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Anais do VII Seminário Fazendo Gênero 28, 29 e 30 de Agosto de 2006.

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Parto e Maternidade: profissionalização, assistência, políticas públicas. ST 26 Ana Paula Winters Bosco

UFPR

Palavras-chave: maternidade, políticas públicas, Departamento Estadual da Criança (PR).

Políticas de Proteção à Maternidade e à Infância no Paraná: O Departamento Estadual da Criança (1947).

A preocupação com a maternidade e a infância no Brasil não é um fenômeno recente. Desde finais do século XIX, o discurso médico já abordava temas como a alimentação das crianças e a mortalidade infantil, chegando a discutir os hábitos culturais presentes na criação e na educação dos filhos, como ocorria, por exemplo, com a chamada amamentação mercenária, referência à contratação de amas-de-leite, algo extremamente criticado pelos jovens doutores brasileirosi. Este era apenas um dos muitos erros que os novos especialistas da infância – os médicos puericultores – acreditavam encontrar nas famílias brasileiras. Mães ignorantes, descuidadas e até mesmo desinteressadas, apareciam em seus relatórios como as principais responsáveis pela doença e morte de seus filhos. Isso, articulado aos anseios nacionalistas e pressupostos cientificistas que permeavam o saber médico em finais do século XIX e início do século XX, gerou entre os médicos a crença de que eles deveriam interferir diretamente em questões de natureza privada – como era o caso da criação dos filhos – o que se justificava em nome de um bem maior, qual seja, a preservação da saúde e da vida dos futuros cidadãos brasileiros.

Produtores de uma vasta “literatura de aconselhamento” ou da “pedagogia materna”, os médicos assumiram gradativamente o papel de defensores da saúde materno-infantil, embora com uma ênfase maior em torno da figura da criança, vista como o “futuro da nação”. Partindo de uma visão instrumental das mães, os médicos pretendiam, através da educação e orientação nos preceitos de higiene infantil, minorar os problemas ligados à saúde de seus filhos, principalmente no que se refere aos altos índices de mortalidade. Essa preocupação manifestou-se de forma concreta na criação de instituições de atendimento à criança, como foi o caso do Instituto de Proteção e Assistência à Infância no Rio de Janeiro, fundado pelo pediatra Dr. Moncorvo Filho no final do século XIX. O Instituto oferecia atendimento médico e assistencial para as mulheres grávidas e puéperas e para seus filhos, ao mesmo tempo em que se ocupava da divulgação dos preceitos de higiene infantil através de palestras e propagandasii. Devido ao sucesso de sua atuação na proteção materno-infantil, ao longo das décadas seguintes à de sua criação, o Instituto ganhou filiais em vários estados brasileiros, entre eles o Paraná, que teve seu Instituto de Proteção e Assistência à Infância fundado no ano de 1921, pelo médico Dr. Eurípides Garcez do Nascimento.

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Mas não foram os médicos os únicos a se preocuparem com a situação da infância

desamparada. Vários setores da população empenharam-se nessa “verdadeira cruzada para proteger

as crianças pobres de doenças, das precárias condições de sobrevivência e daquilo que alguns acreditavam ser a ignorância e superstição de suas mães”iii. Embora alguns passassem a exigir cada vez mais a intervenção do Estado na resolução dos problemas relacionados à saúde materno-infantil, muitos atuaram por sua própria conta, fundando desde as primeiras décadas do século XX, instituições de caridade dedicadas a amenizar os problemas ligados ao desenvolvimento da criança brasileira. De acordo com a historiadora Ana Paula Martins, a fundação de tais organizações demonstra “como o problema da infância e da maternidade desassistidas começava a mobilizar médicos e cidadãos das classes mais favorecidas, principalmente as mulheres”iv.

O Estado brasileiro do início do século XX era ainda bastante incipiente e, portanto, incapaz de engendrar a sistematização de uma política social. Ao longo da Primeira República, a hegemonia política da oligarquia cafeeira ditou os rumos da economia nacional, bem como das políticas de Estado, que estiveram por um determinado tempo voltadas para os interesses de tais setores da elite brasileira, oferecendo vantagens para a produção e exportação do café, bem como subsídios para a manutenção do seu preço no mercado internacional. O processo de “modernização forçada” levado a cabo pelos setores mais influentes do cenário político brasileiro gerou uma série de novos problemas sociais e agravou outros. A extensão da governabilidade a espaços antes esquecidos implicava em adentrar um terreno no qual as tensões sociais se faziam muito presentes, e para as quais o Estado parecia não possuir soluçãov. A filantropia, especialmente a feminina, foi uma das alternativas encontradas nesse contexto para suavizar o problema social no Brasil, cabendo às senhoras de caridade amenizarem a pobreza daqueles indivíduos abandonados pela sorte, dentre os quais se destacavam as mães pobres e seus filhosvi. Tendo como base a representação da mulher-mãe-dona-de-casa, construiu-se a imagem da “senhora”, esposa dedicada e mãe abnegada, sempre disposta a levar conforto aos necessitados, estendendo para a esfera pública suas funções domésticas. No caso brasileiro, tais instituições femininas tiveram uma atuação importante desde as primeiras décadas do século XX, principalmente no que se refere à proteção à maternidade e à infância. Segundo Fabiana Rodrigues, “dada a própria natureza do Estado brasileiro em seus anos de formação, o papel das instituições filantrópicas femininas foi fundamental na elaboração de programas pioneiros de assistência materno-infantil”vii. Desta forma, as primeiras instituições brasileiras de amparo à saúde materno-infantil surgiram em ambiente privado, e foram organizadas por médicos, religiosos e, principalmente, pelos grupos de mulheres.

Com ascensão de Getúlio Vargas ao poder, em 1930, o Estado passou a demonstrar uma maior preocupação em relação às questões sociais e, dentre elas, aquelas concernentes à maternidade e à infância. Segundo a historiadora Ana Paula Martins, foi durante o governo Vargas

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que, “pela primeira vez no Brasil parecia ocorrer uma coincidência de interesses entre o governo federal e os médicos, que vinham desde o século XIX defendendo a intervenção do Estado nos assuntos referentes à saúde de uma forma geral, e à proteção à criança e a maternidade”viii.

Nesse sentido, quando finalmente tomou as rédeas dessa assistência, o que só veio a ocorrer de fato no final da década de 1930, o Estado já encontrou pronto, em grande medida, um modelo de assistência à maternidade e à infância, modelo este que já vinha sendo utilizado por instituições particulares há pelo menos meio século. E não foi apenas como “fonte de inspiração” que o Estado recorreu às instituições particulares. O modelo de assistencialismo do Departamento Nacional da Criança (DNCr), órgão criado pelo governo Vargas no ano de 1940, e que a partir de então tornou-se o centro de coordenação das políticas públicas nacionais para a maternidade e a infância, tinha por base a idéia da cooperação entre Estado e sociedade. Ao lado de equipamentos criados por iniciativa do poder público, como os Postos de Puericultura e as Casas da Criança, previa-se a atuação de instituições criadas pela iniciativa privada, como as Associações de Proteção à Maternidade e à Infância (APMI’s), como importantes centros de difusão das políticas elaboradas pelo governo central. De acordo com André Pereira, o Departamento preconizava uma espécie de arranjo corporativoix, no qual Estado e sociedade atuariam de forma conjunta no combate aos problemas que afligiam mães e filhos. Ao Estado caberia elaborar as políticas, bem como organizar, orientar e fiscalizar a iniciativa privada, a qual seria a grande responsável pela aplicação dessas políticas. Nesse sentido, a proposta do DNCr implicava uma participação ativa da sociedade, ou de certos setores em especial, entre eles os médicos, as autoridades públicas e os “cidadãos proeminentes” da sociedade brasileirax. O poder público não se eximia, assim, de seu papel regulador da sociedade, mas contava com a ajuda das camadas privilegiadas da população para levar adiante seus projetos.

A partir de 1940 e 1941, os Estados da Federação passaram a criar estruturas semelhantes, e por vezes vinculadas, ao Departamento Nacional da Criança; os Departamentos Estaduais da Criança (DECr), como o que foi criado no Paraná no ano de 1947. Tais órgãos eram os responsáveis pela implementação das diretrizes nacionais, elaboradas pelo DNCr, e pelo estabelecimento de redes de proteção à maternidade e à infância estaduais. Como no caso do programa nacional organizado pelo DNCr, também no plano estadual destacava-se o papel de fundamental importância da iniciativa privada, a qual deveria dedicar-se ao atendimento direto da população, trabalhando em colaboração com o Estado na proteção às mães e crianças.

No caso paranaense, a criação do Departamento Estadual da Criança (DECr) representou um importante momento da sistematização das políticas de proteção à maternidade e à infância. Embora algumas diretrizes políticas de saúde materno-infantil já fossem implementadas desde o governo de Manoel Ribas (1932-1939), foi ao longo dos governos de Moyses Lupion (1947-1951) e Bento

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Munhoz da Rocha Netto (1951-1955) que essas políticas lograram um alcance considerável. O recém-criado departamento funcionava como um intermediário entre as diretrizes do DNCr e a sua aplicação nas municipalidades. A idéia de cooperação entre Estado e sociedade estava presente no próprio decreto-lei de criação do Departamento Estadual da Criança paranaense, tendo em vista que este enumerava como funções do novo Departamento “estimular e orientar a organização de estabelecimentos municipais e particulares, destinados à proteção da maternidade, da infância e da adolescência”, bem como “promover a cooperação do Estado com os municípios e instituições de caráter privado, mediante a concessão de subvenção ou auxílio estadual destinado à manutenção e ao desenvolvimento”xi dos serviços a serem prestados. De acordo com o Decreto de criação, ficava ainda sob a responsabilidade do Departamento a realização de inquéritos e estudos relativos aos problemas materno-infantis, bem como a promoção de campanhas para a orientação da opinião pública e a organização e manutenção de serviços própriosxii.

Dentre os serviços do DECr, destacava-se o “Centro de Puericultura da Capital”, que prestava assistência obstetrícia domiciliar às gestantes e puérperas, oferecia atendimento médico-social à criança, fornecia alimento aos lactantes necessitados, oferecia serviços ambulatoriais, internamento e assistência dentária profilática às crianças doentes, além da visitação e assistência social dos seus clientes. O DECr mantinha também algumas divisões médicas especializadas, não só no Centro de Puericultura, mas também no Hospital das Crianças, através do qual eram feitos o estudo e a pesquisa de problemas relativos à biologia, a higiene e a medicina das crianças e adolescentes.

A campanha em favor da mãe e do filho levada a cabo no Paraná, principalmente nos quatro anos do primeiro governo de Lupion, ganhou visibilidade nacional e o slogan “Um posto de puericultura em cada município”, elaborado por este governo, foi muito elogiado em diversas jornadas nacionais de puericultura e pediatria. Entre 1947, ano de criação do DECr, e 1960, foram criadas mais de 167 novas APMI’s, 20 maternidades e 167 Postos de Puericultura, atendendo a um número considerável de mães e crianças. Como no caso do programa nacional organizado pelo DNCr, também no plano estadual a iniciativa privada teve um papel de fundamental importância, dedicando-se ao atendimento direto da população e trabalhando em colaboração com o Estado na proteção às mães e crianças. E, como o DECr ainda não possuía verbas suficientes para o desenvolvimento pleno do projeto, dependia também financeiramente, em grande medida, dessa iniciativa privada. A importância dessa atuação conjunta é constantemente ressaltada, como se observa através da afirmação de que “para se obter resultados positivos nesse sentido, é mister que existam – profusamente espalhadas por todo o território do Estado – associações especializadas, de caráter particular e dirigidas por pessoas que possuam capacidade para bem servir a coletividade; as associações, naturalmente, serão organizadas de acordo com moldes oficiais”xiii. Desta forma é

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possível perceber que as entidades filantrópicas receberam um papel relevante dentro das novas políticas de saúde pública, sendo constantemente chamadas a cooperar com o Estado em sua obra assistencial.

Podemos perceber, nesse sentido, que governo federal, governo estadual e sociedade empenharam-se na realização desta que era considerada uma tarefa patriótica, qual seja, o cuidado com as mães, principalmente as pobres, e seus filhos. Nesse sentido, as campanhas empreendias em prol da infância, fossem elas paranaense, paulista ou brasileira ligavam-se diretamente a um projeto político mais amplo, qual seja, o do bom desenvolvimento da população. Tal projeto, entre outras coisas, passa pela maternidade e pela infância, mas na verdade tinha como finalidade o futuro da nação.

i

MARTINS, Ana Paula Vosne. “O Estado, as mães e os filhos: políticas de proteção à maternidade e à infância no Brasil na primeira metade do século XX”. Relatório de estágio de pós-doutorado apresentado ao CNPq em 2004, pp. 05.

ii

Idem, pp. 07. iii

WADSWORTH, James E. “Moncorvo Filho e o problema da infância: modelos institucionais e ideológicos da assistência à infância no Brasil”. Revista Brasileira de História, 1999, vol.19 n.37.

iv

MARTINS, Ana Paula (2004), Op. Cit., pp. 08. v

SEVCENKO, Nicolau. “O prelúdio republicano, astúcias da ordem e ilusões do progresso”. In: SEVCENKO, Nicolau (org.). História da Vida Privada no Brasil. Vol. 3. República: da Belle Époque à Era do Rádio. São Paulo: Companhia das Letras, 1998, pp. 11-13.

vi

MARTINS, Ana Paula Vosne. Mulheres, luta de poder: a organização de mulheres em Curitiba, 1952-1982. Curitiba: UFPR, Monografia de Graduação, 1986, pp. 16.

vii

RODRIGUES, Fabiana. Educar as mães para salvar os infantes. Relatório de Iniciação Científica apresentando à Fundação Araucária em 2004, pp. 06.

viii

MARTINS, Ana Paula Vosne. “Políticas da Maternidade: uma introdução à história comparada de gênero e políticas públicas”. Relatório de estágio de pós-doutorado apresentado ao CNPq em 2004, pp. 40.

ix

PEREIRA, André Ricardo “A criança no Estado Novo: uma leitura na longa duração”. Revista Brasileira de

História, 1999, vol. 19, n.º 38, pp. 167.

x

Idem, pp. 166. xi

Decreto-lei n.º 615 de 13 de maio de 1947. Cria a Secretaria de Saúde e Assistência Social e dá outras providências. Arquivo da Biblioteca Pública do Paraná.

xii Idem. xiii

Realizações do Departamento Estadual da Criança durante o governo Moysés Lupion. Curitiba: Secretaria de Saúde e Assistência Social. Arquivo da Biblioteca Pública do Paraná.

Referências

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