilizadas nos anos de 1970 como apoio para elaborar e justificar reflexões sobre o papel do currículo na reprodução da estrutura social, mas ao mesmo tempo, ressaltar o potencial da escola. Por exemplo, enfatizando a inventividade e a especificidade da prática docente nos processos formativos, Willian Pinar em 1975, propõe o conceito de currere, a partir de orientações fenomenológicas, para entender o currículo como uma “conversa complicada” do indivíduo consigo mesmo e com o mundo (LOPES; MACEDO, 2011a). Apesar de as reformas educacionais se voltarem para a prescrição de orientações, o autor defende que é na escola a “experiência vivida do currículo – currere, o correr do curso –, em que o currículo é experimentado e vivido” (PINAR, 2016, p.20). Ao recorrer à etimologia da palavra curriculum, significando originalmente pista de corrida, o substantivo pode transmitir a ideia de completude, em contraste com a forma derivada do verbo (ação) que ressalta uma noção de experiência, processo. Neste percurso, a história de cada indivíduo, marcada por condições geracionais, culturais e locais, pode nos ajudar a reconstruir identidades e entender a diferença dentro de um contexto aparentemente semelhante.

A concepção de entender o singular e o situacional presentes nas histórias de vida dos sujeitos se desdobra no movimento pós-estruturalista (SILVA, 2005). Considerando as complexas relações de poder na sociedade, as desigualdades sociais não são apenas consequências da gradação de classe, mas incluem outras dinâmicas, como as de gênero, sexualidade e raça, que se encontram, de certa forma, nos processos de discriminação e desigualdade baseados na diferença culturais veladas na categoria “classe”. Ao tentar compreender os processos que produzem a subordinação do outro, para os pós-estruturalistas evidencia-se que a diferença é um processo discursivo de produção do sujeito, esta desdobra-se através de uma relação mútua. Invertendo a lógica repredesdobra-sentacional, os pós-estruturalistas

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partilham com o estruturalismo que a linguagem concebe aquilo de que fala ao invés de simplesmente nomear o mundo. Enquanto para os estruturalistas a existência de uma estrutura ou conjunto de relações subjaz os fenômenos, possibilitando uma releitura de mundo, o pós-estruturalismo desloca a noção de estrutura por entendê-la marcada pela linguagem e enfatiza a dimensão diacrônica (sucessão dos termos ao longo do tempo). À medida que sentidos passam a ser naturalizados e partilhados, a capacidade de unificar um discurso já constitui em si um ato de poder (LOPES; MACEDO, 2011a).

Embora o pós-estruturalismo seja fundamentado por diferentes autores, destacam-se os estudos de Michael Foucault (1926-1984) e Derrida (1930-2004) sobre a maior centralidade na linguagem deslocando estruturas (SILVA, 2005). Enquanto no primeiro esta ideia pode ser sintetizada através da noção de poder como uma relação, móvel e fluída e mutuamente dependente do saber, o segundo, por meio do conceito de différance, não faz distinção entre a linguagem oral e escrita, entendendo a oralidade não como uma consciência em estado puro, mas externa ao sujeito. Com base em princípios pós-estruturalistas, Lopes e Macedo (2011a) consideram o currículo teoricamente como um texto, ou seja, um conjunto de práticas que instituem e são instituídas por discursos. Neste entendimento, considerando a pluralidade das experiências curriculares, não cabe estabelecer distinções entre as orientações das instâncias oficiais e a prática docente.

Ao entender que o currículo e a pedagogia integram um todo, articular estrutura e ator social nas análises educacionais amplia e flexibiliza argumentos. Tendo em mente que nenhuma teoria é inquestionável e explica toda a complexidade social, principalmente em um contexto situado a partir dos anos 1990, no qual intensas mudanças políticas, econômicas e culturais moldam relações e indivíduos, o diálogo entre teorias críticas e pós-estruturalistas pode contribuir para redimensionar as relações entre currículo, poder e identidade social. Embora autores como Apple e Pinar reafirmem seus compromissos com as suas teorizações de origem, ambos se valem de outros princípios teóricos para expandir suas análises curriculares (APPLE, 1994; PINAR, 2016).

Ao romper os limites categóricos, Moreira (2010 p.109) ressalta que é possível desenvolver “teorias socialmente úteis” caracterizadas pela relação entre conceito, atividade humana e política. Reforçando mutuamente os elementos críticos das duas tradições, o autor entende que não significa esquivar-se dos paradoxos e das incertezas, mas isto é propício à abertura de novas possibilidades ao pensamento. Assim, este estudo se situa na interseção entre preservar o compromisso da teoria crítica com questões de emancipação, justiça social, democracia e libertação e o compromisso da teoria pós-estruturalista, com uma abordagem que

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inclua as múltiplas vozes, as exclusões e as contingências, sendo espacial e temporalmente situadas.

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1.2. CURRÍCULO E ESTADO NA ERA DA GLOBALIZAÇÃO

O currículo tem assumido centralidade nas políticas de educação global (BALL, 2014). As reformas não são construídas apenas por alterações nas legislações, mas também por base em livros didáticos, formação profissional e avaliação. Esses materiais ou orientações curriculares podem ser investidas para a imposição do projeto político e pedagógico. A formação de única política também pode envolver os sistemas de ensino dos diferentes países que assinam os tratados e convenções propostos nos organismos internacionais. Ao mesmo tempo que há mediações complexas desde a formulação a implementação, pode ocorrer convergências nas políticas da educação em países que tem história social distinta (BALL, 2001).

O poder central de um país pode instituir uma reforma muito mais ampla com vistas a oficializar o currículo. As práticas pedagógicas anteriores à reforma costumam serem menosprezadas de modo a gerar o discurso favorável para o que será implantado (LOPES, 2004). Na justificativa de que antigos padrões curriculares estão inadequados para a nossa sociedade de instabilidades e de drásticas mudanças. Nessas circunstâncias a política está em grande medida relacionada a um ensino prescritivo (LOPES, 2004). Crick (2019) diz que a prescrição apoia místicas acerca da regulação residir no governo central e nas burocracias da educação.

O texto oficial caracteriza como a única resposta plausível para mudanças sociais e econômicas do Estado. Ball et al. (2016) ponderam que quando a política é vista nesses termos, ela não considera outros momentos que acontecem na escola. As políticas impostas verticalmente constituem possíveis fracassos e requerem medidas autoritárias para se sustentar (BALL, 2014). A política escrita pelo governo, por suas agências ou investidores influentes buscam definir identidades e práticas escolares. O currículo consiste em um conjunto de tecnologias morais para as instituições públicas e seus trabalhadores (BALL, 2014). Em um período de globalização podem ser observados conceitos, linguagens e práticas genéricas para a educação.

O projeto de educação global se iniciou em países estratégicos no quadro geopolítico contemporâneo (SILVA, 2012), sendo exemplos expressivos o que se deu na Inglaterra, nos primeiros governos de Margaret Thatcher (1979-1990), e na presidência de Ronald Reagan nos Estados Unidos (1981-1989). Tal projeto pode ser evidenciado na construção da política como manipulação dos sentimentos, na transformação do espaço público de discussão em estratégias

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de convencimentos, na celebração da suposta produtividade do setor privado em oposição à ineficiência do setor público, bem como na redefinição da cidadania em agente econômico, o que constitui alguns elementos do projeto global (SILVA, 2012). Deste modo, tal projeto insere a educação no âmbito de iniciativas privadas e as estratégias de poder para além de qualquer alcance.

A ideologia neoliberal está presente significativamente nesse discurso. Um dos seus propósitos é estabelecer um sistema autorregulável a partir da liberação da economia e da supressão da intervenção social (LIBÂNEO et al., 2012). Ball (2014, p.25, grifos do autor) diz que o neoliberal significa “[…] tanto as relações materiais quanto as sociais envolvidas, que são, ao mesmo tempo, o foco neomarxista sobre a ‘economização’ da vida social e da ‘criação’ de novas oportunidades de lucro”. O autor também reconhece que neoliberal pode ser o “[...] governo das populações por meio da produção de seres empreendedores ‘dispostos’, ‘auto-governamentáveis’” (BALL, 2014, p.26, grifos do autor). Deste modo, o neoliberalismo pode redimensionar diferentes setores da sociedade como política, economia e cultura.

A educação é um dos principais aparelhos do Estado a ser influenciado por essa ideologia. Ela está relacionada à produção da memória histórica e dos sujeitos sociais (SILVA, 2012). Integrá-la à racionalidade econômica pode significar a regulação conforme a ordem administrativa/privada. Negócios educacionais passam a ser parte integrante do processo da política. As avaliações, formações e consultorias de desempenho podem ser significativos exemplos. Em meio a problemas econômicos, a escola tem de assegurar que seus padrões estão aumentando e que para os estudantes estão sendo fornecidas competências/habilidades essenciais (BALL et al., 2016). Cabe ressaltar que este padrão é conseguido muitas vezes por meio de um mecanismo do governo federal. Em outras palavras, agindo por dentro das estruturas de estado.

O currículo e a avaliação foram os alvos de reformas pedagógicas em diferentes países nos últimos anos (SILVA, 2012). Isto porque o currículo nacional, de modo centralizado, pode prover a estrutura que permitirá o funcionamento da avaliação em larga escala (APPLE, 1994) abrangendo massivamente a população estudantil. Neste modelo de avaliação de massa, é possível descrever comportamentos que se espera do aluno e do professor. Enquanto o currículo define o conteúdo/objeto, a avaliação pode conferir as aprendizagens agindo retroativamente sobre elas. Em uma análise do contexto norte-americano Michael Apple pondera que:

O currículo nacional possibilita a criação de um procedimento que pode supostamente dar aos consumidores, escolas com ‘selos de qualidade’ para que as ‘forças de livre

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mercado’ possam operar em sua máxima abrangência. Se for para termos um mercado livre na educação, oferecendo ao consumidor um atraente leque de ‘opções’, então o currículo nacional e sobretudo o sistema de avaliação nacional atuarão, em essência, como uma ‘comissão de vigilância do Estado’ para controlar os ‘excessos do mercado’ (APPLE, 1994, p.74-75, grifos do autor).

Não é só o neoliberalismo que tem atuado na educação, o neoconservadorismo é o outro movimento bastante influente pelo mundo (APPLE, 1994) que atua de forma integrada sobre a educação. Este último, lançando mão de retóricas como liberdade de escolha, procura ditar qual o conhecimento deve ser transmitido para as futuras gerações por meio do currículo. Constituído por grupos que defendem um passado romantizado de lar, família e escolas (APPLE, 1994), diversas têm sido as estratégias de regulação por parte destes grupos baseadas em concepções culturalmente conservadoras. Embora denote uma ideia de preservação, envolve tanto ações defensivas quanto ofensivas para o status quo (APPLE, 1994). No neoconservadorismo o Estado deve ser forte no que se refere às políticas atinentes para corpo, gênero, padrões e condutas.

O neoconservadorismo e o neoliberalismo juntos ajudam substanciar posições conservadoras no cotidiano educacional. Eles convergem políticas e propostas regressivas à educação pública (APPLE, 1994). À medida que os objetivos de ensino vão sendo transformados, noções tais como igualdade e justiça social se deslocam do espaço de discussão pública e de exercício da democracia, cedendo lugar às noções de eficiência e moralidade em critérios privados (SILVA, 2012). A “restauração conservadora”, conforme denominado por Apple (1994) para explicitar a convergência das pautas neoconservadoras e liberais, redefine categorias e termos através dos quais se pode pensar a sociedade e o mundo.

Nessas condições uma (nova) proposição de currículo ou de avaliação no sistema de ensino muito pouco pode representar mudanças nas estruturas sociais/pedagógicas e significar condições de ingressos para a modernidade. Nas palavras de Popkewitz:

reforma é uma palavra cujo o significado varia conforme a posição que ela ocupa, se dentro das transformações que têm ocorrido no ensino, na formação de professores, nas ciências da educação ou na teoria do currículo a partir do final do século XIX. Ela não possui um significado ou definição essencial. Nem tampouco significa progresso, em qualquer sentido absoluto, mas implica, sim, uma consideração das relações sociais e de poder (POPKEWITZ, 1997, p.12).

Mais que apostar em uma política oficial nacional com pretensões de melhorar a educação, há disparidades que excedem esse registro intrinsicamente pedagógico (LOPES, 2018). Não é simplesmente uma proposição curricular nacional com critérios-padrão e projetos identitário fixo que rescindiria os problemas educacionais locais. Apple (1994, p.75-76) sustenta que um currículo unificado em uma sociedade heterogênea “em lugar de coesão

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cultural e social, o que surgirá serão diferenças ainda mais acentuadas, socialmente produzidas, entre ‘nós’ e ‘os outros’, agravando os antagonismos sociais e o esfacelamento cultural e econômico delas resultantes”.

As políticas de educação global passaram a influenciar o modo de governar de diferentes Estados-nação. Permeadas por tensões e disputas pelo poder, dentro de um cenário de acordos e desacordos, a partir da década de 1990 no Brasil há uma intensa participação de grupos econômicos e corporações transnacionais buscando interferir nas políticas públicas para a educação (LIBÂNEO et al., 2012). Estas substanciam ao longo dos últimos anos em uma extensa e detalhada normatização curricular com perspectivas de maior regulação sobre as instituições escolares. No decurso dessas publicações perpassa nas instâncias oficiais a proposta de um currículo nacional como reforma para o ensino. No próximo capítulo escrevemos sobre esse contexto histórico no Brasil.

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2. O CONTEXTO DA EDUCAÇÃO BRASILEIRA NA (DES)ORDEM MUNDIAL

2.1. ENTRE DITADURAS CIVIL-MILITAR E A COERÇÃO NEOLIBERAL

Segundo a linha do tempo produzida pelo próprio Ministério da Educação (MEC), a discussão sobre a necessidade de uma base nacional comum teria se iniciado com a publicação da Constituição de 1988, seguido com a lei infraconstitucional nº 9.394/96 (BRASIL, 1996), a elaboração dos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1998), a homologação das Diretrizes Curriculares Nacionais Gerais para a Educação Básica (BRASIL, 2013) e do Plano Nacional de Educação (BRASIL, 2014)5. Há, no entanto, silenciamentos nesses marcos

temporais que omitem as constantes (e históricas) lutas políticas por uma educação pública e, em contrapartida, muito poderiam contribuir para o que se entende de um currículo nacional.

Através desses contornos que balizam as políticas educacionais nos últimos anos, essa e a próxima seção estão estruturadas para abordar as mudanças e eventuais permanências ao longo dos governos, principalmente, na Nova Repúblicapara a consolidação de um currículo nacional.

Nos anos 1980 a crítica educacional se concentrava nas consequências nefastas do regime militar (1964-1985) e para a necessidade de modificar os modos organizacionais e pedagógicos da educação brasileira (LEHER, 2010). Este período foi marcado por um obtuso autoritarismo, com decisões altamente centralizadas. Saviani (2016) afirma que no final dos anos 1970 começou-se a articular um movimento pela reformulação dos cursos de formação de professores, cuja crítica se dirigia à centralidade de sua orientação tecnicista, e este movimento, por sua vez, materializou-se na I Conferência Brasileira de educação realizada na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), em 1980. Nesta ocasião, foi criado o Comitê Pró Participação na Reformulação dos Cursos de Pedagogia e Licenciatura que se tornou, em 1983, na Comissão Nacional pela Reformulação dos Cursos de Formação de Educadores (CONARCFE) e, em 1990, transformou-se na Associação Nacional pela Formação dos Profissionais da Educação (ANFOPE)6.

As discussões promovidas por esse grupo buscavam na época um princípio pedagógico e político com o intuito de orientar o desenvolvimento curricular das várias instâncias e instituições formadoras de professores em todo o país (SAVIANI, 2016). É a defesa desse

5 Disponível em: <http://basenacionalcomum.mec.gov.br/historico>. Acesso em jun. 2019.

6 A ANFOPE teve como primeiro presidente o professor Dr. Luiz Carlos de Freitas. Disponível em:

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princípio, baseado em uma perspectiva de centralização curricular, que faz emergir a expressão

base comum nacional. Expressão que precisou ser, ao longo das décadas, reiterada nos eventos

realizados pela ANFOPE7. Explicitada mais pela sua negação do que pela afirmação, o referido movimento do campo educacional opõe-se à alegada apropriação do termo pelo ideário mercantil e empresarial de educação escolar.

Em uma disputa de sentidos em que a noção de base comum nacional passa atualmente a ser patenteada por grupos privatistas tributários de uma visão economicista, as finalidades educativas afirmam-se sob a lógica unidimensional do mercado tanto no âmbito organizativo quanto no do pensamento pedagógico. Embora se confirmem diferenças significativas entre os projetos, qualquer centralização curricular em um país tão desigual como o Brasil em quase nada tende a contribuir à formação e docência.

Entre consensos e dissensos relativos às demandas educacionais dos diferentes setores da sociedade, entre outras reivindicações sociais e econômicas, foram vivenciados no Brasil intensos debates no período da travessia da ditadura civil-militar para a redemocratização (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003). O centro desses debates foi direcionado para o processo constituinte e, posteriormente, para a elaboração da Constituição de 1988. Frigotto e Ciavatta (2003, p.104) reiteram que este “capítulo da ordem econômico-social incorporou amplas teses do projeto de desenvolvimento ‘nacional popular’ e logrou ganhos significativos na afirmação de direitos econômicos, sociais e subjetivos”. A nova Constituição (1988) torna-se, assim, um símbolo do processo de redemocratização nacional.

Entre os direitos e deveres estabelecidos aos estados da federação pela Constituição de 1988 (BRASIL, 1988, p.122), o seu Art. 210, previa naquele momento, uma noção de “conteúdos mínimos para o Ensino Fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais”. O artigo não explicita a necessidade de um currículo nacional como a BNCC e tampouco associada a pretensa garantia de qualidade educacional.

Em 1989, no ano da eleição de Fernando Collor de Mello, o Brasil esteve representado por Marcílio Marques Moreira, Pedro Malan e Luiz Carlos Bresser Pereira8 na reunião em que

7 Em 1990, foi problematizado no V Encontro Nacional da CONARCFE/ANFOPE o significado de base comum

nacional: “O termo ‘Base’ foi entendido como ‘núcleo essencial da formação do profissional da educação’ que se refere a fundamentação das áreas do conhecimento que subsidiaram a educação como: sociologia, psicologia, filosofia, história, economia, fundamentos epistemológicos/educação. O segundo termo ‘Comum’ foi concebido como ponto de partida, referência e articulação curricular de formação Comum para todos os profissionais da educação e ‘intra e inter instância de formação’” (ANFOPE, 1990, p.5).

8 Nomes com participação marcante na construção da Nova República referente as primeiras deliberações

correspondentes a nova ordem do capital. Luiz Carlos Bresser Pereira (1987), Marcílio Marques Moreira (1991-1992) e Pedro Malan (1995-2003) foram ministros da Fazenda do governo Sarney, Collor e Cardoso,

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foi difundida a expressão conhecida como Consenso de Washington9 (LEHER, 2010). Sob liderança de dirigentes de nações poderosas como Estados Unidos, Inglaterra e Alemanha, organismos de natureza econômica com atuação transnacional e regional, direcionados à América Latina, essa reunião balizou a doutrina neoliberal que viria a orientar as reformas sociais nos anos de 1990 (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003; LEHER, 2010). Este ideário ideológico pressupunha para a modernização do país estratégias fundamentadas em pilares de desregulamentação, descentralização e privatização. À medida que os agentes dominantes mais proeminentes passavam a delimitar políticas de ajuste estrutural para sobressair o ethos neoliberal, os protagonistas10 destas reformas seguiram em ascensão nas políticas do Estado.

Especificamente no campo da educação, no ano seguinte ao Consenso de Washington, foi realizada em Jomtien, na Tailândia, uma Conferência Mundial de Educação para Todos, sob a recomendação do Banco Mundial (BM), do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), da Organização das Nações Unidas para a Educação e Cultura (UNESCO) e do Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF) (LIBÂNEO et al., 2012). Esta Conferência, que elaborou um documento histórico denominado Declaração Mundial da

Conferência de Jomtien, marca o início de um grande projeto de educação em nível mundial e

vinculado ao setor produtivo (LEHER, 2010; LIBÂNEO, 2012). A partir desse encontro em Jomtien, foi afirmado, entre agências multilaterais, organizações não governamentais e representantes de diversos países11, um compromisso de satisfazer as necessidades básicas de aprendizagem para todos os estudantes ao longo do decênio de 1990.

Estas necessidades abarcavam tanto os conteúdos básicos (como conhecimentos, habilidades, valores e atitudes) quanto as ferramentas essenciais de aprendizagem (como a leitura e a escrita, a expressão oral, o cálculo e a solução de problemas). À primeira vista, pode convergir com intenções compatíveis de uma perspectiva democrática da escola para todos.

respectivamente. Em 1999, Luiz Carlos Bresser Pereira também foi ministro da Ciência e Tecnologia e um dos operacionalizadores da reforma neoliberal no período do mandato do Cardoso (LEHER, 2010).

9 Expressão derivada do encontro Latin American Adjustment: How Much Has Happened?, do Institute for International Economics (LEHER, 2010).

10 Os protagonistas destas reformas seriam os organismos internacionais, como o Fundo Monetário Internacional

(FMI), o Banco Mundial (BM), o Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD). Esses organismos passaram a adquirir a função de tutoria nas reformas dos estados nacionais principalmente aquelas relacionadas aos países do capitalismo periférico. No plano jurídico-econômico, a Organização Mundial do Comércio (OMC) foi tecendo uma legislação cujo poder transcendia o domínio das megacorporações e empresas transnacionais. Em nível regional, na América Latina, destaca-se, no plano econômico, a Comissão Econômica para a América Latina e Caribe (CEPAL) e, no plano educacional a Oficina Regional para a Educação na América Latina e no Caribe (OREALC). Em um plano mais geral situa-se o Acordo de Livre Comércio das Américas (ALCA) (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

11 Participaram representantes de países do Terceiro Mundo mais populosos, como Brasil, Índia, Indonésia, Egito,

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Entretanto, esse ensaio com base em uma política global ditada por organismos internacionais, ao longo das conferências sofreu alterações para se adequar e contabilizar a visão economicista do BM, um dos patrocinadores. A visão ampliada de “educação para todos” limitou-se para a educação dos mais pobres; cedeu nas propostas relativas às “necessidades básicas” para as mínimas e numa perspectiva instrumentalista, desprovida do seu caráter cognitivo; elencou para a “atenção à aprendizagem” a avaliação dos resultados do rendimento escolar e resumiu-se como melhoria das condições de aprendizagem no modo de organização da gestão escolar (LIBÂNEO, 2012).

Em uma conjuntura de intensas articulações empresárias e não governamentais nas políticas públicas, consolidando um novo bloco de poder na década de 1990, Fernando Collor de Mello (1990-1992), filho das oligarquias nordestinas, constitui o primeiro governo a ser eleito pelo voto direto, e não indireto (por membros do Congresso Nacional) após o regime ditatorial, e também o primeiro a assumir plenamente a agenda neoliberal (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003). Ele foi eleito com o apoio de alguns dos maiores grupos de comunicação do país (Rede Globo de Comunicação e Vitor Civita) em oposição a um programa político de natureza democrático-popular que previa reformas inaceitáveis para o capital, referente à candidatura de Luiz Inácio “Lula” da Silva (LEHER, 2010). O governo Collor, todavia, demonstrou uma incapacidade política de operar os ajustes da sociedade brasileira à nova ordem econômica mundial. Colocando em risco o projeto neoliberal e somando-se às denúncias de corrupção, estas ações lhe valeram um processo de impeachment como presidente da república que, ao final, contou até com os setores dominantes da sociedade (LEHER, 2010).

Após a saída de Collor, Itamar Franco (1992-1995), vice-presidente, assume a presidência. Durante o seu governo, foi consubstanciado o Plano Decenal da Educação para

Todos (1993-2003), o primeiro documento oficial brasileiro com bases na Conferência de

Jomtien (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003). Em consonância análoga às estratégias delimitadas na Declaração de Jomtien, o documento do governo Itamar reitera as necessidades básicas de aprendizagem para todos os alunos como função da escola, na prática, entendidas como “mínimas” (LIBÂNEO, 2012). Somam-se a essa proposta, outras ideias da reforma educativa neoliberal, tais como universalização do acesso escolar conjugada à redução dos custos no setor educacional, padronização curricular, financiamento e repasse de recursos financeiros, descentralização da gestão, ensino à distância e sistema nacional de avaliação (LIBÂNEO, 2012). Essa nova hegemonia em construção em nível global e oficializada nacionalmente no

Plano Decenal da Educação para Todos influenciou na elaboração de outras políticas e

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Nos primeiros anos da Nova República, período em que a democracia se demonstrava ainda incipiente, o Estado brasileiro foi atravessado por tantas outras experiências de outros países e outras políticas sobretudo de cunho neoliberal. Para Leher (2010), esta conjuntura redimensionou as políticas públicas para engendrar condições propícias à execução das políticas neoliberais. Segundo o autor, tornado inconcluso o processo de travessia para a democratização, a educação no Brasil passa das “leis do arbítrio da ditadura civil-militar” para a “ditadura da ideologia do mercado” (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003, p.107).

Para viabilizar a aplicação da agenda do Consenso de Washington quanto a uma concretude das propostas economicistas e tecnicistas do Plano Decenal, das reivindicações de forças importantes do bloco de poder em consolidação, Fernando Henrique Cardoso (1995-2003) é eleito presidente do Brasil, dando início à “era FHC”. Para compor e auxiliar o seu governo foram escolhidas pessoas com experiências nas burocracias dos organismos internacionais e/ou intelectuais formados em universidades do exterior (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003). Na área da educação, foi nomeado como ministro Paulo Renato Souza (1995-2003), tendo anteriormente ocupado o cargo de gerente de operações do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) (LEHER, 2010). Ele, ao longo do seu mandato, compatibilizou a educação escolar com um ideário empresarial e mercantil, diluindo-se o sentido de público e reverberando perspectivas individualista, dualista e fragmentária12.

Em um período de intensas reformas, marcado e delineado por um novo modo de governança através de um discurso sobretudo economicista, a tramitação da nova LDBEN/96 sofre influência dada a correlação de forças. As infindáveis discussões da LDBEN/96, para Frigotto e Ciavatta (2003), na verdade, constituíram-se uma estratégia para ganhar tempo e ir implantando a reforma da educação por decretos, portarias, resoluções e medidas provisórias adequada aos interesses do governo. O texto aprovado cerca de oito anos após o início das discussões pela comunidade educacional, representou mais uma vitória do Poder Executivo do que dos movimentos e fóruns sociais. Ele sistematiza tomadas de decisões anteriormente impostas para o ensino e uma síntese deturpada do projeto negociado com as organizações do

12 Em seu conjunto, o projeto de educação básica do governo Fernando Henrique Cardoso afirma-se sob as

demandas do grande capital. Explicitava no âmbito pedagógico e organizativo a lógica empresarial e dos organismos multilaterais, principalmente do Banco Mundial e do Banco Interamericano de Desenvolvimento. Tratava-se de ajustar a educação à reestruturação produtiva relativas às mudanças técnico-científicas exigidas para a nova divisão internacional do trabalho. Não é casual que os Parâmetros Curriculares Nacionais e as Diretrizes Curriculares Nacionais eram estruturados a partir de competências). As propostas centradas nessa noção remetem essencialmente à base do eficientismo, um princípio curricular que mais fortemente relacionou a escolarização e mercado de trabalho (FRIGOTTO; CIAVATTA, 2003).

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