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AS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA SOB UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO.

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Academic year: 2021

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AS CONDICIONALIDADES DO PROGRAMA BOLSA FAMÍLIA SOB UMA PERSPECTIVA DE GÊNERO.

Lina Penati Ferreira1- li.penati@hotmail.com Universidade Estadual de Londrina GT 8- “As interface entre teoria democrática, participação política e políticas públicas”. Pesquisa financiada pelo CNPq

Resumo: Este trabalho pretende relacionar os debates feministas sobre justiça social e

igualdade de gênero com o programa de transferência de renda brasileiro, o Programa Bolsa Família, mais particularmente suas condicionalidades. Julgamos importante tal relação, pois as condicionalidades estabelecidas pelo Programa têm como foco a responsabilidade pelo seu cumprimento, o que recai sobre as mulheres. Porém identificamos um paradoxo nessa relação entre mulher beneficiária e condicionalidades do PBF. Se para a gestão do Programa as mulheres são as principais titulares e dessa forma principais responsáveis pelo cumprimento das condicionalidades, essas condicionalidades não se voltam em particular para essas mulheres. Ao contrário, os objetivos visados pelas condicionalidades têm como público alvo crianças e adolescentes. Dessa forma, o Programa, reforça o papel de cuidadora, vinculadas às tarefas reprodutivas, já impostas à mulher por tantos outros setores da sociedade.

Utilizando da investigação realizada pelo projeto de pesquisa “Interconexões entre raça, gênero e geração: estudo sobre a autonomia das mulheres no Programa Bolsa Família” sob coordenação da Profa. Dra. Silvana Ap. Mariano, relacionaremos a visão das beneficiárias sobre as condicionalidades com as proposta de autoras/es que interpelam uma perspectiva de gênero nos programas de transferência de renda.

Palavras-chave: Feminismo; Programa Bolsa Família; Gênero.

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INTRODUÇÃO

O novo movimento feminista não tem muito mais de século, mas já trouxe nesse período

grandes transformações na realidade das mulheres e adentrou também no debate acadêmico. O pensamento feminista, dentro das academias, fez com que surgisse uma nova categoria analítica: gênero. Dessa maneira, se tornou possível pensarmos inúmeras questões sob uma ótica de gênero, pensarmos nas desigualdades que homens e mulheres enfrentam em nossa sociedade, que até então não eram postas em discussão dentro ou fora da academia.

É relevante lembrar que o feminismo conseguiu avançar em alguns pontos, por exemplo, ligados à esfera do trabalho, da política e da sexualidade, mas ainda há muito que se fazer. As mulheres são ainda hoje as mais pobres entre os pobres, ou seja, é válido dizer que a pobreza tem gênero e mais ainda, tem cor. Mulheres negras representam uma grande parte da população que vive em situação de pobreza. Voltar-se para a pobreza no Brasil de hoje é também voltar-se para questões de gênero e de raça e ignora-las é ineficaz para tratar de tal problema. Para Melo (2005, p. 43): “A desigualdade é uma realidade para todas as mulheres e pode-se afirmar que ser mulher é quase um sinônimo de ser pobre, sobretudo se for preta ou parda”. O que confirma a ideia apresentada acima.

É sob esse olhar, preocupada com as desigualdades de gênero, que observamos o Programa Bolsa Família, em especial suas condicionalidades. O PBF é um programa de transferência de renda direta e focalizada, não em indicadores de gênero ou raça, mas sim em indicadores de renda. Esse recorte não pode ser visto como exclusividade do PBF no Brasil, pois da mesma forma outros programa de transferência de renda na América Latina, que surgiram mais ou menos na mesma época, trazem características semelhantes, como por exemplo, as condicionalidades.

Esses programas são resultados de governos que a partir da década de 1990 começam a pensar em políticas sociais que dessem conta de um grande problema econômico: a desigualdade social.Assim aponta Fonseca (2010, p. 3 e 4):

“A maioria dos países enfrentou uma crise econômica (...) e os países enfrentaram uma agenda de ‘reformas estruturais’. (...) As redes mínimas de proteção social (RMPS) foram introduzidas com um duplo objetivo: enfrentar o empobrecimento resultante do ajuste estrutural e melhorar a eficiência da ação dos ministérios e da assistência social.”

O Programa Bolsa Família, criado em 2004, surge então como uma unificação de alguns programas de transferência de renda já existente no Brasil, mas que não se articulavam entre sim. E traz como principal diferencial, as condicionalidades, que devem ser cumpridas em contrapartida do recebimento do benefício. Essas condicionalidades têm como objetivo, segundo o Decreto no 5.209

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de 17 de setembro de 2004, estimular o acesso às políticas públicas de saúde, educação e assistência social, garantindo assim uma melhoria na vida das famílias beneficiárias.

O PARADOXO DAS CONDICIONALIDADES DO PBF

Após esse tempo de funcionamento do Programa Bolsa Família, é possível apontar como as condicionalidades se tornaram realmente um mecanismo que garantem acessos a algumas políticas públicas, entre elas educação, saúde e assistência social. Embora essas políticas atendem

principalmente as crianças e os adolescentes. A educação é para crianças e adolescentes, bem como parte significante da saúde e da assistência. O acesso a essas políticas públicas, são por exigências da gestão garantidos pelo beneficiário titular, ou melhor, pela beneficiária, isso porque a maior parte dos titulares do beneficio são mulheres.

Dessa forma fica claro que a gestão do Programa, que preferencialmente adota mulheres e não homens como titulares do benefício, pressupõe que toda a família conta com uma mulher/mãe que gerencia as questões ligadas aos filhos. Reafirma desse modo o papel da mulher de cuidadora que o feminismo vem se posicionando contra.

Não só o Estado reproduz o papel feminino tradicional por meio do PBF, como as mulheres incorporam e entende que esse é o seu lugar na sociedade. Isso pode ser mais bem esclarecido na pesquisa2 realizada quando observamos as resposta sobre quais mudanças essas mulheres

sugeririam ao Programa:

SUGESTÃO FREQUÊNCIA PORCETAGEM

Aumento do valor 37 49,3%

Aumento da fiscalização 11 14,7%

Mesmo valor para todos 2 2,7%

Não cortar em caso de conseguir emprego

1 1,3%

Mais cursos 2 2,7%

CRAS mais perto/ mais organização

2 2,7%

Oferecer emprego no lugar 1 1,3%

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Pesquisa realizada pelo grupo de pesquisa “Interconexões entre gênero, raça e geração: estudo sobre a autonomia das mulheres no Programa Bolsa Família” sob a coordenação da Profa. Dra. Silvana Ap. Mariano, com as beneficiárias e não beneficiárias do Programa Bolsa Família, no ano de 2012 nas cidades de Londrina e Guaraci, Paraná.

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Oferecer alimento no lugar ou além do PBF

1 1,3%

Não aumentar o valor 1 1,3%

Maior tempo de concessão 1 1,3%

Outro 2 2,7%

Sem sugestão 11 14,7%

Não sabe 3 4,0%

TOTAL 75 100%

Com exceção da resposta “oferecer emprego”, nenhuma outra está relacionada

particularmente à mulher. A preocupação delas se dirige sempre a uma preocupação com a família, como aquela responsável por esta.

Porém podemos supor que como titular do beneficio, ou seja, aquela que recebe o dinheiro, a mulher, garantiria dentro da família e da sociedade certo emponderamento, mas não é bem isso que ocorre. Segundo Fonseca (2010, p.9): “Na verdade, aquilo que aparece como estratégia para emponderar às mulheres está embasada e reforça uma ideia de papel social feminino, bastante tradicional, como mãe que sacrifica seus interesses em prol dos da família”. Isso nos faz pensar que ter as mulheres como titulares pouco tem haver com emponderamento, reflete muito mais numa tutora das condicionalidades.

Na pesquisa realizada entre as titulares, quando perguntado a elas se depois da inclusão no Programa Bolsa Família elas se sentiam com mais obrigações e responsabilidades, um percentual de 80% diziam que sim, se sentiam com mais obrigações e responsabilidades em relação a antes do benefício. E entre esses 80% as resposta sobre quais obrigações e responsabilidades aumentaram estavam sempre ligadas à gerência do dinheiro para a família ou ao cuidado dos filhos. Entendemos mais uma vez que o recebimento do benefício reforça o papel de cuidadora à mulher e não lhe deixa outra opção. Este fenômeno não se relaciona ao processo de empoderamento, mas pelo contrário, como uma manutenção de um sistema que a sociedade impõe as mulheres.

Desigualdades sociais e injustiça de gênero

Preferimos adotar um modelo feminista teórico, apresentado pela filósofa Nancy Fraser, que tenta dar conta desses dois problemas apresentados: desigualdades sociais e injustiça de gênero. Para isso, compreender dois conceitos de sua teoria será de extrema importância, tais conceitos são redistribuição e reconhecimento. Fraser associa essas ideias com o movimento que o feminismo, europeu ocidental e norte americano, faz especificamente em sua segunda onda (FRASER, 2007).

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O conceito de redistribuição está mais associado ao início da segunda onda feminista, por volta dos anos de 1960. Nesse momento o movimento feminista se coloca ao lado de outros movimentos progressistas, desafiando a socialdemocracia. Segundo a autora (FRASER, 2007, p. 295): “problematizando o paternalismo do Estado de bem-estar social e a família burguesa, os feminismos expuseram o profundo androcentrismo da sociedade capitalista. Politizando o ‘pessoal’, expandiram as fronteiras de contestação para além da redistribuição socioeconômica”. Desse modo se dá a política de redistribuição, mas que logo será agregada à uma política de reconhecimento.

Esse conceito (reconhecimento) se estrutura com a queda dos governos socialdemocratas e a ascensão, ou melhor, a volta, dos governos liberais. Se o movimento feminista se apoiava

anteriormente numa política contra a socialdemocracia, sem essa, o feminismo se vê sem base. É nessa transição que surge a ideia de reconhecimento, o reconhecimento pelas diferenças, que em parte tinham sido deixadas de lado no momento anterior:

“feministas recorreram à gramática do reconhecimento para expressar suas

vindicações. Incapazes de obter progresso contra as injustiças da política econômica, prefeririam voltar-se para os males resultantes dos padrões antropocêntricos de valor cultural ou de hierarquias” (FRASER, 2007, p. 296).

Apresentados esses dois conceitos, podemos relacionar melhor esses aos problemas postos acima. Entendemos, assim como Mariano (2009, p. 44) que:

“A combinação entre as duas diferentes perspectivas de abordagem sobre as desigualdades e injustiças de gênero – distribuição e reconhecimento – produz uma nova perspectiva teórica de gênero como categoria bidimensional, do modo como propõe Nancy Frase”.

A partir dessa nova perspectiva teórica, entendemos que o feminismo agrega à crítica do Programa Bolsa Família as ideias de distribuição e reconhecimento para a superação das

desigualdades e das injustiças de gênero. Porém não é possível visualizar tais ideias dentro das propostas do Programa, ou pelo menos não vemos integralmente estas ideias. É viável

reconhecermos que as desigualdades têm em parte sido enfrentadas por meio da redistribuição de renda, que o programa atende. Também é relevante lembra que promove a redistribuição por meio das condicionalidades, porém essa ainda é muito falha.

Todavia, não encontrarmos princípios dentro da estrutura do Programa que se refiram ao conceito de reconhecimento, e podemos apontar assim uma lacuna no que se refere ao combate das injustiças de gênero dentro do PBF. Ao relacionarmos essa lacuna aos dados sobre a pobreza no Brasil encontramos uma incoerência no combate a pobreza por meio do PBF.

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CONCLUSÃO

O Programa Bolsa Família tem como foco retirar as famílias da pobreza, e tem feito isso ao longo dos anos, porém não une isso a uma perspectiva de gênero que poderia trazer avanços no projeto de igualdade de gêneros. Se as mulheres são maioria na situação de pobreza, como não pensar em políticas públicas que atendam a essas?

Conceitos apresentados anteriormente no texto como “redistribuição” e “reconhecimento”, conceitos esses baseados em reinvindicações feministas por uma justiça social e igualdade de gênero, devem auxiliar o pensamento sobre o Programa.

Entendemos que o PBF tenta ao máximo cumprir seu papel de retirar as famílias da extrema pobreza, todavia não se volta para um problema persistente que se entrecruza com a questão da pobreza: a desigualdade de gênero. Acreditamos que somente sob uma ótica de gênero é que o Bolsa Família pode alcançar seus objetivos.

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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

BRASIL, decreto n. 5.209, de 17 de setembro de 2009. Disponível em:

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2004-2006/2004/Decreto/D5209.htm. Acessado em: 28 de julho de 2012.

CARLOTTO, C.; MARTIANO, S. No meio do caminho entre o privado e o público: um debate sobre o papel das mulheres na política de assistência social. Estudos feministas,

Florianópolis: maio/agosto, 2010, p. 451-471.

FONSECA, Ana. As mulheres como titulares das transferências condicionadas. 2010. FRASER, Nancy. Mapeando a imaginação feminista: da redistribuição ao reconhecimento e à representação. Estudos feministas, Florianópolis: maio/agosto, 2007, p.291-308.

MARIANO, Silvana Aparecida; CARLOTO, Cássia Maria. Gênero e combate à pobreza: Programa Bolsa Família. Estudos feministas, Florianópolis: setembro/dezembro, 2009.

MARIANO, Silvana Aparecida. Debate feminista sobre direito, justiça e

reconhecimento: uma reflexão a partir do modelo teórico de Nancy Fraser. Mediações, Londrina,

v. 14, n.2, p. 34-51, Jul/Dez. 2009

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